CONCLUSÕES DE RECURSO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
NOVAS CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário

Inexiste obrigatoriedade de formulação de novo convite para aperfeiçoamento das conclusões na medida em que foi já formulado um convite para apresentação das conclusões em falta, no qual foi explícita e minuciosamente explicado ao recorrente em que consistiam as conclusões e como deveriam ser elaboradas, com a advertência de não admissão do recurso caso assim não procedesse.

Texto Integral

Proc. nº 783/12.5PHVNG-B.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Criminal de Vila Nova de GAIA – Juiz 2


Relator Paulo Costa
Adjuntos Lígia Trovão
Pedro Vaz Pato




I. Relatório
No âmbito do Proc. nº783/12.5PHVNG-B.n.º 16275/16.0T9PRT, a correr termos no 3º Juízo criminal de VNGaia, o recorrente AA apresentou recurso da decisão proferida na 1ª instância.
Na sequência desse recurso, a presente instância proferiu despacho com o seguinte teor:
“Tendo em consideração o teor do requerimento do recorrente a posição do M.P nesta instância que se subscreve na primeira parte, os autos prosseguirão a legal tramitação para decisão.
Posto isto.
Ressalta da estatuição do artigo 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal – C.P.P. que o recurso é composto pela motivação, onde se enunciam os fundamentos da impugnação, e pelas conclusões, destinadas a sintetizar o pedido.
Assim, a motivação, além de obrigatória e jusvinculativa, compreende duas obrigações processuais essenciais que de decompõem em dois ónus inarredáveis: o de alegar e o ónus de concluir.
Seguindo de perto o parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto remete-se para o que dispõe a jurisprudência e doutrina a respeito cf. “Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2023 in www.dgsi.pt:
«I- Incumbe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto, delimitando o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito, alegando que da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou que não se provou o crime, pelo deverá ser absolvido, de tal modo que tivesse de ser o Tribunal Superior oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra. Assim não cumprindo o legalmente determinado o recurso apresentado neste segmento, este não pode ser conhecido neste segmento».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 04/03/2021 in www.dgsi.pt:
«I – A falta de concisão das conclusões relativamente à motivação do recurso não conduz à imediata rejeição do recurso, mas sim ao convite ao recorrente para suprimento de tal deficiência, sendo certo que mesmo tal convite, no âmbito de “processos pouco volumosos ou complexos, nos quais se apreende, facilmente, a pretensão do recorrente pela mera leitura da motivação” poderá não se justificar, por razões de economia e celeridade».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 23/01/2018 in www.dgsi.pt :
«I – Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado.
II – Por isso, deve ser rejeitado o recurso em que o recorrente apresentou conclusões, nas quais completou, por várias vezes, o alfabeto, mais concretamente – L), L), L), L), L), L), L) e L) – e, na sequência, face à prolixidade daquelas, tendo sido notificado pelo tribunal para vir aperfeiçoar as suas conclusões, apresenta novas conclusões, também prolixas, ora com a enumeração alfabética W), W), W) e W).
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2022 in www.dgsi.pt:
«–Ainda que se assinalem os concretos pontos de facto considerados como incorrectamente julgados e se especificam quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com individualização, ainda que imperfeita, das específicas passagens que alicerçam a impugnação da matéria de facto, deve o recorrente ainda relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado. – Não tendo cumprido o recorrente, nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, não pode o Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 07/02/2012 in www.dgsi.pt :
«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 08/03/2023 in www.dgsi.pt:
«I- Quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art.º 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção;
II- No entanto o mesmo já não sucede, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correcção já não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2021 in www.dgsi.pt:
«Se, no corpo da motivação, o recorrente vai fazendo considerações sobre factos e provas, nunca cumprindo, nas conclusões ou na motivação que estas deveriam resumir, as exigências inerentes a uma impugnação ampla não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer na motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do recurso como impugnação ampla, sendo que também não podia fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2021 in www.dgsi.pt:
«I. Um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão pelo que, à semelhança do que ocorre com a sentença ou o acórdão alvo de recurso, só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de apelo possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê.
II. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através da “revista alargada” de âmbito mais restrito, com fundamento na ocorrência dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do C.P. Penal; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma legal. III. O que sucede no caso dos autos é que o recorrente, embora pareça pretender que se proceda a uma reapreciação probatória, não cumpriu sequer nos seus mínimos o ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do artº 412 do C.P. Penal.
IV. O que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento, é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude. Exige-se que o recorrente – à semelhança do que a lei impõe ao tribunal – fundamente a imperiosa existência de erro de julgamento, desmontando a argumentação expendida pelo julgador.
V. No caso dos autos, nenhum destes requisitos se mostra sequer minimamente cumprido, quer em sede de conclusões quer de motivação, sendo que tais omissões (atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional) não estão abrangidas pelo convite ao aperfeiçoamento, pois traduzem insuficiência do recurso e não apenas insuficiência das conclusões».
Acórdão do T.R.G. - Tribunal da Relação de Guimarães de 15/04/2020 in www.dgsi.pt:
«I - A falta de especificação dos pontos da matéria de facto, com remissão para os concretos locais da gravação onde se encontram registadas as provas, que imporiam decisão diversa, compromete a possibilidade de este Tribunal de recurso sindicar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, tornando inviável a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto. E, não contendo também o corpo das motivações a especificação em apreço exigida por lei, não estamos somente perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insusceptível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afectada, não poder ser conhecido.
II – Com efeito, o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 04/02/2010 in www.dgsi.pt:
«- Se o recorrente pretende se insurgir contra os factos dados como provados, mas não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo nº 3 e pelo nº 4 do artº 412º do CPP, pois não indicou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, nem as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, limitando-se, de uma forma geral e global, a negar a prática dos factos e a tecer considerações sobre a forma como o tribunal recorrido valorou a prova, sem que se perceba quais são os factos concretos que pretende impugnar, quais são as provas que, quanto a cada um desses factos, na sua óptica, impunham decisão diversa da proferida e que passagens dos concretos depoimentos eram, para esse efeito, relevantes, não o fazendo, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, fica o tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., impondo-se a rejeição liminar, nesta parte, ou seja, no que tange à pretendida impugnação alargada da matéria de facto, atento o estatuído no art.° 431.°, al. b) do CPP.
- Só é possível o convite para a correcção das conclusões da motivação de recurso a que alude o art 417º nº 3 do CPP quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Com efeito, deixou escrito o recorrente na parte final das suas doutas alegações as seguintes orientações ou linhas de percurso dirigidas a este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto:
«TERMOS EM QUE, deve ser revogada a decisão recorrida e, sempre subsidiariamente:
a) declarada prescrita a pena aplicada nos autos;
b) reconhecidas as nulidades da decisão recorrida por insuficiência de matéria de facto e por falta de fundamentação decorrente da falta de exame crítico de provas;
c) declarada extinta a pena, por não se verificarem os requisitos da revogação da suspensão decretada, assim se fazendo, como costume, JUSTIÇA»
Ora, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das razões pessoais e materiais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro, inequívoco e preciso das razões do pedido, condensando o pedido de forma inteligível em proposições sintéticas, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. Com efeito, o ónus de formulação de conclusões reveste especial relevância já que é pacificamente aceite que, para além das matérias de conhecimento oficioso, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e naquelas sumariadas que o tribunal de recurso tem de apreciar – Vide, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in www.dgsi.pt .
As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação e o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso.
Porém, a função essencial das conclusões servem para resumir, condensar, sumariar, substanciar, concretizar e simplificar a matéria tratada no texto, assentada ou narrativa da motivação.
Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 15/04/2021 in www.dgsi.pt:
«I) As conclusões da motivação do recurso visam habilitar o tribunal superior a conhecer das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito, traduzindo uma enunciação abreviada, congruente, clara e precisa dos fundamentos do recurso».
A este propósito diz-nos o Conselheiro ANTÓNIO ABRANTES GERALDES (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, 2018, a pág. 155), o seguinte:
“As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados.
Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências, doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação […]. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”. Ora, analisando criteriosamente o segmento das conclusões introduzidas no requerimento de recurso da Apelante, verifica-se que as mesmas padecem notoriamente de falta da necessária sintetização constatando-se que a Recorrente logrou canalizar para o segmento das conclusões recursivas a esmagadora maioria da argumentação expendida na motivação, que deve constar apenas do segmento reservado à mesma, repetindo essa argumentação….».
Também como escreve SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES em “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pág. 93 “Por conclusões entende-se um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da motivação (…), não podendo, obviamente, repetir exaustiva ou aproximadamente o que naquele se explanou”.
“As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão” conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, em “Curso Processo Penal,”, Vol. III, 2ª Ed., 2000, pág. 351.
Também as conclusões não devem ser a reprodução fiel ou mais ou menos encapotada, das considerações alinhadas na motivação ou alegações do recurso mas também não se podem resumir a meras proclamações da defesa.
Donde resulta que analisado o recurso, não foram apresentadas conclusões nos termos supra expostos.
O procedimento seguido em concreto pelo arguido é de molde a obstaculizar a que este Tribunal de recurso filtre com a desejável facilidade as concretas razões que justificam a pretensão daquele em ver alterado o julgado da 1ª instância.
Também será de ter presente que o objeto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido. Para além disso, as conclusões de recurso devem expressar-se através de proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações e nessas proposições devem estar manifestadas, de forma clara, as razões (de facto e de direito) da discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida, a indicação especificada dos fundamentos do recurso. A exigência legal significa que o recorrente deve fazer uma síntese da substância da fundamentação do recurso para que o tribunal ad quem possa, facilmente, aperceber-se e apreender o que é essencial e não se disperse na apreciação do que é acessório, supérfluo ou inútil na economia da motivação. «…As exigências legalmente impostas para as conclusões estão predeterminadas à finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância, e assim delimitando o objecto do recurso e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório”, visando ainda aquelas imposições “permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade do processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado…» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.09.2006, www.dgsi.pt; Relator: Cons. HENRIQUES GASPAR).
O legislador acentuou assim a importância das conclusões de um recurso, como elemento estrutural importante com vista ao seu adequado conhecimento, através de um resumo/súmula/síntese das razões ou fundamentação do pedido recursivo, assim, delimitando o âmbito ou objeto do recurso. Tendo esta exigência legal a finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, delimitando o objeto do mesmo e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspetiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório. E sendo tal imposição, não apenas aparentemente formal, pois também se destina a permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade de processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado - sendo pacífico este entendimento, salienta-se o Conselheiro PEREIRA MADEIRA (em “Código de Processo Penal” Comentado, Almedina, 2ª Edição Revista, 2016, pág. 1290) e o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA (em “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e ss., o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995 (publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995 e cuja interpretação ainda hoje se mantém actual) e o acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006 (no proc. nº 06P2267 acessível em www.dgsi.pt).
Ora as alegações de recurso não apresentam conclusões, terminando apenas com o pedido.
Desta forma, convida-se o recorrente a apresentar conclusões que observe os ditames legais e na convocação da disciplina normativa decorrente do artigo 414.º n.º 2 do Código de Processo Penal – C.P.P.9, sob pena de rejeição, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 685/2020, de 2020-11-26 (Proc. nº 22/2020, in D.R. n.º 3/2021, Série II, de 2021-01-06) «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento da impugnação daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência».
Advertindo que a peça a apresentar não pode ser um mero rearranjo formal das motivações, cfr. Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/2022 in www.dgsi.pt:
«Quando o recorrente depois de convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do disposto no artigo 417º nº 3 do C.P.P. apresenta uma outra peça processual, que persiste em não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, voltando a reproduzir a motivação, mas aglutinando-as em menos artigos, conclui-se que o recurso terá de ser rejeitado por incumprimento do nº 1 do artº 412º do C.P.P. e estando-lhe vedado, nestas circunstâncias reivindicar novo convite de aperfeiçoamento».
E ainda, entre outros Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 26/10/2022 in www.dgsi.pt:
«I - Não corresponde à apresentação de conclusões, subsequente a convite ao aperfeiçoamento, a apresentação das conclusões apresentadas anteriormente, com nova arrumação numérica e ligeiras alterações de redação, por constituir apenas uma simples alteração de forma, não produzindo o efeito de sintetização das motivações próprio das conclusões, devendo o recurso ser rejeitado.
II - O entendimento subjacente à decisão sob reclamação não viola as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º1 da CRP, porque o tribunal não decidiu sem antes dar a oportunidade de sanar a omissão, e sustentar o entendimento de que a lei permite que as conclusões reproduzam toda a motivação do recurso porque “nenhum dos intervenientes processuais demonstrou não ter compreendido claramente os motivos porque o recorrente discordou da sentença recorrida”, seria fazer tábua rasa da letra da lei quando exige, especificamente, a formulação de conclusões». E Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 10/05/2023 in www.dgsi.pt:
«I – O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida).
II – Não constituem conclusões a repetição dos argumentos constantes das alegações.
III – Tendo a arguida sido convidada a corrigir as conclusões que apresentou como tal sob pena de rejeição do recurso e tendo apresentado novo articulado que reproduz os argumentos constantes das alegações, tendo apenas procedido a uma mera aglutinação do texto das alegações, não pode considerar-se este articulado como contendo conclusões, por não respeitar a forma resumida exigida pela lei.
IV – Neste caso o recurso deve ser rejeitado».
Para o efeito concede-se 10 dias.
Porto, 17.10.2023 “

*
O recorrente na sua argumentação invocava para além do mais a prescrição da suspensão da pena.
*
O recorrente apresentou naquele prazo as suas conclusões.
O Digno Procurador Geral Adjunto neste Relação pronunciou-se no sentido de se rejeitar o recurso por manifesta falta de observância de formalidades legais essenciais.

Por decisão sumária, datada de 09-11-2023, proferida ao abrigo do art. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. c), ambos do CPPenal, foi rejeitado o recurso interposto pelo arguido e este condenado em 3UC de taxa de justiça.
É o seguinte o conteúdo da decisão sumária:
1 Relatório

Nos autos nº Proc. n º 783/12.5PHVNG-B.P1que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - juiz 2, foi proferido o seguinte despacho:
Nos presentes autos o arguido AA, foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 21.05.2015, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeito a regime de prova a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p.p. pelo art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), do C.P. e um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210º, n.º 1 do C.P.
No período da suspensão da pena de prisão na sua execução o arguido sofreu as seguintes condenações:
1. No processo n.º 608/15.0PHVNG o arguido AA foi condenado pela prática, em 01 de novembro de 2015, de um crime de roubo, na pena de três anos e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período subordinada a regras de conduta (cfr. certidão junta aos autos em 26.02.2019);
2. No processo n.º 903/15.8PAVNG o arguido AA foi condenado pela prática, no dia 26 de maio de 2015, de um crime de roubo, na forma tentada, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 horas de trabalho;
3. No processo n.º 685/15.3PDVNG (referência n.º 24438498), foi AA condenado, pela prática, no dia 14 de setembro de 2015, de um crime de roubo, na pena de prisão de um ano e dois meses, suspensa na sua execução por igual período (cfr. certidão junta aos autos em 03.12.2019);
4. No processo n.º 577/16.9PASJM o arguido AA foi condenado pela prática, entre 28 e 29 de novembro de 2016, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (cfr. certidões juntas aos autos em 20.11.2019, 21.11.2019 e informação e 09.05.2022);
5. No processo n.º 378/17.7GAVFR o arguido AA foi condenado pela prática, em 30 de julho de 2017, de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva (cfr. certidão juntas aos autos em 05.09.2022).
Procedeu-se à audição presencial do arguido.
O Ministério Público pronunciou-se, em 01.07.2022, no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Notificados, arguido e o seu Il. Defensor nada disseram.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe a suspensão da execução da pena insere-se, tal como todas as penas de substituição, no movimento da luta contra a pena de prisão.
Não deixando de constituir verdadeiras penas, tem-se entendido que a simples ameaça da prisão poderia, em muitos casos, nomeadamente sempre que se tratassem de delinquentes primários, bastar para pleno cumprimento das finalidades da punição.
Existiria, sem dúvida, a vantagem de alcançar as finalidades preventivas da punição sem que o agente tivesse sido submetido ao ambiente criminogéneo da prisão.
Refira-se que não obstante estas reacções penais não detentivas funcionarem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas e clemência legislativa, mas como autênticas medidas de tratamento bem definido, que comportam em si igual conteúdo punitivo, só que sem efeito estigmatizante, geralmente associado às penas privativas da liberdade.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena estará sempre num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, a esperança de que réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
Visa-se tão só finalidades preventivas, mormente de prevenção especial, em que está presente uma ideia de socialização, traduzida na prevenção de reincidência (Figueiredo Dias, «Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime», pág. 343), atendendo à personalidade do arguido, às suas condições devida, à conduta anterior ou posterior do facto punível e às circunstâncias deste (cfr. n° 1 do artigo 50° do Código Penal), ou seja, a todas as circunstâncias que tornem possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido.
Terá sido com base nestas ideias e verificados os respectivos os pressupostos formais expressamente consagrados na lei, que o tribunal se decidiu por suspender a execução da pena aplicada ao arguido.
Conforme Figueiredo Dias [in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias, 1993, pág. 339], «a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição.»
Segundo Fernanda Palma [in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, págs. 25/51, e em “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, Almedina, págs. 32/33], «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena.
E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.»
O Tribunal dispôs-se a correr um risco calculado na manutenção do arguido AA em liberdade por ter confiado que a simples censura do facto e ameaça da prisão o afastavam da criminalidade, realizando-se, desse modo, as finalidades da punição, não obstante o arguido, já anteriormente à condenação imposta nos presentes autos, ter cometido vários crimes (sete condenações anteriores – cfr. o certificado de registo criminal de fls. 452-459).
Vejamos então se, em face do circunstancialismo dos autos, é ou não de revogar suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Determina o artigo 56º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras e conduta impostos; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
No caso sub judice temos que o arguido no período da suspensão da pena de prisão e voltou a delinquir praticando cinco crimes da mesma natureza.
É certo que a comissão de crime(s) no decurso do período da suspensão da execução da pena não determina automática e imediatamente a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. Efectivamente, se “A finalidade político-criminal que a lei visa como instituto da suspensão é (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes”, é necessário que, para além do cometimento de crime no decurso do período da suspensão, se conclua que as finalidades que estavam na base dessa suspensão, analisadas e ponderadas as particularidades do caso concreto, não lograram êxito - Cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial p. 343.
Da versão da norma introduzida na revisão de 1995, passou a resultar que mesmo o cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição. Pôs fim à anterior redacção “profundamente criticável do ponto de vista político-criminal” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, pág. 356].
“O acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição.” [Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105].
Mesmo a condenação por crime cometido no período de suspensão da execução da pena de prisão não ditará, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição, que ditará a opção entre o regime do art.º 55º ou do art.º 56.º do Código Penal.
E tem vindo a ser considerado que, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, 2.ª edição, pág. 236; e os acórdãos deste TRC, 28.03.2012 e 11.05.2011; do TRP de 02.12.2009, e do TRE de 25.09.2012].
Assim, mesmo nos casos em que o condenado em pena suspensa comete novo crime no decurso do período da suspensão, o tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição.
Contudo, como já se deixou expresso, ao suspender a pena de prisão aplicada arguido, o tribunal não visou outra coisa senão realizar as finalidades da punição - protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, cfr. artigo 40° do Código Penal - sem ter que sujeitar o arguido aos efeitos criminógeneos estigmatizantes, que a pena de prisão sempre traz consigo.
Certamente acreditou, pelo que lhe foi dado a conhecer e perante todo circunstancialismo em que ocorreram os factos, que a censura do facto e ameaça de prisão constituiriam uma advertência capaz de afastar o arguido da prática de novos crimes.
Verifica-se, porém, que o arguido não soube aproveitar esta oportunidade, tendo sido condenado na pena de três anos e quatro meses de prisão suspensa na sua execução, crime de roubo, 1 ano de prisão, substituída por 365 horas de trabalho por um crime de roubo, na forma tentada, um ano e dois meses, suspensa na sua execução por igual período por um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, executada em regime de permanência na habitação, por um crime de furto qualificado, e 2 anos e 4 meses de prisão efectiva por um crime de furto qualificado.
Neste contexto, facilmente se verifica que a ameaça de prisão ao arguido não constituiu advertência suficiente para o afastar do cometimento e novos crimes, não o fez adquirir a consciência da gravidade da sua conduta.
No entanto, constatamos que, da análise do registo criminal do arguido, esta não é uma condenação isolada por crime sem particular importância para o juízo relativo à desconformidade ético-social do comportamento do arguido.
Pelo contrário, o arguido totaliza presentemente sete condenações, facto que não pode ser alheio ao juízo de conformidade do arguido com o Direito.
Com efeito, a análise dos antecedentes criminais do arguido, evidencia por si só que a personalidade do arguido é fortemente refractária do dever de respeito à lei, denotando incapacidade de assimilar a carga negativa associada aos comportamentos penalmente associados.
