GRAVAÇÃO AÚDIO OU VÍDEO
CAUSA DE EXCLUSÃO DE ILICITUDE
DOMICÍLIO CONJUGAL
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

I–É jurisprudência dominante que a gravação áudio ou vídeo destinada a demonstrar factos com relevância criminal não configura a prática de um crime, já que efectuada ao abrigo de causa de exclusão da ilicitude, particularmente quanto a condutas que decorrem por regra no domicílio conjugal, em contexto intrafamiliar e fora da esfera de observação alheia, caso em que a prova dos factos pode ser particularmente difícil e, regra geral, só o arguido e vítima têm conhecimento daqueles, ocorridos no recato de uma impunidade não presenciada.

II–Não há motivo para diferenciar a prova adquirida por vítima de crime de violência doméstica, daquela que é junta por alvo de, no limite, denúncia caluniosa, em idênticas circunstâncias de dificuldade probatória e pelas mesmas razões.
III–O princípio da igualdade de armas, corolário da estrutura acusatória do processo penal, com guarida constitucional (nº 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa), de resto como o princípio base das garantias de defesa (nº 1 do mesmo preceito constitucional) impõem isso mesmo.
(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


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AA foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por idêntico período, com regime de prova, resultante de cúmulo das duas penas a que na ocasião foi condenado:
2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crime de violência doméstica p. e p. pelo artº 152º, nº 1, alíneas a) e b), nº 2, alínea a) e números 4 e 5, do Código Penal; e
2 anos e 10 meses de prisão, também pela prática de crime de violência doméstica.
Foi ainda condenado no pagamento de 1.750 e 3.500 euros, respectivamente, a BB e CC, acrescidos de juros legais desde a notificação para contestar.
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Interpôs o arguido recurso concluindo, na parte que ora interessa e em resumo:
(…) Sendo cidadão estrangeiro (…) quer o acto de constituição de arguido (fls. 144 e 144v) quer o TIR (Termo de identidade e residência) prestado a fl.s 145, não foram traduzidos na língua inglesa, ou seja, estão somente escritos na língua portuguesa, e nesse estado, foram notificados ao arguido.
4.– Assim sendo, o processo está ferido de nulidade insanável, nos termos dos artigos 92º, nº2 do C.P.P., e artigos 2º e 3º da Directiva 2010/64/EU, de 20/10 (…)
o pedido cível formulado pela Assistente CC não foi traduzido, nem notificado ao arguido, o que também a nulidade insanável, nos termos do artigo 113º, nº10 e 92º, nº2 do C.P.P., e artigos 2º e 3º da Directiva 2010/64/EU, de 20/10.
7.–A sentença está ferida de Nulidade por omissão de pronúncia, e falta de fundamentação, p.p. nos artigos 374º, nº1 alinha d) e nº2 e 379º, nº1, alinha a) e c) do C.P.P., já que não resulta da mesma qualquer pronúncia sobre a Contestação apresentada pelo arguido.
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O Ministério Público junto da primeira instância pugnou fosse negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, concluindo a propósito:
6.– Compulsados os autos, constata-se que a constituição de arguido e prestação de TIR, foram comunicados ao arguido, com recurso a intérprete, que assinou tais documentos, tal como o arguido.
12.– Mesmo entendendo que o Tribunal violou o disposto nas normas constantes dos artigos 92.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e artigos 2.º e 3.º da Diretiva 2010/64/EU, de 20 de outubro, (numa configuração ampla do direito à tradução, que garanta a entrega de documentos escritos traduzidos), tal violação configura mera irregularidade, não tendo sido arguida pelo interessado no próprio ato, cfr. o disposto no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, estando sanada, há muito.
(…) a .../.../2022, foi o arguido notificado para contestar, notificação essa acompanhada do pedido de indemnização cível elaborado pela Assistente CC, devidamente traduzido para inglês. Tais documentos foram remetidos para a morada constante do TIR.
17.– A presente Sentença não se podia pronunciar sobre a Contestação apresentada porque, a mesma encontra-se controvertida, controvérsia que será resolvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
18.– Mais procurou o Recorrente introduzir no processo meios de prova proibidos, através da Contestação que assim (…) não deveria nem poderia ser tomada em conta aquando da redação da Sentença, pelo que não foi violado o disposto nos artigos 374.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos do Código de Processo Penal.
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A assistente BB respondeu, sem concluir.
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A assistente CC respondeu, concluindo a propósito:
1– O recorrente interpôs recurso da Sentença arguindo a sua nulidade por violação dos artigos 92º, nº2 do C.P.P., e artigos 2º e 3º da Directiva 2010/64/EU, de 20/10, porquanto não foram traduzidos para a língua inglesa o auto de constituição de arguido e o TIR.
2– O recorrente foi assistido por defensor oficioso e por tradutor, pelo que todos os documentos foram traduzidos e explicados o seu conteúdo para a língua inglesa.
3– Tais documentos constam dos autos, devidamente assinados e rubricados, pelo recorrente e pelo Tradutor.
4– Pelo que não opera a nulidade invocada pelo recorrente.
5–O recorrente argui ainda a nulidade da sentença em virtude do pedido de indemnização da assistente CC não ter sido traduzido para a língua inglesa.
6– Mais uma vez tal nulidade não opera, umas vez que o documento foi traduzido e notificado ao recorrente, conforme consta dos autos – dia .../.../2022 com a referência com a refª ..., bastando para o efeito consulta-lo através da plataforma citius
7– O recorrente invoca ainda nulidade da sentença por omissão de pronúncia, e falta de fundamentação, p.p. nos artigos 374º, nº1 alinha d) e nº2 e 379º, nº1, alinha a) e c) do C.P.P.
8– Não existe qualquer nulidade, aliás não ocorre a falta de fundamentação da sentença, imposta pelo art. 374º do CPP, se o teor da decisão impugnada permite inferir que juiz ficou convencido da realidade dos factos que arrolou como assentes e indicou o percurso ou o raciocínio lógico que o conduziu a essa convicção (...)
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O arguido havia interposto recurso interlocutório da decisão que indeferiu a reprodução em audiência de vídeos juntos pelo arguido na sua contestação, concluindo, em síntese:
(...) foi decidido não admitir a prova apresentada pelo arguido na sua Contestação, designadamente um conjunto de vídeos e imagens (...)
2.–Através de Despacho proferido a ... de ... de 2022 (fls…), transitado em julgado, foi admitida a Contestação apresentada pelo Recorrente, bem como a prova indicada, esgotando-se dessa forma o poder jurisdicional do juiz.
3.–Ao proferir um novo despacho onde se vem pronunciar novamente sobre a referida matéria, o tribunal á quo cometeu uma nulidade insanável (...) nos termos do disposto no artigo 119.º, al. e) do CPP, por violação das regras de competência e hierarquia;
7.– A decisão aqui recorrida não cumpre o disposto no artigo 374.º do Código de Processo Penal, pois não se apresenta devidamente fundamentada, pelo que, a falta desse elemento, configura uma situação de insuficiência de fundamentação, resultando assim na nulidade da decisão proferida, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (...)”
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O Ministério Público junto da primeira instância respondeu, concluindo a propósito:
14.– A questão em causa não diz respeito à matéria ou normas de competência e hierarquia, pelo que nenhuma questão se suscita quanto a essa matéria.
15.– Assim, a norma ínsita no artigo 119.º, alínea e) do Código de Processo Penal não foi violada, não se verificando nenhuma nulidade insanável.
16.– A decisão de não admitir a produção de prova está fundamentada, fundamentação essa que se prende com o facto de ser prova proibida, já que se trata de vídeos e fotogramas da assistente, que não consentiu em tais gravações, o que é referido aquando da emissão do despacho.
17.– Mesmo que assim não fosse, os artigos 374.º, n.º 2 e379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, respeitam única e exclusivamente à sentença (...)
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A assistente BB respondeu, sem concluir.
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A assistente CC respondeu, concluindo a propósito:
“(...) 2 – O tribunal a quo fundamentou o seu despacho (...).
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Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Corridos os vistos, foram os autos à conferência.

