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RENÚNCIA AO MANDATO
EFEITOS
Sumário
1. Nas acções em que é obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato por parte do mandatário do réu apenas produz efeitos a partir da notificação ao mandante e, se este não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias após essa notificação, o processo segue os seus termos. 2. A lei preocupa-se em estabelecer a conciliação entre os interesses do mandatário, do mandante e os relacionados com a boa administração da justiça. 3. Não aceita que a simples renúncia ao mandato implique a imediata suspensão do prazo que esteja em curso, pois tal abriria caminho ao uso de expedientes dilatórios. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Faro, AA demandou a Associação …, IPSS, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 8.280,00, acrescida dos juros vencidos no montante de € 1.134,82, bem como os vincendos.
A audiência de partes foi designada para o dia 25.10.2022 e a Ré foi citada para comparecer nesse acto, sendo advertida que em caso de justificada impossibilidade de comparência, se devia fazer representar por mandatário judicial com poderes de representação e os especiais para confessar, desistir ou transigir, ficando sujeita às sanções previstas no CPC para a litigância de má fé.
Foram-lhe entregues nesse acto os duplicados legais da petição inicial e documentos que a acompanhavam.
Em 18.10.2022 a Ré juntou procuração forense a favor de Ilustre Mandatária, a quem conferiu os poderes forenses gerais e ainda os especiais para transaccionar, confessar e desistir, bem como para a representar quando por força de lei ou de despacho judicial for obrigatória a sua comparência pessoal, deliberando e decidindo, em seu nome, conforme melhor entender na defesa dos seus interesses.
A audiência de partes decorreu no dia 25.10.2022 e nela estavam presentes a Ilustre Mandatária da A., que apresentou procuração com poderes especiais, o legal representante da Ré e a sua Ilustre Mandatária.
Tentada a conciliação e não sendo esta possível, foi a Ré de imediato notificada que tinha “o prazo de dez dias para, querendo, contestar a acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pela Autora e, em idêntico prazo, juntar os respectivos meios de prova.”
No dia 27.10.2022, a Ilustre Mandatária da Ré comunicou ao processo que tinha renunciado ao mandato. Juntou também requerimento no qual constava comunicação por si realizada à Ré informando-a que o prazo que estava em curso não se iria suspender e que deveria juntar de imediato procuração forense a favor de outro advogado.
Foi determinada a notificação à Ré da renúncia do mandato, notificação essa que ocorreu a 03.11.2022.
No dia 17.11.2022 a Ré apresentou contestação e juntou procuração com essa data, pela qual constituía outra Ilustre Mandatária.
Após requerimento da A. e contraditório da Ré, foi proferido despacho declarando extemporânea a contestação e não a admitindo.
Deste despacho foi interposto recurso pela Ré, o qual subiu em separado.
Nas suas conclusões – que não são propriamente um modelo de capacidade de síntese, como exigido pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil – a Ré coloca as seguintes questões:
1.ª Se a decisão recorrida viola os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito, do direito à defesa e à defesa condigna?
2.ª Sendo a contestação a peça processual mais importante da Ré, em que esta apresenta a sua defesa e junta a sua prova, se poderia apresentar tal peça sem estar acompanhada de Mandatário?
3.ª Se a renúncia ao mandato impõe ao advogado o dever de não prosseguimento do mandato nem de assegurar qualquer defesa, por quebra intransponível dos laços de confiança recíproca?
4.ª Tendo a renúncia ao mandato ocorrido no prazo de contestação, se a Ré podia, em tempo, constituir outro mandatário e elaborar a sua defesa?
5.ª Se do art. 47.º do Código de Processo Civil resulta que o prazo processual em curso se suspende durante 20 dias e enquanto a parte não constitua mandatário, para esta organizar a sua defesa?
6.ª Se a Ré ficou em situação de desigualdade de circunstâncias, em relação a quem tivesse pedido apoio judiciário com nomeação de patrono, caso em que o prazo de contestação se suspenderia?
Na sua resposta, a A. pugnou pelo desatendimento do recurso.
Produziu a Digna Magistrada do Ministério Público junto desta Relação o respectivo parecer, propondo a negação de provimento ao recurso, o qual foi notificado às partes.
Cumpre-nos decidir.
Os factos a ponderar neste Acórdão são os constantes do relatório.
APLICANDO O DIREITO Da renúncia ao mandato e suas consequências nos prazos em recurso
De acordo com o art. 47.º n.ºs 2 e 3 al. b) do Código de Processo Civil, a renúncia ao mandato por parte do advogado do réu apenas produz efeitos a partir da notificação ao mandante e, nos casos de constituição obrigatória de advogado – como é o caso, dado ser admissível recurso ordinário – se o réu não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, após a notificação da renúncia, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo mandatário que renunciou.
Comentando esta norma, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1] afirmam o seguinte: “Estabelece-se um prazo de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial, visto que o processo entretanto prossegue. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo, se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor ou exequente, ou extingue-se o incidente (ou o procedimento não incidental, como é o caso dos embargos e do procedimento cautelar prévio) se faltar advogado ao requerente (incluído o opoente) ou embargante; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, exequente ou requerente, se faltar advogado ao réu, executado ou requerido.”