Como convencer, então, da subsistência do bem fundado do juízo de prognose que levou à suspensão da execução da pena?
E ainda que se entendesse que tal condenação seria insuficiente para se considerar como esgotadas todas as possibilidades de, com a suspensão, virem a ser alcançadas as finalidades da punição, bastaria atentar na atitude desresponsabilizante do arguido, justificando-a que no período compreendido entre o ano de 2015 e 2016 estava num momento difícil da vida, encontrava-se no fim de uma relação complicada, que era consumidor de estupefacientes e que praticava os ilícitos criminais para obter rendimentos para comprar os mesmos, ao invés de interiorizar o desfasamento do seu comportamento perante a lei e arrepiar caminho recto.
Foi igualmente ouvida a Técnica da DGRSP, que referiu, de relevante aos autos, que o arguido se encontra a cumprir pena de prisão, em regime de permanência na habitação, até 07.12.2023, que tem corrido sem incidentes.
Daqui resulta que as mesmas finalidades (exclusivamente) de prevenção especial e de prevenção geral que justificaram a aplicação da pena de suspensão, impõem, em face da conduta posterior do arguido (ao gorar as expectativas nele depositadas) a aplicação da pena de prisão e, consequentemente, justificam a revogação da suspensão da pena aplicada.
Entende-se, assim, que só o cumprimento da pena de prisão criará ao arguido uma contramotivação suficiente forte para o dissuadir de continuar na mesma senda e que do mesmo passo reafirmar-se-ia a confiança comunidade na norma violada.
Destarte, o comportamento do arguido permite, assim, concluir que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada não realizou de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, não foi suficiente advertência (…) para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; (…) e exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir… (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 1997, in www.dgsi.pt, com o nº convencional JSTJ00032078).
Pelo que se deixa exposto, considera-se estar infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável efectuado na sentença, subjacente à convicção de que a suspensão da execução da pena de prisão se mostrava suficiente a acautelar as finalidades da punição.
Sufraga-se, igualmente, o entendimento de que as penas de substituição, in casu a suspensão da execução da pena de prisão, têm prazo de prescrição autónomo, concretamente o prazo de 4 anos, previsto no artigo 122.º n.º 1 al. d) do CP) – cfr. entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 30.03.2022, disponível in www.dgsi.pt.jtrp.
Ora, nos presentes autos o arguido foi condenado, como se disse, por sentença transitada em julgado, no dia 21.05.2015, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período.
O prazo de prescrição inicia-se com o trânsito em julgado da sentença, interrompendo-se com a sua própria execução, que, em tal situação, se traduz, atenta a natureza da pena, no mero decurso do prazo de suspensão fixado (cfr. neste sentido, a título exemplificativo, o Acórdão do STJ de 28.02.2018, in www.dgsi.pt.jstj).
O prazo de prescrição da pena de substituição (de 4 anos), esteve, pois, interrompido entre 21.05.2015 e 21.05.2018, acto interruptivo previsto no artigo 126, n.º 1, al. a) por aí se prever um «facto duradouro» no tempo, sob pena de, assim não se entendendo, se verificar anomia na ordem jurídica (cfr. neste sentido, a título exemplificativo, o Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29.10.2014 e 23.06.2021 e da Relação de Lisboa de 16.06.2015, todos disponíveis in www.dgsi.pt.jstj).
Assim, após esta data, começou a correr novo prazo de prescrição da pena (artigo 126.º, n.º 2 do CP), com o limite máximo previsto no seu n.º 3, que, não sobrevindo causas de suspensão/interrupção, se atingiria em 21.05.2022.
Sucede, porém, que em 07.12.2021, o condenado iniciou cumprimento da pena única de dois anos de prisão, em regime de permanência na habitação, que lhe foi aplicada no processo n.º 577/16.9PASJM, à ordem do qual permanece, desde então, estando o termo da pena previsto para 07.12.2023 (cfr. informação de 23.01.202) -, com o que se suspendeu o decurso do prazo de prescrição (art.º 125.º, n.º, al. 1 al. c) do Código Penal (neste sentido veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 22.02.2017 e de 09.05.2018, disponíveis in www.dgsi.pt.jtrp) pelo que a pena de substituição aplicada ao condenado AA ainda não se encontra prescrita.
Destarte, nos termos do disposto artigo 56°, n.° 1, alíneas a) e b) e n.º 2 do Código Penal, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de 3 (três) anos a que o arguido AA tinha sido condenado nestes autos, determinando-se o cumprimento da mesma.
Notifique.
Comunique à Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais.
*
Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C.C.
Comunique à Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais.
*
Oficie nos termos e para os efeitos promovidos, in fine.”
Inconformado, veio o arguido interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
“TERMOS EM QUE, deve ser revogada a decisão recorrida e, sempre subsidiariamente :
a) declarada prescrita a pena aplicada nos autos;
b) reconhecidas as nulidades da decisão recorrida por insuficiência de matéria de facto e por falta de fundamentação decorrente da falta de exame crítico de provas cruciais;
c) declarada extinta a pena, por não se verificarem os requisitos da revogação da suspensão decretada, assim se fazendo, como costume”
Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª Instância tendo pugnado pelo não provimento do recurso.
Neste Tribunal o Digno Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, tendo emitido parecer no mesmo sentido, não sem antes ter pugnado ao convite para aperfeiçoamento face à inexistência de conclusões.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
Entretanto foram solicitados esclarecimentos ao recorrente a propósito da solicitada aplicação da lei da amnistia e do perdão. E subsequentemente determinou-se o prosseguimento dos presentes autos.

O presente tribunal em sede de despacho determinou o aperfeiçoamento do recurso no sentido da apresentação de conclusões nos termos seguintes:
“Tendo em consideração o teor do requerimento do recorrente a posição do M.P nesta instância que se subscreve na primeira parte, os autos prosseguirão a legal tramitação para decisão.
Posto isto.
Ressalta da estatuição do artigo 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal – C.P.P. que o recurso é composto pela motivação, onde se enunciam os fundamentos da impugnação, e pelas conclusões, destinadas a sintetizar o pedido.
Assim, a motivação, além de obrigatória e jusvinculativa, compreende duas obrigações processuais essenciais que de decompõem em dois ónus inarredáveis: o de alegar e o ónus de concluir.
Seguindo de perto o parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto remete-se para o que dispõe a jurisprudência e doutrina a respeito cf. “Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2023 in www.dgsi.pt:
«I- Incumbe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto, delimitando o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito, alegando que da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou que não se provou o crime, pelo deverá ser absolvido, de tal modo que tivesse de ser o Tribunal Superior oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra. Assim não cumprindo o legalmente determinado o recurso apresentado neste segmento, este não pode ser conhecido neste segmento».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 04/03/2021 in www.dgsi.pt:
«I – A falta de concisão das conclusões relativamente à motivação do recurso não conduz à imediata rejeição do recurso, mas sim ao convite ao recorrente para suprimento de tal deficiência, sendo certo que mesmo tal convite, no âmbito de “processos pouco volumosos ou complexos, nos quais se apreende, facilmente, a pretensão do recorrente pela mera leitura da motivação” poderá não se justificar, por razões de economia e celeridade».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 23/01/2018 in www.dgsi.pt :
«I – Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado.
II – Por isso, deve ser rejeitado o recurso em que o recorrente apresentou conclusões, nas quais completou, por várias vezes, o alfabeto, mais concretamente – L), L), L), L), L), L), L) e L) – e, na sequência, face à prolixidade daquelas, tendo sido notificado pelo tribunal para vir aperfeiçoar as suas conclusões, apresenta novas conclusões, também prolixas, ora com a enumeração alfabética W), W), W) e W).
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2022 in www.dgsi.pt:
«–Ainda que se assinalem os concretos pontos de facto considerados como incorrectamente julgados e se especificam quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, com individualização, ainda que imperfeita, das específicas passagens que alicerçam a impugnação da matéria de facto, deve o recorrente ainda relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado. – Não tendo cumprido o recorrente, nas conclusões ou sequer no corpo da motivação, o ónus de impugnação especificada a que estava vinculada, não pode o Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 07/02/2012 in www.dgsi.pt:
«A motivação do recurso é insusceptível de aperfeiçoamento. Assim, a motivação deficiente, insuficiente para identificar o objecto do recurso, há-de ser equiparada à falta de motivação e produzir o mesmo efeito que esta: a rejeição do recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 08/03/2023 in www.dgsi.pt:
«I- Quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art.º 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção;
II- No entanto o mesmo já não sucede, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correcção já não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2021 in www.dgsi.pt:
«Se, no corpo da motivação, o recorrente vai fazendo considerações sobre factos e provas, nunca cumprindo, nas conclusões ou na motivação que estas deveriam resumir, as exigências inerentes a uma impugnação ampla não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer na motivação) o ónus de impugnação especificada a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do recurso como impugnação ampla, sendo que também não podia fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2021 in www.dgsi.pt:
«I. Um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão pelo que, à semelhança do que ocorre com a sentença ou o acórdão alvo de recurso, só pode alcançar a sua função se for feito de forma a que o tribunal de apelo possa compreender, concretamente, de que é que cada recorrente discorda e porquê.
II. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através da “revista alargada” de âmbito mais restrito, com fundamento na ocorrência dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do C.P. Penal; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3, 4 e 6, do mesmo diploma legal. III. O que sucede no caso dos autos é que o recorrente, embora pareça pretender que se proceda a uma reapreciação probatória, não cumpriu sequer nos seus mínimos o ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do artº 412 do C.P. Penal.
IV. O que é pedido ao recorrente que invoca a existência de erro de julgamento, é que aponte na decisão os segmentos que impugna e que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude. Exige-se que o recorrente – à semelhança do que a lei impõe ao tribunal – fundamente a imperiosa existência de erro de julgamento, desmontando a argumentação expendida pelo julgador.
V. No caso dos autos, nenhum destes requisitos se mostra sequer minimamente cumprido, quer em sede de conclusões quer de motivação, sendo que tais omissões (atendendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional) não estão abrangidas pelo convite ao aperfeiçoamento, pois traduzem insuficiência do recurso e não apenas insuficiência das conclusões».
Acórdão do T.R.G. - Tribunal da Relação de Guimarães de 15/04/2020 in www.dgsi.pt:
«I - A falta de especificação dos pontos da matéria de facto, com remissão para os concretos locais da gravação onde se encontram registadas as provas, que imporiam decisão diversa, compromete a possibilidade de este Tribunal de recurso sindicar a matéria de facto fixada no acórdão recorrido, tornando inviável a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto. E, não contendo também o corpo das motivações a especificação em apreço exigida por lei, não estamos somente perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de deficiência substancial da própria motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insusceptível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afectada, não poder ser conhecido.
II – Com efeito, o convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente, no corpo da motivação do recurso, se absteve do cumprimento do ónus de especificação, que não é meramente formal, antes tendo implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciando as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do recurso».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 04/02/2010 in www.dgsi.pt:
«- Se o recorrente pretende se insurgir contra os factos dados como provados, mas não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo nº 3 e pelo nº 4 do artº 412º do CPP, pois não indicou os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, nem as passagens da gravação em que se funda a sua impugnação, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, limitando-se, de uma forma geral e global, a negar a prática dos factos e a tecer considerações sobre a forma como o tribunal recorrido valorou a prova, sem que se perceba quais são os factos concretos que pretende impugnar, quais são as provas que, quanto a cada um desses factos, na sua óptica, impunham decisão diversa da proferida e que passagens dos concretos depoimentos eram, para esse efeito, relevantes, não o fazendo, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, fica o tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., impondo-se a rejeição liminar, nesta parte, ou seja, no que tange à pretendida impugnação alargada da matéria de facto, atento o estatuído no art.° 431.°, al. b) do CPP.
- Só é possível o convite para a correcção das conclusões da motivação de recurso a que alude o art 417º nº 3 do CPP quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Com efeito, deixou escrito o recorrente na parte final das suas doutas alegações as seguintes orientações ou linhas de percurso dirigidas a este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto:
«TERMOS EM QUE, deve ser revogada a decisão recorrida e, sempre subsidiariamente:
a) declarada prescrita a pena aplicada nos autos;
b) reconhecidas as nulidades da decisão recorrida por insuficiência de matéria de facto e por falta de fundamentação decorrente da falta de exame crítico de provas;
c) declarada extinta a pena, por não se verificarem os requisitos da revogação da suspensão decretada, assim se fazendo, como costume, JUSTIÇA»
Ora, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das razões pessoais e materiais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro, inequívoco e preciso das razões do pedido, condensando o pedido de forma inteligível em proposições sintéticas, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. Com efeito, o ónus de formulação de conclusões reveste especial relevância já que é pacificamente aceite que, para além das matérias de conhecimento oficioso, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e naquelas sumariadas que o tribunal de recurso tem de apreciar – Vide, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in www.dgsi.pt .
As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação e o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso.
Porém, a função essencial das conclusões servem para resumir, condensar, sumariar, substanciar, concretizar e simplificar a matéria tratada no texto, assentada ou narrativa da motivação.
Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 15/04/2021 in www.dgsi.pt:
«I) As conclusões da motivação do recurso visam habilitar o tribunal superior a conhecer das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito, traduzindo uma enunciação abreviada, congruente, clara e precisa dos fundamentos do recurso».
A este propósito diz-nos o Conselheiro ANTÓNIO ABRANTES GERALDES (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, 2018, a pág. 155), o seguinte:
“As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados.
Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências, doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação […]. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado”. Ora, analisando criteriosamente o segmento das conclusões introduzidas no requerimento de recurso da Apelante, verifica-se que as mesmas padecem notoriamente de falta da necessária sintetização constatando-se que a Recorrente logrou canalizar para o segmento das conclusões recursivas a esmagadora maioria da argumentação expendida na motivação, que deve constar apenas do segmento reservado à mesma, repetindo essa argumentação….».
Também como escreve SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES em “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pág. 93 “Por conclusões entende-se um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da motivação (…), não podendo, obviamente, repetir exaustiva ou aproximadamente o que naquele se explanou”.
“As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão” conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, em “Curso Processo Penal,”, Vol. III, 2ª Ed., 2000, pág. 351.
Também as conclusões não devem ser a reprodução fiel ou mais ou menos encapotada, das considerações alinhadas na motivação ou alegações do recurso mas também não se podem resumir a meras proclamações da defesa.
Donde resulta que analisado o recurso, não foram apresentadas conclusões nos termos supra expostos.
O procedimento seguido em concreto pelo arguido é de molde a obstaculizar a que este Tribunal de recurso filtre com a desejável facilidade as concretas razões que justificam a pretensão daquele em ver alterado o julgado da 1ª instância.
Também será de ter presente que o objeto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido. Para além disso, as conclusões de recurso devem expressar-se através de proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações e nessas proposições devem estar manifestadas, de forma clara, as razões (de facto e de direito) da discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida, a indicação especificada dos fundamentos do recurso. A exigência legal significa que o recorrente deve fazer uma síntese da substância da fundamentação do recurso para que o tribunal ad quem possa, facilmente, aperceber-se e apreender o que é essencial e não se disperse na apreciação do que é acessório, supérfluo ou inútil na economia da motivação. «…As exigências legalmente impostas para as conclusões estão predeterminadas à finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, pela identificação, precisa, dos pontos de discordância e das razões da discordância, e assim delimitando o objecto do recurso e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspectiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório”, visando ainda aquelas imposições “permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade do processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado…» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.09.2006, www.dgsi.pt; Relator: Cons. HENRIQUES GASPAR).
O legislador acentuou assim a importância das conclusões de um recurso, como elemento estrutural importante com vista ao seu adequado conhecimento, através de um resumo/súmula/síntese das razões ou fundamentação do pedido recursivo, assim, delimitando o âmbito ou objeto do recurso. Tendo esta exigência legal a finalidade de prevenir o uso injustificado do recurso, delimitando o objeto do mesmo e os termos da cognição do tribunal de recurso, tudo na perspetiva do uso racional e justificado do meio e não como procedimento dilatório. E sendo tal imposição, não apenas aparentemente formal, pois também se destina a permitir a fluidez da decisão do recurso, contribuindo para a celeridade de processo penal na realização dos fins de interesse público a que está determinado - sendo pacífico este entendimento, salienta-se o Conselheiro PEREIRA MADEIRA (em “Código de Processo Penal” Comentado, Almedina, 2ª Edição Revista, 2016, pág. 1290) e o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA (em “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e ss., o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995 (publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995 e cuja interpretação ainda hoje se mantém actual) e o acórdão do S.T.J. – Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006 (no proc. nº 06P2267 acessível em www.dgsi.pt).
Ora as alegações de recurso não apresentam conclusões, terminando apenas com o pedido.
Desta forma, convida-se o recorrente a apresentar conclusões que observe os ditames legais e na convocação da disciplina normativa decorrente do artigo 414.º n.º 2 do Código de Processo Penal – C.P.P.9, sob pena de rejeição, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 685/2020, de 2020-11-26 (Proc. nº 22/2020, in D.R. n.º 3/2021, Série II, de 2021-01-06) «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento da impugnação daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência».
Advertindo que a peça a apresentar não pode ser um mero rearranjo formal das motivações, cfr. Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/2022 in www.dgsi.pt:
«Quando o recorrente depois de convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do disposto no artigo 417º nº 3 do C.P.P. apresenta uma outra peça processual, que persiste em não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, voltando a reproduzir a motivação, mas aglutinando-as em menos artigos, conclui-se que o recurso terá de ser rejeitado por incumprimento do nº 1 do artº 412º do C.P.P. e estando-lhe vedado, nestas circunstâncias reivindicar novo convite de aperfeiçoamento».
E ainda, entre outros Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 26/10/2022 in www.dgsi.pt:
«I - Não corresponde à apresentação de conclusões, subsequente a convite ao aperfeiçoamento, a apresentação das conclusões apresentadas anteriormente, com nova arrumação numérica e ligeiras alterações de redação, por constituir apenas uma simples alteração de forma, não produzindo o efeito de sintetização das motivações próprio das conclusões, devendo o recurso ser rejeitado.
II - O entendimento subjacente à decisão sob reclamação não viola as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º1 da CRP, porque o tribunal não decidiu sem antes dar a oportunidade de sanar a omissão, e sustentar o entendimento de que a lei permite que as conclusões reproduzam toda a motivação do recurso porque “nenhum dos intervenientes processuais demonstrou não ter compreendido claramente os motivos porque o recorrente discordou da sentença recorrida”, seria fazer tábua rasa da letra da lei quando exige, especificamente, a formulação de conclusões». E Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 10/05/2023 in www.dgsi.pt:
«I – O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida).
II – Não constituem conclusões a repetição dos argumentos constantes das alegações.
III – Tendo a arguida sido convidada a corrigir as conclusões que apresentou como tal sob pena de rejeição do recurso e tendo apresentado novo articulado que reproduz os argumentos constantes das alegações, tendo apenas procedido a uma mera aglutinação do texto das alegações, não pode considerar-se este articulado como contendo conclusões, por não respeitar a forma resumida exigida pela lei.
IV – Neste caso o recurso deve ser rejeitado».
Para o efeito concede-se 10 dias.
Porto, 17.10.2023”

Questão prévia.
O recorrente apresentou requerimento intitulado como de conclusões no 11º dia sem pagamento de multa.
Justifica tal intempestividade com problemas associados a falha de eletricidade na sua área de residência o que lhe provocou constrangimentos ao nível da rede de internet, o que só lhe permitiu enviar o requerimento 25 minutos após a meia-noite.
Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato, cfr. nº 1 do artigo 140º do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP.
A referida definição legal de justo impedimento, que saiu da Reforma do CPC de 1995, constitui um conceito indeterminado que importa densificar e concretizar, o qual faz apelo ao conceito de culpa, perfilhado no nº 2 do artigo 487º do C. Civil, ou seja, à diligência do bónus pater familias, à diligência que o homem médio teria nas circunstâncias do caso concreto, sem prejuízo do especial dever de diligência que incumbe aos advogados na observância dos prazos perentórios.
O instituto do justo impedimento permite a prática do ato depois de esgotado o prazo perentório por razões natureza ético-jurídica, pois que a ninguém se deve exigir que pratique um ato quando esteja absolutamente impossibilitado de o pode fazer por razões relativamente às quais não contribuiu por forma censurável.
O requerimento em que o incidente seja suscitado está sujeito a um requisito material que consiste na alegação de uma situação factual integradora do conceito legal de justo impedimento e a requisitos formais, os quais têm que ver, por um lado, com a sua instrução e, por outro, com as circunstâncias temporais em que deverá ser apresentado.
Assim, o requerente deverá: 1º- apresentar o requerimento, acompanhado do ato a praticar, oferecendo a prova do justo impedimento; 2º- o requerimento tem de ser apresentado no prazo do nº 3 do artigo 107º do CPP. Ou seja, o requerimento para a prática fora do prazo estabelecido por lei, com invocação e prova de justo impedimento, deve ser apresentado no prazo de 3 dias, contado do termo do prazo fixado quando o justo impedimento já tiver cessado naquela data ou da cessação do impedimento, quando este se manteve para além do termo do prazo legal.