Fundamentação.
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A sentença recorrida, na parte que releva para a decisão do recurso, estabeleceu os seguintes factos provados:
1.–O arguido, AA, e a assistente BB, contraíram casamento em ........2000.
2.–Dessa união nasceram CC, em ........2000, DD, em ........2004, e EE, em ........2008.
3.–A família residiu na ... e, depois, em ....
4.–Mudaram-se, no verão de ..., para a casa sita na ....
5.–A relação entre AA e BB foi-se degradando.
6.–Perante a postura assumida pela esposa BB, o arguido, AA, começou a dirigir-lhe, com frequência e foros de veracidade, as expressões “whore”, “Vai para a rua!” e “Não vales nada!”.
7.–Quando BB regressava a casa, o arguido, AA, dizia-lhe, em tom de voz sério, “Já abriste as pernas hoje a quantos?!” e “Andas a dormir com este e com aquele!”.
8.–Chamava-lhe “demónio”, “feia”, “satânica”, “puta”, acrescentando que ía ficar com a guarda dos filhos.
9.–Entre os anos de ... e ..., com frequência, no interior da residência da família, o arguido, AA, cruzava-se com a esposa, BB, no corredor e, ostentando uma postura ameaçadora, encostava o seu corpo ao corpo desta e dizia-lhe, em tom de voz sério, que não tinha medo dela e que lhe dava um soco que a fazia parar à parede.
10.–No decurso das discussões, o arguido, AA, empurrava BB e cuspia-lhe no rosto.
11.–Em ..., e no interior da residência da família, o arguido, AA, fazendo uso da força, torceu o pulso da vítima, provocando-lhe dores.
12.–No dia ........2019, pelas 23 horas, quando a vítima chegou a casa, o arguido iniciou uma violenta discussão com a vítima, e disse-lhe, em tom de voz sério, “És uma puta. Estiveste a abrir as pernas para alguém!”
13.–No decurso do ano de ..., o arguido começou a dizer à vítima CC, “és uma puta, e a tua mãe e a tua irmã também são!”, começou também a dizer-lhe, “quero que tu morras!”
14.–Desde que a família vive no …, que o arguido começou a dirigir à vítima CC as expressões, “puta”, “bitch”, “son of a bitch” e “bitch like your mother”.
15.–Com frequência, no mencionado período, o arguido, AA, iniciava discussões com a vítima CC questionando as roupas que esta vestia e, nessas mesmas alturas, dirigia-lhe as expressões mencionadas.
16.–Chegou, inclusivamente, a empurrá-la.
17.–AA apresentava BB e CC como maus exemplos.
18.–AA agiu sempre com o propósito conseguido de molestar física e psicologicamente as vítimas BB e CC, de as atingir na sua saúde psíquica, bem como de a perturbar na sua paz e sossego.
19.–Agiu ciente de que a ofendida BB era a sua mulher e que CC era sua filha, estudante e, economicamente, dependente do arguido.
20.–Mais sabia que lhes devia respeito e consideração e que as suas condutas porque praticadas no interior da residência do casal, eram especialmente gravosas.
21.–Agiu sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as condutas por si perpetradas eram proibidas porque punidas por lei penal (…)”
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E os seguintes factos não provados:
a)-Que EE nasceu a ... de ... de 2001;
b)-Que, a partir do ano de ..., coincidindo com o inicio da adolescência, o arguido AA começou a implicar com a filha CC, começando a chamar-lhe mentirosa;
c)-Que o arguido, AA, dirigisse a BB as expressões transcritas em 6 quando esta defendia a filha de ambos, CC;
d)-Que, com frequência, entre os anos de ... e ..., e no interior da residência do casal, o arguido, AA, dizia aos filhos que não podiam tocar na mãe, BB, porque esta tinha o sangue contaminado;
e)-Que, no dia ........2019, no interior da residência da família na sequência de uma discussão, o arguido desferiu um soco no antebraço da vítima;
f)-Que, em razão da pendência dos presentes autos, o arguido, AA, começou a dizer aos três filhos menores que sabe o que eles disseram em declarações, que vai por a mãe na prisão e que eles vão fazer o teste do polígrafo e que, por causa dos filhos, ele pode ser preso entre 3 a 6 meses;
g)-Que, a partir de ..., o arguido, AA, começou a dizer aos filhos que se a mãe não está em casa é porque não gosta deles, com frequência diz aos filhos que os odeia, e aponta as vítimas BB e CC como exemplos do mal;
h)-Que agiu também com o propósito de perturbar e molestar, psicologicamente, os filhos mais novos, DD e EE, o que quis e logrou;
i)-Que a assistente, BB, se refugiava em casa dos vizinhos;
j)-Que foi diagnosticada com depressão e deixou de conseguir trabalhar.
k)-Que a filha CC se isolou e, por força da actuação do arguido, não alcançou as notas que desejava.”
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E como motivação da fixação da factualidade que antecede discorreu a sentença recorrida como segue:
“A convicção do tribunal, quanto à matéria de facto provada teve por base a análise crítica de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, tendo em conta, essencialmente, as declarações prestadas por BB e pela filha mais velha, CC, bem assim como o depoimento prestado por DD, filho do extinto casal, os quais confirmaram:
• que AA e BB casaram, em ..., e permaneceram casados durante 21 (vinte e um anos);
• que tiveram 3 (três) filhos: CC, DD e EE;
• que a relação começou a deteriorar-se quando viviam em ..., por razões financeiras;
• que o arguido, AA, começou a apresentar uma postura mais agressiva, em ...;
• que, a partir de ..., as discussões entre o arguido AA e a assistente BB se tornaram diárias, justamente, porque a sua relação se degradou;
• que também a relação entre o pai e a filha mais velha, CC, se complicou, então, nas palavras desta, porque começou a intervir em tais discussões dos pais;
• que a questão religiosa os opôs, como, de resto, a questão da educação dada à filha CC;
• que o arguido, AA, insultava a mulher e a filha mais velha nos exactos termos supra transcritos;
• que procurava controlá-las a ambas;
• que, a dada altura, a assistente, BB, passou a dormir no sofá e, ultimamente, já não dormia em casa para evitar discussões;
• que chegou a pô-las – a BB e à filha CC – na rua;
• que tinham medo dele;
• que encostava a esposa, BB, à parede, encostando-se todo a si, no corredor da casa onde viviam, a empurrava, lhe cuspia e a ameaçava, inclusivamente, de morte;
• que chegou a torcer-lhe um pulso, o que a impediu de escrever, durante umas semanas;
• que proibia a filha CC de usar determinada roupa, impondo-lhe que usasse calções, na praia, e mangas compridas;
• que chegou a repreendê-la, em público, por causa da roupa que trazia;
• que também a empurrou e ameaçou de morte;
• que mãe e filhos acabaram por sair de casa, em ..., e o casal divorciou-se; e, finalmente, que
• sofreram, durante os últimos anos, em razão da conduta do arguido, experimentando medo, ansiedade e dificuldades em dormir e em concentrar-se.
Isso fizeram sem escamotear:
• que AA e BB refizeram – ambos - a sua vida sentimental, após a separação, tendo arranjado “namorados”;
• que CC conseguiu manter o namoro com FF, de quem está noiva, pernoitando, semanalmente, em casa deste, de 5.ª-feira a Domingo, a partir de ..., e, para o efeito, mentindo ao pai, o que só contribuiu para degradar o relacionamento com o mesmo;
• que BB nunca foi diagnosticada, formalmente, com depressão ou o que quer que fosse, que sempre trabalhou e que, apesar de ter procurado ajuda, desistiu de ser acompanhada, em psiquiatria/psicologia, por entender que não precisava;
• que com os filhos mais novos não existiam problemas, correndo tudo bem; e, finalmente, que
• o arguido, AA, deixou de os importunar a todos, mantendo-se distante, não obstante comunique com os filhos mais novos;
• nunca fez “esperas” à filha mais velha ou procurou o namorado desta;
• a assistente, BB, começou, ultimamente, também a insultar o marido, quando o mesmo a insultava, e a devolver-lhe os pontapés e empurrões que recebia dele – causando-lhe lesões que encontramos documentadas a fls. 148 dos autos, em ficha de urgência cujo teor, de igual modo, se valorou - e que, presentemente, já conseguem estar todos mais tranquilos e “abertos”, para além de mais alegres, sentindo que essa outra fase da vida já terminou.
Mereceram credibilidade, justamente, em razão da forma, aparentemente, objectiva e sincera com que depuseram, não obstante, visivelmente, agastada no caso das ofendidas BB e CC, tendo – como já se referiu – tido a preocupação de frisar o que presenciaram e, somente, lhes foi relatado, como, de resto, de não escamotear o que de favorável podiam dizer a respeito do arguido, AA, nomeadamente, no que se refere à relação mantida com os outros filhos do casal.
Inversamente, as declarações prestadas pelo arguido, AA, não mereceram idêntica credibilidade, a não ser na parte em que esclareceu o tribunal a respeito da sua actual situação de vida e na parte em que se mostraram consistentes com os relatos apresentados pela ex-mulher e filhos de ambos (ou seja, na parte em que confirmou a relação matrimonial que manteve com a assistente, BB, e a existência de três filhos, bem assim como a sua progressiva degradação e ruptura).
Muito embora tenha negado, perentoriamente, a factualidade que lhe é imputada, persistindo que são “falsas” as acusações que lhe são feitas e que mantém uma boa relação com a filha mais velha, certo é que, simultaneamente, não deixou de confirmar que discutiam amiúde, que insultou a ex-mulher, no decurso de tais discussões, e que a confrontava – como, de resto, à filha - com as suas ausências ou a respeito da roupa que a segunda vestia e imputando-lhe amantes, que foi BB quem pôs fim ao casamento e que não mantém qualquer contacto com a filha CC, o que não sucederia – dizem-nos as regras da experiência comum – se a sua relação com a mesma fosse positiva, como, inicialmente, pretendeu.
