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ARRENDAMENTO
NÃO PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO
RENDAS VENCIDAS
RENDAS VINCENDAS
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
1. Não obstante o disposto no art. 567.º do CPC, a forma aligeirada da sentença ali prevista não dispensa um mínimo de fundamentação de facto e de direito, não ficando o juiz, no tocante aos factos, dispensado de indicar com clareza e de forma discriminada quais os que considera provados e não provados, e a respetiva motivação, como resulta do disposto no art. 607.º, n.º 4 do mesmo código. 2. No caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento, que pode ser exercido: - judicialmente, ou seja, com recurso à ação de despejo regulada no art. 14.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, caso em que o direito à resolução caduca logo que o arrendatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do art. 1041.º (art. 1048.º, n.º 1, do CC); - extrajudicialmente, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do art. 1084.º, n.º 2, do CC, caso em que deverão ser observados os formalismos previstos no art. 9.º, n º 7, do NRAU, ou seja, devendo a notificação ser efetuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, comprovadamente mandatado para o efeito. 3. O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas é meramente optativo, podendo o senhorio, se entender ser essa a opção que melhor corresponde aos seus interesses, resolver o contrato com esse fundamento, utilizando para o efeito o meio processual comum, ou seja, a ação despejo, logo que o inquilino incorra em situação de mora relevante. 4. Assim, instaurada uma ação de despejo por falta de pagamento de rendas, inexiste justificação para a absolvição dos arrendatários da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir do senhorio, na parte em que este pede: - que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento; - que os inquilinos sejam condenados a despejar o locado, entregando-lho livre e devoluto de pessoas e bens. 5. Uma vez resolvido o contrato de arrendamento, deixa de haver lugar ao pagamento das respetivas rendas, pelo que, formulado pedido de pagamento das «rendas vincendas» até à efetiva entrega do locado, ele não deixará de ser considerado, mas com diferente enquadramento jurídico. 6. O art. 1045.º, n.º 1, do CC, utiliza o termo «renda» não no sentido restrito de «retribuição a que o locatário fica obrigado, em contrapartida do gozo temporário da coisa, que lhe é facultado pelo locador», mas em sentido amplo, para significar também a sucedânea quantia devida ao senhorio a título de compensação pelo atraso na restituição da coisa, cuja desocupação é exigível, em regra, após o decurso de um mês a contar da resolução (art. 1087.º do CC.). 7. Por conseguinte, o que releva não é propriamente a utilização do vocábulo «renda», a que a própria lei recorre, mas sim a realidade que se queria designar. 8. Em ação de despejo, o senhorio pode cumular o pedido de despejo com o pedido acessório de juros moratórios (arts. 804º e 806º, do CC): - sobre as rendas vencidas, desde a data da citação; - sobre as rendas vencidas desde a citação até à resolução do contrato; - sobre os montantes compensatório referidos em 6.; desde o respetivo vencimento, em qualquer caso até efectiva desocupação do arrendado, juros esses que se destinam a ressarci-lo pelo prejuízo que sofre com a falta de pagamento das rendas no momento próprio e com a continuação da ocupação do locado.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
IC, Lda., intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra M e J, alegando, em síntese, que é dona do prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua G, n.º __, Freguesia ____, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º __, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo __ da referida freguesia e concelho.
Por contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, reduzido a escrito, celebrado no dia 1 de junho de 2020, com início de vigência no dia 1 de julho de 2020 e termo no dia 30 de junho de 2023, a autora deu de arrendamento aos réus, que lho tomaram de arrendamento, o prédio acima identificado, mediante a renda mensal:
- de € 560,00, nos primeiros dez meses de vigência do contrato; e,
- de € 1.120,00, a partir do dia 1 de maio de 2021.
Sucede que os réus não pagaram à autora as rendas relativas aos meses:
- de dezembro de 2020;
- de janeiro a julho de 2021.
Apesar de interpelados para o fazerem, até ao momento, os réus não procederam ao pagamento de tais rendas.
Os réus continuam a ocupar o prédio sem pagarem qualquer contrapartida à autora.
Concluem assim a petição inicial:
«Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência:
1. Declarar-se resolvido o contrato de arrendamento, identificado em 2. [da petição inicial], com fundamento na falta de pagamento de rendas por parte dos Réus, referente aos meses de Dezembro de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2021;
2. Serem os Réus condenados, a restituir à Autora, livre e desocupado de bens e pessoas, o prédio objeto do contrato de arrendamento, supra referido.
3. Serem a RR condenados a pagar á Autora a quantia de € 6.160,00 (seis mil cento e sessenta euros) a título de rendas em atraso, referentes aos meses de Dezembro de 2020, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2021, bem como todas as rendas que se vencerem desde a data da entrada da presente ação até entrega efetiva do imóvel.
4. Serem os RR condenados no pagamento de juros desde a data da citação, até efetivo pagamento, custas, procuradoria e demais despesas judiciais e extrajudiciais a que derem causa.»
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Em consequência das diligências para citação da ré M, resultou certificado o seu falecimento, tendo sido requerida a habilitação dos seus sucessores.
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Por sentença proferida no dia 31 de maio de 2022, no incidente de habilitação de herdeiros entretanto suscitado, foi julgado habilitado a ocupar a posição processual da falecida M, seu filho, JM.
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Nem o primitivo réu, J, nem o habilitado JM, contestaram a ação, apesar pessoalmente citados para o efeito.
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No dia 8 de março de 2023, a senhora juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«Considerando a regularidade da citação pessoal dos RR. e a sua revelia absoluta, ao abrigo dos artigos 567.º, n.º 1, n.º 1 e 568.º, ambos do Cód. Proc. Civil, declaro confessados os factos alegados na petição inicial e cuja prova não deva ser realizada por documento escrito.
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Cumpra o n.º 2 do artigo 567.º do Cód. Proc. Civil, podendo as partes, querendo, pronunciarem-se sobre a possível solução de Direito, segundo a qual a demandante não possui interesse em agir/processual relativamente ao pedido de resolução contratual pelas seguintes razões:
Com a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 de 27.02, o que aconteceu a 27 de Junho do mesmo ano[1]-[2], o regime do arrendamento urbano foi profundamente alterado, tendo-se, inclusivamente, aligeirado o paradigma do vinculismo que regia esta matéria no âmbito da disciplina legal pretérita.
Semelhante alteração passou por facultar ao locador a resolução do contrato de arrendamento urbano, habitacional ou não, com fundamento na falta de pagamento de rendas com recurso a um processo extrajudicial, previsto actualmente nos artigos 1083º, n.ºs 1 e 3 e 1084.º do Cód. Civil (diploma que passa novamente a contemplar a matéria em apreço), e nos artigos 9.º, n.º 7, 15.º e 14.º, este último interpretado a contrario, da Lei n.º 6/2006.
Assim, e nos termos das disposições acima referidas, basta ao locador dirigir comunicação, efectuada nos termos previsto no artigo 1084.º do Cód. Civil, ao arrendatário relapso para obter não só o efeito resolutivo do contrato de arrendamento, mas também para ficar munido de título executivo contra este último que lhe permite obter a desocupação do locado e o pagamento coercivo das rendas em dívida.