Tendo presente o documento junto, aceita-se por verdadeira a razão invocada pelo Sr. Mandatário, dada a situação de intempérie do conhecimento comum e notório que o país tem sofrido nestas últimas semanas sobretudo na zona norte do país, pelo que julgo reconhecida a situação de justo impedimento, aceitando-se a prática do ato em questão sem aplicação de qualquer tipo de multa.
O recorrente após despacho de aperfeiçoamento apresentou as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES
PRESCRIÇÃO
1 - Entendeu o Tribunal que pena suspensa, embora prescrevendo em 4 anos, o que se aceita, não prescreveu apesar de ter decorrido período superior a 4 anos porquanto ainda antes de completar os 4 anos iniciou cumprimento de pena de prisão a cumprir na residência.
2 - Esta questão, forçosamente recente atenta a inclusão do RPH apenas em 2017, apesar de com similitudes em regimes já antes vigentes mas de pouca ou nula suscitação até agora, aparentemente nunca foi decidida especificamente em nenhum Tribunal Superior, sendo que o signatário perscrutou milhares de Acórdãos, através do google, em dgsi.pt, nos sites de cada Tribunal Superior, com consulta de todos os Sumários publicados pelo STJ, jusnet, datajuris, lexpoint, jurisprudencia.pt, direitoemdia.pt, blook.pt e outros que já nem recorda.
3 - Em termos de doutrina, a única abordagem que visa especificamente a questão aqui colocada, a saber, se o cumprimento de pena de prisão em RPH se integra ou não na causa de suspensão da pena de prisão suspensa, é feita pelo Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 5ª Edição, 2022, comentário ao art. 125.º :"3. (...) O cumprimento de outra pena privativa da liberdade suspende a prescrição da pena (detentiva ou não detentiva). A reforma do CP de 1995 suprimiu o tempo de liberdade constitucional e de suspensão da execução da pena como fundamentos da suspensão da prescrição da pena (expressamente neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, 1993: 715, quanto à liberdade condicional, «não se vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão» e, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, caberia já na primeira parte do preceito, por se tratar de «outra pena», repetindo a posição já tomada na comissão de revisão do CP de 1963-64 por JOSÉ OSÓRIO e outros, in ACTAS CP7EDUARDO CORREIA, 1965b: 238).
Assim sendo, o «cumprimento de pena privativa da liberdade» não inclui o tempo em que o condenado esteja a cumprir pena substitutiva da pena de prisão, nem o período da pena de prisão no regime de permanência na habitação. Portanto, não suspendem o prazo de prescrição da pena (detentiva ou não detentiva) e da medida de segurança (detentiva ou não detentiva) o período da suspensão da execução da pena de prisão, com ou sem regime de prova, da pena de prisão substituída por multa e da prestação de trabalho a favor da comunidade. Nem suspendem o dito prazo de prescrição o tempo de liberdade condicional e adaptação à liberdade condicional." (negrito nosso).
Esta posição é também assumida pelos Desembargador jubilado M. Miguez Garcia e pelo Desembargador e Mestre J. M. Castela Rio, no seu Código Penal - Parte geral e especial - COM NOTAS E COMENTÁRIOS, no comentário 2º ao art.125.º do CP.
"9. Nos casos das als. d) e f) do nº 1 do art. 120.º não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo.
Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido."
4 - Em termos interpretativos, além de menções contidas em Acórdãos que se transcreverão, impõe-se citar o Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal I, com a colaboração do Prof. Figueiredo Dias, 1971, pág. 145/6 diz:
"II. Interpretação histórica e actualista.
Vejamos agora um outro problema acerca de cuja solução ainda não nos pronunciámos.
A que juízos de valor se deve atender quando se interpreta uma lei criminal? Ao interpretar-se um preceito da lei penal — interpretação declarativa, restritiva ou extensiva (nos casos em que é legítimo o emprego desta última) —, deve olhar-se aos juízos de valor do legislador ou aos juízos de valor dominantes no momento em que a lei se interpreta?
Por nossa parte entendemos que é aos juízos dominantes quer-nos parecer no momento da feitura da lei. Pois é esta a única solução que se coaduna com o pensamento positivista legal que domina o nosso direito e com o princípio da separação de poderes que é, constitucionalmente, uma das bases sobre que se estrutura O nosso Estado.
Não é, porém, que se haja de reconstituir a vontade exteriorizada do legislador. Trata-se só de reconstituir os fins ou os quadros de valor a que o legislador aderiu (¹).
É preciso notar, por outro lado, que um certo legislador pode, modificando a legislação, fazer uma interpretação autêntica do direito anterior, e a esta luz se deverá então interpretar agora todo o sistema que daí resulta. Assim, por exemplo, o espírito das Reformas de 1936 e 1954 tem de informar a interpretação de toda a legislação penal anterior.
Só por esta via se pode conseguir, na verdade, uma visão unitária de todo o direito criminal (²). "
Já na pág. 151, lê-se:
"Problema estruturalmente ligado a este é o de determinar qual o caminho a seguir quando a situação de facto sugere a aplicação de vários preceitos, sem que a prova mostre claramente se se verificam os elementos de um ou de outro.
Neste caso à semelhança do que estabelecia o $ 2.0 b do Código Alemão (¹) — entendemos que deve considerar-se preenchido o preceito que estabelece a sanção concretamente menos grave. E isto por força do princípio de que na aplicação da lei criminal deve, na dúvida, preferir-se a solução que traga uma menor limitação da liberdade."
5 - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: Processo: 63/96.1TBVLF.C1, Data do Acórdão: 04-06-2008
Lê-se neste Acórdão
"Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»
Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do artigo 123.º, n.º1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., p. 715).
6 - O elemento histórico aponta no sentido da eliminação em 1995 da liberdade condicional, da pena suspensa, da prisão por dias livres e do regime de prova (numa altura em que não estava criada o RPH), impondo-se cotejar esta figura com outras para ver qual se ajusta melhor ao espírito do legislador.
7 - É pacífico, do que se apurou, que a colocação do recluso em liberdade condicional lhe mantém a categoria de recluso e que o mesmo se considera em cumprimento de pena, mesmo em liberdade.
8 - Vejam-se i.a.:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 037534, de 07-11-1984:
"Sumário: O termo da liberdade condicional, pela sua conversão em definitiva, ocorre no termo do prazo fixado para a duração daquela liberdade condicional. Assim, e nesta data que se deve ter por expiada a pena."
9 - Na doutrima, encontramos vários artigos com pertinência, a saber:
Código Penal com notas e comentários, de M. Miguez Garcia e J. M. castela Rio, 2018 Comentário 9 ao art. 61.º - Liberdade Condicional:
9. O condenado condicionalmente pode ter de ficar em prisão preventiva noutro processo, pelo que transitará para este, ficando à ordem do mesmo como preso preventivo, mas regressando após a cessação da prisão preventiva ao processo onde a liberdade condicional foi concedida, para nele continuar a tramitação da liberdade condicional."
10 - Código Penal Anotado, Vol I, 4ª ed. 2014, os Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, afirmam nos comentários ao art. 61.º: Liberdade Condicional:
"Quanto à caracterização do instituto como mero incidente da pena (caso em que a liberdade condicional não poderá ultrapassar o limite da pena), ou então admitir que que o período em liberdade condicional ultrapasse o limite da pena (caso em que se torna necessário o consentimento do condenado), foi anotada na Comissão de Revisão a ideia de que a liberdade condicional ao ir para além do limite da pena, e ao ser aplicada pelo juiz de execução de penas, só muito dificilmente se pode conceber como incidente da execução. (...)
11 - Figueiredo Dias, Direito penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, no 14º Capítulo dedicado à Liberdade Condicional, diz na pág. 428:
Ligado historicamente ao sistema dito «irlandês», «progressivo» ou «por períodos» de execução da pena privativa de liberdade2, o instituto assume, deste modo, um carácter de «última fase de execução da pena» a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada³ — de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. (negrito original).
O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos), vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições - substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão de execução da prisão e do regime de prova que lhe são aplicadas."
12 - Pela autoridade que lhe advém de ser um Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional e porque tece considerações pertinentes, cita-se o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional 427/2009, que refere o Parecer n.º 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:
«Fora do estabelecimento, o recluso não se assume, jurídica e materialmente, com liberdade incondicionada. As condições em que trabalhe, e os estabelecimentos de ensino que frequente, são consideradas necessariamente na aplicação do plano, e o resultado obtido constitui elemento relevante da evolução posterior. Mantém-se uma ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional: juridicamente, o recluso mantêm integralmente o respectivo estatuto, cumprindo ainda, e nesta fase, uma medida privativa de liberdade (?).
Na licença de saída do estabelecimento (diga-se, semi-liberdade), o estado detentivo continua a permanecer, ainda que diariamente intervalado pelo contacto com o ambiente externo; constitui, por isso, uma especial modalidade de execução, uma fase da execução da pena privativa de liberdade.» " (negrito ora aposto).
Do texto do próprio Acórdão, consta também:
"Quando é concedida a liberdade condicional há uma alteração do conteúdo da sentença condenatória. Isto é, a sentença condenatória 'deixa de ser' de privação da liberdade, já que a libertação condicional significa uma devolução do condenado à liberdade (sem prejuízo do que se dispõe no artigo 64.º, nº 1, primeira parte, do Código Penal). Por outro lado, à colocação em liberdade condicional pode mesmo corresponder uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória, face ao que se dispõe nos artigos 57.º, n.º 1, por remissão do n.º 1 do artigo 64.º, e 61.º, n.º 5, do Código Penal. E corresponderá necessariamente a uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória para os que defendem que, em caso de revogação, conta como cumprimento da pena de prisão o tempo em que o condenado esteve em liberdade condicional. - (negritos ora apostos, como os demais não ressalvados).
O que acaba de ser dito vale também para as saídas precárias prolongadas, tradicionalmente da competência dos tribunais de execução das penas (artigos 23.º, 3.º do Decreto-Lei n.º 783/79) e aí incluída no Código aprovado pelo Decreto n.º 366/X (artigo 79.º, n.º 1 'Licenças de saída jurisdicionais'). Neste tipo de saída do estabelecimento há também uma alteração do conteúdo da sentença condenatória, uma vez que o condenado é devolvido à liberdade durante uns dias. Traduz-se mesmo numa alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória: o período de saída vale como tempo de execução da pena (artigo 54.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 265/79, na medida que exclui o desconto) e é descontado no cumprimento da sanção em caso de revogação (artigos 53.º, n.º 4, Decreto-Lei n.º 265/79)."
13 - Ora, o cumprimento de pena em RPH permite saídas "em liberdade e sozinho" ao condenado para deslocações ao médico, tratamentos, diligências judiciais e trabalho, que pode ocupar todos os dias úteis de manhã ao fim da tarde ou no horário que se verifique.
14 - Esta "facilidade" de circulação implica por um lado, uma total e sobretudo mais fácil prática de qualquer crime do que se estivesse a cumprir a mesma pena em estabelecimento prisional.
15 - Por outro, e conforme se viu supra, não só o arguido em liberdade condicional pode passar a preso preventivo, tal como que cumpre RPH, como em ambas as situações é possível que ao arguido seja revogada uma suspensão de pena de prisão, como pode iniciar de imediato o seu cumprimento.
16 - Com efeito,e sendo na prática perfeitamente possível, não parece muito curial que um arguido que iniciou o cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão em RPH, vendo transitar 1 mês depois uma condenação numa pena de 4, 8 ou 16 anos de prisão, possa invocar que não pode ser colocado em estabelecimento prisional porque está a cumprir em RPH e por isso a nova condenação terá de aguardar 23 meses para ser cumprida.
17 - Em abstracto, até seria possível haver mais que uma pena a cumprir em RPH na fila de espera, a cumprir em regime sucessivo, a se o critério fosse a ordem de trânsito, a nova pena relativo ao crime seguramente mais grave, tivesse de aguardar o seu cumprimento até final dos cumprimentos das RPH.
18 - Certamente que os fins das penas, como a prevenção geral e especial e as demais reconhecidas, não se compaginariam com tal situação de compasso de espera, situação que aliás poderia gerar desigualdades processuais absurdas, já que as mesmas condenações na mesma data, dois arguidos veriam o cumprimento da sua pena iniciar-se, com passagem a estado de reclusão em momentos muito distantes, com manifesto benefício para o arguido que além desse crime, tivesse antes praticado outros crimes menores.
19 - Da jurisprudência que se encontrou, encontraram-se alguns Acórdãos em que se refere o efeito suspensivo da prescrição decorrente do cumprimento de pena privativa de liberdade, mas todos referindo-se a estados de reclusão.
20 - Dado que a generalidade de situações conexas com penas suspensas nunca são passíveis de apreciação pelo STJ, neste tribunal o mais que se encontram são considerações normalmente incluídas em pedidos de "habeas corpus".
E assim, temos:
Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 1 Jun. 2006, Processo 06P2055
Processo: 06P2055
JusNet 9482/2006
"Portanto o prazo prescricional respectivo extinguir-se-ia, normalmente, dez anos e alguns dias contados desde 21 de Janeiro de 1996, ou seja alguns dias (o tempo do trânsito em julgado da decisão respectiva), após 21 de Janeiro de 2006.
Porém, a normalidade de que se fala foi largamente perturbada com a circunstância de o requerente haver entretanto cumprido penas à ordem de outros processos, nomeadamente desde 9 de Julho de 1995 até 9 de Julho de 1999 à ordem do processo n.o 107/95 supra referido.
O que significa que pelo menos entre Janeiro de 1996 e Julho de 1999 a "prescrição da pena" esteve suspensa nos precisos termos do artigo 125.º, n.o 1, c), do Código Penal."
21 - Parecendo pacífico que o motivo da suspensão da prescrição é a inviabilidade do cumprimento de duas penas em simultâneo e que a espera da segunda condenação em ser cumprida levaria à sua prescrição, sem que o Tribunal e demais entidades nada pudessem fazer, a tal sendo alheias, ainda por cima em situações causados pelo próprio condenado, seja pela sua ausência (contumácia), seja pelo cumprimento de penas por crimes que praticou.
22 - Neste sentido, pode, ver-se i.a. os seguintes Acórdãos:
Tribunal da Relação do Porto, Processo 284/12.1GDSTS-A.P1, 09 Maio 2018
I - A pena de multa aplicada ao arguido prescreve em 4 anos contados do trânsito em julgado da decisão que a aplicou.
II - Estando, no entanto o arguido ainda ligada a outro processo em cumprimento de pena, verifica-se causa de suspensão da prescrição da pena de multa não paga – ainda que convertida, entretanto, em prisão subsidiária – nos termos do artigo 125.º/1 alínea c) C Penal.
(...)
Do que vimos dizendo se concluiu ser nosso entendimento que o cumprimento de uma pena privativa da liberdade constituiu causa de suspensão da prescrição de uma pena multa – ainda que convertida em prisão subsidiária –, nos termos do preceituado no artigo 125º número 1 alínea c) do Código Penal, razão pela qual se concorda com o entendimento vertido na decisão agora em recurso que, portanto, será de manter."
Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 22 Abr. 2015, Processo Processo n.º 96/07.4 JAPRT-A.P1, JusNet 2274/2015, lendo-se no Acórdão:
2. Por acórdão datado de 24.10.2011, confirmado por acórdão desta Relação de 11.04.2012, transitado em julgado em 26.04.2012, proferido no Processo Comum n.º 215/10.3 JAPRT que corria termos pelo 3.º Juízo Criminal do (entretanto extinto) Tribunal Judicial de Matosinhos, entre outros, foi o mesmo arguido B... condenado pela prática, em 05.07.2010, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão;
3. Do cômputo dessa pena consta que o condenado esteve detido, ininterruptamente, à ordem do referido Processo n.º 215/10.3 JAPRT, desde 05.07.2010, tendo atingido o meio da pena em 05.12.2012, dois terços (2/3) em 25.09.2013 e estando o respectivo termo previsto para 05.05.2015;
(…)
A Sra. Juiz do tribunal a quo entendeu que sim, que tendo o recorrente iniciado, em 05.07.2010, o cumprimento da pena de 4 anos e 10 meses de prisão que lhe foi cominada no âmbito do Processo n.º 215/10.3 JAPRT, tal cumprimento determinou a suspensão da prescrição da pena (não especificando se aludia à pena de substituição, mas só podendo referir-se a esta), nos termos previstos no artigo 125.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, suspensão que se manteria porque ainda decorre o cumprimento dessa pena de prisão.
(…)
Para Paulo Pinto de Albuquerque (6) , quer a pena de cuja prescrição se trata, quer a outra pena cujo cumprimento é causa de suspensão da prescrição nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal têm de ser penas privativas da liberdade, explicitando assim a razão desse entendimento:
"A lógica do preceito do artigo 125.º, n.º 1, al.ª c) é esta: encontrando-se o condenado ou o internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão ou medida de segurança, o prazo de prescrição da pena e da medida de segurança não podia correr, porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade".
Tal entendimento foi perfilhado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 19.02.2015 e da Relação de Évora, de 20.09.2011 (7) e neste assumiu-se, expressamente, a opinião do autor citado ao expender-se que "o art. 125º, nº 1, al. c) do CP deve interpretar-se no sentido de se considerar que apenas o prazo da prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade".
(…)
O jurista que interpreta uma disposição normativa há-de ter sempre em vista o escopo da lei, ou seja, o resultado prático que com ela se almeja.
É a isso que se chama a "teleologia da norma" ou "ratio legis", o fundamento racional objectivo da norma, factor hermenêutico geralmente considerado decisivo na determinação do sentido da norma.
Ora, a razão de ser do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal é, se bem pensamos, a de evitar que continue o correr o prazo de prescrição de uma pena (seja ou não privativa da liberdade) que não pode ser executada porque o condenado está a cumprir uma (outra) pena privativa da liberdade.
(…)
A pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, exigindo um juízo de prognose positivo relativamente ao comportamento futuro do condenado, ou seja, um juízo favorável à sua reintegração na sociedade e a expectativa fundada de que ele não reincidirá na prática de crimes, também requer que, durante a sua execução, o condenado se encontre em liberdade, o que é particularmente evidente se a suspensão for acompanhada de regime de prova."
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 690/10.6GCFAR.E1 Data do Acórdão: 26-09-2017
Sumário: I – De acordo com o artigo 125.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, apenas a prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade;
II – Donde, o prazo de prescrição de pena de multa não se suspende com o decurso do cumprimento de pena de prisão.
23 - Como assinala Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código Penal», Universidade Católica Editora, 2008, pág. 338 e 2010, pág. 386), reportando as actas da Comissão Revisora do CP e os trabalhos de revisão do CP, designadamente da reforma levada em 1995, «encontrando-se o condenado […] privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão […], o prazo de prescrição da pena […] não podia correr porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade». (negrito nosso).
24 - Assim, a ratio da normação em referência reporta à impossibilidade de cumprimento simultâneo de duas penas de prisão.
25 - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 717/02.5 GBABF-A.E1, data do Acórdão: 20-09-2011
Sumário: 1. O art. 125º, nº 1, al. c) do CPP deve interpretar-se no sentido de se considerar que apenas o prazo da prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade.
2. Assim, o prazo prescricional da pena de multa corre durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir pena de prisão."
26 - Lê-se ainda no Acórdão:
"Assim, a questão passa por saber se este preceito deve ser interpretado no sentido de “a prescrição da pena privativa da liberdade suspende-se durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade”.
Ou, antes, lendo-se “a prescrição de qualquer pena suspende-se durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade”.
No primeiro caso - “a prescrição da pena privativa da liberdade suspende-se… - o art. 125º, nº1 al. c) não abrangeria a pena de multa, verificando-se a suspensão do prazo prescricional prevista nesta alínea apenas relativamente a penas privativas de liberdade, que, estas sim, não podem ser executadas quando o condenado se encontra “impedido”, em cumprimento de uma outra pena também ela privativa de liberdade.
No segundo caso – a prescrição de toda e qualquer pena suspende-se… - também o prazo prescricional da pena de multa não correria durante o período de cumprimento de pena privativa da liberdade.
Literalmente, a redacção da norma comporta os dois sentidos.
Não podemos, pois, socorrer-nos apenas do elemento literal de interpretação para lhe encontrar o verdadeiro alcance.
Aliás, ultrapassado este “momento inicial”, importa sempre que “a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro que ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema” (Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2004, p. 178).
O elemento histórico convida-nos a recuar às Actas da Comissão Revisora do CP (1965, p. 238) e à redacção inicial do CP 1982 que, no seu então art. 123º, nº1, al.b), dispunha: “a prescrição da pena suspende-se … durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em regime de prova, ou com suspensão de execução de pena”.