A verdade é que, como adiante se verá, foram vários os inquiridos a confirmar a versão fáctica trazida a juízo por BB e CC e, somente, o arguido, AA, a desmenti-la sem que se alcancem que motivos teriam, afinal, para faltar à verdade.
Isto porque AA e BB refizeram as suas vidas e já estão divorciados, as responsabilidades parentais de DD e EE foram reguladas, permanecendo os filhos mais novos com a mãe, a contento desta e a filha mais velha, CC – já maior de idade, de resto, há vários anos - está noiva de FF, com quem pretende casar.
Inexiste, ademais, património comum ou próprio do arguido AA, que tão pouco aufere rendimentos que lhe permitam satisfazer as pretensões indemnizatórias das demandantes.
Que motivos teriam (ou DD), em face de todo o exposto - para querer prejudicar o arguido, AA, mentindo?
O que levaria mãe e filhos a ocultar do arguido, AA, o seu propósito de abandonar a casa de morada de família, preparando tal saída às ocultas?
Acresce que a prova carreada para os autos não se resume às declarações/depoimento que mãe e filhos que prestaram, não se vislumbrando que interesse teriam os demais inquiridos em favorecê-las, em detrimento do arguido, AA, ficcionando o ocorrido.
Vejamos.
Inquirido na qualidade de testemunha, o namorado de CC e, presentemente, seu noivo, FF confirmou, por seu turno, os receios que a mesma sentia de que o pai descobrisse que namoravam e os ataques de pânico de que era acometida, bem assim como os gritos que ouviu a este último, no decurso de chamadas telefónicas, feitas para a filha, CC, as queixas de CC no tocante aos insultos e ameaças que o pai lhe dirigia e as lágrimas que verteu, na sua presença, em razão das discussões que mantinham.
Mereceu credibilidade pela forma espontânea e consistente como prestou o seu depoimento, não deixando de frisar, espontaneamente, que não chegou a conhecer AA ou sequer a estar em presença do mesmo, não podendo senão confirmar o que lhe ouviu, no decurso das sobreditas chamadas telefónicas, bem assim como o impacto da actuação do primeiro no bem-estar da namorada, justamente, em razão do relacionamento e proximidade que mantinha com a jovem.
Identicamente, o amigo da assistente GG, com quem BB manteve um relacionamento, confirmou a tristeza que lhe notou e o estado, nas suas palavras, “lastimável” e “deprimido” em que ficava por força dos insultos e ameaças que ouviu o marido dirigir à mesma, em chamadas telefónicas que a mesma recebeu na sua presença, confirmando que chegou a ter de levá-la ao hospital.
Mais confirmou o impacto que tal vivência tinha nos filhos de ambos, que conheceu na mesma altura, “monossilábicos” e tristes, bem assim como a mudança “da noite para o dia” – que mãe e filhos experimentaram quando o casal se separou e, finalmente, que o arguido, AA, deixou, entretanto, de provocar BB, trocando, com a mesma, algumas mensagens a respeito dos filhos, mas não mais do que isso, e que a mesma não deixou de o insultar, ultimamente, quando o ex-marido a insultava a si.
Inquiridas na qualidade de testemunhas, as vizinhas HH, II e JJ confirmaram, por seu turno, que, inicialmente, AA e BB se comportavam com um casal “normal”, mas, ultimamente, discutiam, queixando-se a segunda de falta de dinheiro e do marido que a tratava mal, tendo chegado a ouvi-lo a gritar dentro de casa, à filha, CC, a chorar, e ao filho do casal a pedir ao pai que parasse, gritando, e, quando isso aconteceu, sentido necessidade de chamar a polícia.
Mais confirmaram que as crianças lhes pareciam tristes, nunca sendo vistas a sorrir, e que BB emagreceu muito e que chegaram a vê-la aleijada, acabando por sair, com os filhos, de casa.
Inquirido na qualidade de testemunha, o vizinho KK, neto de II, também confirmou que eram frequentes as discussões mantidas entre os vizinhos e que se apercebeu, numa ocasião em que lhes foi bater à porta, que a vizinha insultava o, então, marido e que, então, este lhe pediu ajuda e que pôde aperceber-se de que o mesmo era um homem “de grande fé”, tendo para si que as vizinhas se puseram “do lado” de BB porque AA era um homem corpulento que não falava português, diversamente, da esposa.
A ocorrência de tal discussão e as queixas que, então, o arguido AA fazia da assistente, BB, foram, igualmente, confirmadas pelo agente da P.S.P. que se deslocou à sua residência, LL, o qual verteu, no aditamento, de fls. 118 dos autos, o que, então, constatou e lhe foi referido por cada um deles, cujo teor, de igual modo, se valorou.
Já as amigas do arguido, de seus nomes MM e NN, confirmaram, por seu turno, que consigo o arguido, AA, tem um comportamento muito diferente do supra descrito, que o apoiaram, financeiramente, bem assim como o contacto esporádico que mantém com os filhos e a agressividade que a ex-mulher e a filha manifestaram contra o mesmo, já na sequência da separação do casal.
Mais valorou o tribunal, no tocante:
• aos filhos do casal, sua naturalidade e suas datas de nascimento, às certidões dos respectivos assentos de nascimento, juntas a fls. 12 e ss.;
• à deterioração da relação marital que AA e BB mantinham ao teor das mensagens trocadas entre ambos, elucidativas da mencionada degradação;
• ao impacto, na saúde e bem-estar da assistente, BB, das condutas do arguido, a informação médica coligida junto da ... e do ...; e
• ao percurso e actual situação de vida do arguido, AA, o teor do relatório social elaborado, que o foi, desde logo, com base em entrevistas feitas ao próprio e também à assistente, contendo descrição dos mesmos.
Já no que concerne ao passado criminal do arguido, AA valorou-se o certificado de registo criminal requisitado, de cuja leitura resulta que nenhuma condenação traz averbada.
Justificou-se, por assim ser, a factualidade dada como provada, resultando a não provada do facto de ninguém a ter confirmado, resultando, de resto, dos relatos trazidos a juízo pela generalidade dos inquiridos que o arguido, AA, não protagonizou as condutas que ali ficaram vertidas, nomeadamente, no que tange aos filhos mais novos, que BB nunca deixou de trabalhar, que não foi, formalmente, diagnosticada com depressão ou sequer se “refugiou” em casa dos vizinhos, procurando-os, somente, para solicitar apoio financeiro e para se queixar do, então, marido e, no que tange à jovem CC, que a mesma namorava e mantinha relações de amizade com terceiros, próximos de ambos, ou seja, que não vivia “isolada”.”
-- // -- // --
Cumpre apreciar.
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
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Atendendo às conclusões apresentadas são questões a decidir, como veremos com relevância para a decisão, as arguidas nulidades insanáveis, nulidades da sentença e a valia da decisão interlocutória recorrida.
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Decisão interlocutória.
Por ordem cronológica, comecemos por aqui.
A mesma tem o seguinte teor:
“Quanto aos vídeos remetidos a juízo, teve agora oportunidade de confirmar, presencialmente, a assistente, BB, que não só não deu autorização para que os mesmos fossem feitos, como também que fez saber ao arguido que se opunha à realização destes e, finalmente, que se opõe, na presente data, à sua visualização.
Assim e porque como é sabido, a lei processual penal nesta matéria impõe, como limite para o exercício do direito à prova, o respeito por direitos fundamentais, como sejam o direito à intimidade da vida privada e familiar e o direito à imagem, direitos esses que, em colisão com o direito à prova, se entende que devem prevalecer, mormente quando os factos que se pretendem demonstrar podem sê-lo, por outros meios, indefere-se o requerido pela defesa, no tocante à reprodução das mesmas, em sala de audiências, confirmado que está que a assistente não deu consentimento para aquelas gravações e considerando que tal meio de prova não é indispensável para demonstrar a factualidade invocada pela defesa – cfr. os artigos 125.º e 167.º do Código de Processo Penal.”
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Recorde-se que o arguido expressamente recorre desta decisão que é a de indeferir a reprodução de gravações vídeo em audiência, daí que coerentemente remate o correspondente recurso com pretensão segundo a qual aquelas sejam “exibidos em audiência de julgamento” (...) que “deverá (...)ser reaberta, de forma que o arguido possa ser confrontado com os referidos elementos probatórios, bem como as Assistentes BB e CC (...).
O recurso aduz ainda claramente improcedente arguição de nulidade da decisão por falta de fundamentação, quando, desde logo pela sua leitura se alcança o respectivo fundamento, de resto perfeitamente entendido pelo próprio recorrente.
Depois porque semelhante arguição em recurso lhe traça o inevitável naufrágio.
Conforme doutrina e jurisprudência muito antigas e sábias, ainda que menos interiorizadas, “das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se” (por todos Ac. S.T.J. de 3.11.2009, proferido no procº 2137/04.8TBMTS.S1, parafraseando o Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC., vol. II, pág. 507).
Por outro lado, a norma perfeitamente excepcional, a autorizar a arguição de nulidade da sentença na fase de recurso (nº 2 do artº 379º do Código de Processo Penal) por assim ser, apenas a estas decisões é aplicável.
Não tendo a invocada invalidade sido arguida no prazo processual assinalado para o efeito e perante a autoridade que supostamente a terá cometido, a existir (o que vimos não ser o caso) sanou-se.
Seguidamente, argúi o recorrente a nulidade insanável respeitante à circunstância de ter a matéria sido já decidida anteriormente, mas tal não sucedeu, pois que se percorrermos o processo, em lado algum foram expressamente requeridas (logo admitidas) as pretendidas reprodução e confrontação, mas tão somente a contestação e o requerimento probatório, relevando aquela pretensão de visualização e a sua última finalidade já de condução da e na própria audiência.