Contudo, atendendo ao conteúdo da previsão normativa do artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, não restam dúvidas a este Tribunal que o título executivo em apreço é constituído não só pela comunicação resolutiva, mas também - e necessariamente - pelo contrato de arrendamento cujo termo de vigência se alcançou por via daquela comunicação.
Como escreve Maria Olinda Garcia[3], trata-se de um título executivo complexo ou composto já que integrado por dois elementos, a saber, o contrato de arrendamento escrito e a comunicação resolutiva.
A tudo o acima exposto, acresce o facto de o regime introduzido pela Lei n.º 6/2006 aplicar-se aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor, tal como resulta expressamente do vertido no artigo 59.º do diploma legal referido. Do que resulta que à resolução do contrato de arrendamento sub judicio e por factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor daquela Lei, aplica-se o regime nesta previsto[4].
Considerando que tanto o contrato como o facto resolutivo alegado pelo A. teve ocorrência já durante a vigência da Lei n.º 6/2006, dúvidas não restam que poderia ter lançado mão do modo de resolução do contrato acima melhor descrito; tanto mais que o contrato de arrendamento celebrado o foi por escrito, ou seja, as declarações de vontade concordantes no sentido de ser cedido o gozo temporário do imóvel mediante retribuição, foram vertidas num documento.
Na verdade, afigura-se a este Tribunal que, inexistindo contrato de arrendamento escrito - o que, efectivamente, pode acontecer, atendendo ao vertido no regime do arrendamento urbano ora revogado, nomeadamente, ao constante do seu artigo 7.º, n.ºs. 2 e 3, conjugado com o constante no n.º 2 do artigo 12.º do Cód. Civil -, impossível se torna obter título executivo nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 6/2006, uma vez que falha um dos elementos do complexo título executivo aí previsto, a saber, e como é evidente, o documento concernente ao arrendamento.
Nestas situações de inexistência de contrato escrito, indispensável se revela o recurso a acção declarativa na qual se solicite o reconhecimento de ter sido o contrato resolvido nos termos legais; mas já não o recurso à acção de despejo prevista no artigo 14.º da Lei n.º 6/2006, visto que esta é, por definição, uma acção constitutiva, através da qual opera a manifestação de vontade de operar a resolução do contrato.
No entanto, situações há em que mesmo que exista contrato escrito, torna-se impossível lograr notificar o arrendatário nos termos previstos no n.º 7 do artigo 9.º do diploma legal acima referido, por não ser viável o contacto pessoal que tal notificação implica - seja por via de notificação judicial avulsa, seja por outra forma prevista legalmente.
Donde, nesta situação "falha" a comunicação da vontade resolutiva pela forma legalmente prevista, a saber por notificação judicial avulsa.
A última da situação descrita, no entender deste Tribunal, é a exclusiva justificação do regime contido no artigo 1048.º, n.º 1 do Cód. Civil e que respeita à expurgação da mora na situação de atraso no pagamento de rendas.
Passando a explicar, lê-se no preceito em referência que O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041º do Cód. Civil.
O facto de neste preceito se referir a acção declarativa destinada a fazer valer o direito à resolução do contrato de arrendamento tem sustentado a posição jurisprudencial e doutrinal de que nas situações previstas no artigo 1084º do Cód. Civil, e pese embora a letra do n.º 1 do artigo 14º da Lei n.º 6/2006, é facultado ao locador o recurso à acção despejo prevista na última das disposições legais referidas[5]. Semelhante posição defende que a referência realizada no preceito em análise deve ser interpretada no sentido de dispor o locador dos dois meios para pôr termo ao contrato de arrendamento. E sendo certo que sustentando posição diferente, Pinto Furtado[6] manifesta perplexidade relativamente à referência legal à acção declarativa, atribuindo tal alusão a um puro lapso, fruto da mecânica reprodução do texto anterior, quando o processo resolutivo por parte do senhorio era a acção de despejo.
Ora, e como acima já se foi adiantando, entende este Tribunal que a referência em apreço tem todo o cabimento em face das situações em que não se logra comunicar a vontade resolutiva nos termos legais, não se devendo apenas a um lapso de adequação do texto legal ao novo regime. Afigura-se antes, e na senda da regra interpretativa contida no n.º 3 do artigo 9º do Cód. Civil, que o legislador consagrou a solução acertada, tendo sabido exprimir o seu pensamento, uma vez que não se olvidou da impossibilidade de levar a cabo pessoalmente a comunicação a que se refere o artigo 9.º, n.º 7 da Lei n.º 6/2006 de 27.02.
Donde, entende-se que o argumento extraído do artigo 1048.º, n.º 1 do Cód. Civil pelos defensores da tese acima referida não é decisivo para a fundamentar.
Por outro lado, não se pode olvidar a letra do artigo 14.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006 no qual se lê: A acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação...
Parece, assim, ter pretendido o legislador limitar o recurso à via judiciária às situações em que não seja possível resolver o contrato de arrendamento por outra forma. Aliás, neste sentido escreve Maria Olinda Garcia[7]: Como resulta do n.º 1 do artigo 14º, a acção de despejo tem o seu âmbito limitado às hipóteses em que a lei impõe o recurso à via judicial para fazer cessar o arrendamento e, como já se referiu, essa imposição legal verifica-se apenas em certas hipótese de resolução e de denúncia por parte do senhorio[8]. No mesmo sentido, propugnam Pinto Furtado, Menezes Leitão e Fernando Baptista de Oliveira[9].
Semelhante posição é também defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra prolatado a 15.04.2008 no processo n.º 937/07.6TBGRD.C1, inwww.dgsi.pt, e expressamente defendida por Maria Olinda Garcia in Resolução do Contrato do Arrendamento Urbano por Falta de Pagamento de Rendas – Vias processuais, páginas 72 e 75.[10]
Acompanhando esta posição, afigura-se a este Tribunal que não sendo possível, porque implicitamente proibido pelas normas legais acima referidas, resolver o contrato de arrendamento por via da acção de despejo quando o seu fundamento radique na falta de pagamento de rendas, então falha à presente o pressuposto processual do interesse em agir ou da necessidade da tutela judiciária.
Na verdade, sendo a acção de despejo uma verdadeira acção constitutiva, através da qual se altera a ordem jurídica por via do exercício do direito potestativo de fazer cessar a relação jurídica de arrendamento, e derivando nesta espécie de acção o interesse em agir do puro facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral da vontade do respectivo titular[11], podendo e devendo o direito potestativo exercido nos autos sê-lo extrajudicialmente e com carácter de exclusividade, falha ao A. o interesse em agir no que respeita ao pedido de resolução contratual, consequente restituição do locado, pressuposto processual inominado, do conhecimento oficioso, insuprível e conducente, por tal, à absolvição daquele da instância relativamente aos pedidos atrás discriminados [cfr. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e, finalmente, 278º, n.º 1, alínea d), todos do Cód. Proc. Civil].»
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Notificada nos termos e para os efeitos do art. 567.º, n.º 2, a autora apresentou alegações, onde conclui como na petição inicial.