Este segmento final veio a ser suprimido na Reforma de 1995, ou seja, estas penas de substituição, não privativas da liberdade, deixaram de ser relevantes para efeito de suspensão de prazo prescricional de pena.
Concorda-se, pois, com Paulo P. Albuquerque quando identifica como lógica do art. 125º, nº1, al. c) a seguinte: “ encontrando-se o condenado ou o internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão, o prazo de prescrição da pena não podia decorrer porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade” (Comentário do CP, 2010, p. 386).
O elemento sistemático aponta, também, neste mesmo sentido.
Existe, como se vê, uma escala de concordância abstracta entre a gravidade da pena e a vida da pena como decisão ainda exequível.
À pena de multa corresponde o prazo prescricional, justificadamente mínimo, de quatro anos. O prazo prescricional máximo, de vinte anos, está reservado para penas de prisão superiores a dez anos.
Testando os resultados práticos, a que conduziria a solução contrária à que consideramos correcta, uma pena de multa de €50 poder-se-ia manter activa por vinte anos, sempre que o condenado estivesse preso durante tal período.
E não encontramos justificação, no plano dos princípios, para esta construção hermenêutica.
É, hoje, inquestionável que as normas que disciplinam os prazos prescricionais, a sua suspensão e a sua interrupção são normas processuais penais de conteúdo material, por contraposição às normas processuais formais, na medida em que produzem efeitos jurídico-materiais, ou seja, “condicionam a efectivação da responsabilidade penal” (Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2008, p. 252).
(...)
Por tudo, se conclui que, de acordo com o art. 125º, nº 1, al. c), apenas a prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade.
Esta a interpretação conforme à Constituição, respeitadora dos princípios constitucionais da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade (arts 18º, nº2, 29º, nºs 1 e 2 e 30º, nºs 1 a 3 CRP), “funcionalmente justificada”, por “adequada à função que a regulamentação assume no sistema”.
27 - Na Revista do Ministério Público, nº 171, Jul-Set. 2022, o Juiz e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais, Dr Pedro Gama da Silva, na pág. 134/5, na principal obra que se encontrou dedicada ao assunto, escreve:
"A suspensão de execução da pena de prisão é uma pena, pela própria natureza, de execução em liberdade. A sua execução fica comprometida se o condenado não se encontrar em liberdade, como acontece se estiver a cumprir pena ou medida de segurança privativa da liberdade. Se isso ocorrer, o cumprimento dessa “outra” pena é causa de suspensão da prescrição nos termos na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do CP(73).
Na falta de outras causas de suspensão ou interrupção, decorridos quatro anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado e o eventual período de prorrogação, sem que a suspensão tenha sido revogada ou extinta, a pena de suspensão prescreve.
A execução da pena de suspensão constitui, por sua vez, causa de suspensão da pena principal de prisão, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do CP. Só com o trânsito em julgado da decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição dessa pena principal." (negrito nosso).
28 - No Código Penal com notas e comentários, de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, 2018 Comentário 9 ao art. 61.º - Liberdade Condicional:
Art. 125.º
2. (...) Se o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade, concluiremos com Pinto de Albuquerque, 105, p. 490, que "encontrado-se o condenado ou internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão ou medida de internamento, o prazo de prescrição da pena e da medida de segurança não podia correr, porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade". E desta forma, "o cumprimento de medida de segurança privativa de liberdade suspende a prescrição da pena e da pena e da medida de segurança. O cumprimento de sanção privativa de liberdade não inclui o tempo em que o internado esteve a cumprir uma sanção substitutiva (suspensão da execução do internamento), nem inclui o período de liberdade para prova", Pinto de Albuquerque, 2010, p. 386. "
29 - O arguido a cumprir pena em regime de RPH pode sair para ir ao Tribunal, aos orgãos de polícia criminal, ao médico, para trabalhar todos os dias de manhã à noite, pelo que poderia em qualquer momento, apesar de "localizado", cometer todo o tipo de crimes, sendo de considerar tal período como "apto" para o crime, o que não sucede, pelo menos com o mesmo alcance, estando recluso em estabelecimento prisional.
30 - Verifica-se assim que apenas uma interpretação que não inclua o cumprimento da pena de prisão em RPH respeita o conteúdo do art. 125.º nº 1 al. c) do Código Penal, violando o despacho recorrido o estatuído neste dispositivo
- ao que acresce que quando nestes autos se tomou conhecimento da situação de RPH já se mostrava prescrita a pena.
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
DESPACHO-SENTENÇA
31 - Urge carrear o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Proc. 312/09.8YFLSB, de 15-04-2010, que fixou a seguinte jurisprudência:
"I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado."
32 - E no citado Acórdão, a propósito do cotejo da decisão da revogação da suspensão da pena com uma sentença, lê-se sob o título:
"Fundamentação:
f) «O paralelismo com a sentença é, nestes casos, flagrante, visto que a decisão é precedida de actos que se aproximam de um julgamento, como a produção de prova e a presença do condenado. Outra manifestação, ainda que em plano diferente, do paralelismo ou aproximação entre a sentença e o despacho de revogação da suspensão pode ser vista na fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto de ambas as decisões - artigo 408.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea c). É ainda significativo que, como se nota no referido Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, alguns dos actos ressalvados na segunda parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal são 'de menor gravidade pessoal para o arguido' do que o despacho de revogação da suspensão da pena. Estão seguramente nesse caso as decisões que aplicam algumas medidas de coacção, como, por exemplo, as concretizadas em obrigações ou proibições no âmbito dos artigos 198.º e 200.º do CPP, que têm implicadas apenas suportáveis restrições da liberdade, e a decisão instrutória, que envolve um mero juízo indiciário com a simples consequência de sujeitar o arguido a julgamento. Perante tudo quanto acabou de dizer-se, só pode concluir-se que o texto da lei, falando apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena»;
33 - De referir que o aludido nº 9 passou a nº 10 com a redação da Lei 20/2013, de 21/02.
34 - Daqui resulta que todos os requisitos legalmente impostos a uma sentença, são também exigidos à decisão de revogação da suspensão.
NULIDADE POR INSUFICIÊNCIA DE FACTO
35 - A decisão proferida padece de vício de insuficiência de matéria de facto.
36 - Com efeito, a decisão recorrida, sobre as condições pessoais e o seu percurso de vida, nada diz, é TOTALMENTE OMISSA, sendo que as condições pessoais à data da apreciação da revogação da suspensão da pena ou a sua extinção constituem algo essencial para uma adequada decisão pelo Tribunal, pelo que se verifica a insuficiência da matéria de facto referida no art. 410.º 2 a) do CPP.
37 - Sobre a questão de saber se o não apuramento das condições pessoais acarreta ou não o vício apontado, decidiram os seguintes Acórdãos:
1) Ac. do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 701/16.1PAPTM.E1, de 2016-12-06:
IV - Ora, o tribunal recorrido não procurou indagar de modo mais fundamentado das condições de vida do arguido/recorrente e nem encetou o menor esforço nesse sentido. Aliás, pura e simplesmente nada fez. Nem sequer se socorreu do instrumento a que se refere o artigo 370.º, nº1 do CPPenal
V - No caso concreto, ficou-se completamente aquém do razoavelmente exigível, carecendo a sentença recorrida de elementos que habilitassem o tribunal recorrido a, conscienciosa e seguramente, levar a bom termo o procedimento de determinação individualizada da pena, dentro dos parâmetros legais, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
VII - Estando apenas em causa a produção de prova suplementar ainda não produzida e em relação à qual o tribunal recorrido ainda não assumiu posição, em vez do reenvio do processo para novo julgamento, cingido à investigação dos factos relativos à situação pessoal e económica do arguido, nos termos dos artigos 426.º, n.º 1 e 426.º-A, do CPPenal, entende-se dever antes ser anulada a sentença e ser o mesmo tribunal que realizou o julgamento a reabrir a audiência para aquele efeito. (disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/701-2016-116283783).
Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 68/20.3GBVNG.P1, de 24-09-2020:
I - Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, se na sentença nada se refere quanto às condições pessoais do arguido.
38 - Forçoso parece assim concluir, na esteira dos Acórdãos citados, pela nulidade decorrente da insuficiência da matéria de facto, a suprir pelo Tribunal a quo.
NULIDADE POR FALTA DE EXAME
39 - A alteração ao CPP de 1998 veio introduzir a obrigatoriedade do exame crítico das provas, no quadro do dever de fundamentação.
40 - Sobre esta matéria, pela sua autoridade e clareza, citam-se os seguintes Acórdãos do STJ:
Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 18 Dez. 2019, Processo 733/17.2JAPRT.G1.S1:
"VIII - Consistindo esse «exame crítico» na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
IX - A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, aí se incluindo o exame crítico da prova, deve ser completa e abranger TODAS AS PROVAS constituídas ou administradas no processo, nelas se incluindo, obviamente, aquelas que foram determinadas pelo próprio tribunal, relevantes e necessárias para o objecto da prova – existência ou não existência do crime, punibilidade ou não punibilidade do agente e determinação da pena (art. 124.º do CPP).
XV - Reafirmando-se que a determinação pelo Tribunal da realização daquelas perícias tem pressuposto o entendimento de que elas eram relevantes para a decisão da causa, a sua omissão na fundamentação da matéria de facto atesta a falta de exame crítico que redunda em nulidade da decisão.
XVI - A apontada fundamentação insuficiente determina a nulidade da decisão, nos termos dos art. 379.º, n.o 1, al. a), e 374.º, n.o 2, do CPP , estando vedado o seu suprimento por este STJ por se tratar de facticidade e valoração da prova, não lhe competindo substituir-se ao julgador na convicção que deva formar sobre a prova produzida.
Ac. do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, Proc. 220/09.2GAGLG.E1, de 06.11.2012:
"O exame da prova é a análise de TODAS as provas, mesmo daquelas de que nada de útil se retirará. Se determinada prova se apresenta como irrelevante, há que dizê-lo, pois só assim a sentença revela que o tribunal conheceu e apreciou todas as provas.
(...)
Por tudo se conclui que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1- a) do Código de Processo Penal), devendo ser substituída por outra que proceda ao exame de todas as provas produzidas e/ou examinadas em audiência, nos moldes referidos. (disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/3e800360776b7d098fb559a6130e326eb7cd4ffc23c85770a5528a434bb5a6a5)
CEJ - PROCESSO E DECISÃO PENAL
NOV 2019
Citações:
"No sentido da ausência de uma tal nulidade, foi decidido que “a nulidade decorrente da não observância do preceituado no artigo 374.º, do CPP, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorretas ou passíveis de censura as conclusões a que, através dele, o tribunal a quo chegou” – Ac. TRG, de 23- 03-2015, P.º 863/11.4GAFAF.G1.
Publicação disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=BrFTKP0QFuQ%3D&portalid=30.
41 - Ora, o Tribunal ignorou em absoluto dois Relatórios Sociais, que não podia ter deixado de analisar e fazer o devido exame crítico.
42 - Agrava a situação o facto de se tratar de dois Relatórios Sociais, e a este propósito decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.10.1991, Processo: 042084:
"Sumário : I - É obrigatória a elaboração de relatório social, nos termos do artigo 370, n. 2 do Código de Processo Penal, relativamente a arguido que, à data da prática dos factos, for menor de 21 anos, e seja passível de lhe ser aplicada pena de prisão ou medida de segurança de internamento superior a 3 anos.
II - O relatório social destina-se à correcta determinação da sanção a aplicar ao arguido, por corresponder a uma dada indicação de matéria de facto, consubstanciada num relatório pericial, cujo valor probatório pode ser infirmado ou modificado em função de prova complementar que venha a ser produzida nos termos do artigo 371 do Código de Processo Penal.
III - O valor probatório do relatório social no que respeita à perícia e personalidade do arguido, encontra-se previsto nas disposições do artigo 163 do Código de Processo Penal.
IV - A respectiva matéria pericial não é de livre valoração pelo juiz, antes traduz matéria de prova sobre elementos fundamentais da determinação da sanção, pelo que se torna necessária a fundamentação da eventual divergência da convicção do julgador quanto ao juízo técnico pericial constante daquele relatório.
V - É nula a sentença que omitir os pontos constantes do relatório social respeitantes à avaliação da personalidade do arguido que se devam ou não considerar como provados, determinando tal nulidade a prolação de nova sentença, sem necessidade de repetição do julgamento." (negritos nossos).
43 - E decidiu também o STJ no Acórdão de 15-10-2008:
"O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador (art. 163.º, n.º 1, do CPP). E, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (n.º 2 do preceito). Face ao regime vigente, se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos, inerente à prova pericial, nada terá que dizer. Se o não acatar, e dele divergir, terá que fundamentar a sua divergência (Ac. deste STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3986/07 - 3.ª).
44 - Aquando da discussão da alteração ao Código Penal em 1995, pode ler-se o então Ministro da Justiça, Cons. Laborinho Lúcio, na pág. 67 de "Reforma do Código Penal", Trabalhos preparatórios, Vol III, Lisboa 1995:
"A reforma do sistema judiciário vai permitir maior capacidade de resposta para garantir também que é na rapidez que a prevenção vai encontrar os seus pontos decisivos e será o conjunto instrumental - Instituto de Reinserção Social, Tribunal de Execução de Penas, etc. que vai permitir a completitude do sistema penal, que pela primeira vez acontecerá entre nós."
45 - Ora, concretamente, foram juntos aos autos dois relatórios Sociais, a saber, um Relatório da DGRS datado de 05.06.2018 e junto aos autos em 06.06.2018, que foi mesmo referido pela M.ma Juiz no decurso da inquirição da técnica que foi ouvida em 28.06.2022:
01:03: Juiz: Nós aqui, neste processo que nos trás cá hoje, temos um relatório elaborado em 2018, pela dra BB (...)".
46 - Assim como conta outro Relatório Social, datado de 22.09.2021, junto aos autos em 28.06.2022, conforme despacho proferido na audiência do mesmo dia:
Juiz: Juiz: O Tribunal concede então 2 dias para juntar o requerimento.
47 - Contudo, por mais que se leia todo o despacho, não há uma única alusão a qualquer destes relatórios.
48 - Esta situação, acarreta nulidade da decisão por força dos arts 374.ºnº 2 e 379.º 1 a) ambos do CPP.
DEPOIMENTO DA TÉCNICA INCOMPLETO
49 - Refira-se ex abundante, que a própria análise feita ao depoimento prestado pela técnica de reinserção social se mostra deveras debilitado, porquanto além do que se refere na decisão, a técnica disse também:
Juiz: 0:55 A Dra CC acompanhou o senhor AA, tem ideia no âmbito de que processos?
Téc. Vários processos; várias penas suspensas.
Juiz: Nós aqui, neste processo que nos trás cá hoje, temos um relatório elaborado em 2018, pela dra BB, Téc. Dra BB?
Juiz: Sim. Eu não sei o que é que nos pode dizer em relação a este senhor neste momento.
Téc. Neste momento ele está a cumprir uma pena de prisão na habitação, de 2 anos, e tem corrido bem, ao que tudo indica, tem cumprido as regras inerentes à medida, ora, ia-lhe dizer, não sei se interessa saber quando termina a medida.
Juiz: Se tiver aí consigo.
Téc.: Ora deixe-me ver. Tinha aqui um relatório recente que referia isso. Portanto, iniciou a 7 de dezembro de 2021 e termina a 7 de dezembro de 2023.
Juiz: Tem corrido de acordo com aquilo que têm sido as orientações da DGRSP, portanto, tem cumprido?
Téc.: Tem cumprido.
Juiz: relativamente a contactos anteriores, no âmbito de penas de prisão suspensas anteriores, que tenham sido aplicadas, tem informação de como está (???)?
Téc.: Sim.
Juiz: Como é que foi a sua adesão?
Téc.: Deixe-me ver. Há aqui um relatório final de uma medida, se me permitir consultar.
Juiz: Qual é o processo?
Téc.: Ora só um bocadinho. Era o processo 600, não, 608/15.0PHVNG, o senhor vinha condenado a um, pela prática de um crime de roubo na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nomeadamente o cumprimento, a frequência de programa de tratamento ao seu problema aditivo, 150 horas de serviço de interesse público, não se fazer acompanhar dos seus pares com os mesmos hábitos aditivos. Esta medida terminou em 11 de fevereiro de 2022.
Juiz: Quais foram as conclusões dos serviços relativamente ao comportamento do condenado?
Téc.: A avaliação foi favorável relativamente ao cumprimento do tratamento da problemática aditiva, ao cumprimento das horas de trabalho determinadas também e ao afastamento e diminuição de convívio com pares problemáticos; no entanto, registou novo contacto com o sistema da administração da justiça no qual foi condenado ao cumprimento de pena de prisão na habitação.
Juiz: NO âmbito do processo 577, não é, que é o que está a cumprir neste momento?
Téc.: Exactamente.
Juiz: praticados em 2016.
Téc. Hum hum.
Def.: 05:06: Tem conhecimento se noutros processos e em quanto mais ou menos ele terá sido condenado em trabalho comunitário e se cumpriu sempre direitinho?
Téc.: Tinha de consultar, não tenho essa informação.
Def.: Quando elabora o relatório final para esse processo, consultaram também os outros, imagino.
Téc.: Penso que sim, mas foram referenciados só a este novo processo, foi referenciado este novo processo, de que tenha conhecimento.
Juiz: Quando fala de relatório final
Def.: Se, se , prontos, analisam se tem outros processos pendentes, se tem outros processos em que façam relatórios.
Téc.: Sim, sim, se foi condenado. Foram elaborados relatórios, foi elaborado um relatório social em Abril, em que houve um julgamento no âmbito do processo 102/15.9
50 - Ora, parece manifesto que toda estas afirmações irão bem além do que consta da decisão recorrida:
"Foi igualmente ouvida a Técnica da DGRSP, que referiu, de relevante aos autos, que o arguido se encontra a cumprir pena de prisão, em regime de permanência na habitação, até 07.12.2023, que tem corrido sem incidentes."
51 - Assim, nesta parte, mostra-se violado o estatuído no art. 127.º do CPP, já que segundo as regras da experiência, aquelas afirmações de uma técnica social deveriam ter merecido credibilidade e não serem totalmente ignoradas, ainda por cima sem qualquer alusão á desconsideração/não relevância dada às mesmas.
NOVOS CRIMES
52 - Refere o despacho recorrido a existência de novos crimes, o que corresponde à verdade.
53 - Contudo, o Tribunal não deu qualquer relevância ao factor tempo.
54 - Assim, se é verdade que as demoras processuais constituem um dos grandes males da nossa Justiça, a verdade é que o decurso deste permitiu ao arguido passar um largo período temporal sem cometer qualquer crime, o que importa observar.
55 - Assim, o crime mais recente praticado pelo arguido data de 30.07.2017, ou seja, já lá vão mais de CINCO ANOS E MEIO sem a prática de qualquer crime por que tenha sido condenado, o que é bem demonstrativo do seu comportamento, de forma totalmente inversa à que lhe é imputada no despacho recorrido.
56 - Assim, não só se vota à indiferença um facto crucial, como se desrespeita totalmente o conteudo de um dos mais basilares dispositivos do nosso Código Penal revisto,o art. 40.º do Código Penal, que nos seus números 1 e 3 dizem:
Artigo 40.º Finalidades das penas e das medidas de segurança
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
57 - A este propósito podemos ver:
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 413/04.9GEPTM.E1 de 25.09.2012
"2. Com a revisão do Código Penal de 1995, o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição."
58 - Assim, o decurso de todo este tempo sem qualquer condenação impunham que não fosse revogada a suspensão, mostrando-se violado o estabelecido no art. 56.º nº 1 al. b) do Código Penal.”

Para efeitos de comparação reproduzem-se as motivações apresentadas pelo recorrente:
“MOTIVAÇÃO
6 - Dando prioridade a uma questão que embora abordada na parte final do despacho, poderá levar à desnecessidade de apreciação das outras questões.
PRESCRIÇÃO
7 - Entendeu o Tribunal que pena suspensa, embora prescrevendo em 4 anos, o que se aceita, não prescreveu apesar de ter decorrido período superior a 4 anos porquanto ainda antes de completar os 4 anos iniciou cumprimento de pena de prisão a cumprir na residência.
8 - Esta questão, forçosamente recente atenta a inclusão do RPH apenas em 2017, apesar de com similitudes em regimes já antes vigentes mas de pouca ou nula suscitação até agora, aparentemente nunca foi decidida especificamente em nenhum Tribunal Superior, sendo que o signatário perscrutou milhares de Acórdãos, através do google, em dgsi.pt, nos sites de cada Tribunal Superior, com consulta de todos os Sumários publicados pelo STJ, jusnet, datajuris, lexpoint, jurisprudencia.pt, direitoemdia.pt, blook.pt e outros que já nem recorda.