Repare-se que o requerido na contestação sobre este ponto é o seguinte:
Prova: Requer a junção aos autos de 25 documentos, compostos de fotografias e vídeos, que, atendendo á sua extensão, são juntos num disco externos (pen drive), que é entregue em mão na secção central do tribunal.
Mais requer que tais documentos (vídeos e fotografias) sejam visualizados em tribunal, a quando do julgamento.
Caso se coloquem dúvidas sobre a autenticidade dos vídeos e fotografias o ora arguido disponibiliza-se desde já para entregar o seu telemóvel e computador para peritagem.
Ora, como é sabido, os documentos, tal como requerido, são meios de prova a serem analisados no julgamento, mas este, em linguagem técnica adequada, abrange muito mais do que a audiência, já que, para o que interessa, integra todo o processo de ponderação e formação da decisão final.
O que não devem é, por princípio ser os documentos (meios de prova) alvo de prova, designadamente, testemunhal ou por declarações e ainda que possa ser prática reiterada.
As provas provam-se a si mesmas, valem por si e têm o seu peso próprio. Só em circunstâncias muito particulares e que logo denunciam a sua necessidade, se terá de apreciar a valia de um meio de prova, o que normalmente sucede antes da audiência.
Não cabem nesta testemunhos e declarações sobre escritos cuja valia nada colocou em causa, ou sobre escutas devidamente autenticadas e documentadas, num exercício inútil de pura perda de tempo, como claramente era o proposto pelo recorrente.
Os documentos estavam nos autos e apenas cabia, ou não, o seu exame pelo tribunal.
Já o peso que poderiam ter acabaria por se projectar na decisão final e a discordância seria fundamento para impugnação.
Bem se vê que o indeferimento não teve este fundamento, antes o de que aquelas provas eram inadmissíveis, não tomando esta Relação, nesta sede, posição sobre esta admissibilidade, pois as pretendidas e inúteis exibição e confrontações convocam claramente o dever de condução da audiência, cabendo ao juiz atalhar a qualquer tipo de perturbação, como resulta claro do que dispõem os artos 322º e 323º, ambos do Código de Processo Penal, com especial relevo para a alínea g) deste último: “dirigir e moderar a discussão, proibindo, em especial, todos os expedientes manifestamente impertinentes ou dilatórios”.
Mas isso não significa que a decisão interlocutória recorrida não se mostre ajustada em face das normas que regem a disciplina da audiência e como é sabido, os recursos têm por objecto decisões e não os seus fundamentos.
Improcede, pois, o recurso interlocutório.
*