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Subsequentemente, foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em face do acima exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e:
I. Absolvo os RR. da instância relativamente ao pedido de resolução de contrato de arrendamento, consequente despejo e indemnização pelo atraso na restituição do locado;
II. Condeno os RR. a pagar à A.:
a) o montante correspondente à soma das rendas vencidas e não pagas relativas a ao período Dezembro de 2020 e a Julho de 2021, no montante global de 6.160,00 € (seis mil e sessenta euros);
b) o montante das rendas que se tenham vencido após a propositura da presente e as vincendas.»
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Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«A) É fundamento do presente recurso o Erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do Direito.
B) A ora recorrente na sua P.l. formulou os seguintes pedidos:
(...)[12];
C) Os RR regular e pessoalmente citados, não contestaram , tendo sido declarados confessados os factos alegados na P.l.
D) A douta sentença de que ora se recorre, decidiu O Tribunal “a quo” para além do mais:
I “AbsoIver os RR da instância relativamente ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, consequente despejo e indemnização pelo atraso na restituição do locado, com fundamento que: “ Falha à A o interesse em agir no que respeita ao pedido de resolução contratual , consequente restituição do locado e indemnização devida peio atraso desta restituição, pressuposto processual inominado, do conhecimento oficioso, insuprível e conducente, por tal, à absolvição dos RR da instância relativamente aos pedidos atrás discriminados (Cfr artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577, 578 e, finalmente, 278, n.º 1, alínea d), todos do C.P.Civil, o que desde já se julga” tendo sustentado a sua posicão/decisão com base no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nrolatado a 15/04/2008 no processo n°937/07.6TBGRD.C 1
E) Com todo o respeito que tal interpretação lhe merece, não pode a autora aceitar tal interpretação da normas legais em vigor e aplicáveis ao caso em apreço;
F), G), H), I), J), (...)[13];
K) (...) não se verifica Falta de Interesse em agir/processual relativamente ao pedido de resolução contratual, e consequente restituição do locado., não se verificando por isso qualquer exceção dilatória, designadamente a exceção dilatória de falte de interesse em agir/processual.
L) Pelo que, deverá a sentença ora em recurso ser revogada e substituída por outra em que declare que não se verifica Falta de Interesse em agir/processual relativamente ao pedido de resolução contratual, e consequente restituição do locado e que considere totalmente procedente todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente na sua P.I., com as demais consequências legais.
M) Deverão por isso os RR serem condenados em todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente.»
Conforme refere Rui Pinto, «depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial.»[14].
No presente recurso, após a formulação das conclusões a apelante deduz o seguinte pedido revogatório:
«Termos em que, nos melhores de Direito, doutamente supridos por Va Exa(s) deverá o presente recurso ser considerado procedente, e em consequência deverá a sentença ora em recurso ser revogada e substituída por outra em que considere totalmente procedente todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente na sua P.I. e serem os RR condenados em tais pedidos, com as demais consequências legais.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.»
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se a sentença recorrida deve ser alterada substituindo-se o segmento recorrido por outro que:
- considere resolvido o contrato de arrendamento;
- decrete o despejo do locado; e,
- condene os demandados no pagamento de indemnização pelo atraso na restituição do locado;
- condene os demandados no pagamento de juros de mora.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida afirma-se o seguinte:
«Na sequência da frustração da citação da 1.ª R., apurou-se o seu decesso, e tendo sido habilitados o seu sucessor JM nos termos da sentença proferida no apenso “A” aos presentes, foram os RR. actuais regular e pessoalmente citados, tendo-se mantido em revelia absoluta. Razão pela qual, nos termos consignados no despacho precedente, foram declarados confessados os factos constantes da petição inicial.»
Não é, salvo o devido respeito, aceitável a técnica usada pela senhora juíza "a quo" para fundamentar, em termos de facto, a sentença ora sob recurso.
Tal como assertivamente se afirma no Ac. da R.L. de 20.12.2018, Proc. n.º 383/18.6T8ALM.L1-7 (DIOGO RAVARA), in www.dgsi.pt, «(...) se é certo que o art. 567º, nº 1 do CPC dispõe que sendo o réu regularmente citado na sua pessoa e não contestar se consideram confessados os factos alegados pelo autor na petição inicial, acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que se a resolução da causa se revestir de manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, julgando-se a causa conforme for de direito (nº 2), a verdade é que a jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que esta forma aligeirada da sentença não dispensa um mínimo de fundamentação de facto e de direito, e que, no tocante aos factos, não fica o juiz dispensado de indicar com clareza e de forma discriminada quais os factos que considera provados e não provados, e a respetiva motivação, como resulta do disposto no art. 607º, nº 4 do CPC – vd., entre outros, os acs. RC de 20-05-2004 (Fernandes da Silva), p. 697/04, e RG 03-07-2014 (Amílcar Andrade), p. 4215/13.3TBRRG.G1[4].
Nos citados arestos chega mesmo a concluir-se que quando não contenha a indicação dos factos considerados provados e não provados, a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC».
Impunha-se que a senhora juíza a quo fundamentasse a sentença recorrida em termos de facto, discriminando os factos essenciais provados e não provados, e que, em seguida, procedesse à respetiva motivação.
Substituindo-se à 1.ª instância, vai este tribunal "ad quem" elencar os factos essenciais relevantes para a decisão da causa, tarefa que, repete-se, incumbia ao tribunal recorrido:
Assim, são os seguintes os factos que se consideram provados, com relevo para a decisão da causa e do recurso:
1 – Pela Ap. ____ de 2020/06/01, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe, a aquisição, a favor da autora, por compra a M, do prédio urbano situado em Venda do Pinheiro, Rua G, n.º __, freguesia _____, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º __/____, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. __, composto de «casa de habitação destinada a um locatário com 87,50 m2; - quintal com poço comum com 623,50 m2; - uma dependência para garagem e arrecadação com 39 m2»;
2 – Por acordo escrito realizado no dia 1 de junho de 2020, IC, Lda., declarou dar de arrendamento a M e J, que declararam tomar-lhe de arrendamento, para sua habitação, o prédio identificado em 1;
3 – O n.º 1 da cláusula 2.ª daquele acordo tem a seguinte redação: «O arrendamento é celebrado por prazo certo e terá a duração de 3 (três) anos, com início em 1 de Julho de 2020 até 30 de Junho de 2023»;
4 – Os n.ºs 1 a 3. da cláusula 4.ª do mesmo acordo têm a seguinte redação:
«1. O valor da renda será de € 1.120,00 (...) e será paga da seguinte forma:
2. O valor de € 560,00 (...), a partir de 1 de Julho de 2020 e nos primeiros dez meses de vigência do contrato;
3. O valor de € 1.120,00 (...) a partir de 1 de Maio de 2021;
4. As rendas vencem-se no primeiro dia útil e paga até ao dia 8 do mês a que respeitem»;
5 – No dia 26 de julho de 2021, data da instauração da ação, encontravam-se por pagar, pelos réus à autora, as rendas referentes aos meses de dezembro de 2020 e janeiro a julho de 2021;
6 – Os réus não pagaram à autora as rendas referidas em 5., apesar de por esta terem sido interpeladas para o efeito.»