9 - Em termos de doutrina, a única abordagem que visa especificamente a questão aqui colocada, a saber, se o cumprimento de pena de prisão em RPH se integra ou não na causa de suspensão da pena de prisão suspensa, é feita pelo Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 5ª Edição, 2022, comentário ao art. 125.º :”3. (...) O cumprimento de outra pena privativa da liberdade suspende a prescrição da pena (detentiva ou não detentiva). A reforma do CP de 1995 suprimiu o tempo de liberdade constitucional e de suspensão da execução da pena como fundamentos da suspensão da prescrição da pena (expressamente neste sentido, FIGUEIREDO DIAS, 1993: 715, quanto à liberdade condicional, «não se vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão» e, quanto à suspensão da execução da pena de prisão, caberia já na primeira parte do preceito, por se tratar de «outra pena», repetindo a posição já tomada na comissão de revisão do CP de 1963-64 por JOSÉ OSÓRIO e outros, in ACTAS CP7EDUARDO CORREIA, 1965b: 238).
Assim sendo, o «cumprimento de pena privativa da liberdade» não inclui o tempo em que o condenado esteja a cumprir pena substitutiva da pena de prisão, nem o período da pena de prisão no regime de permanência na habitação.
Portanto, não suspendem o prazo de prescrição da pena (detentiva ou não detentiva) e da medida de segurança (detentiva ou não detentiva) o período da suspensão da execução da pena de prisão, com ou sem regime de prova, da pena de prisão substituída por multa e da prestação de trabalho a favor da comunidade. Nem suspendem o dito prazo de prescrição o tempo de liberdade condicional e adaptação à liberdade condicional.” (negrito nosso).
Esta posição é também assumida pelos Desembargador jubilado M. Miguez Garcia e pelo Desembargador e Mestre J. M. Castela Rio, no seu Código Penal - Parte geral e especial - COM NOTAS E COMENTÁRIOS, no comentário 2º ao art.125.º do CP. “9. Nos casos das als. d) e f) do nº 1 do art. 120.º não há prazo máximo para a suspensão da prescrição. Portanto, verificando-se o facto suspensivo, o processo permanece indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo.
Esta suspensão do prazo não é inconstitucional, na medida em que se deve a facto imputável ao arguido.”
10 - Em termos interpretativos, além de menções contidas em Acórdãos que se transcreverão, impõe-se citar o Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal I, com a colaboração do Prof. Figueiredo Dias, 1971, pág. 145/6 diz:”II. Interpretação histórica e actualista. Vejamos agora um outro problema acerca de cuja solução ainda não nos pronunciámos.
A que juízos de valor se deve atender quando se interpreta uma lei criminal? Ao interpretar-se um preceito da lei penal — interpretação declarativa, restritiva ou extensiva (nos casos em que é legítimo o emprego desta última) —, deve olhar- se aos juízos de valor do legislador ou aos juízos de valor dominantes no momento em que a lei se interpreta?
Por nossa parte entendemos que é aos juízos dominantes quer-nos parecer no momento da feitura da lei. Pois é esta a única solução que se coaduna com o pensamento positivista legal que domina o nosso direito e com o princípio da separação de poderes que é, constitucionalmente, uma das bases sobre que se estrutura O nosso Estado.
Não é, porém, que se haja de reconstituir a vontade exteriorizada do legislador.
Trata-se só de reconstituir os fins ou os quadros de valor a que o legislador aderiu (¹).
É preciso notar, por outro lado, que um certo legislador pode, modificando a legislação, fazer uma interpretação autêntica do direito anterior, e a esta luz se deverá então interpretar agora todo o sistema que daí resulta. Assim, por exemplo, o espírito das Reformas de 1936 e 1954 tem de informar a interpretação de toda a legislação penal anterior. Só por esta via se pode conseguir, na verdade, uma visão unitária de todo o direito criminal (²). “Já na pág. 151, lê-se: “Problema estruturalmente ligado a este é o de determinar qual o caminho a seguir quando a situação de facto sugere a aplicação de vários preceitos, sem que a prova mostre claramente se se verificam os elementos de um ou de outro.
Neste caso à semelhança do que estabelecia o $ 2.0 b do Código Alemão (¹) — entendemos que deve considerar-se preenchido o preceito que estabelece a sanção concretamente menos grave. E isto por força do princípio de que na aplicação da lei criminal deve, na dúvida, preferir-se a solução que traga uma menor limitação da liberdade.”
11 - Com relevo, podem também ver-se:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 53/11.6PKLRS-A-S1
Data do Acórdão: 30-09-2015
Sumário: I - Tendo o peticionante sido condenado na pena de 9 meses de prisão a cumprir por dias livres, o prazo de prescrição da pena é de 4 anos - nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 122.º do CP - sendo tal prazo contado a partir do dia de trânsito em julgado da decisão aplicadora da pena - cf. n.º 2 daquele artigo.
II - Não constitui causa de suspensão ou de interrupção da prescrição da pena, designadamente a prevista na al. a) do n.º 1 do art. 125.º do CP (impossibilidade de início ou de continuação da execução da pena por força da lei), a interposição pelo condenado de recursos para o tribunal da Relação das decisões que ordenaram o cumprimento da pena em regime contínuo.
III - Os procedimentos ou actos processuais que visam a execução da pena não têm eficácia interruptiva e, muito menos suspensiva, não podendo pois ser incluídos no preceito da al. a) do n.º 1 do art. 125.º do CP, sob pena de a prescrição se dever ter por suspensa, grosso modo, perante qualquer incidente processual.
IV - Tendo a sentença condenatória, transitado em julgado em 15-02-2011 e não tendo ocorrido no processo à ordem do qual o peticionante se encontra preso causa interruptiva ou suspensiva da pena, mostra-se prescrita a pena em que o arguido foi condenado desde o dia 16-02-2015, o que significa que aquele está ilegalmente preso, por isso devendo ser imediatamente restituído à liberdade.
(...)
O peticionante fundamenta o seu pedido na circunstância de a pena de prisão que se encontra a cumprir se mostrar prescrita, uma vez que, entre a data do trânsito em julgado da decisão que o condenou na pena de nove meses de prisão a cumprir por dias livres e a data da sua prisão para cumprimento daquela pena em regime contínuo, decorreu o prazo de prescrição, qual seja o de quatro anos, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122º do Código Penal, sem que tenha ocorrido qualquer causa interruptiva ou suspensiva.
(...)
A redacção dos preceitos acabados de transcrever resultou da revisão do Código operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Uma vez que o peticionante foi condenado na pena de nove meses de prisão a cumprir por dias livres, certo é que o prazo de prescrição da mesma é o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122º do Código Penal, qual seja o de quatro anos, sendo contado a partir do dia do trânsito em julgado da decisão aplicadora da pena – n.º 2 daquele artigo.
Sendo certo que entre a data do trânsito em julgado da sentença que condenou o peticionante na pena de nove meses de prisão a cumprir por dias livres e a data da sua prisão para cumprimento daquela pena em regime contínuo decorreram mais de quatro anos, mais concretamente quatro anos e cinco meses, aquela pena deverá ter-se por prescrita, a menos que, antes do termo do prazo de prescrição (quatro anos), tenha ocorrido causa interruptiva ou suspensiva.
Ademais, quando na alínea a) do n.º 1 do artigo 125º do Código Penal se estabelece que a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que por força da lei a execução não puder começar ou continuar a ter lugar, não pretende o legislador, obviamente, referir-se às vicissitudes procedimentais e processuais inerentes ao próprio processo onde foi imposta a pena e à ordem do qual a mesma deve ser executada e cumprida, designadamente os procedimentos tendentes à execução da pena, sob pena de a prescrição se dever ter por suspensa, grosso modo, perante qualquer acto ou incidente processual.
Vejamos.
De acordo com o artigo 115º, do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1985, discutido na 33ª sessão da Comissão Revisora, em 4 de Maio de 1964[4], constituía causa de interrupção da pena a prática de qualquer acto da autoridade competente que visasse fazê-la executar[5].
No decurso daquela sessão o Professor Gomes da Silva, seguido pelo Dr. Guardado Lopes, disse entender que um qualquer acto da autoridade competente – acto que pode ser até “de tabela” – é insuficiente para fazer reviver a pena e não deve pois interromper a prescrição. Certo é que, apesar de o autor do Projecto, Prof. Eduardo Correia, ter retorquido não lhe parecer que pudesse deixar de atribuir-se relevo, para efeitos de interrupção da prescrição, aos actos da autoridade competente tendentes a fazê-la executar, a verdade é a versão originária do Código Penal de 1985, mais concretamente o seu artigo 124º (interrupção da prescrição), não corresponde ao artigo 115º, do Projecto, sendo que ali se limitou drasticamente o âmbito deste, tendo passado a assumir relevo para efeitos de prescrição da pena, apenas, os actos praticados pela autoridade competente destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado[6].
Certo é que com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, deixaram até de constituir motivo de interrupção da prescrição da pena, conforme decorre do actual artigo 126º, aqueles concretos actos praticados pela autoridade destinados a fazer executar a pena, conquanto o Dr. Lopes Rocha, na 43ª sessão da Comissão de Revisão, ocorrida no dia 6 de Novembro de 1990[7], tivesse sugerido, sem êxito, que se acautelasse o caso de ser pedida, a país estrangeiro, a execução de uma sentença penal portuguesa, situação em que, a seu ver, deveria ocorrer efeito interruptivo desde o início do “processo de delegação”.
Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 23 Mar. 2022, Processo 1048/08.2TAVFR-G.P1 JusNet 3271/2022
Na parte analítica, pode ler-se neste Acórdão: A solução passa, antes de mais, por uma análise do contexto histórico que esteve na origem da norma, em especial “o sistema jurídico histórico- dogmático”, e a respetiva evolução.
Na sua versão originária, do Código Penal de 1982, estabelecia o art.º 123º, no 1, que então tipificava as hipóteses de suspensão da prescrição, o seguinte:
“1 - A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar;
b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena;”
Como podemos ver, no âmbito das normas que previam a suspensão da prescrição da pena, na versão originária do Código, estava expressamente contida, na al. b) do no 1, a hipótese de o condenado se encontrar em regime de prova ou com suspensão de execução da pena.
Convém não esquecer, e tendo em conta as observações tecidas por Paulo Pinto de Albuquerque e Maia Gonçalves, que o artigo em causa e o art.º 126º, relativamente à interrupção da prescrição, tiveram por fonte ou foram inspirados, respetivamente, no § 79º-a do Código Penal alemão e no art.º 75º do Código Penal suíço[8]. Sendo por isso pertinente analisar, ainda que perfunctoriamente, o que diz um e outro, no que seja relevante para a compreensão do problema posto pelo caso concreto. O art.º 74º do Código Penal suíço, ao referir-se ao termo inicial de contagem do prazo de prescrição da pena, refere-se expressamente ao caso de suspensão da execução da pena de prisão, determinando que o mesmo se conte apenas a partir da decisão que determinar a execução da pena. Ou seja, da pena de prisão que ficara suspensa na sua execução.
Por seu turno prescreve a al. b) do no 2 do § 79-a do Código Penal alemão que o prazo de prescrição da pena se suspende durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, determinada por decisão judicial.
Ora, é bom de ver que análoga a esta era a norma contida no art.º 123º, no 1, al. b), do CP de 1982, na sua versão originária, ao prever expressamente como fundamento da suspensão do prazo prescricional da pena (pretendendo referir- se à pena de prisão principal, portanto) a determinação judicial da suspensão da pena de prisão concretamente aplicada, ou seja, a aplicação ao condenado da pena de suspensão da execução da pena de prisão, e enquanto essa suspensão durasse. Prevendo-se tal causa de suspensão, portanto, autonomamente das que pudessem resultar da aplicação da norma da al. a) do mesmo artigo, a qual ainda hoje se mantém incólume na al. a) do art.º 125º - “Por força de lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”.
A al. b) do no 1 do art.º 123º do CP, na sua versão originária, mereceu então a crítica frontal do Professor Figueiredo Dias, ao afirmar: “a atual al. b) do art.º 123º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito.” Ou seja, que cabiam nos casos em que o condenado estivesse a cumprir outras penas. Afirmando desse modo a autonomia da suspensão da execução da pena de prisão, enquanto pena de substituição que é, da pena de prisão que substituiu.
Ora, com a revisão operada pelo DL no 48/95, de 15/03, a al. b) passou a ser a al. c), sendo no entanto eliminada a referência que aí inicialmente era feita à suspensão de execução da pena de prisão como causa de suspensão da prescrição, ao mesmo tempo que, na parte inicial do respetivo preceito, quando se referia “o condenado esteja a cumprir outra pena”, passou a constar “o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade”, colocando assim desse modo claramente fora da previsão da norma a suspensão de execução da pena de prisão, nos termos em que inicialmente dela constava. Sendo de referir que das Atas da Comissão de Revisão, que deu origem à redação do artigo 125º atualmente em vigor, apenas foi dada nota da “necessidade de alterar o Código de Processo Penal de molde a fazer valer o instituto da contumácia para as medidas de segurança”[9].
(…)
Renovamos, portanto, a posição já adotada no acórdão acabado de citar, a qual corresponde ao entendimento maioritário da jurisprudência por nós consultada(13). Sendo que qualquer outra posição, fosse no sentido de ver na execução da própria pena de substituição uma causa simultânea de interrupção e de suspensão da sua prescrição, esta última à luz do art.º 125º, no 1, al. a), do CP, fosse numa interpretação que pretendesse subsumir à alínea d) do no 1 do art.º 122º somente as penas de substituição em que a pena principal tivesse uma duração inferior a dois anos de prisão, para desse modo se considerar que só a estas seria aplicável o prazo de prescrição da al. d) do art.º 122º (isto é, 4 anos, passando a ser aplicáveis às restantes os prazos de 15 ou 10 anos, consoante fossem fixadas em 5 anos ou em menos de 5 anos, mas iguais ou superiores a dois anos), além das razões de índole história, sistemática e teleológica acima referidas, que claramente negam uma tal solução interpretativa, um tal entendimento não teria apoio na própria letra da lei(14), ao mesmo tempo que negaria o caráter de pena autónoma que a suspensão da execução da pena de prisão consensualmente tem(15) e que o legislador claramente quis reforçar com a revisão operada pelo DL no 48/95, de 15/03, na sequência, aliás, das críticas que ao regime anterior vinham sendo feitas pelo Professor Jorge de Figueiredo Dias, como já acima se deixou referido. Sendo ainda que um tal entendimento, além de poder levar a soluções de manifesta desproporcionalidade(16), contenderia inevitavelmente com o princípio da legalidade - art.ºs 1º, nos 1 e 3, do CP e 29º, nos 1 e 3, da Constituição da República. A consequência do encurtamento do prazo máximo de prescrição, resultante da soma do prazo normal de 4 anos mais 2 anos, a que alude o art.º 126º, no 3, do CP, face às situações em que a suspensão da execução da pena possa ir ao limite de 5 anos, foi o resultado da opção legislativa, levada a cabo pela Lei no 59/2007, de 04/09, que alterou o art.º 50º do CP, de modo a nele passar a prever-se um prazo máximo de 5 anos de suspensão da execução da pena de prisão, que até aí era de apenas 3 anos, mas deixando-se incólume a duração do prazo de prescrição dessa mesma pena, ou seja, 4 anos, sem prejuízo das situações de suspensão e de interrupção da prescrição que concretamente possam ocorrer. Prevenindo-se ainda, negativamente, a possibilidade de prorrogação da suspensão da execução da pena, na medida em que pudesse exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.o 5 do artigo 50º, ou seja, 5 anos - art.º 55º, al. d), do CP. Por isso, o entendimento sobre uma eventual incongruência assim criada por opção do próprio legislador e a solução, variável em função das penas principais concretamente aplicadas, para por via dela fixar prazos de prescrição também variáveis, seria solução que, além de afrontar o princípio da legalidade, levaria a soluções que, como referimos supra, poderiam em certos casos tornar as penas principais de prisão praticamente imprescritíveis.
Chegados a este ponto, considerando que no presente caso se não verifica qualquer causa de suspensão da prescrição, nomeadamente as que se encontram expressamente previstas nas al. a) a d) do no 1 do art.º 125º do CP, e sendo o prazo de prescrição da pena de substituição aplicada de 4 anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 26/05/2014, tendo-se em conta ainda que o decurso do período de suspensão da execução da pena (4 anos e 6 meses), fez com que começasse a correr novo prazo de prescrição, nos termos do no 2 do mesmo artigo, mesmo acrescentando aos 4 anos metade desse prazo, por força do disposto no art.º 126º, no 3, do CP, a verdade é que quando foi proferida decisão de revogação da pena, a 24/11/2021, já há muito a mesma se encontrava extinta por prescrição, ou seja, desde 27/05/2020, data em que se completaram os 6 anos resultantes da soma do prazo normal de prescrição e de metade desse prazo.
Estando extinta a pena de substituição, por prescrição, não podia logicamente o Tribunal a quo voltar a apreciar e decidir sobre se a mesma se encontrava ou não extinta, ou se havia ou não fundamento para a sua revogação, nos termos e para os efeitos, respetivamente, do disposto nos art.ºs 57º, no 1, e 56º do CP.
Razão por que irá ser concedido provimento ao recurso interposto pelo condenado, declarando-se extinta a pena de substituição por prescrição, ficando assim também logicamente prejudicada a apreciação da terceira questão por aquele suscitada, de saber se ocorriam ou não nos autos os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.”
Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo: 63/96.1TBVLF.C1
Data do Acórdão: 04-06-2008
Sumário:
III. – A pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como “[…] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” – (Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Noticias, 1993,90);
IV. - A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.
V. – Sendo a suspensão da execução da pena sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta estas podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redacção em vigor na data da decisão condenatória).
VII. – Tendo sido aplicada uma pena suspensa em substituição de uma pena de prisão (pena principal) o decurso do prazo não começa a correr enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição);
VIII. – A suspensão da execução da pena constitui-se, assim, como causa de suspensão da pena principal, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal o que equivale a dizer que só com a decisão que revogue a pena de substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal;
IX. – As penas de substituição, como verdadeiras penas, encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º Código Penal.
12 - Lê-se ainda neste Acórdão
Diz-nos Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466): «Em relação à versão originária, notam-se agora as referências às medidas de segurança (…) Nota-se ainda, na al. c), do n.º1, a eliminação de referências à liberdade condicional, ao regime de prova e à suspensão da execução da pena. Quanto à primeira, a CRCP não viu razão plausível para que constitua fundamento de suspensão; quanto à segunda e à terceira por se tratar de casos de cumprimento de pena, que portanto cabem na primeira parte do preceito.»
Anteriormente, Figueiredo Dias, reportando-se à alínea b) do artigo 123.º, n.º1, na versão originária do Código Penal de 1982, observava: «(…) a actual al. b) do art. 123.º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito» (ob. cit., p. 715).
(...)
3.2.2. Não acaba aqui, porém, a matéria da prescrição.
É que, se a pena principal não prescreveu, importará indagar se a pena de substituição, quando revogada, já não teria prescrito, questão que é de conhecimento oficioso.
Trata-se de matéria pouco tratada, mas de inegável importância, a merecer algumas reflexões.
(...)
Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.
13 - Também relevante o que se decidiu no:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 3130/10.7TXLSB-D.L1-3, de 11-12-2018, em que lê na parte analítca:

“Não persistem dúvidas que a intenção do legislador (na Lei n.º 94/2017 de 23/8) ao prescrever uma maior amplitude do regime de permanência na habitação, extinguindo a pena de substituição prisão por dias livres aqui concretamente aplicada por sentença transitada em julgado, não foi a de amnistiar muito menos de descriminalizar as condutas em causa, sequer de atingir o carácter exequendo da pena determinada por decisão jurisdicional com força de caso julgado.
Na verdade, tal como aponta o Art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, a nova lei que atenua as consequências jurídicas que ao facto se ligam, nomeadamente a pena ou os efeitos penais do facto, adequa-se a uma aplicação retroactiva mas com ressalva dos casos julgados. Esta solução encontra-se em conformidade com o princípio constitucional consagrado no Art.º 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, de acordo com a cláusula de razoabilidade com que tem sempre de ser interpretada a lei constitucional, “não podendo dizer-se que a restrição da retroactividade in bonam partem às sentenças ainda não transitadas diminua o «conteúdo essencial» do preceito constitucional constante da última parte do art. 29.º-4 da CRP” – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 202.
Certo é que esta lei de alteração do Código Penal mencionada – Lei n.º 94/2017 de 23/8 – veio contemplar um mecanismo suavizador deste efeito de aplicação no tempo da lei mais benéfica, em disposição transitória que se tornou já clássica para casos idênticos (v.g. alargamento dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão), que permite a reabertura da audiência de julgamento solicitada pelo condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, para aplicação do novo regime de permanência na habitação – assim, o n.º 1 do Art.º 12.º dessa mesma Lei.
Sendo que idêntico regime é aplicável à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do mesmo Art.º 12.º da Lei n.º 94/2017.
