CRIME PARTICULAR
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
Sumário

A notificação referida no artigo 285, n.1, do Código de Processo Penal de 1998 só tem que ser feita ao mandatário do assistente e não também a este.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO



O Mertº Juiz do T. J. da comarca de Peso da Régua (..º Juízo) exarou, nos autos do PC Singular nº .../03, ali pendentes, o seguinte despacho (fls. 100-101):

“Fls. 99:

Mediante o ofício de fls. 57, expedido em 27/10/03, foi o ilustre mandatário dos assistentes notificado, nos termos e para os efeitos do art. 285 nº 1, do Código de Processo Penal isto é, para deduzir acusação particular, no prazo de 10 dias.
Tal notificação considera-se efectuada em 30 de Outubro de 2003, pelo que o inerente prazo para acusar, do ponto de vista do ilustre mandatário, único ponto de vista possível, como passamos a demonstrar, extinguiu-se em 10 de Novembro de 2003 – cfr. art. 113º nº 9, do CPP.
É certo que os assistentes também foram notificados para o mesmo efeito, mas mal – cfr. fls. 58 – pois o que o art. 113º nº 9, 1ª parte do CPP estipula é uma disjuntiva, isto é, a notificação do assistente pode ser feita ao respectivo mandatário em lugar daquele.
Independentemente deste acto ser indevido o certo é que a lei estipula taxativamente os casos em que o prazo se conta a partir da notificação feita ao último – acusação, decisão instrutória, marcação de julgamento e sentença e a hipótese sujeita não se enquadra em nenhum deles, pois, citando textualmente a lei, “neste caso” (isto é, dupla notificação obrigatória) é que o prazo se conta a partir da notificação efectuada em último lugar.
Assim sendo, o prazo para a prática do acto, do ponto de vista do mandatário dos assistentes, único possível, como já se frisou - veja-se até o disposto no art. 70º n.º 1, do Código de Processo Penal - excutiu-se em 10 de Novembro de 2003.
O libelo acusatório de fls. 60 e inerente pedido cível, deu entrada em juízo em 11/11/03.
Parece assim, claro que os despachos de fls. 89 e 93 que ordenaram a liquidação da multa por extemporaneidade, não enfermam de qualquer incorrecção, manifesta ou outra.
Pelo exposto e como é bom de ver, nada há a determinar no que tange ao prosseguimento dos autos.
Custas do incidente pelos assistentes que se fixam em 1 Uc...”.

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Inconformados com o decidido, os assistentes B.......... e esposa, C.......... vieram interpor recurso, o qual motivaram, assim CONCLUINDO:

1 – Pretende o presente recurso manifestar a discordância dos recorrentes perante despacho da Mertª Juiz “ a quo” que desatendeu a reclamação da liquidação de multa que lhes foi aplicada por terem apresentado extemporaneamente a acusação particular.

2 – Considerou a Mertª Juiz que a notificação para deduzir acusação particular, apesar de ter sido feita, quer aos assistentes, quer ao seu mandatário, não o deveria ter sido e que o único ponto de vista possível para a contagem do prazo para a prática desse acto é o do mandatário.

3 – Ora, o art. 113º nº 9 estabelece, de facto, a regra de que as notificações do assistente podem ser feitas ao respectivo mandatário em lugar daquele, mas faz algumas ressalvas.

4 – Uma dessas ressalvas e a que nos ocupa neste momento, diz respeito às notificações respeitantes à acusação, onde se enquadra a notificação para deduzir acusação particular que como acrescenta o mesmo preceito legal, deve ser notificada “igualmente” a assistente e respectivo mandatário.

5 – E, consequentemente, o prazo conta-se a partir da notificação efectuada em último lugar, isto é, se no caso em apreço a notificação efectuada em último lugar foi a dos assistentes (a qual foi devidamente efectuada), logo o acto em causa (dedução da acusação particular) foi tempestivo, por ainda estar a decorrer o prazo concedido aos assistentes/recorrentes.