Motivação:
O enunciado descrito em 1. resulta do teor da certidão predial permanente, que constitui o documento 1 junto aos autos com a petição inicial;
Os enunciados descritos em 2. a 4. resultam do teor do contrato de arrendamento que constitui o documento n.º 3 junto com a petição inicial;
Os enunciados descritos em 5. e 6. resultam provados por confissão.
*
3.2 – Fundamentação de direito:
A decisão recorrida, onde o tribunal a quo não identifica corretamente, nem o objeto do litígio[15], nem as questões a decidir[16], absolveu os réus da instância «relativamente ao pedido de resolução de contrato de arrendamento, consequente despejo e indemnização pelo atraso na restituição do locado», por falta de interesse processual, ou interesse em agir, por banda da autora relativamente a tais pedidos, o que configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição parcial dos réus da instância, nos termos dos art. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º.
Fê-lo com o seguinte fundamento:
«(...) afigura-se a este Tribunal que não sendo possível, porque implicitamente proibido pelas normas legais acima referidas[17], resolver o contrato de arrendamento por via da acção de despejo quando o seu fundamento radique na falta de pagamento de rendas, então falha à presente o pressuposto processual do interesse em agir ou da necessidade da tutela judiciária.
Na verdade, sendo a acção de despejo uma verdadeira acção constitutiva, através da qual se altera a ordem jurídica por via do exercício do direito potestativo de fazer cessar a relação jurídica de arrendamento, e derivando nesta espécie de acção o interesse em agir do puro facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral da vontade do respectivo titular, podendo e devendo o direito potestativo exercido nos autos sê-lo extrajudicialmente e com carácter de exclusividade, falha à A. o interesse em agir no que respeita ao pedido de resolução contratual, consequente restituição do locado e indemnização devida pelo atraso desta restituição, pressuposto processual inominado, do conhecimento oficioso, insuprível e conducente, por tal, à absolvição da R. da instância relativamente aos pedidos atrás discriminados (...).»
Discorda-se de um tal entendimento!
No contrato de locação constituem obrigações essenciais:
a) do locador, além do mais, entregar ao locatário a coisa locada – art. 1031.º, al. a), do CC;
- assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que ela se destina – al. b);
b) do locatário, além do mais, pagar a renda ou aluguer ao locador – art. 1038.º, al. a), do CC. No caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada durante três meses, forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento – arts. 1079.º[18] e 1083.º, n.ºs 1 e 2[19], do CC.
Esse direito, sendo a causa da resolução o não pagamento das rendas, pode ser exercido judicial ou extrajudicialmente (art. 1047.º do CC)[20].
- judicialmente, ou seja, com recurso à ação de despejo regulada no art. 14.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, caso em que o direito à resolução caduca logo que o arrendatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do art. 1041.º (art. 1048.º, n.º 1, do CC[21]);
- extrajudicialmente, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do art. 1084.º, n.º 2, do CC, caso em que deverão ser observados os formalismos previstos no art. 9.º, n º 7, do NRAU, ou seja, devendo a notificação ser efetuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou solicitador de execução, comprovadamente mandatado para o efeito.
Está provado que os arrendatários não pagaram à senhoria, apesar de por esta interpelados para o efeito, as rendas referentes aos meses de dezembro de 2020 e janeiro a julho de 2021[22].
Nos termos do já referido art. 1083.º, n.º 3, do artigo 1083º do CCiv, «é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs. 3 e 4 do artigo seguinte».
Está em causa uma situação objetiva de incumprimento grave por parte dos inquilinos, justificativa da resolução do contrato de arrendamento, nos termos dos também já referidos arts. 1079.º e 1083.º, n.º 1, do CC.
Trata-se, afinal, de um fundamento objetivo, não valorado pela sua gravidade ou consequências[23].
Conforme afirma Menezes Leitão, «efectivamente, o não pagamento da renda ou dos encargos e despesas, ou o atraso nesse pagamento, constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato.»[24].
O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas é meramente optativo, podendo o senhorio, se entender ser essa a opção que melhor corresponde aos seus interesses, resolver o contrato, com esse fundamento, utilizando para o efeito o meio processual comum, ou seja, a ação despejo, logo que o inquilino incorra em situação de mora relevante.
Conforme refere Elsa Sequeira Campos, «(...) a circunstância de o senhorio poder efetuar a resolução por via extrajudicial não o priva da possibilidade de recorrer a uma ação judicial destinada àquela resolução, quer como pedido isolado, quer em cumulação com outros pedidos (p. ex., o pedido de pagamento e rendas em atraso). Este ponto tem sido debatido na doutrina e na jurisprudência, sendo largamente maioritária a posição que seguimos. A tese sai reforçada com a alteração operada pela Lei n.º 31/2012 ao art. 1048, n.º 1, que, em matéria de locação, expressamente prevê a possibilidade de a resolução por falta de pagamento da renda se fazer judicialmente.»[25].
Fernando Gravato de Morais afirma que «(...) a posição da admissibilidade da ação de despejo se mostra a mais adequada (...).
Os argumentos invocados neste sentido são variados. tocam vários âmbitos e dão resposta positiva e eficaz do ponto de vista pragmático.
Em relação ao elemento literal, que sustenta a tese contrária (que emerge do facto de o art. 14,.º, n.º 1 NRAU determinar que “a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial” e, portanto, que a lei não impõe tal recurso), deve afirmar-se que esta regra é meramente decalcada do anterior art. 55.º, n.º 1 RAU. Quanto a nós, o legislador esqueceu-se de a actualizar, em conformidade com os ditames da nova lei (ou seja, na sequência da introdução da possibilidade de introdução da via extrajudicial, para além da tradicional via judicial).
De todo o modo, limitando-nos ainda aos argumentos do texto, há vários preceitos que permitem, indubitavelmente – e de forma reiterada –, detectar que o legislador se referiu expressamente à acção de despejo por falta de pagamento da renda, a saber:
- na pendência de acção de despejo[26], as rendas vencidas… (art. 14.º, n.º 3 NRAU);
- a junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito à contestação … de ação baseada na falta de pagamento produz os efeitos da comunicação (art. 19.º, n.º 2 NRAU);
(...)
Deve referir-se ainda que o art. 1048.º, n.º 1 CC permite ao arrendatário fazer caducar o direito de resolução do senhorio “até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa (de despejo)”, o que nos permite, textualmente, deduzir a possibilidade de recurso à via judicial-
Portanto, é não só evidente a contradição do legislador (emergente do art. 14.º, n.º 1 NRAU e do seu confronto com todos os outros preceitos citados), como se pode concluir que a repetição do texto na sequência da transposição na norma (do RAU para o NRAU) não foi a mais indicada.
Mas, do ponto de vista material, há um conjunto de argumentos de forte dimensão que podem ser usados.
Cabe enumera-los, agrupando-os.
Em termos gerais, pode sustentar-se:
- a não limitação do senhorio no tocante ao direito de acção (não o pondo de resto em situação pior do que a do mero locador);
- uma noção lata de acção de despejo.