Ora, se o legislador prevê esta possibilidade mesmo para além do trânsito em julgado é porque não se parte do princípio de que o crime em causa pudesse estar descriminalizado ou de alguma forma exista um impedimento legal, por falta de regulamentação, para a sua execução penal na sua plenitude. A lei revogatória do regime penal não impossibilita a continuação da sua aplicação aos casos pretéritos, tanto na sua índole penal substantiva (caso do Art.º 44.º do Código Penal), como na sua perspectiva regulamentadora ou processual (caso do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009 de 12/10) (CEPMPL).
Pois, tal como já se considerou jurisprudencialmente, ainda no momento da determinação da sanção, sendo inaplicável o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tanto de acordo com a versão do Art.º 44.º do Código Penal em vigor à data dos factos (LA) como na versão do Art.º 43.º do Código Penal introduzida pela mencionada Lei n.º 94/2017, actualmente em vigor (LN), e considerando ainda que a LN deixou de prever a execução da prisão por dias livres (bem como o regime de semidetenção), concluímos que é a LA a que em concreto é menos favorável ao arguido, nos termos e para efeitos do estabelecido no Art.º 2.º n.º 4, do Código Penal. “Com efeito, em face da LN o arguido teria que cumprir a pena de 7 meses de prisão continuamente em meio prisional, o que é mais desfavorável ao arguido que as formas descontínuas de cumprimento da pena de prisão, pelo que do confronto entre o regime anterior e o actual resulta ser- lhe concretamente mais favorável a execução da pena de 7 meses de prisão por dias livres, nos precisos termos em que o decidiu o tribunal a quo”.
(...)
Tal como decorre do disposto no Art.º 467.º do Código de Processo Penal, erigido a um princípio de direito essencial, as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva, a qual não pode ser retirada senão por via das razões jurídicas e penais que se sobreponham constitucionalmente (amnistia, perdão, descriminalização ou prescrição).
(...)
O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, como decorre da decisão recorrida, mas tão só beneficiar de um regime de cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés da reclusão em estabelecimento prisional.
14 - O elemento histórico aponta no sentido da eliminação em 1995 da liberdade condicional, da pena suspensa, da prisão por dias livres e do regime de prova (numa altura em que não estava criada o RPH), impondo-se cotejar esta figura com outras para ver qual se aajusta melhor ao espírito do legislador.
15 - É pacífico, do que se apurou, que a colocação do recluso em liberdade condicional lhe mantém a categoria de recluso e que o mesmo se considera em cumprimento de pena, mesmo em liberdade.
16 - Vejam-se i.a.:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 037534, de 07-11- 1984:
“Sumário : O termo da liberdade condicional, pela sua conversão em definitiva, ocorre no termo do prazo fixado para a duração daquela liberdade condicional. Assim, e nesta data que se deve ter por expiada a pena.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Proc. 154/19.2GAFAF.G1
Data do Acórdão: 14-10-2019
I. É exigência do nº 1 do artigo 44º do CP que o Regime de Permanência na Habitação apenas seja aplicado na sequência de um juízo prudencial que conclua que tratar-se o mesmo do meio adequado e suficiente a serem alcançadas as finalidades de execução da pena de prisão e, caso nisso, o condenado consentir. II. Caso tal juízo prudencial seja no sentido de que o condenado possui os meios de, em liberdade, operar a sua reintegração, não deverá o mesmo ser colocado em meio prisional.
17 - Na doutrina, encontramos vários artigos com pertinência, a saber:
Código Penal com notas e comentários, de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, 2018 Comentário 9 ao art. 61.º - Liberdade Condicional:
9. O condenado condicionalmente pode ter de ficar em prisão preventiva noutro processo, pelo que transitará para este, ficando à ordem do mesmo como preso preventivo, mas regressando após a cessação da prisão preventiva ao processo onde a liberdade condicional foi concedida, para nele continuar a tramitação da liberdade condicional.”
Código Penal Anotado, Vol I, 4ª ed. 2014, os Conselheiros Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, afirmam nos comentários ao art. 61.º: Liberdade Condicional:
“Quanto à caracterização do instituto como mero incidente da pena (caso em que a liberdade condicional não poderá ultrapassar o limite da pena), ou então admitir que que o período em liberdade condicional ultrapasse o limite da pena (caso em que se torna necessário o consentimento do condenado), foi anotada na Comissão de Revisão a ideia de que a liberdade condicional ao ir para além do limite da pena, e ao ser aplicada pelo juiz de execução de penas, só muito dificilmente se pode conceber como incidente da execução. (...)
Figueiredo Dias, Direito penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, no 14º Capítulo dedicado à Liberdade Condicional, diz na pág. 428:
Ligado historicamente ao sistema dito «irlandês», «progressivo» ou «por períodos» de execução da pena privativa de liberdade2, o instituto assume, deste modo, um carácter de «última fase de execução da pena» a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada³ — de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. (negrito original).
O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos), vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições - substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão de execução da prisão e do regime de prova que lhe são aplicadas.”
18 - Com alguma utilidade pode ver-se no mesmo livro, na pág. 529: § 833
Com efeito, e por uma parte, prescindindo do consentimento do condenado a liberdade condicional torna-se, de mero incidente ou de simples forma de execução da pena, numa medida coactiva de socialização; o que, como já variamente acentuámos, não só tornará duvidosa a sua eficácia socializadora, como sobretudo implica a adesão a uma concepção político-criminal eminentemente contestável. E implica, no que aqui mais interessa, que, já depois de iniciada a execução da pena a que o agente foi condenado, esta é substancialmente modificada, sem que na modificação intervenha o seu consentimento ou (na generalidade das legislações) o juízo do tribunal da condenação, quando não mesmo o juízo de um tribunal tout court¹. Com isto fica próxima a afirmação de que a concessão da liberdade condicional ultrapassa de muito o âmbito de «incidente» ou «forma de execução» da pena a que o delinquente foi condenado, para se configurar como uma modificação substancial da própria pena decretada; sendo assim posto em causa aquilo que, com Anabela Rodrigues, pode chamar-se o «direito [do condenado] à pena», ou, com Lackner, o seu «direito a cumprir a totalidade da pena»³.”
19 - Pela autoridade que lhe advém de ser um Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional e porque tece considerações pertinentes, cita-se o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional 427/2009, que refere o Parecer n.º 104/90 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República:
«Fora do estabelecimento, o recluso não se assume, jurídica e materialmente, com liberdade incondicionada. As condições em que trabalhe, e os estabelecimentos de ensino que frequente, são consideradas necessariamente na aplicação do plano, e o resultado obtido constitui elemento relevante da evolução posterior. Mantém-se uma ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional: juridicamente, o recluso mantêm integralmente o respectivo estatuto, cumprindo ainda, e nesta fase, uma medida privativa de liberdade (?).
Na licença de saída do estabelecimento (diga-se, semi-liberdade), o estado detentivo continua a permanecer, ainda que diariamente intervalado pelo contacto com o ambiente externo; constitui, por isso, uma especial modalidade de execução, uma fase da execução da pena privativa de liberdade.» “ (negrito ora aposto).
Do texto do próprio Acórdão, consta também:
“Quando é concedida a liberdade condicional há uma alteração do conteúdo da sentença condenatória. Isto é, a sentença condenatória (deixa de ser); de privação da liberdade, já que a libertação condicional significa uma devolução do condenado à liberdade (sem prejuízo do que se dispõe no artigo 64.º, nº 1, primeira parte, do Código Penal). Por outro lado, à colocação em liberdade condicional pode mesmo corresponder uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória, face ao que se dispõe nos artigos 57.º, n.º 1, por remissão do n.º 1 do artigo 64.º, e 61.º, n.º 5, do Código Penal. E corresponderá necessariamente a uma alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória para os que defendem que, em caso de revogação, conta como cumprimento da pena de prisão o tempo em que o condenado esteve em liberdade condicional. - (negritos ora apostos, como os demais não ressalvados).
O que acaba de ser dito vale também para as saídas precárias prolongadas, tradicionalmente da competência dos tribunais de execução das penas (artigos 23.º, 3.º do Decreto-Lei n.º 783/79) e aí incluída no Código aprovado pelo Decreto n.º 366/X (artigo 79.º, n.º 1 'Licenças de saída jurisdicionais'). Neste tipo de saída do estabelecimento há também uma alteração do conteúdo da sentença condenatória, uma vez que o condenado é devolvido à liberdade durante uns dias. Traduz-se mesmo numa alteração do quantum de privação da liberdade determinado na sentença condenatória: o período de saída vale como tempo de execução da pena (artigo 54.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 265/79, na medida que exclui o desconto) e é descontado no cumprimento da sanção em caso de revogação (artigos 53.º, n.º 4, Decreto-Lei n.º 265/79).”
20 - E do texto do mesmo, lê-se ainda.
Ora, o cumprimento de pena em RPH permite saídas “em liberdade e sózinho” ao condenado para deslocações ao médico, tratamentos, diligências judiciais e trabalho, que pode ocupar todos os dias úteis de manhã ao fim da tarde ou no horário que se verifique.
Esta “facilidade” de circulação implica por um lado, uma total e sobretudo mais fácil prática de qualquer crime do que se estivesse a cumprir a mesma pena em estabelecimento prisional.
Por outro, e conforme se viu supra, não só o arguido em liberdade condicional pode passar a preso preventivo, tal como que cumpre RPH, como em ambas as situações é possível que ao arguido seja revogada uma suspensão de pena de prisão, como pode iniciar de imediato o seu cumprimento.
Com efeito,e sendo na prática perfeitamente possível, não parece muito curial que um arguido que iniciou o cumprimento de uma pena de 2 anos de prisão em RPH, vendo transitar 1 mês depois uma condenação numa pena de 4, 8 ou 16 anos de prisão, possa invocar que não pode ser colocado em estabelecimento prisional porque está a cumprir em RPH e por isso a nova condenação terá de aguardar 23 meses para ser cumprida.
Em abstracto, até seria possível haver mais que uma pena a cumprir em RPH na fila de espera, a cumprir em regime sucessivo, a se o critério fosse a ordem de trânsito, a nova pena relativo ao crime seguramente mais grave, tivesse de aguardar o seu cumprimento até final dos cumprimentos das RPH.
Certamente que os fins das penas, como a prevenção geral e especial e as demais reconhecidas, não se compaginariam com tal situação de compasso de espera, situação que aliás poderia gerar desigualdades processuais absurdas, já que as mesmas condenações na mesma data, dois arguidos veriam o cumprimento da sua pena iniciar-se, com passagem a estado de reclusão em momentos muito distantes, com manifesto benefício para o arguido que além desse crime, tivesse antes praticado outros crimes menores.
Da jurisprudência que se encontrou, encontraram-se alguns Acórdãos em que se refere o efeito suspensivo da prescrição decorrente do cumprimento de pena privativa de liberdade, mas todos referindo-se a estados de reclusão.
Dado que a generalidade de situações conexas com penas suspensas nunca são passíveis de apreciação pelo STJ, neste tribunal o mais que se encontram são considerações normalmente incluídas em pedidos de “habeas corpus”.
E assim, temos:
21 - A ver também, os: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 30/14.5YFLSB
Data do Acórdão: 28-05-2014
Que a providência de HABEAS CORPUS se não confunde com os recursos é consensual. Importa no entanto atentar na questão do tipo de relação a estabelecer com estes.
Desenham-se a tal propósito duas posições, procurando apurar-se o que está em jogo: “se uma tutela quantitativamente acrescida, na medida em que se refere a situações que não têm outra tutela, se uma tutela qualitativamente acrescida, na medida em que diz respeito a situações mais graves de privação da liberdade”(In Jorge Miranda – Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 344). A orientação jurisprudencial que este Supremo Tribunal vem defendendo aponta no primeiro sentido, o que foi também confirmado pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 423/03).
(…)
No caso dos autos, de acordo com o art. 122.º, nºs 1 e 2 do CP, a pena aplicada teria prescrito, à partida, ao fim de 4 anos, contados do dia em que transitar em julgado a decisão condenatória. Portanto, a 18/4/2010. Mas nos termos do art. 125.º, nº 1, al. c), do CP, o prazo de prescrição suspende-se se o condenado estiver a cumprir outra pena privativa de liberdade.
(…)
O arguido afirma quer não existem causas suspensivas ou interruptivas da prescrição mas tal não é o que resulta dos autos.
No Pº 708/08.2 GTABF, do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de ---, foi condenado a 10 meses de prisão, a cumprir em 60 períodos de regime de dias livres, com início no 4º fim de semana a partir do trânsito em julgado, que foi a 8/7/2008, portanto, desde 2/8/2008, tendo como data de extinção da pena 25/11/2009 (fls.33).
Assim, entre 2/8/2008 e 25/11/2009 o requerente esteve em cumprimento de pena privativa de liberdade. Ou seja, durante 1 ano 3 meses e 22 dias, tempo durante o qual operou a suspensão do prazo da prescrição da pena, prescrição que portanto só iria ter lugar a 9/11/2011, certo que a revogação da suspensão transitou a 20/5/2011.
Acresce que no Pº 1197/10.7GAOLH do 1º Juízo do mesmo Tribunal da Comarca de ---, o requerente foi condenado na pena de prisão efetiva de 6 meses de prisão em decisão transitada a 22/11/2010.
E no Pº 738/10. 4GCFAR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, em sentença cumulatória transitada em julgado a 19/10/2011, o requerente foi condenado a 12 meses de prisão (fls. 39 e 40).
Se prolongarmos o tempo de suspensão do prazo de prescrição por mais 1 ano e 6 meses, então esta terá tido lugar a 9/5/2012. Por maioria de razão depois de 20/5/2011.
Ora, embora o arguido só tenha sido detido para cumprimento de pena a 19/5/2014, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, como se viu, ocorreu a 15/4/2011 e transitou em julgado a 20/5/2011. Nesta última data, a pena suspensa não estava prescrita, entendendo-se, evidentemente, que a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena com autonomia, porque possui objetivos e características próprias, aplicando-se também a ela um prazo prescricional.”
Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 1 Jun. 2006, Processo 06P2055
Processo: 06P2055 JusNet 9482/2006
“Portanto o prazo prescricional respectivo extinguir-se-ia, normalmente, dez anos e alguns dias contados desde 21 de Janeiro de 1996, ou seja alguns dias (o tempo do trânsito em julgado da decisão respectiva), após 21 de Janeiro de 2006.
Porém, a normalidade de que se fala foi largamente perturbada com a circunstância de o requerente haver entretanto cumprido penas à ordem de outros processos, nomeadamente desde 9 de Julho de 1995 até 9 de Julho de 1999 à ordem do processo n.o 107/95 supra referido.

O que significa que pelo menos entre Janeiro de 1996 e Julho de 1999 a “prescrição da pena” esteve suspensa nos precisos termos do artigo 125.º, n.o 1, c), do Código Penal.”
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 182/06.8PTALM-A.S1
Data do Acórdão: 06-12-2013
III - No caso, importa considerar o seguinte:
- o requerente foi condenado numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, por ter praticado um crime de condução de veículo sem habilitação legal;
- a decisão condenatória transitou em julgado a 06-07-2007;
- esteve preso à ordem do Proc. n.º 9…, em cumprimento de pena desde 13- 12-2011 a 12-03-2012, ou seja 2 meses e 27 dias;
- por acórdão de 27-09-2011, do Tribunal da Relação, foi condenado a cumprir 6 meses de prisão por dias livres, em 48 períodos de 36 h, no Proc. n.º 4…;
- em 27-04-2011 o tribunal apurou que praticou um crime no período da suspensão e determinou a sua audição;
- foi ouvido no dia 06-06-2011;
- iniciou o cumprimento de pena em 31-10-2013.
IV -A pena de prisão aplicada ao requerente prescreve no prazo de 4 anos, começando o prazo a correr no dia em que transitar em julgado a decisão
que a tiver aplicado (art. 122.º, n.ºs 1, al. d), e 2, do CP). Por outro lado, dispõe o art. 125.º, n.º 1, do CP., ao referir-se à suspensão da prescrição da pena, que a mesma se verifica quando o condenado estiver a cumprir pena ou medida de segurança.
V - Assim, tal pena, enquanto suspensa, não pode ser executada durante o respectivo período de suspensão pelo que o decurso do prazo de prescrição se deve de ter como suspenso durante o mesmo, ex vi art. 125.º, n.º 1, al. a), do CP, ou seja, durante o período em que «por força da lei», a execução não pode ocorrer. Consequentemente, decorrido o período da suspensão da pena – enquanto causa de suspensão do prazo de prescrição – o prazo de prescrição volta a correr, ex vi art. 125.º, n.º 2, do CP («a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão»).
VI - Nesta conformidade, considerando o trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória – 06-07-2007 –, o período em que o requerente esteve detido (de 12-12-2011 a 12-03-2012) e decorrido o prazo de suspensão da pena de 18 meses – tempo durante o qual a pena não podia executar-se e, por isso, se suspendeu o respectivo prazo de prescrição – este mesmo prazo prescricional teve início em 06-04-2009, pelo que a pena prescreveu decorridos 4 anos, ou seja, em 06-04-2013.
VII - O cumprimento da pena de prisão foi decretado em 17-05-2013 quando se encontrava ausente fundamento legal. De facto, face ao disposto no art. 122.º, n.º 1, al. d), do CP, está prescrita a pena aplicada ao requerente, o que determina a procedência da providência de habeas corpus e a sua libertação imediata.
(…)
O requerente foi condenado numa pena de prisão de 7 meses, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, por ter praticado um crime de condução de veículo sem habilitação legal A decisão condenatória transitou em julgado a 6.7.2007.
A fis. 254 consta informação da DGRSP da qual se extrai que o condenado esteve preso à ordem do processo nº 930/07.9PGALM, do 30 Juízo Criminal de Almada em cumprimento de pena desde 13.12.2011 a 12.03.2012, ou seja dois meses e 27 dias.
Importa ainda realçar que o condenado por acórdão de 27.09.2011 do Tribunal da Relação foi condenado a cumprir 6 meses de prisão, por dias livres em 48 períodos de 36 horas, no processo nº 49/09.8PTALM DO 1º Juízo Criminal de Almada.
(…)
Lateralmente refira-se, ainda, que, contrariamente á decisão de revogação proferida no processo principal, não se vislumbra na eclosão do denominado incidente que visa a revogação da suspensão da execução da pena qualquer efeito interruptivo. Não é responsabilidade do requerente que os autos tenham estado sem qualquer andamento visível no presente translado entre 06/06/2011 e 09/01/2013.
Assim, face ao disposto no artigo 122 nº1 alínea d) do Código Penal, considera- se prescrita a pena aplicada ao requerente e determina-se a sua libertação imediata.”
22 - Parecendo pacífico que o motivo da suspensão da prescrição é a inviabilidade do cumprimento de duas penas em simultâneo e que a espera da segunda condenação em ser cumprida levaria à sua prescrição, sem que o Tribunal e demais entidades nada pudessem fazer, a tal sendo alheias, ainda por cima em situações causados pelo próprio condenado, seja pela sua ausência (contumácia), seja pelo cumprimento de penas por crimes que praticou.
23 - Neste sentido, pode, ver-se i.a. os seguintes Acórdãos:
Tribunal da Relação do Porto
Processo 284/12.1GDSTS-A.P1
09 Maio 2018
I - A pena de multa aplicada ao arguido prescreve em 4 anos contados do trânsito em julgado da decisão que a aplicou.
II - Estando, no entanto o arguido ainda ligada a outro processo em cumprimento de pena, verifica-se causa de suspensão da prescrição da pena de multa não paga – ainda que convertida, entretanto, em prisão subsidiária - nos termos do artigo 125.º/1 alínea c) C Penal.
(...)
Do que vimos dizendo se concluiu ser nosso entendimento que o cumprimento de uma pena privativa da liberdade constituiu causa de suspensão da prescrição de uma pena multa – ainda que convertida em prisão subsidiária –, nos termos do preceituado no artigo 125º número 1 alínea c) do Código Penal, razão pela qual se concorda com o entendimento vertido na decisão agora em recurso que, portanto, será de manter.”
Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 22 Abr. 2015, Processo Processo n.º 96/07.4 JAPRT-A.P1, JusNet 2274/2015, lendo-se no Acórdão:
2. Por acórdão datado de 24.10.2011, confirmado por acórdão desta Relação de 11.04.2012, transitado em julgado em 26.04.2012, proferido no Processo Comum n.º 215/10.3 JAPRT que corria termos pelo 3.º Juízo Criminal do (entretanto extinto) Tribunal Judicial de Matosinhos, entre outros, foi o mesmo arguido B... condenado pela prática, em 05.07.2010, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão;
3. Do cômputo dessa pena consta que o condenado esteve detido, ininterruptamente, à ordem do referido Processo n.º 215/10.3 JAPRT, desde 05.07.2010, tendo atingido o meio da pena em 05.12.2012, dois terços (2/3) em 25.09.2013 e estando o respectivo termo previsto para 05.05.2015;
(…)
A Sra. Juiz do tribunal a quo entendeu que sim, que tendo o recorrente iniciado, em 05.07.2010, o cumprimento da pena de 4 anos e 10 meses de prisão que lhe foi cominada no âmbito do Processo n.º 215/10.3 JAPRT, tal cumprimento determinou a suspensão da prescrição da pena (não especificando se aludia à pena de substituição, mas só podendo referir-se a esta), nos termos previstos no artigo 125.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, suspensão que se manteria porque ainda decorre o cumprimento dessa pena de prisão.