Nulidades insanáveis.

Quanto a estas, duas pequenas menções, de elementos do processo:
O recorrente foi assistido por defensor oficioso e por tradutor, pelo que os documentos que refere foram traduzidos e explicado o seu conteúdo para a língua inglesa, pelo que invalidade alguma se verifica quer quanto ao acto de constituição de arguido, quer ainda relativamente ao TIR.
O mesmo se diga no que respeita ao pedido de indemnização deduzido pela assistente CC. Entorse algum se verifica, porquanto o mesmo foi traduzido e notificado ao recorrente.
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Nulidades da sentença.
A primeira das quais, de novo, por falta de fundamentação, quando é patente que a mesma está completamente fundamentada, conforme resulta logo da transcrição acima efectuada e ainda que parcial.
Nem das motivações de recurso se alcança o porquê de semelhante invocação.
Já no que respeita à circunstância de não haver qualquer menção à contestação, cabe razão ao recorrente.
Não porque tal pronúncia seja legalmente obrigatória, bastando pensar nos casos em que nada de factualmente relevante é ali alegado.
Mas no caso, assim não sucede.
Há factualidade alegada na contestação que se dirige ao núcleo essencial do processo e que, por isso, o integra.
Estamos a referir os factos alinhados na segunda parte do artº 36º daquela peça processual, bem como o final do artº 39º e final do 40º, ao que acresce a factualidade contida nos episódios relatados de 42º a 57º, nestes ainda que utilizando muito deficiente técnica de exposição (misturando factos com meios de prova e ilações).
Tudo o mais, em boa verdade, é irrelevante, mas aquela factualidade é claramente apta a ser, se demonstrada bem entendido, modificativa ou mesmo impeditiva da solução de direito alcançada.
Tanto basta para que faça parte do objecto do processo, sendo, por isso, necessariamente alvo de pronúncia, como provada ou não e tendo de ser alinhada a respectiva motivação.
Ora, como é fácil detectar, o tribunal recorrido entendeu que a prova oferecida como suporte daquela factualidade era imprestável, recusando-a, mas no processo acabando também por recusar pronúncia sobre aqueles factos e incorrendo assim e por isso a sentença na respectiva nulidade.
Assim não sucederia, por exemplo, se os tivesse por não demonstrados e justamente por tal circunstância atinente aos meios de prova oferecidos, caso em que apenas sob recurso e tendo em vista justamente a modificação factual poderiam ser considerados.
Tal nulidade não é sanável por este tribunal, por um lado, porque a apreciação daqueles factos é indissociável da totalidade da prova produzida, por outro, conexo e não menos importante, com recurso àqueles meios de prova oferecidos na contestação, já que é de entender que neste tipo de criminalidade, por razões de elementar justiça, têm de valer as excepções ao valor da prova obtida com violação formal dos direitos à intimidade da vida privada e familiar e imagem, quando em causa está a denúncia e perseguição criminal de quem comete crime de violência doméstica no recato do lar.