A acção de despejo pode, por outro lado, ser mais eficaz, mais célere e menos onerosa que o recurso à via extrajudicial. Vejamos:
- há a possibilidade de cumular, na mesma ação de despejo, vários fundamentos resolutivos para além da falta de pagamento da renda (...), em vez de instaurar uma acção executiva para entrega de coisa certa, uma acção executiva para entrega de quanta certa e ainda uma acção declarativa de despejo com base noutro fundamentos;
- a desnecessidade de duplicação de acções no caso de existir fiador que garanta a obrigação do arrendatário;
- a redução do (segundo) período de favor (trimestral) dado ao arrendatário (o prazo da contestação da acção declarativa de despejo é bem mais curo que o prazo trimestral da via extrajudicial - o que representa um ganho de tempo considerável);
- é um modo de evitar a espera do decurso de prazo para a exigibilidade da desocupação do locado.
Acresce que o recurso à via judicial permite superar os possíveis e mais do que prováveis entraves do caminho oposto, que podem mesmo ser inultrapassáveis, designadamente:
- a supressão dos problemas relativos à notificação do arrendatário (e assim aos entraves motivados pelo comunicação resolutiva não conseguida tendo em conta as formalidades do art. 9.º, n.º 7 NRAU);
- a dificuldade (não suprível) provocada pela falta de contrato escrito de arrendamento.
Há ainda reflexos, que podem ser bem positivos para o senhorio.»[27].
Menezes Leitão refere que «actualmente, a resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente (art. 1047.º). (...).
Apenas se a causa de resolução for o não pagamento das rendas, encargos ou despesas (...) é que se admite que o senhorio a faça operar por comunicação ao arrendatário (art. 1084.º, n.º 2) […].»[28].
A este propósito escreve Menezes Cordeiro:
«A ação de despejo é o meio processual destinado a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento (art. 14.º/1 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto). Será o meio a usar quando a resolução opere invocando o artigo 1083.º, n.º 1. Pergunta-se, nos restantes casos – falta de pagamento de rendas (...) – o senhorio pode lançar mão da ação de despejo, ainda que ela não seja obrigatória. Olinda Garcia responde pela negativa: a ação de despejo não poderá usar-se quando o arrendamento já houver cessado por outro meio, meio esse que seria, naqueles casos, a comunicação extrajudicial[29].
Contra, depõem Laurina Gemas e outros[30], Gravato Morais[31], Soares Machado[32], David Magalhães[33] e Soares do Nascimento[34].
A jurisprudência dividiu-se: enquanto algumas decisões rejeitaram, liminarmente, a ação de despejo ou ação declarativa, nos casos em que a lei prevê a resolução por comunicação extrajudicial, outras, hoje dominantes, admitem a tal ação como estando sempre ao alcance do senhorio, de acordo com uma opção que a este cabe efetuar. De acordo com os princípios civis, as exigências de forma são requisitos mínimos. As partes podem sempre usar uma forma dotada de maior solenidade. Ora, se a lei se contenta com uma comunicação, mais satisfeita ficará com uma citação para uma ação. A hipótese de usar uma comunicação extrajudicial configura-se como uma faculdade, que o senhorio usa, ou não, conforme o seu juízo.»[35].
Conforme, aliás, referem acertadamente Laurinda Gemas / Albertina Pedroso / Caldeira Jorge, «basta a falta de pagamento de uma única renda para fundamentar a resolução do contrato (…). Não são necessárias três rendas em atraso, mas apenas uma (…).
Quanto à duração da mora, no caso da resolução extrajudicial é necessário que a mora tenha duração superior a 3 meses, como resulta do art. 1083º, nº 3, 1ª parte, que deve ser conjugado com o art. 1084º, nº 1. A falta de pagamento da renda em caso de mora inferior a 3 meses pode fundamentar a resolução do contrato, mas deverá operar por via judicial, tendo de ser decretada em acção de despejo (cfr. art. 1084º, nº 2, do CC, e art. 14º do NRAU».
Em sintonia com a doutrina citada, está hoje a esmagadora maioria, se não mesmo totalidade da jurisprudência dos nossos Tribunal Superiores, ou seja, no sentido de que no atual regime do arrendamento urbano, os senhorios podem optar livremente pelo meio judicial da ação despejo para obter a resolução do contrato com fundamento em falta de pagamento de renda, designadamente, como ocorre no caso concreto, quando pretenderem cumular fundamentos de resolução que não possam operar extrajudicialmente ou quando desconhecerem o paradeiro do arrendatário – neste sentido, além da jurisprudência abundantemente citada por Menezes Cordeiro, ob. e loc. cit., notas 3085 e 3086, cfr., por todos, os Acs. da R.P. de 19.05.2020, Proc. n.º 1918/18.0T8PVZ.P1 (Maria Graça Mira), da R.G. de 24.11.2022, Proc. n.º 629/21.3T8CHV.G1 (Joaquim Boavida), da R.L. de 02.072019, Proc. n.º 3707/18.2T8LSB.L1-7 (Micaela Sousa), da R.L. de 29.11.2028, Proc. n.º 19373/17.0T8SNT.L1-8 (Teresa Prazeres Pais).
Pelas exatas razões expendidas, extraídas da abundante doutrina que vimos de citar, com acolhimento, hoje em dia, praticamente a uma só voz, na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, outro não é, também, o nosso entendimento quanto à questão ora em apreço, ou seja:
- o meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo;
- o senhorio pode, se assim o entender, resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante, o que, por maioria de razão, se justifica quando, nos termos legalmente previstos, com o pedido resolutivo, cumule outros pedidos.
A sentença recorrida terá, por isso, necessariamente, de ser alterada:
a) declarando-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado no dia 1 de junho de 2020, pelo qual IC, Lda, declarou dar de arrendamento a M e J, que declararam tomar-lhe de arrendamento, para sua habitação, o prédio urbano situado em Venda do Pinheiro, Rua G, n.º __, freguesia de ___, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º __/____, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. __, composto de «casa de habitação destinada a um locatário com 87,50 m2; - quintal com poço comum com 623,50 m2; - uma dependência para garagem e arrecadação com 39 m2»;
b) condenando-se:
- o primitivo réu, J; e,
- o habilitado sucessor de M, JM,
a restituírem à autora, o prédio identificado em a), livre e desocupado de pessoas e bens.
Na petição inicial a autora cumula com aqueles pedidos, a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 6.160,00, a título de rendas em atraso, referentes aos meses de dezembro de 2020 e janeiro a julho de 2021, «bem como todas as rendas que se vencerem desde a data da entrada da presente ação até entrega efetiva do imóvel».
A sentença recorrida, que não declarou a resolução do contrato de arrendamento, nem condenou no despejo do locado, antes absolvendo, nessa parte, os demandos da instância, por falta de interesse em agir, condenou-os, no entanto, no pagamento, além das rendas vencidas após a propositura da presente ação, e nas «vincendas».
Declarado agora resolvido o contrato de arrendamento e condenados, o primitivo réu, J, e o sucessor habilitado de M, JM, torna-se evidente que também nesta parte, em que condenou no pagamento das «rendas vincendas», a sentença recorrida terá de alterada.