(…)
Para Paulo Pinto de Albuquerque (6) , quer a pena de cuja prescrição se trata, quer a outra pena cujo cumprimento é causa de suspensão da prescrição nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal têm de ser penas privativas da liberdade, explicitando assim a razão desse entendimento:
“A lógica do preceito do artigo 125.º, n.º 1, al.ª c) é esta: encontrando-se o condenado ou o internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão ou medida de segurança, o prazo de prescrição da pena e da medida de segurança não podia correr, porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade”.
Tal entendimento foi perfilhado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 19.02.2015 e da Relação de Évora, de 20.09.2011 (7) e neste assumiu-se, expressamente, a opinião do autor citado ao expender-se que “o art. 125º, nº 1, al. c) do CP deve interpretar-se no sentido de se considerar que apenas o prazo da prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade”.
(…)
O jurista que interpreta uma disposição normativa há-de ter sempre em vista o escopo da lei, ou seja, o resultado prático que com ela se almeja.
É a isso que se chama a “teleologia da norma” ou “ratio legis”, o fundamento racional objectivo da norma, factor hermenêutico geralmente considerado decisivo na determinação do sentido da norma.
Ora, a razão de ser do preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal é, se bem pensamos, a de evitar que continue o correr o prazo de prescrição de uma pena (seja ou não privativa da liberdade) que não pode ser executada porque o condenado está a cumprir uma (outra) pena privativa da liberdade.
(…)
A pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, exigindo um juízo de prognose positivo relativamente ao comportamento futuro do condenado, ou seja, um juízo favorável à sua reintegração na sociedade e a expectativa fundada de que ele não reincidirá na prática de crimes, também requer que, durante a sua execução, o condenado se encontre em liberdade, o que é particularmente evidente se a suspensão for acompanhada de regime de prova.”
Tribunal da Relação de Coimbra
Processo 16/11.1PFCLD.C1
25 Setembro 2019
I - Estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva que impõe, necessariamente, determinadas obrigações, sendo a mais restritiva delas a privação da sua liberdade, não se mostra lógico e compatível com a ratio do cumprimento desta pena de prisão, o cumprimento em simultâneo, em regime cumulativo, de uma pena de prestação de trabalho, que importa igualmente determinadas regras e obrigações inerentes a esta prestação.
II – O legislador não limita ou restringe, no artigo 125º, nº 1, al. c), do Código Penal, a situação de suspensão da prescrição tão só às penas privativas de liberdade, sendo o preceito mais abrangente, englobando outras penas que não só as de prisão.
III – Estando o arguido a cumprir pena de prisão efetiva, pode e deve ser-lhe deferido o início do cumprimento da prestação de trabalho para momento posterior ao cumprimento da pena de prisão, suspendendo-se o prazo de prescrição desta pena, durante o período em que está impossibilitado de o prestar.
(...)
Do que vimos dizendo se concluiu ser nosso entendimento que o cumprimento de uma pena privativa da liberdade constituiu causa de suspensão da prescrição de uma pena multa – ainda que convertida em prisão subsidiária –, nos termos do preceituado no artigo 125º número 1 alínea c) do Código Penal”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora Processo: 690/10.6GCFAR.E1
Data do Acórdão: 26-09-2017
Sumário:I – De acordo com o artigo 125.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, apenas a prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade;
II – Donde, o prazo de prescrição de pena de multa não se suspende com o decurso do cumprimento de pena de prisão.
24 - Lê-se na parte analítica do Acórdão:
10 – No dizer de Jorge de Figueiredo Dias (em «Direito Penal – Parte Geral», Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, pág. 190):
«Decisivo será assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro lado que ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema».
25 - Como assinala Paulo Pinto de Albuquerque (no «Comentário do Código Penal», Universidade Católica Editora, 2008, pág. 338 e 2010, pág. 386), reportando as actas da Comissão Revisora do CP e os trabalhos de revisão do CP, designadamente da reforma levada em 1995, «encontrando-se o condenado […] privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão […], o prazo de prescrição da pena […] não podia correr porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade».
26 - Assim, a ratio da normação em referência reporta à impossibilidade de cumprimento simultâneo de duas penas de prisão.
27 - A ver também:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo: 96/07.4JAPRT-A.P1
Data do Acórdão: 22-04-2015
Sumário:I – Tratando-se de uma pena de suspensão da execução da prisão, o período de suspensão inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória que a aplica, sendo esse também o termo inicial do prazo de prescrição da pena.
II – Estando em execução a pena substitutiva, só com o trânsito em julgado da decisão que revogue a suspensão e determina a execução da pena de prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena.
III – A “outra pena” a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 125.º do Cód. Penal, cujo cumprimento é causa de suspensão da prescrição da pena, é uma pena aplicada ao mesmo condenado no âmbito de outro processo.
IV – A razão de ser do preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 125.º do Cód. Penal é a de evitar que continue o correr o prazo de prescrição de uma pena (seja ou não privativa da liberdade) que não pode ser executada porque o condenado está a cumprir uma outra pena privativa da liberdade.
V – Não é, apenas, o cumprimento simultâneo de duas penas privativas da liberdade que se revela incompatível. Com a exceção da pena de multa, essa incompatibilidade também existe entre o cumprimento de uma pena privativa da liberdade e uma outra qualquer pena de substituição.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora
Processo: 717/02.5 GBABF-A.E1
Data do Acórdão: 20-09-2011
Sumário:1. O art. 125º, nº 1, al. c) do CPP deve interpretar-se no sentido de se considerar que apenas o prazo da prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade.
2. Assim, o prazo prescricional da pena de multa corre durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir pena de prisão.”
28 - Lê-se ainda no Acórdão:
“Assim, a questão passa por saber se este preceito deve ser interpretado no sentido de “a prescrição da pena privativa da liberdade suspende-se durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade”. Ou, antes, lendo-se “a prescrição de qualquer pena suspende-se durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade”.
No primeiro caso - “a prescrição da pena privativa da liberdade suspende- se… - o art. 125º, nº1 al. c) não abrangeria a pena de multa, verificando-se a suspensão do prazo prescricional prevista nesta alínea apenas relativamente a penas privativas de liberdade, que, estas sim, não podem ser executadas quando o condenado se encontra “impedido”, em cumprimento de uma outra pena também ela privativa de liberdade.
No segundo caso – a prescrição de toda e qualquer pena suspende-se… - também o prazo prescricional da pena de multa não correria durante o período de cumprimento de pena privativa da liberdade. Literalmente, a redacção da norma comporta os dois sentidos.
Não podemos, pois, socorrer-nos apenas do elemento literal de interpretação para lhe encontrar o verdadeiro alcance.
Aliás, ultrapassado este “momento inicial”, importa sempre que “a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro que ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema” (Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 2004, p. 178).
O elemento histórico convida-nos a recuar às Actas da Comissão Revisora do CP (1965, p. 238) e à redacção inicial do CP 1982 que, no seu então art. 123º, nº1, al.b), dispunha: “a prescrição da pena suspende-se … durante o tempo em que o condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em regime de prova, ou com suspensão de execução de pena”.
Este segmento final veio a ser suprimido na Reforma de 1995, ou seja, estas penas de substituição, não privativas da liberdade, deixaram de ser relevantes para efeito de suspensão de prazo prescricional de pena. Concorda-se, pois, com Paulo P. Albuquerque quando identifica como lógica do art. 125º, nº1, al. c) a seguinte: “encontrando-se o condenado ou o internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão, o prazo de prescrição da pena não podia decorrer porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade”
(Comentário do CP, 2010, p. 386).
O elemento sistemático aponta, também, neste mesmo sentido.
Existe, como se vê, uma escala de concordância abstracta entre a gravidade da pena e a vida da pena como decisão ainda exequível. À pena de multa corresponde o prazo prescricional, justificadamente mínimo, de quatro anos. O prazo prescricional máximo, de vinte anos, está reservado para penas de prisão superiores a dez anos. Testando os resultados práticos, a que conduziria a solução contrária à que consideramos correcta, uma pena de multa de €50 poder-se-ia manter activa por vinte anos, sempre que o condenado estivesse preso durante tal período.
E não encontramos justificação, no plano dos princípios, para esta construção hermenêutica.
É, hoje, inquestionável que as normas que disciplinam os prazos prescricionais, a sua suspensão e a sua interrupção são normas processuais penais de conteúdo material, por contraposição às normas processuais formais, na medida em que produzem efeitos jurídico-materiais, ou seja, “condicionam a efectivação da responsabilidade penal” (Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2008, p. 252).
E sendo o art. 125º do CP uma norma processual material, apenas consente interpretação de acordo com as regras e princípios de interpretação reservados ao direito substantivo. Tem de respeitar as regras e os limites da interpretação admissível em direito penal.
Ora, a interpretação seguida na decisão recorrida alarga o alcance da norma, dela resultando consequências in malem partem. E a “fronteira da punibilidade legalmente prescrita não pode ser modificada em desfavor do agente” (Hirsch, cit. por Costa Andrade, RLJ, ano nº 3926, p. 130)
Por tudo, se conclui que, de acordo com o art. 125º, nº 1, al. c), apenas a prescrição da pena privativa da liberdade se suspende durante o tempo em que o condenado estiver a cumprir outra pena privativa da liberdade. Esta a interpretação conforme à Constituição, respeitadora dos princípios constitucionais da legalidade, da necessidade e da proporcionalidade (arts 18º, nº2, 29º, nºs 1 e 2 e 30º, nºs 1 a 3 CRP), “funcionalmente justificada”, por “adequada à função que a regulamentação assume no sistema”.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo: 1422/08.4PBAVR-A.P1
Data do Acórdão: 22-02-2017
Sumário:I - A suspensão de execução da pena de prisão constitui pena autónoma que passou a ser em si um caso de cumprimento ou execução da pena.
II – O prazo de prescrição, da pena suspensa, interrompeu-se (artº 126º1 a) CP) com a execução desta que começou a correr desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
III – A pena suspensa é uma pena, pela própria natureza, de execução em liberdade, pelo que a sua execução fica comprometida se o condenado não se encontrar em liberdade, como acontece se estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativa da liberdade (artº 125º1 c) CP).
29 - Ainda com alguma pertinência pelo que implicam as suas considerações,
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora
Proc. 73/12.3GDABT.E2 Data do Acórdão: 02-07-2019
I – Não constitui causa de suspensão da prescrição da pena de prisão por dias livres, a situação de doença grave do condenado que determinou que fossem julgadas justificadas as suas sucessivas faltas à apresentação no estabelecimento prisional.
Como se faz notar no supra referenciado Acórdão do TC, n.º 625/2013 «Com esta causa de suspensão relevam-se as condicionantes legais que possam impedir o início ou a continuação do cumprimento da pena. Designadamente, a necessidade do prosseguimento, por imposição da própria lei, de um determinado programa processual que é incompatível com o simultâneo cumprimento da pena, justifica que, durante o respetivo período, não conte o prazo de prescrição estabelecido. Nessas situações, o tempo que corre não é fator de esquecimento da pena, antes mantém viva a sua existência, por força da pendência ativa desse procedimento conducente à sua execução, mas impeditivo do seu início ou continuação.»
30 - Na Revista do Ministério Público, nº 171, Jul-Set. 2022, o Juiz e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais, Dr. Pedro Gama da Silva, na pág. 134/5, na principal obra que se encontrou dedicada ao assunto, escreve:
“A suspensão de execução da pena de prisão é uma pena, pela própria natureza, de execução em liberdade. A sua execução fica comprometida se o condenado não se encontrar em liberdade, como acontece se estiver a cumprir pena ou medida de segurança privativa da liberdade. Se isso ocorrer, o cumprimento dessa “outra” pena é causa de suspensão da prescrição nos termos na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do CP(73).
Na falta de outras causas de suspensão ou interrupção, decorridos quatro anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado e o eventual período de prorrogação, sem que a suspensão tenha sido revogada ou extinta, a pena de suspensão prescreve.
A execução da pena de suspensão constitui, por sua vez, causa de suspensão da pena principal de prisão, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do CP. Só com o trânsito em julgado da decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição dessa pena principal.
Sem essa revogação, não se inicia o cumprimento da pena principal de prisão.
O despacho que revoga tal pena e determina o cumprimento da pena principal (de prisão) tem de ser proferido - e transitar em julgado - antes da prescrição de tal pena de substituição.
Uma vez decorrido o período de suspensão de execução da pena de prisão, a pendência de incidente por incumprimento dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, impede a extinção da pena, contudo, apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional74). “
31 - No Código Penal com notas e comentários, de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, 2018
Comentário 9 ao art. 61.º - Liberdade Condicional:
Art. 125.º
2. (...) Se o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade, concluiremos com Pinto de Albuquerque, 105, p. 490, que “encontrado-se o condenado ou internado privado da liberdade em cumprimento de outra pena de prisão ou medida de internamento, o prazo de prescrição da pena e da medida de segurança não podia correr, porque ele não poderia ser simultaneamente submetido a duas sanções privativas da liberdade”.
E desta forma, “o cumprimento de medida de segurança privativa de liberdade suspende a prescrição da pena e da pena e da medida de segurança. O cumprimento de sanção privativa de liberdade não inclui o tempo em que o internado esteve a cumprir uma sanção substitutiva (suspensão da execução do internamento), nem inclui o período de liberdade para prova”, Pinto de Albuquerque, 2010, p. 386. “
32 - Podemos ainda ver Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, reimpressão Almedina 1982 e 1989, pág. 204
“A noção de suspensão e interruppção é a mesma na prescrição da punibilidade e na prescrição da pena. O momento em que se verificam as suas causas é que diverge, porquanto a prescrição da punibilidade tem lugar antes de haver sentença condenatória com trânsito em julgado, e a prescrição da pena na sua execução só tem lugar após a sentença condenatória com trânsito em julgado.
Os casos de suspensão do prazo de prescrição da pena são os indicados, de uma maneira geral, no n.° 1 do art. 123.°, onde se começa por referir «os casos especialmente previstos na lei», sem os apontar. Para além desses casos, o prazo de prescrição suspende-se quando a execução não possa ter lugar «por força da lei», o que vem a ser fórmula semelhante à que consta do corpo do n.° 1 do art. 123.0; aquilo que se assevera firmemente é que a suspensão tem de depender directamente de preceito legal que a imponha, e não caber por isso ao foro judicial criar ou justificar causas de suspensão não especialmente previstas.
Causas de suspensão directamente previstas, quanto à pena de prisão, são as da alínea b) do citado art. 123.9, no 1: haverá suspensão durante o tempo em que «o condenado esteja a cumprir outra pena (de prisão) ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena», Quer dizer, haverá suspensão sempre que o condenado esteja a cumprir uma pena de prisão — ou medidas penais que constituem modificação da execução da pena de prisão.”
33 - Verifica-se assim que apenas uma interpretação que não inclua o cumprimento da pena de prisão em RPH respeita o conteúdo do art. 125.º nº 1 al. c) do Código Penal, violando o despacho recorrido o estatuído neste dispositivo - ao que acresce que quando nestes autos se tomou conhecimento da situação de RPH já se mostrava prescrita a pena.
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
34 - À cautela, impõe-se também analisar o despacho recorrido também no seu conteúdo.
DESPACHO-SENTENÇA
35 - Urge carrear o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Proc. 312/09.8YFLSB, de 15-04-2010, que fixou a seguinte jurisprudência:
“I — Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.”
36 - E no citado Acórdão, a propósito do cotejo da decisão da revogação da suspensão da pena com uma sentença, lê-se sob o título:
“Fundamentação:
f) «O paralelismo com a sentença é, nestes casos, flagrante, visto que a decisão é precedida de actos que se aproximam de um julgamento, como a produção de prova e a presença do condenado. Outra manifestação, ainda que em plano diferente, do paralelismo ou aproximação entre a sentença e o despacho de revogação da suspensão pode ser vista na fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto de ambas as decisões - artigo 408.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea c). É ainda significativo que, como se nota no referido Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, alguns dos actos ressalvados na segunda parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal são de menor gravidade pessoal para o arguido; do que o despacho de revogação da suspensão da pena. Estão seguramente nesse caso as decisões que aplicam algumas medidas de coacção, como, por exemplo, as concretizadas em obrigações ou proibições no âmbito dos artigos 198.º e 200.º do CPP, que têm
implicadas apenas suportáveis restrições da liberdade, e a decisão instrutória, que envolve um mero juízo indiciário com a simples consequência de sujeitar o arguido a julgamento. Perante tudo quanto acabou de dizer-se, só pode concluir-se que o texto da lei, falando apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena»;
37 - De referir que o aludido nº 9 passou a nº 10 com a redação da Lei 20/2013, de 21/02.
38 - Daqui resulta que todos os requisitos legalmente impostos a uma sentença, são também exigidos à decisão de revogação da suspensão.
NULIDADE POR INSUFICIÊNCIA DE FACTO
39 - A decisão proferida padece de vício de insuficiência de matéria de facto.
40 - Com efeito, a decisão recorrida, sobre as condições pessoais e o seu percurso de vida, nada diz, é TOTALMENTE OMISSA, sendo que as condições pessoais à data da apreciação da revogação da suspensão da pena ou a sua extinção constituem algo essencial para uma adequada decisão pelo Tribunal, pelo que se verifica a insuficiência da matéria de facto referida no art. 410.º 2 a) do CPP.
41 - Sobre a questão de saber se o não apuramento das condições pessoais acarreta ou não o vício apontado, decidiram os seguintes Acórdãos:
1) Ac. do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 701/16.1PAPTM.E1, de 2016- 12-06:
IV - Ora, o tribunal recorrido não procurou indagar de modo mais fundamentado das condições de vida do arguido/recorrente e nem encetou o menor esforço nesse sentido. Aliás, pura e simplesmente nada fez. Nem sequer se socorreu do instrumento a que se refere o artigo 370.º, nº1 do CPPenal
V - No caso concreto, ficou-se completamente aquém do razoavelmente exigível, carecendo a sentença recorrida de elementos que habilitassem o tribunal recorrido a, conscienciosa e seguramente, levar a bom termo o procedimento de determinação individualizada da pena, dentro dos parâmetros legais, pelo que a sentença enferma, nesta parte, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
VII - Estando apenas em causa a produção de prova suplementar ainda não produzida e em relação à qual o tribunal recorrido ainda não assumiu posição, em vez do reenvio do processo para novo julgamento, cingido à investigação dos factos relativos à situação pessoal e económica do arguido, nos termos dos artigos 426.º, n.º 1 e 426.º-A, do CPPenal, entende-se dever antes ser anulada a sentença e ser o mesmo tribunal que realizou o julgamento a reabrir a audiência para aquele efeito. (disponível em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/701-2016-116283783).
2) Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 218/21.2GCCVL.C1, de 01-06-2022:
I – A matéria sobre as condições pessoais do arguido e sua situação económica – [cf. al. d), do n.º 2, do artigo 71º do Código Penal], é essencial para as próprias opções, em sede de penas, tomadas pelo tribunal. II – Esse relatório não é obrigatório mas é peça essencial para a operação da determinação da medida da pena, sobretudo em casos em que se cogita a aplicação de penas privativas de liberdade relativamente a um arguido não presente em audiência e estando ele à completa revelia do processo. III – A não realização de relatório social não acarreta o cometimento de qualquer nulidade ou mesmo de qualquer irregularidade. IV – Porém, a falta de elementos probatórios bastantes, que pudessem ser veiculados através desse relatório social aos autos, por forma a poderem vir ancorar a espécie e medida da pena a aplicar, poderá constituir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP]. V – Nessas circunstâncias, impõe-se a anulação da sentença e a reabertura da audiência para a determinação da sanção (artigo 371º do CPP), a realizar pelo mesmo Tribunal, assente que este reenvio parcial tem por objectivo evitar a repetição do julgamento perante o mesmo Tribunal que já tomou posição anterior sobre a valia da prova produzida. (disponível em https://trc.pt/condicoes-pessoas-e-economicas-do-arguido-relatorio-social- insuficiencia-para-a-decisao-da-materia-de-facto-provada-supressao-do-vicio- pelo-tribunal-que-determinou-a-culpabilidade-do-arguido/).