Veja-se o explanado no Ac. do TRP de 24.9.2020 (procº 308/16.3GAVFR.P2)
I–Se a conduta traduzida na gravação das palavras proferidas por outrem configurar um ilícito penal não poderá ser atribuído valor probatório à gravação, caso contrário será prova válida e sujeita à livre apreciação do julgador.
II–O preenchimento, em abstracto, dos elementos constitutivos de ilícito criminal pode ser afastado, em concreto, pela verificação de causa de justificação ou exclusão da culpa e, em consequência, pode ser considerada a gravação das palavras efectuada por particulares sem o consentimento do visado, bem como válida a prova recolhida por esse meio.
III–Entre nós tem sido entendimento jurisprudencial dominante que a elaboração de gravação áudio ou vídeo destinada a demonstrar factos com relevância criminal não configura a prática de um crime, já que o autor da gravação actua ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude.
IV–É o que sucederá nos casos em que a necessidade de protecção da vida privada dos intervenientes se mostra mitigada, já que contende com circunstâncias em que a coberto do foro íntimo do casal são praticados ilícitos criminais, tal como sucede, com frequência, nos crimes de violência doméstica”, não se vendo qualquer tipo de razão para afastar esta doutrina relativamente a qualquer pessoa, dependendo apenas da sua posição processual.

Também no mesmo sentido, mais recentemente e por todos, o Ac. TRL de 23.5.2023 desta 5ª Secção (procº 924/20.9PBCSC.L1-5):
“Dispõe o artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), sob a epígrafe “Garantias de processo criminal”, no n.º 8: «São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.»
Por sua vez, estabelece o artigo 26.º, n.º1, da C.R.P. que: «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.»
A própria lei fundamental, porém, no seu artigo 18.º, n.º 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não do respectivo agente e a determinação da pena ou da medida de segurança a aplicar (cfr. artigo 124.º, n.º 1, do C.P.P.).
De harmonia com o artigo 125.º, do C.P.P., são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

Por sua vez, relativamente aos “métodos proibidos de prova”, estabelece o artigo 126.º do C.P.P.:
«1–São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2–São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a)-Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus-tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b)-Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c)-Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d)-Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e)-Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3–Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4–Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.»

Também com relevância para a solução do caso em apreço, importa reter o regime do artigo 167.º do C.P.P., sob a epígrafe “valor probatório das reproduções mecânicas”, ao dispor:
«1–As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2–Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.»

Finalmente, sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”, dispõe o artigo 199.º do Código Penal:

«1–Quem sem consentimento:
a)- Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b)- Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2–Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a)-Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b)-Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3–É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º.»

Segundo o arguido/recorrente, as gravações de áudio efectuadas pela ofendida, B, de conversas daquele com a mesma, traduzem-se em prova obtida mediante intromissão na vida privada, mediante a gravação não autorizada da sua voz, razão por que considera tratar-se de prova “ilícita, proibida e nula”.
O transcrito artigo 167.º impõe uma condição para que a reprodução mecânica seja admitida como prova em processo penal: que não seja ilícita, nos termos do direito penal material.
Por outras palavras, é estabelecida uma conexão entre a ilicitude penal substantiva e a inadmissibilidade da prova em processo penal, constituindo a não ilicitude penal substantiva da reprodução mecânica condição essencial para a prova ser admissível - o que não significa que seja, efectivamente, admitida, pois existe, ainda, o crivo de outros critérios gerais sobre a admissibilidade probatória.
Assim, se for de concluir que a conduta traduzida na gravação áudio em causa configura um ilícito penal, não poderá ser atribuído valor probatório à gravação; caso não configure um ilícito penal, tendo sido admitida e a tal não obstando os critérios gerais sobre admissibilidade probatória, será prova válida e sujeita à livre apreciação, nos termos do artigo 127.º do C.P.P.
É sabido que as gravações e fotografias obtidas por particulares, sem qualquer tipo de incumbência legal ao nível da investigação, podem assumir-se como provas especialmente relevantes na descoberta da verdade, podendo, no entanto, conflituar com os direitos fundamentais à privacidade, à palavra ou à imagem dos visados, sendo que os direitos à palavra e à imagem aparecem como os direitos primordialmente violados e penalmente tutelados no transcrito artigo 199.º do Código Penal.
De forma a defender a licitude de gravações e fotografias efectuadas por particulares e admitir a sua valoração no processo penal, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores têm vindo a invocar construções baseadas, essencialmente, em causas de justificação legalmente previstas para afastar a falta de consentimento do visado pelas gravações ou fotografias.
Importa não esquecer que também os particulares no âmbito do processo penal têm um direito à prova, fornecendo às autoridades responsáveis pela investigação elementos importantes – seja porque, muitas vezes, através de gravações ou fotografias dão conhecimento da notitia criminis, seja porque, sendo os próprios particulares vítimas do crime, têm um maior conhecimento de causa e um interesse que não pode ser desconsiderado.
A nossa jurisprudência tem abordado essencialmente a questão a propósito da temática da utilização probatória de gravações obtidas por particulares através de sistemas de videovigilância.
Na identificação dos critérios que são invocados para permitir a utilização processual de gravações ou fotografias obtidas por particulares sem consentimento dos visados, encontramos frequentemente o entendimento de que não constitui crime a obtenção de gravações/imagens, sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa para esse procedimento e não diga respeito ao núcleo duro da vida privada do mesmo (entre muitos, ac. do STJ, de 28/09/2011, proc. 22/09.6YGLSB.S2; ac. TRP, de 23/10/2013, proc. 585/11.6TABGC.P1; ac. TRC, de 10/10/2012, proc. 19/11.6TAPBL.C1; ac. TRL, de 04/03/2010, proc. 1630/08.8PFSXL.L1-9; ac. TRC, de 20/09/2017, proc. 167/15.3PBVFX.C1 - todos respeitantes a fotogramas obtidos através de videovigilância, estando os arestos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que venham a ser citados sem diversa indicação).