É evidente que a autora não pode pretender que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento e, ao mesmo tempo, pretender que lhe continuem a ser pagas rendas após a resolução contratual.
Uma vez resolvido o contrato de arrendamento pelo senhorio, não há lugar ao pagamento de rendas vincendas pelo inquilino[36].
Conforme se afirma no Ac. da R.L. de 16.02.2021, Proc. n.º 77/20.2T8SXL-A.L1-2 (Pedro Martins), in www.dgsi.pt, depois de ter resolvido o contrato de arrendamento nenhuma norma jurídica prevê o direito de o senhorio o fazer renascer, para passar a receber rendas vincendas.
É que, depois de resolvidos, os contratos não renascem por vontade unilateral de uma das partes.
Isto não significa, no entanto, que não se considere o pedido formulado pela autora, de condenação dos réus no pagamento das «rendas vincendas».
Ele deve, efetivamente, ser considerado, ainda que com diferente enquadramento jurídico.
Vejamos!
A ação de despejo, como é o caso da presente, segue a forma do processo declarativo comum (art. 14.º, n.º 1, do NRAU).
Por isso, era lícito à autora nesta ação, cumular com o pedido de despejo, quaisquer outros pedidos, compatíveis com aquele, desde que:
- aos pedidos cumulados não correspondessem formas de processo diferentes;
- a cumulação não fosse suscetível de ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia (arts. 555.º, n.º 1 e 37.º, n.º 1).
Era, por isso, lícito à autora, nesses termos, cumular com o pedido de despejo, outros pedidos, nomeadamente, os de condenação:
- em rendas vencidas; e,
- em indemnização.
Nenhuma dúvida se suscita quanto ao direito da autora à rendas vencidas até à resolução do contrato de arrendamento sub judice, pois, trata-se apenas, ainda e só, do direito que assiste a qualquer senhorio de obter a contraprestação que lhe é devida pelo gozo do locado proporcionado ao arrendatário, retribuição que integra a definição legal de locação (art. 1022º do CC), estando o seu pagamento, como se viu, previsto como uma obrigação essencial que recai sobre o locatário (cit. art. 1038º, al. a), do CC).
Por conseguinte, assiste à autora, inequivocamente, o direito às rendas vencidas até à resolução do contrato de arrendamento.
Questão diferente é, como já se disse, a das «rendas vincendas» após a resolução do contrato e «até entrega efetiva do imóvel.»
Há que atentar no disposto no art. 1045.º do CC:
«1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.»
Conforme se decidiu no Ac. da R.P. de 18/01/2000, Proc. nº 9921424, in www.dgsi.pt, «transitada em julgado a sentença que reconheça o fim do contrato de arrendamento, é o locatário obrigado a restituir o locado, podendo a sentença, se o autor houver pedido, condená-lo também, condicionalmente e "in futurum" a uma indemnização pela eventual mora, pelo período que decorrer desde a data do trânsito, em montante correspondente ao dobro das rendas».
A autora não pediu a condenação dos demandados no pagamento de uma tal indemnização, mas sim no pagamento de rendas vincendas.
Tal como pertinente e esclarecidamente se afirma no Ac. da R.G. de 24.11.2022, Proc. n.º 629/21.3T8CHV.G1 (Joaquim Boavida), in www.dgsi.pt, «o âmbito da aceção de “rendas” há de ser encontrado, desde logo, nas normas do Código Civil, no capítulo relativo à locação.
A “renda” é a retribuição a que o locatário fica obrigado, em contrapartida do gozo temporário da coisa, que lhe é facultado pelo locador (v. artigos 1022º e 1038º, nº 1, al. a), do CCiv).
Sucede que o Código Civil não utiliza sempre esse vocábulo no sentido rigoroso e estrito a que aludimos, mas também num sentido mais amplo. Apesar de o contrato de arrendamento ter findado, a lei continua a designar por “locatário” o obrigado a pagar a renda ou o aluguer que as partes tenham estipulado. É a própria lei que usa termos jurídicos decorrentes do contrato já findo, como “locatário” (arts. 1045º, nºs 1 e 2), “locado” («desocupação do locado» - art. 1087º) e “renda” (1045º, nº 1). Numa aceção restrita, se o contrato de arrendamento findou, designadamente por resolução, já não é possível falar, com propriedade, em “renda” no apontado sentido, assim como em “coisa locada”, “locador” ou “locatário”, ou em expressões equivalentes, especificamente quanto ao arrendamento – “arrendado”, “senhorio” ou “arrendatário”. As quantias que a lei prevê, como sendo devidas depois de cessado o contrato, designadamente por resolução operada pelo senhorio, e até à entrega do locado, constituem indemnizações, cujo quantitativo está legalmente pré-fixado.
Sucede que basta ler o artigo 1045º, nº 1, do CCiv para chegar à conclusão que o termo “renda” aí utilizado não tem o apontado sentido estrito. Nessa disposição, apesar de se partir do pressuposto de que o contrato se mostra findo, continuam a utilizar-se os termos “renda”, “coisa locada” ou “locatário”. Essa mesma terminologia ou outra equivalente, como é o caso de “arrendatário”, “senhorio” e “locado”, é utilizada tanto no Código Civil como no NRAU mesmo nas situações em que o contrato de arrendamento já se mostra extinto.
Mais, é a própria lei que no nº 1 do artigo 1045º do CCiv refere que o locatário é obrigado “a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado», apenas ressalvado que tal pagamento é devido «a título de indemnização”, o que consubstancia apenas uma preocupação de qualificação da natureza de tal prestação. Aliás, há autores que entendem que a aludida prestação devida pela manutenção do locado não constitui uma verdadeira indemnização. Assim, segundo Maria Olinda Garcia[37] “[n] o n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por ‘indemnização’”.
Sendo dever do intérprete, aquando da fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do CCiv.), então é legítimo concluir que as “rendas” são todas aquelas prestações que o Código Civil, no âmbito do arrendamento urbano, considera como rendas ou equipara a tal.
Por isso, é legítimo utilizar o termo “rendas” em sentido amplo, para significar também a sucedânea quantia devida a título de compensação pelo atraso na restituição da coisa (art. 1045º, nº 1, do CCiv), cuja desocupação é exigível, em regra, após o decurso de um mês a contar da resolução (art. 1087º do CCiv.). Aliás, nesse mês subsequente à resolução do contrato, estando operada esta, continua a ser devida a “renda” – obrigação de pagamento que não é habitualmente posta em causa – também aqui na sua aceção ampla.
O que releva não é propriamente a utilização do vocábulo renda, a que a própria lei recorre, mas sim a realidade que se queria designar.»
Concordamos inteiramente com este entendimento.
Por isso, não obstante pedir a condenação dos demandados no pagamento de «todas as rendas que se vencerem desde a data da entrada da presente ação até entrega efetiva do imóvel», a autora tem direito a haver, se por qualquer causa não lhe for restituído o imóvel locado logo após o trânsito em julgado do presente acórdão, que decretou a resolução do contrato de arrendamento, a título de indemnização, por ocupação ilícita do locado, e até ao momento em que o mesmo lhe for restituído, um montante global equivalente à soma do valor de cada uma das rendas estipuladas no n.º 2 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento: € 1.120,00 (mil cento e vinte euros).