6 – Daí que não se verificando a extemporaneidade do requerimento acusatório, não haverá lugar à liquidação da multa a que se refere o art. 145º n.º 6, do C. P. Civil.

7 – Assim não se tendo entendido e decidido, parece-nos não ter sido feita a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso do art. 113º n.º 9, do CPP e 145º n.º 6, do CPC.
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Tendo-se informado que só o assistente B.......... é que liquidou a taxa de justiça respeitante à interposição de recurso, tal não tendo acontecido com a C.......... (e não como aí se diz erradamente, “a arguida E..........”), declarou-se sem efeito o recurso no que tange a esta e admitiu-se devidamente o recurso no que respeita ao assistente B...........
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Recebido o recurso, a ele veio responder o Digno Procurador Adjunto, em suma, defendendo a total procedência do recurso interposto pelo assistente.
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Nesta Relação, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a apor a seu visto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Das conclusões da motivação do recurso alcança-se que é suscitada a questão da bondade, ou não, da decisão “a quo” a qual indeferiu à reclamação deduzida pelos assistentes da liquidação de multa que lhes foi efectuada, por dedução intempestiva da acusação particular por eles deduzida.

Para a decisão da questão em apreço, importa reter os seguintes elementos de facto:

- O Digno Magistrado do MP junto do T. J. da comarca de Peso da Régua abriu inquérito, na sequência de participação criminal deduzida por B.......... e mulher, C.........., contra D.......... e mulher, E.........., imputando aqueles a estes factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, do C. Penal, tendo-se arrolado prova por declarações e testemunhal (cfr. fls. 2-3);
- Realizado o inquérito, o MP exarou nos autos (fls. 56) o seguinte despacho: “Cumpra o disposto no art. 285º n.º 1, do CPP, notificando os assistentes para querendo deduzirem no prazo de 10 dias acusação particular;
- Como se vê de fls. 57, por notificação postal registada, datada de 27/10/03 (presumindo-se a realização da notificação no 3º dia útil posterior ao do envio - art. 113º n.º 2, do CPP -) deste despacho foi notificado o Exmº Mandatário dos assistentes;
- Também como se vê de fls. 58-59, aos assistentes, foi enviada notificação por via postal simples com prova de depósito (este datado de 28/10/03), também para notificação daquele referenciado despacho;
- A fls. 60 a 63 consta a acusação particular e pedido cível deduzido pelos assistentes contra os arguidos, tendo o mesmo dado entrada na Secretaria do Tribunal “a quo” em 11/11/03;
- Tendo o MP acompanhado parcialmente a acusação e indicado provas, foram os autos remetidos à distribuição (fls. 65 a 67; fls. 86, respectivamente);
- Distribuídos os autos, o Mertº Juiz “a quo” exarou, no entanto, o seguinte despacho (fls. 89) : “Fls. 60: Devolva os autos aos Serviços do MP para cumprimento do disposto no art. 145º nº 6 do CPC ex vi do art. 107º nº 5 do CPP, anulando-se a distribuição...”.
- Devolvidos os autos ao MP, por despacho de fls. 90 , remeteu os autos de novo, à distribuição, por entender que no caso não se prefigurava excedido o prazo para a deduzida acusação;
- De novo distribuídos os autos, o Mertº Juiz “a quo” (fls.93) despachou assim:
“Renovo o despacho de fls. 89, agora com referência à Secção, e por forma a ultrapassar o impasse”.
Tendo-se procedido à liquidação da multa a que se reporta o art. 145º nº 6, do CPC (fls. 94-95) e notificado o Exmº mandatário dos Assistentes, da mesma, vieram os mesmos, através do seu Ilustre Mandatário deduzir reclamação contra tal liquidação, defendendo a prática atempada do acto;
O Mertº Juiz “a quo” proferiu, então, o despacho de indeferimento, acima transcrito, de fls. 100-101.
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QUID JURIS?