Pode-se, pois, concluir que, sendo obrigatória a constituição de advogado, o advogado renunciante apenas se desonera do mandato depois do mandante ter constituído novo mandatário ou decorrido aquele prazo de 20 dias após a notificação sem que tal suceda. Enquanto esse prazo não decorrer, a instância não se suspende e o advogado renunciante mantém o dever deontológico de garantir a representação da parte.[2]
Note-se que está em causa uma relação tutelada por normas deontológicas, em que a continuidade de funções durante o referido prazo de 20 dias se integra no dever previsto no art. 100.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 145/2015, de 9 de Setembro): “Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.”
Logo, a notificação da renúncia ao mandato por parte da primeira mandatária da Ré não implicou a imediata cessação do seu patrocínio, dado se tratar de causa em que o patrocínio era obrigatório.
Esta é a interpretação actualmente dominante da jurisprudência, de que são paradigmáticos os seguintes Acórdãos, todos publicados em www.dgsi.pt:
- da Relação de Lisboa de 22.02.2018 (Proc. 1016/14.5YYLSB-A.L1-8);
- da Relação do Porto de 23.03.2020 (Proc. 25561/15.6T8PRT-C.P1);
- da Relação de Coimbra de 23.02.2021 (Proc. 5403/18.1T8VIS.C1);
- da Relação de Guimarães de 25.02.2021 (Proc. 944/16.8T8BGC.G1);
- da Relação de Guimarães de 18.03.2021 (Proc. 2128/15.3T8VNF-A.G1);
- da Relação de Évora de 30.03.2023 (Proc. 979/21.9T8SLV-A.E1); e,
- outro da Relação de Évora da mesma data de 30.03.2023 (Proc. 755/22.1T8PTM.E1).
Note-se que a lei preocupa-se em estabelecer a conciliação entre os interesses do mandatário, do mandante e os relacionados com a boa administração da justiça. Na verdade, a lei não aceita que a simples renúncia ao mandato implique a imediata suspensão do prazo que esteja em curso, pois tal abriria caminho ao uso de expedientes dilatórios.
E é assim que a norma em causa não afronta os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito, pois o advogado renunciante continua no pleno exercício do seu mandato, durante 20 dias, prazo razoável para o mandante constituir novo mandatário.
Citemos, a propósito, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 671/2017, de 13.10.2017, publicado na respectiva página electrónica: «A norma em causa procede a uma conciliação entre os interesses do mandatário, os do mandante e ainda aos interesses da boa administração da justiça. Assim se compreende que a revogação e a renúncia do mandato judicial tenham lugar no próprio processo e que a renúncia seja pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3 (artigo 47.º, n.º 2, do CPC). O regime do artigo 47.º do CPC visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário. Daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo – de dimensão perfeitamente razoável – o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato. Estando, por força da lei, o mandatário judicial constituído ligado ao mandato, no momento em que ocorreu a audiência de julgamento, não pode afirmar-se que se tenha verificado qualquer perturbação relativamente ao exercício do direito à tutela efectiva que afectasse a posição processual da recorrente. O facto de a audiência de julgamento ter prosseguido, sem que a embargante estivesse representada, resultou da ausência do advogado, que, segundo o Tribunal recorrido, incumpriu os seus deveres deontológicos. Por outro lado, independentemente de uma eventual quebra na relação de confiança entre a mandante e o mandatário, o certo é este não poderia deixar de cumprir as obrigações a que se encontrava adstrito enquanto o mandato não pudesse considerar-se extinto. Não há, por isso, qualquer risco, em situação de normalidade e desde que se use a diligência devida, de a parte deixar de exercer os direitos processuais por virtude da renúncia do mandato, visto que a lei contempla mecanismos que permitem assegurar a representação processual sem prejuízo para a defesa dos interesses que se pretende fazer valer na acção. A especialidade do regime tem, pois, a fundamentá-la uma razão material bastante – a celeridade da administração da justiça – razão essa congruente com a prossecução, por parte do legislador ordinário, de interesses e valores constitucionais dotados de particular relevância. Tanto basta para que se conclua que, face ao parâmetro contido no artigo 20.º da CRP, não merece a norma sob juízo qualquer censura. Não se mostram, pois, violados quaisquer dos direitos e princípios constitucionais invocados.»
Assim, temos a responder à Recorrente que não ocorreu qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito, pois o mandato não se extinguiu automaticamente pela mera renúncia da sua primeira mandatária.
Finalmente, diremos que a alegada desigualdade de circunstâncias com quem beneficia de apoio judiciário com nomeação de patrono, para além de meramente hipotética, esquece que a suspensão concedida nesses casos se justifica por um motivo atendível: o beneficiário não dispõe de meios económicos para contratar um advogado, e isso justifica a suspensão do prazo em curso enquanto o pedido de apoio judiciário é analisado e lhe é nomeado um advogado.
Situação absolutamente diferente de quem teve meios económicos para contratar um advogado, e é confrontado com uma renúncia do mandato: a lei garante-lhe a manutenção dos deveres deontológicos do seu advogado durante 20 dias, tempo mais que suficiente para procurar e constituir outro mandatário.
Enfim, o recurso não merece provimento.
DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o despacho que declarou extemporânea a contestação.
As custas pela Ré.
Évora, 25 de Janeiro de 2024
Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa
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[1] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., págs. 101/102.
[2] Neste sentido, cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 29.11.2011 (Proc. 2191/03.0TBACB-A.C1), da Relação de Guimarães de 11.09.2012 (Proc. 2824/10.1TBVCT-A.G1), da Relação do Porto de 23.06.2015 (Proc. 5046/13.6TBVFR.P1) e ainda da Relação de Coimbra de 24.01.2017 (Proc. 412/09.4TBMMV-A.C1), todos publicados em www.dgsi.pt.