Além, claro, do montante global equivalente às rendas vencidas e não pagas até à data do trânsito em julgado do presente acórdão.
E quanto aos juros?
Na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação, a autora pede a condenação dos réus «no pagamento de juros desde a data da citação, até efetivo pagamento», sobre os valores correspondentes às rendas peticionadas mo ponto 3. da parte conclusiva daquela peça processual.
A sentença recorrida não se pronunciou sobre o pedido de condenação em juros.
Nas conclusões das alegações, a apelante não identifica, específica e expressamente, a condenação em juros de mora como questão a decidir neste recurso.
Deve, porém, considerar-se que essa questão está implícita nas conclusões.
É que, na motivação do recurso alega que «(...) deverá a sentença ora em recurso ser revogada e substituída por outra em que considere totalmente procedente todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente e serem os RR condenados em tais pedidos, com as demais consequências legais» (art. 17.º), «designadamente (...), considere procedente os seguintes pedidos:
(...)
d) Serem os RR condenados no pagamento de juros desde a data da citação, até efetivo pagamento, custas, procuradoria e demais despesas judiciais e extrajudiciais a que derem causa.»
E nas conclusões pugna pede o seguinte:
«Deverão por isso os RR serem condenados em todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrente.»
Entende-se, por isso, que é de conhecer, neste recurso, da questão dos juros de mora.
Não obstante o decidido no Ac. da R.C. de 30.04.2019, Proc. n.º 4072/18.3T8CBR.C1 (Barateiro Martins), in www.dgsi.pt[38], entendemos que, no caso concreto, são devidos juros de mora.
A título exemplificativo, veja-se o Ac. do S.T.J. de 29.09.2020, Proc. n.º 9158/15.3T8VNG.P1.S1 (Maria Olinda Garcia), in www.dgsi.pt, onde, no seu ponto «4.2.3. Quanto à obrigação de pagar juros de mora sobre as quantias pecuniárias devidas pelo recorrente», se considerou que «estando em mora quanto ao cumprimento das obrigações pecuniárias supra referidas, o recorrente torna-se responsável pelos inerentes juros de mora ( art. 806º do CC) […].
Quanto à indemnização prevista no n.º 2 do art. 1045.º do CC, que continua a vencer-se até à efetiva entrega do imóvel (...), são também devidos juros de mora, a contar do momento em que cada uma dessas mensalidades é devida.»
Nem, tal como se afirma no citado Ac. da R.G., poderia ser de outro modo.
Na verdade, escreve-se nesse aresto, «para uma correta interpretação normativa é necessário apurar se existe uma regra geral em matéria de indemnização pela mora debitória e qual a forma que ela assume nas obrigações pecuniárias. Depois, importa apurar se existe uma regra especial em matéria de locação que afasta totalmente essa regra geral quanto à indemnização da mora.
O princípio geral, consagrado no artigo 804º, nº 1, do CCiv, é o de a mora constituir o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Por conseguinte, a consequência da mora debitória é a responsabilidade do devedor pelos danos dela resultantes, o que não constitui sequer uma inovação, mas um mero afloramento do princípio geral do artigo 798º do CCiv. É uma mera responsabilidade obrigacional que se integra no regime geral do artigo 798º e 799º do CCiv.
Quando estejam em causa obrigações pecuniárias, a regra é a indemnização pela mora corresponder aos juros a contar do dia da constituição em mora – artigo 806º, nº 1, do CCiv.
No âmbito do contrato de arrendamento, o arrendatário constitui-se em mora se não paga a renda no dia do vencimento (art. 1039º, nº 1, do CCiv), mas pode fazer cessar a mora se pagar a renda nos 8 dias seguintes (art. 1041º, nº 2, do CCiv).
Porém, se o arrendatário não fizer cessar a mora nos 8 dias seguintes a contar do seu começo, o senhorio tem o direito de lhe exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento (art. 1041º, nº 1, do CCiv) nos termos do artigo 1083º, nº 1, do CCiv.
Portanto, o que decorre do artigo 1041º, nº 1, do CCiv é apenas isto: o senhorio apenas pode exigir, além do valor das rendas, a indemnização igual a 20% do que for devido se não resolver o contrato com base na falta de pagamento das rendas. Se resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas não tem direito à indemnização correspondente a 20% do que for devido. É este o único significado da ressalva constante da parte final do nº 1 do artigo 1041º do CCiv.
A parte final do nº 1 do artigo 1041º do CCiv só afasta a possibilidade de a indemnização corresponder a 20% do que for devido, ou seja, a específica forma de indemnizar a mora do arrendatário se não houver lugar à resolução do contrato de arrendamento, e não as regras gerais dos artigos 804º, nº 1, e 806º, nº 1, do CCiv.
Dito de outro modo, optando o senhorio pela resolução do contrato, não é aplicável a regra específica de a indemnização pela mora corresponder a 20% (a qual pressupõe a manutenção do contrato), mas sim a regra geral, por se tratar de obrigação pecuniária, constante do nº 1 do artigo 806º do CCiv, de a indemnização corresponder aos juros, no caso legais (nº 2 do art. 806º).
Não é lícito retirar da norma do nº 1 do artigo 1041º do CCiv um sentido que não tem apoio nem na sua letra nem na sua ratio legis. Não resulta daquela norma que o senhorio não tem direito a qualquer indemnização pela mora se optar pela resolução do contrato, mas apenas que não tem direito à indemnização correspondente a 20% do que for devido. Se é afastada uma regra especial, a situação recai no âmbito da regra geral.»
A este propósito escreve Aragão Seia que «em acção de despejo, o senhorio pode cumular o pedido de despejo com o pedido acessório de juros moratórios – arts. 804º e 806º, do Cód. Civil – sobre as rendas vencidas, desde a data da citação, e sobre as rendas vincendas, desde o respectivo vencimento, em ambos os casos até efectiva desocupação do arrendado. Esses juros destinam-se a ressarci-lo pelo prejuízo que sofre com a falta de pagamento das rendas no momento próprio e com a continuação da ocupação do locado.»[39].