Quer no que concerne à realização de gravações e fotografias, quer no tocante à sua posterior utilização, argumenta-se, por vezes, com base em critérios de redução teleológica do tipo, de sentido vítimodogmático, conducentes à atipicidade da conduta, ou justifica-se a exclusão da ilicitude por apelo a causas de justificação.
O direito à palavra e o direito à imagem configuram-se como bens jurídicos autonomamente tutelados pelo artigo 199.º do Código Penal, face à privacidade / intimidade em cujo âmbito começaram por se revelar.
No caso do direito à palavra, que é o que nos importa, são punidas a gravação e a utilização da gravação (e permissão de utilização) sem consentimento – nos casos de utilização ou permissão de utilização, mesmo que a gravação tenha sido licitamente produzida, pelo que a legitimidade na obtenção da gravação não se comunica à sua posterior utilização.
Entre os casos de exclusão da relevância típica ditada pelo comportamento do titular do direito à palavra assinalam-se, habitualmente, as situações das gravações (ou fotografias) feitas sem consentimento dos visados pelas vítimas de crimes como extorsão, injúrias, ameaças, coacção; por aqueles que recebem propostas de corrupção e, em geral, incitamentos à prática de comportamentos ilícitos.
A construção é dogmaticamente suportada pela invocação, inter alia, dos limites imanentes dos direitos fundamentais, no sentido de que o comportamento censurável da vítima das gravações e fotografias determina a perda da dignidade penal e a caducidade da protecção jurídica. De acordo com Schmitt (conforme citação de Manuel da Costa Andrade, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª edição, p. 1219), “quem abusivamente se serve da linguagem para realizar uma conduta típica e ilícita faz caducar a tutela da sua personalidade em termos tais que já não pode ser defendido contra a gravação secreta daquelas mesmas declarações”.

A tese dos limites imanentes dos direitos fundamentais parece estar subjacente à interpretação de Paulo Pinto de Albuquerque do artigo 167.º do C.P.P., ao afirmar poderem ser valoradas como meio de prova as “reproduções da materialidade da palavra criminosa” e da “materialidade da imagem do crime”, porquanto “o art. 26.º, n.º 1, da CRP não reconhece um direito à palavra criminosa e, portanto, o direito penal, incluindo a incriminação do artigo 199.º do CP, não protege a palavra criminosa (…)” (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.º edição actualizada p. 449, em anotação ao artigo 167.º).

Basicamente, no que se reporta à atipicidade, parte-se do princípio de que, nos casos de “palavra criminosa”, a sua gravação pela vítima dessa “palavra”, para utilização como prova, situa-se fora da área de protecção da norma penal.

A doutrina parece apontar, em alternativa, a ilicitude/justificação como a instância indicada para enquadrar dogmaticamente as soluções de não punibilidade dos agentes de gravações e fotografias, fazendo apelo, para além das causas gerais e tradicionais de justificação - consentimento/acordo, legítima defesa, direito de necessidade -, a dirimentes como adequação social, ponderação de bens ou interesses, prossecução de interesses legítimos, situação-de-quase-legítima defesa (Costa Andrade, ob. cit., pp. 1221-1222).

Tem sido sobretudo no âmbito da legítima defesa e do direito de necessidade que a questão é enquadrada, como dirimentes gerais em princípio reservadas aos particulares para a salvaguarda de interesses privados, para além dos que defendem que a exclusão da responsabilidade ocorre em momento prévio, logo em sede de tipicidade, ao abrigo de uma redução teleológica do tipo, como já referimos.

A construção vítimodogmática na determinação da irrelevância penal, por exclusão da tipicidade da conduta, refere-se essencialmente ao comportamento daquele que procede à captação de um facto ilícito-típico com fins probatórios, em que a «vítima» do potencial ilícito de gravações e fotografias ilícitas está a praticar um facto com relevância jurídico-penal, sendo o seu comportamento a desencadear / precipitar a acção de que vem a ser alvo por parte da «vítima» desse mesmo facto.

Pensemos no crime de violência doméstica, que integra o conceito de criminalidade violenta do artigo 1.º, al. j), do C.P.P.

Em muitos casos, as condutas que integram a respectiva tipicidade decorrem de forma oculta, longe da “vista” de terceiros, pois que, reconhecidamente, os maus-tratos físicos ou psíquicos são infligidos, por via de regra, dentro do domicílio conjugal, em contexto intrafamiliar, fora da esfera de observação alheia, o que é garantido, até, pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal.

Em consequência, a prova da verificação dos factos, por força das circunstâncias, pode ser particularmente difícil, já que escasseia a prova directa e, regra geral, só o arguido e a vítima têm conhecimento da maioria dos factos, praticados no recato de uma “impunidade não presenciada”.

No contexto de um crime de violência doméstica como o que está em causa nos presentes autos, marcado, além do mais, por agressões, ameaças, injúrias, humilhações, gritos, críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, tudo realizado fora do alcance da observação de terceiros e constituindo prática criminosa, a gravação da “palavra falada” do arguido, ainda que por este não consentida, constituiu o único meio que a ofendida teve ao seu dispor para se proteger e demonstrar, em termos probatórios, a violência a que era sujeita.

Coarctar à vítima / ofendida de um crime de violência doméstica, com as características do aqui em causa – a total submissão/dependência da vítima em relação ao arguido está particularmente documentada no acatamento às ordens / castigos que aquele lhe impunha, de que o episódio em que urinou no quarto é particularmente ilustrativo - a possibilidade de gravar a “palavra falada” do arguido – “palavra” que este usava para a maltratar e cometer um ilícito penal grave --, constituiria uma intolerável limitação da possibilidade de apresentação de meios de prova passíveis de corroborar as declarações que viessem a ser prestadas pela ofendida, situação ainda mais inaceitável e incompreensível se tivermos em conta o que já se sublinhou supra: que o crime em apreço ocorre, na maioria das vezes, “entre quatro paredes”, longe dos olhares de terceiros, sendo comuns as situações em que a vítima não possui quaisquer outros elementos probatórios, para além das suas próprias declarações.