A questão da necessidade de se proceder à liquidação, ou não, da multa, nos termos do art. 145º nº 6,do CPC ex vi do art.107º nº 5, do CPP, pela prática extemporânea do acto, no caso, dedução da acusação particular, passa, necessariamente, pela ponderação e decisão da questão de se saber se é extemporânea tal acusação, tendo, desde já em vista o já referido art. 285º n.º 1, do CPP.

Vejamos:

Como preceitua o art. 285º n.º 1, do CPP, “Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em dez dias, querendo, acusação particular.

Ora, repassando, agora, os elementos dos autos acima relevados, designadamente, as datas de notificação deste despacho e a data de entrada da acusação particular, em Tribunal, indubitável é que:

- Levando em conta a data de notificação dos assistentes, é tempestiva a dedução de tal acusação;
- Levando em conta a data de notificação do Exmº mandatário dos assistentes, tal acusação , tendo dado entrada em 11/11/03, para ser tempestiva, havia de ter dado entrada, no Tribunal, em 10/11/03.

A questão reconduz-se, pois, em saber da necessidade, ou não, no caso em apreço, de cumular (nos assistentes e seu Advogado) a notificação para a prática do acto - dedução da acusação.

Como comanda o art. 113º n.º 9, em sede de regras gerais sobre notificações... "As notificações do arguido, assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação; à decisão instrutória; à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou ao defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.

A nosso ver este preceito legal estabelece um duplo e diverso regime:

- na primeira parte do preceito estabelece-se a regra de que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis se consideram feitas a estes quando são efectuadas nas pessoas dos seus defensores ou mandatários;
- na segunda parte ressalva-se que independentemente daquela notificação-regra, há que notificar o arguido, assistente ou parte civil, dada a importância nuclear dos factos processuais aí referidos.

Por outro lado, importa não olvidar que a lei exige ao assistente a constituição de Advogado que intervém necessariamente em todos os actos que não hajam de ser praticados pessoalmente pelo assistente (art. 70º n.º 1, do CPP), actos que requerem preparação técnico-jurídica que os assistentes não possuem.

Ora, sabido é que a dedução de uma acusação , vista esta como deve ser vista, isto é, uma peça processual que exige naturais cuidados e preparação técnico-jurídica, em que se delimita o “thema decidendum”, daí a necessidade da notificação daquele despacho ao Exmº Advogado.

Mas tal notificação para dedução da acusação não pode nem deve confundir-se como se pretende no recurso, com a notificação de acusação deduzida, SENDO CERTO QUE AQUI SIM, SE EXIGE UMA NOTIFICAÇÃO CUMULATIVA QUE NÃO DISJUNTIVA.

Nenhuma razão há assim, para que a notificação em causa tenha que ser efectuada aos assistentes.

Com efeito e como acima já se referiu, a dedução de uma acusação só pode ser feita por Advogado, envolvendo questões de direito que só o mesmo domina e pode equacionar competentemente, aliás razões que subjazem àquela obrigatoriedade da sua constituição (no sentido do decidido v. g. Acs. R. E. . CJ, Ano XIX, T. I, pág. 294-295; RC, do mesmo Ano, T. II, pág. 46; RC, Ano XXII, T. III, pág. 52).

Daí que a notificação para a sua dedução, como se disse, sendo disjuntiva, deveria ter sido feita, apenas, ao Exmº Advogado dos assistentes.
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Do expendido resulta que nenhuma censura merece o despacho recorrido, ao decretar a correcção da liquidação da multa efectuada pela Secretaria por falta de cumprimento atempado da dedução da acusação particular (arts. 145º nº 6 do CPC e 107º nº 5, do CPP).

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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, pelo que deverá a Secretaria notificar, de novo, o assistente B.........., para , no prazo legal, pagar a multa devida pela extemporaneidade da dedução da acusação, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 145º nº 6 do CPC e 107º nº 5, do CPP, do que depende o normal prosseguimento dos autos.

O Recorrente B.......... pagará 3 Ucs de taxa de justiça.

PORTO, 6 de Outubro de 2004
José João Teixeira Coelho Vieira
Maria da Conceição Simão Gomes
Francisco José Brízida Martins