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, alterando, em consequência, a sentença recorrida, nos seguintes termos:
4.1 – declaram resolvido o contrato de arrendamento celebrado no dia 1 de junho de 2020, pelo qual IC, Lda., declarou dar de arrendamento a M e J, que declararam tomar-lhe de arrendamento, para sua habitação, o prédio urbano situado em Venda do Pinheiro, Rua G, n.º __, freguesia de ___, concelho de Mafra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º __/____, inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o art. __, composto de «casa de habitação destinada a um locatário com 87,50 m2, quintal com poço comum com 623,50 m2 e uma dependência para garagem e arrecadação com 39 m2;
4.2 – condenam:
- o primitivo réu, J; e,
- JM, este apenas na qualidade habilitado sucessor de M,
a despejarem o imóvel locado, identificado em 4.1, restituindo-o à autora, livre e desocupado de pessoas e bens;
4.3 – condenam:
- o primitivo réu, J; e, com ele,
- JM, este apenas e só na qualidade de habilitado sucessor de M,
a pagarem à autora o montante global correspondente às rendas vencidas e não pagas:
4.3.1 – referentes aos meses de dezembro de 2020 a abril de 2021, à razão mensal de € 560,00 (quinhentos e sessenta euros);
4.3.2 – referentes aos meses de maio de 2021 e até ao trânsito em julgado deste acórdão, à razão mensal de € 1.120,00 (mil e cento e vinte euros);
4.4 – condenam:
- o primitivo réu, J; e, com ele,
- JM, este apenas e só na qualidade de habilitado sucessor de M,
a pagarem à autora, caso o imóvel identificado em 4.1, por qualquer causa, não seja lhe seja restituído imediatamente após o trânsito em julgado do presente acórdão, a título de indemnização, o valor corresponde à soma de cada uma das rendas mensais atualmente estipulada, que neste se cifra em € 1.120,00 (mil e cento e vinte euros), desde a data de tal trânsito e até à efetiva restituição do locado, livre e desocupado de pessoas e bens;
4.5 – condenam:
- o primitivo réu, J; e, com ele;
- JM, este apenas e só na qualidade de habilitado sucessor de M,
a pagarem à autora juros de mora civis, sobre o montante global das rendas vencidas e não pagas, referentes aos meses de dezembro de 2020 até à data em que o habilitado sucessor de M, JM, foi notificado para os termos da ação, à taxa legal anual de 4 % ao ano, até ao presente momento, e vincendos, a esta mesma taxa ou à que entretanto vier a vigorar, até efetivo e integral pagamento;
4.6 – condenam:
- o primitivo réu, J; e, com ele,
- JM, este apenas e só na qualidade de habilitado sucessor de M,
a pagarem à autora juros de mora civis sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas desde a data em que o habilitado sucessor de M, JM, foi notificado para os termos da ação, contados a partir da data do vencimento de cada uma delas, à taxa legal anual de 4% ao ano, até ao presente momento, e vincendos, a esta mesma taxa ou à que entretanto vier a vigorar, até efetivo e integral pagamento;
4.7 – condenam:
- o primitivo réu, J; e, com ele,
- JM, este apenas e só na qualidade de habilitado sucessor de M,
a pagarem à autora juros de mora civis sobre os montantes mensais indemnizatórios referidos em 4.4, contados a partir da data do vencimento de cada um deles, à taxa legal anual de 4% ao ano ou à que entretanto vier a vigorar, até efetivo e integral pagamento.
As custas do recurso, na modalidade de custas de parte, são a cargo dos apelados.
Lisboa, 23 de janeiro de 2024
José Capacete
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Silva Maximiano
_______________________________________________________ [1]cfr. artigo 65º do diploma legal em análise [2] Aplicável à situação sub judicio, pese embora a natureza rústica do prédio locado, atendendo ao disposto no artigo 1108.º do Cód. Civil, artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei n.º 294/2009 de 13.10 e o vertido na cláusula 4.ª do escrito de fls. 5 verso e seguintes. [3] Acção Executiva para Entrega de Imóvel Arrendado, páginas 45 e 46. [4] Neste sentido, Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 4.ª Edição actualizado, Vol. II, página 1014. [5] Neste sentido, Acs. R. Lisboa de 25.02.2008 e R. Porto de 26.02.2008, ambos in www.dgsi,pt. [6]In op. cit., página 1027. [7]In op. cit., página 29. [8] Sombreado da responsabilidade da signatária. [9]In, respectivamente, op. cit., página 1027, A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, páginas 129/139, e Arrendamento Urbano, 3.ª Edição, páginas 96, 162, 163 e 165 a 169. [10]Vd. ainda Menezes Leitão in Arrendamento Urbano, 5.ª Edição, página 212. [11]Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, páginas 252 [12] A apelante reproduz na íntegra, desnecessariamente, em sede de conclusões, os pedidos formulados na petição inicial. [13] A apelante cita e transcreve partes de vários acórdãos de Tribunais Superiores. Tal como refere ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188, «(...) rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.» [14]Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293. [15] Não se compreende, num cado como o presente, como pode constituir objeto do litígio «a vigência do contrato de arrendamento alegado» [16] Não estão identificadas as concretas questões a decidir na sentença. [17] A sentença recorrida reporta-se, essencialmente, ao art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. [18] Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. [19] Redação da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro. [20] Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. [21] Redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. [22] Aliás, importa referir que numa ação de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, ao senhorio apenas compete provar a existência do arrendamento e alegar a falta de pagamento das rendas, não lhe competindo, sequer, fazer prova desse não pagamento; é sobre o inquilino que recai o ónus de alegação e prova do pagamento das rendas, enquanto facto extintivo do direito invocado pelo senhorio, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do CC. [23] Cfr. Manteigas Martins [et. al.], Novo Regime do Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 2.ª Edição, p. 123. [24]Arrendamento Urbano, 9.ª Edição, Almedina, 2019, pp. 138-139. [25]Código Civil Anotado, Volume I (Artigos 1.º a 1250.º) – Coord. Ana Prata –, Almedina, 2017, p. 1326. [26] «Esta regra é similar à existente no passado, sendo que era pacífico que cabiam aqui quer as acções baseadas na falta de pagamento da renda (a regra), quer com base noutro tipo de fundamento.» [27]Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3.ª Edição, Almedina, 2011, pp. 255-257. [28]Arrendamento Urbano, cit., p. 149. [29] Maria Olinda Garcia, A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 2.ª Edição, (2008), 28 ss. [30] Laurinda Gemas / Albertina Pedroso / João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Quid Juris, 2009. pp. 409-410. [31] Fernando de Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, 3.ª Edição. (2011), 249 ss. [32] Soares Machado / Regina Santos Pereira, Arrendamento Urbano, 3.ª Edição (2016), 133-134. [33]A resolução do contrato de arrendamento urbano, (2007), 216-217. [34] Paulo Soares do Nascimento, O incumprimento da obrigação de pagamento da renda ao abrigo do NRAU. Resolução do contrato e ação de cumprimento, Est. Galvão Telles 90(2007), 1009-1022 (1016 ss). [35]Tratado de Direito Civil, Contratos em Especial (1.ª parte) – Compra e Venda-Doação-Locação, Almedina, 2018, pp. 1017-1018. [36] Isto, sem que se olvide que nos termos do art. 1087.º do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, «a desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.» [37]Arrendamentos para comércio e fins equiparados, 2ª edição, 2006, Coimbra Editora, p. 59. [38] «Exercido o referido direito alternativo – optando pela resolução – o senhorio não tem direito a qualquer indemnização pela mora do arrendatário, ou seja, não tem direito a quaisquer juros sobre as rendas em atraso, uma vez que os juros são/representam a indemnização pela mora nas obrigações pecuniárias e, optando o senhorio pela resolução contratual, esta (resolução) passa a ser a única “sanção” a que tem direito pela mora do inquilino.» [39] Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 194; no mesmo sentido veja-se o Ac. da R.P. de 09.10.1997, C.J., ano XXII, tomo IV, pp. 217-221.