Em casos de gravações (ou fotografias) sem consentimento que sejam efectuadas, por exemplo, pelas vítimas de crimes de extorsão, injúrias, ameaças, coacção, relativamente ao agente desses crimes, a exclusão da responsabilidade da vítima que procede às gravações resulta consensual (Costa Andrade, ob. cit., p. 1218).

Como diz Costa Andrade (Sobre as proibições de prova em processo penal, 1992, pp. 242-272, particularmente a p. 255), ao referir-se àquelas situações no âmbito da análise de questões pertinentes à determinação da área da tutela típica e da ilicitude/causas de justificação, em matéria de incriminação por gravações (e fotografias) ilícitas, como momento comum àquelas mesmas situações, «… sobressai um comportamento ilícito ou ao menos, eticamente censurável, por parte da pessoa cuja palavra é, sem o seu consentimento gravada. Igualmente comum e consensual entre a doutrina e a jurisprudência, é o entendimento de que os autores destas gravações não devem ser criminalmente sancionados.»

Seja por via do argumento de sentido vítimodogmático, excludente da tipicidade, seja porque a situação poder ser enquadrada nas causas de justificação previstas no artigo 31.º do Código Penal, pois trata-se de um caso em que, num juízo de necessidade, proporcionalidade e adequação, o interesse público de realização da justiça se deve sobrepor ao direito à palavra do arguido, no âmbito do direito de necessidade, o resultado é o mesmo: a não responsabilidade penal de quem, nas referidas situações, procedeu à gravação.

Embora a atipicidade ou licitude da gravação levada a cabo pela vítima de outro crime, não implique, por si, a mesma conclusão para a utilização das reproduções respectivas, em virtude de o legislador incriminar expressamente a utilização contra vontade de reproduções licitamente obtidas [al. b) do n.º 2 do artigo 199.º, do Código Penal], afigura-se-nos que as razões que conduzem à atipicidade ou exclusão da ilicitude do comportamento da vítima, devem estender-se à utilização das reproduções em processo penal, como meio de prova. Seria incongruente reconhecer a atipicidade ou a licitude da gravação por parte da vítima, mas julgar punível a utilização daquelas reproduções para prova do crime em processo penal.

Podemos apelar, como fazem alguns autores, à existência de um estado de necessidade probatório cujo fundamento tem por base a afirmação de que a tutela efectiva do direito do particular/vítima de crime que viu ser considerada atípica ou pelo menos justificada a sua actuação no quadro do direito de necessidade (no contexto primário da captação), exige, para ser consequente, que a gravação que obteve possa ser depois efectivamente utilizada para a prova, sobretudo num caso de violência doméstica com as características do aqui em causa.

Não podemos deixar de observar que a jurisprudência dos tribunais superiores de que o arguido/recorrente se socorre para sustentar a sua posição reporta-se à utilização / valoração de prova obtida por particulares – gravações e fotografias - no âmbito do processo civil e não em processo penal.

Os únicos acórdãos citados que se referem ao âmbito processual penal não sufragam a posição do arguido.

Realmente, o acórdão da Relação do Porto, de 27/01/2016, processo 1548/12.0TDPRT.P1, afirma expressamente que pode ser considerada válida a gravação de palavras efectuada por particulares sem o consentimento do visado, bem como julgada válida a prova recolhida por esse meio.

Por sua vez, o acórdão da mesma Relação, de 06/11/2019, processo 457/17.0PAVFR.P1, também se refere à validade como prova da gravação, efectuada pelo particular/vítima de crime, mesmo que efectuada sem consentimento do agente.

Estes acórdãos referem-se a situações distintas da que está em causa nos presentes autos, mas ainda assim não se percebe como pode o arguido/recorrente mencioná-los no recurso sem, aparentemente, se inteirar do seu teor.

Em suma, conclui-se, sem margem para dúvidas, no sentido da licitude das gravações em questão e da sua posterior utilização probatória, pelo que o tribunal recorrido não incorreu em qualquer valoração de prova ilícita, nula e proibida.”
Sublinhe-se: “Em muitos casos, as condutas que integram a respectiva tipicidade decorrem de forma oculta, longe da “vista” de terceiros, (...) por via de regra, dentro do domicílio conjugal, em contexto intrafamiliar, fora da esfera de observação alheia, o que é garantido, até, pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal.
Em consequência, a prova da verificação dos factos, por força das circunstâncias, pode ser particularmente difícil, já que escasseia a prova directa e, regra geral, só o arguido e a vítima têm conhecimento da maioria dos factos, praticados no recato de uma “impunidade não presenciada”.

Não se vê qualquer motivo para diferenciar quando se trate de prova adquirida por vítima de crime de violência doméstica, daquela que é junta por alvo de, no limite, denúncia caluniosa (que é igualmente crime) em idênticas circunstâncias de dificuldade de prova, pelas mesmas razões e por motivo de justiça óbvio, bastando pensar na possibilidade extrema de ser a gravação a única prova disponível.
O princípio da igualdade de armas, corolário da estrutura acusatória do processo penal, com guarida constitucional (nº 5 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa), de resto como o princípio base das garantias de defesa (nº 1 do mesmo preceito constitucional), impõem isso mesmo.

Como assim, aquelas provas teriam de ser apreciadas em conjunto com as demais produzidas em audiência, não dispondo o tribunal nesta fase de qualquer tipo de imediação, essencial ao sentenciamento justo, pois apenas tem acesso a parte da prova por declarações - meras gravações destas - sem qualquer tipo de imediação, de oralidade reduzida e não filtrada por poder de atalhar ou emendar inúmeras perguntas ardilosas ou sugestivas, que logo tornam imprestável, em grande parte, o que de outra forma se poderia aproveitar.

As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanas.

Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter a observação do tribunal de primeira instância levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido.

Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade.

Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução.

Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.

Não por acaso, a antecedente prova escrita (a velha assentada) foi obliterada do processo português, precisamente porque, eliminando o material supramencionado, facilmente permitia a afirmação judicial de inverdades e justamente na fase de recurso.
Resta pois decidir, anulando a sentença recorrida que terá de ser de novo elaborada, sem a apontada omissão.
*
* *
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso interlocutório e às arguições de nulidades insanáveis, no mais dando parcial provimento ao recurso e anulando a sentença recorrida.



Lisboa, 6 de Fevereiro de 2024



(Manuel Advínculo Sequeira)
(Sandra Oliveira Pinto)
(Sandra Ferreira)