3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 506/10.3GBLSA.C1 , de 09-03-2016:
IV - Faltando elementos de facto, designadamente, os relativos à personalidade do arguido e condições da sua vida, que permitam determinar com objetividade e justiça a medida concreta da pena e decidir da suspensão ou não da execução da pena de prisão, e resultando do texto da sentença recorrida que ficaram por realizar diligências por parte do tribunal, que poderiam completar ou melhorar a factualidade apurada, é de concluir que a decisão recorrida enferma do vício a que alude a alínea a), n.º2, do art.410.º do C.P.P..
4) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Proc. 68/20.3GBVNG.P1, de 24-09- 2020:
I - Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal, se na sentença nada se refere quanto às condições pessoais do arguido.
5) Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 268/08.4GELSB.C1 , de 05-11-2008:
III. – Não tendo o tribunal indagado das condições pessoais (familiares) e económicas do agente verifica-se o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código Penal.
6) Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 108/18.6GAEPS.G1 , de 10-07-2018:
I) Na decisão relativa à determinação da medida da pena privativa de liberdade e à suspensão da respetiva execução terá sempre um papel relevante, ainda que não necessariamente determinante, a consideração das chamadas “condições pessoais” do arguido, as quais podem englobar, entre outros aspetos, o seu enquadramento familiar, a sua inserção laboral, a sua situação económico- financeira, o seu nível de escolaridade e de formação profissional, eventuais problemas de saúde física e psíquica, existência de hábitos de consumo de estupefacientes, álcool ou substâncias semelhantes e, se for esse o caso, os esforços que tenha empreendido no sentido de superar essas adições.
II) Pese embora não seja obrigatória a solicitação de relatório social, este elemento constitui, muitas vezes, um elemento relevante para a averiguação das condições pessoais do arguido, importando avaliar, caso a caso, da pertinência e necessidade de se proceder à sua elaboração.
III) Quando a averiguação das condições pessoais do arguido se configurar como indispensável à boa decisão da causa, no tocante à determinação da sanção, a ausência dela acarreta a verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
7) Ac. de Tribunal da Relação de Évora, Proc. 13/15.8GIBJA.E1, de 26 de Maio de 2020:
I – Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal não apurou as condições pessoais e a situação económica dos arguidos com vista à fixação da indemnização que arbitrou a favor das ofendidas e a cujo pagamento condicionou a suspensão da execução da pena de prisão, nem indagou da situação económica das ofendidas. (disponível em https://vlex.pt/tags/insuficiencia-a-decisao-da-materia-facto-provada-486920).
42 - Forçoso parece assim concluir, na esteira dos Acórdãos citados, pela nulidade decorrente da insuficiência da matéria de facto, a suprir pelo Tribunal a quo.
NULIDADE POR FALTA DE EXAME
43 - A alteração ao CPP de 1998 veio introduzir a obrigatoriedade do exame crítico das provas, no quadro do dever de fundamentação.
44 - Sobre esta matéria, pela sua autoridade e clareza, citam-se os seguintes Acórdãos do STJ:
1) Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 18 Dez. 2019, Processo 733/17.2JAPRT.G1.S1:
“VIII - Consistindo esse «exame crítico» na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
IX - A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, aí se incluindo o exame crítico da prova, deve ser completa e abranger TODAS AS PROVAS constituídas ou administradas no processo, nelas se incluindo, obviamente, aquelas que foram determinadas pelo próprio tribunal, relevantes e necessárias para o objecto da prova – existência ou não existência do crime, punibilidade ou não punibilidade do agente e determinação da pena (art. 124.º do CPP).
XV - Reafirmando-se que a determinação pelo Tribunal da realização daquelas perícias tem pressuposto o entendimento de que elas eram relevantes para a decisão da causa, a sua omissão na fundamentação da matéria de facto atesta a falta de exame crítico que redunda em nulidade da decisão.
XVI - A apontada fundamentação insuficiente determina a nulidade da decisão, nos termos dos art. 379.º, n.o 1, al. a), e 374.º, n.o 2, do CPP , estando vedado o seu suprimento por este STJ por se tratar de facticidade e valoração da prova, não lhe competindo substituir-se ao julgador na convicção que deva formar sobre a prova produzida.
2)Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 30 Set. 2020, Processo 195/18.7GDMTJ.L1:
“Resulta das disposições conjugadas dos arts. 374º, no 2 e 379º, no 1, al. a), do CPP, que é nula a sentença que não contiver a enumeração dos factos provados e não provados, e que não contiver a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Este dever de fundamentação emerge directamente de um dever constitucional (cfr. art.º 28º, da CRP), exigindo mais que a simples enumeração dos meios de prova, um “exame crítico” desses meios de prova.
Esta exigência do exame crítico que foi aditada no 2 do art.º 374º pela Lei no 59/98 de 25 de Agosto, visou, por um lado, o respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado constitucionalmente, permitindo intraprocessualmente aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que enformou a decisão sobre a matéria de facto, pela via do recurso, assim como o dever de fundamentação garante que o tribunal não procedeu a uma ponderação arbitrária das provas.
O exame crítico das provas conforme tem sido tratado pela doutrina e jurisprudência constitui uma noção de dimensão normativa, indicando-nos a lei que o julgador deve fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, com a “indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. A integração desta noção normativa aponta para uma complexidade de elementos que se hão-de retirar sobretudo da realidade da vida e das regras de experiência comum, sendo essencial que o julgador esclareça os destinatários da sentença qual o “substrato racional”
que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido, ou porque valorou de determinada forma os diversos meios de prova , ou a razão porque uns mereceram credibilidade e outros não. Ou seja, o julgador terá de explicitar o porquê da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que serviu de suporte à formação da sua convicção.
3) Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 19 Jun. 2019, Proc. 881/16.6JAPRT-A.P1.S1:
O exame crítico das provas imposto pela Lei no 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)
4) Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 19 Fev. 2020, Proc. 118/18.3JALRA.C1.S1:
O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. ( v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)
5) Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 27 Mar. 2019, Processo 114/15.2GABRR.L2.S1:
O exame crítico das provas imposto pela Lei no 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.(v. Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209)
6) Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 07P4565, de 16-01-2008:
XV - O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01).
45 - Embora crendo estar já tudo dito, pelas suas especificidade e abrangência, transcrevem-se alguns excertos de Acórdãos de Tribunais da Relação:
1) Ac. do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, Proc. 220/09.2GAGLG.E1, de 06.11.2012:
“O exame da prova é a análise de TODAS as provas, mesmo daquelas de que nada de útil se retirará. Se determinada prova se apresenta como irrelevante, há que dizê-lo, pois só assim a sentença revela que o tribunal conheceu e apreciou todas as provas.
(...)
Por tudo se conclui que a sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (art. 379º, nº 1-a) do Código de Processo Penal), devendo ser substituída por outra que proceda ao exame de todas as provas produzidas e/ou examinadas em audiência, nos moldes referidos. (disponível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/3e800360776b7d098fb559a6130e326 eb7cd4ffc23c85770a5528a434bb5a6a5)
2) Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 708/15.6T9CBR.C1, de 24-04- 2019:
O exame crítico das provas corresponde à indicação das razões pelas quais e em que medida o tribunal valorou determinados meios de prova como idóneos e credíveis e entendeu que outros em sentido diverso não eram atendíveis, explicitando os critérios lógicos e racionais que utilizou na sua apreciação valorativa, e que permite, assim, aferir a concreta utilização que o julgador fez o princípio da livre apreciação da prova.
Não cumprindo o tribunal de julgamento o dever de se pronunciar sobre os factos, omite aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade. O tribunal de julgamento, ao não determinar, de acordo com a prova produzida, a verificação ou não verificação de factos que, ainda que a título instrumental, se mostram relevantes para o processo de inferência efectuado no âmbito da prova indirecta em que assentou a demonstração da matéria relativa aos pressupostos do crime imputado ao recorrente, funcionando como contra- indícios de uma hipótese alternativa destinada a neutralizar aquela inferência, está a omitir um dos aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade. A matéria alegada na contestação e discutida no julgamento reveste relevância para a decisão, pelo que, a mesma deveria ter sido apreciada na sentença e levada ao elenco factual que, em função da ponderação probatória que efectuou, o julgador considerou provado ou não provado e a omissão constitui fundamento de nulidade da sentença recorrida.
3) Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 72/11.2GDSRT.C1, de 14-01-2015:
“VII - A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença.
4) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 25.01.2017, Proc. 30/16.0GACPV.P1:
“Há falta de fundamentação da sentença se esta se resume a enumerar e a elencar os meios de prova de que o tribunal se serviu para formar a sua convicção.” (sendo que no caso concreto, nem isso sucedeu).
5) Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.11.2019, Proc. 36/15:
Mais concretamente, através do exame crítico das provas, o julgador enuncia as razões de ciência dos vários meios de prova, explicita a razão da opção por uma e não por outra das versões em confronto e indica os motivos da credibilidade que atribuiu a DEPOIMENTOS, A DOCUMENTOS, A EXAMES, etc.
43 - Para completar, apenas breve alusão a três artigos publicados sobre a questão em apreço:
1) CEJ - PROCESSO E DECISÃO PENAL
NOV 2019
Citações:
“No sentido da ausência de uma tal nulidade, foi decidido que “a nulidade decorrente da não observância do preceituado no artigo 374.º, do CPP, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorretas ou passíveis de censura as conclusões a que, através dele, o tribunal a quo chegou” – Ac. TRG, de 23-03-2015, P.º 863/11.4GAFAF.G1.
Publicação disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=BrFTKP0QFuQ%3D&porta lid=30.
2) EM BUSCA DA FUNDAMENTAÇÃO PERFEITA
A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA PENAL NUMA PERSPECTIVA GARANTÍSTICO-CONSTITUCIONAL
SARA DANIELA FIGUEIREDO RESENDE MENDONÇA
ORIENTADOR: PROFESSOR DR. PEDRO GARCIA MARQUES
Março 2014
“Também no âmbito do Código de Processo Penal, a revisão que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1999 veio reforçar o dever de fundamentação. Assim, o n.º 2 do art. 374.º dispõe hoje, a propósito dos requisitos da sentença que ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A alteração introduzida, proposta por Germano Marques da Silva no seio da Comissão Revisora, ao obrigar o tribunal ao exame crítico das provas, deixou claro que não basta apresentar o elenco das provas consideradas, tornando indispensável explicitar racionalmente a medida em que elas pesaram na formação da sua convicção.
(...)
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16901/1/disserta%C3%A7%C3% A3o.SaraMendon%C3%A7a.pdf
3) JULGAR, 3 de 2007
DA SENTENÇA PENAL
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
SÉRGIO POÇAS
“Em segundo lugar, só com a motivação os destinatários poderão saber se o Tribunal apreciou as provas que podia e devia apreciar e se essa apreciação foi efectuada de modo objectivo, de acordo com as regras da ciência, da lógica e da experiência. Realce-se que o conhecimento pelo destinatário das razões reais da decisão é fundamental para o exercício efectivo do direito ao recurso, isto por um lado; pelo outro, tal conhecimento possibilita uma melhor ponderação sobre a intenção de impugnar aquela decisão. (negritos do próprio autor).
(...)
Quando é que o tribunal efectivamente cumpre este dever de motivar?
Em nosso entendimento, o tribunal dará cumprimento à norma e tendo presente o disposto no artigo 205.º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram.
Ou seja, a motivação deve ser feita de modo a permitir ao destinatário analisar, por um lado, se foram apreciadas todas as provas que podiam sê-lo e que só foram apreciadas as provas que podiam sê-lo; por outro, possibilitar o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção do juiz. 17. (negritos e sublinhado do autor)
Nota 17
Neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 15-3-2000, CJ, Ac. STJ, I, pág. 226. Sobre a exigência legal da fundamentação, escreve-se nesta decisão: «A exigência legal visa permitir o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção do juiz e permitir bem assim averiguar se foi ou não violada norma sobre a proibição de provas».
Por sua vez no Acórdão do STJ de 16 de Março de 2005, in www.dgsi.pt, processo n.º 05P662, com o n.º convencional JSTJ000, quando se decide «O exame crítico consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica exterior ao processo com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção»
http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/02-S%C3%A9rgio-Po%C3%A7as- fundamenta%C3%A7%C3%A3o-senten%C3%A7a-penal.pdf
46 - Ora, o Tribunal ignorou em absoluto dois Relatórios Sociais, que não podia ter deixado de analisar e fazer o devido exame crítico.
47 - Agrava a situação o facto de se tratar de dois Relatórios Sociais, e a este propósito decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.10.1991, Processo: 042084:
“Sumário : I - É obrigatória a elaboração de relatório social, nos termos do artigo 370, n. 2 do Código de Processo Penal, relativamente a arguido que, à data da prática dos factos, for menor de 21 anos, e seja passível de lhe ser aplicada pena de prisão ou medida de segurança de internamento superior a 3 anos.
II - O relatório social destina-se à correcta determinação da sanção a aplicar ao arguido, por corresponder a uma dada indicação de matéria de facto, consubstanciada num relatório pericial, cujo valor probatório pode ser infirmado ou modificado em função de prova complementar que venha a ser produzida nos termos do artigo 371 do Código de Processo Penal.
III - O valor probatório do relatório social no que respeita à perícia e personalidade do arguido, encontra-se previsto nas disposições do artigo 163 do Código de Processo Penal.
IV - A respectiva matéria pericial não é de livre valoração pelo juiz, antes traduz matéria de prova sobre elementos fundamentais da determinação da sanção, pelo que se torna necessária a fundamentação da eventual divergência da convicção do julgador quanto ao juízo técnico pericial constante daquele relatório.
V - É nula a sentença que omitir os pontos constantes do relatório social respeitantes à avaliação da personalidade do arguido que se devam ou não considerar como provados, determinando tal nulidade a prolação de nova sentença, sem necessidade de repetição do julgamento.” (negritos nossos).
48 - E decidiu também o STJ no Acórdão de 15-10-2008:
“O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador (art. 163.º, n.º 1, do CPP). E, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (n.º 2 do preceito). Face ao regime vigente, se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos, inerente à prova pericial, nada terá que dizer. Se o não acatar, e dele divergir, terá que fundamentar a sua divergência (Ac. deste STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3986/07 - 3.ª).
49 - Aquando da discussão da alteração ao Código Penal em 1995, pode ler- se o então Ministro da Justiça, COns. Laborinho Lúcio, na pág. 67 de “Reforma do Código Penal”, Trabalhos preparatórios, Vol III, Lisboa 1995:
“A reforma do sistema judiciário vai permitir maior capacidade de resposta para garantir também que é na rapidez que a prevenção vai encontrar os seus pontos decisivos e será o conjunto instrumental - Instituto de Reinserção Social, Tribunal de Execução de Penas, etc. que vai permitir a completitude do sistema penal, que pela primeira vez acontecerá entre nós.”
50 - Ora, concretamente, foram juntos aos autos dois relatórios Sociais, a saber, um Relatório da DGRS datado de 05.06.2018 e junto aos autos em 06.06.2018, que foi mesmo referido pela M.ma Juiz no decurso da inquirição da técnica que foi ouvida em 28.06.2022:
01:03: Juiz: Nós aqui, neste processo que nos trás cá hoje, temos um relatório elaborado em 2018, pela dra BB (...)”.
51 - Assim como conta outro Relatório Social, datado de 22.09.2021, junto aos autos em 28.06.2022, conforme despacho proferido na audiência do mesmo dia:
Juiz: Juiz: O Tribunal concede então 2 dias para juntar o requerimento.
52 - Contudo, por mais que se leia todo o despacho, não há uma única alusão a qualquer destes relatórios.
53 - Esta situação, acarreta nulidade da decisão por força dos arts 374.ºnº 2 e 379.º 1 a) ambos do CPP.
DEPOIMENTO DA TÉCNICA INCOMPLETO
54 - Refira-se ex abundante, que a própria análise feita ao depoimento prestado pela técnica de reinserção social se mostra deveras debilitado, porquanto além do que se refere na decisão, a técnica disse também:
Juiz: 0:55 A Dra CC acompanhou o senhor AA, tem ideia no âmbito de que processos?
Téc. Vários processos; várias penas suspensas.
Juiz: Nós aqui, neste processo que nos trás cá hoje, temos um relatório elaborado em 2018, pela dra BB,
Téc. Dra BB?
Juiz: Sim. Eu não sei o que é que nos pode dizer em relação a este senhor neste momento.
Téc. Neste momento ele está a cumprir uma pena de prisão na habitação, de 2 anos, e tem corrido bem, ao que tudo indica, tem cumprido as regras inerentes à medida, ora, ia-lhe dizer, não sei se interessa saber quando termina a medida.
Juiz: Se tiver aí consigo.
Téc.: Ora deixe-me ver. Tinha aqui um relatório recente que referia isso. Portanto, iniciou a 7 de dezembro de 2021 e termina a 7 de dezembro de 2023.
Juiz: Tem corrido de acordo com aquilo que têm sido as orientações da DGRSP, portanto, tem cumprido?
Téc.: Tem cumprido.
Juiz: relativamente a contactos anteriores, no âmbito de penas de prisão suspensas anteriores, que tenham sido aplicadas, tem informação de como está (???)?
Téc.: Sim.
Juiz: Como é que foi a sua adesão?
Téc.: Deixe-me ver. Há aqui um relatório final de uma medida, se me permitir consultar.
Juiz: Qual é o processo?
Téc.: Ora só um bocadinho. Era o processo 600, não, 608/15.0PHVNG, o senhor vinha condenado a um, pela prática de um crime de roubo na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nomeadamente o cumprimento, a frequência de programa de tratamento ao seu problema aditivo, 150 horas de serviço de interesse público, não se fazer acompanhar dos seus pares com os mesmos hábitos aditivos. Esta medida terminou em 11 de fevereiro de 2022.
Juiz: Quais foram as conclusões dos serviços relativamente ao comportamento do condenado?
Téc.: A avaliação foi favorável relativamente ao cumprimento do tratamento da problemática aditiva, ao cumprimento das horas de trabalho determinadas também e ao afastamento e diminuição de convívio com pares problemáticos; no entanto, registou novo contacto com o sistema da administração da justiça no qual foi condenado ao cumprimento de pena de prisão na habitação .
Juiz: NO âmbito do processo 577, não é, que é o que está a cumprir neste momento?
Téc.: Exactamente.
Juiz: praticados em 2016.
Téc. Hum hum.
Def.: 05:06: Tem conhecimento se noutros processos e em quanto mais ou menos ele terá sido condenado em trabalho comunitário e se cumpriu sempre direitinho?
Téc.: Tinha de consultar, não tenho essa informação.
Def.: Quando elabora o relatório final para esse processo, consultaram também os outros, imagino.
Téc.: Penso que sim, mas foram referenciados só a este novo processo, foi referenciado este novo processo, de que tenha conhecimento.
Juiz: Quando fala de relatório final
Def.: Se, se , prontos, analisam se tem outros processo pendentes, se tem outros processo em que façam relatórios.
Téc.: Sim, sim, se foi condenado. Foram elaborados relatórios, foi elaborado um relatório social em Abril, em que houve um julgamento no âmbito do processo 102/15.9
55 - Ora, parece manifesto que toda estas afirmações irão bem além do que consta da decisão recorrida:
“Foi igualmente ouvida a Técnica da DGRSP, que referiu, de relevante aos autos, que o arguido se encontra a cumprir pena de prisão, em regime de permanência na habitação, até 07.12.2023, que tem corrido sem incidentes.”
56 - Assim, nesta parte, mostra-se violado o estatuído no art. 127.º do CPP, já que segundo as regras da experiência, aquelas afirmações de uma técnica social deveriam ter merecido credibilidade e não serem totalmente ignoradas, ainda por cima sem qualquer alusão á desconsideração/não relevância dada às mesmas.
NOVOS CRIMES
57 - Refere o despacho recorrido a existência de novos crimes, o que corresponde à verdade.
58 - Contudo, o Tribunal não deu qualquer relevância ao factor tempo.
59 - Assim, se é verdade que as demoras processuais constituem um dos grandes males da nossa Justiça, a verdade é que o decurso deste permitiu ao arguido passar um largo período temporal sem cometer qualquer crime, o que importa observar.
60 - Assim, o crime mais recente praticado pelo arguido data de 30.07.2017, ou seja, já lá vão mais de CINCO ANOS E MEIO sem a prática de qualquer crime por que tenha sido condenado, o que é bem demonstrativo do seu comportamento, de forma totalmente inversa à que lhe é imputada no despacho recorrido.
61 - Assim, não só se vota à indiferença um facto crucial, como se desrespeita totalmente o conteúdo de um dos mais basilares dispositivos do nosso Código Penal revisto,o art. 40.º do Código Penal, que nos seus números 1 e 3 dizem:
Artigo 40.º Finalidades das penas e das medidas de segurança 1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
62 - A este propósito podemos ver:
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 413/04.9GEPTM.E1 de 25.09.2012
“2. Com a revisão do Código Penal de 1995, o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição.”
63 - Assim, o decurso de todo este tempo sem qualquer condenação impunham que não fosse revogada a suspensão, mostrando-se violado o estabelecido no art. 56.º nº 1 al. b) do Código Penal.
TERMOS EM QUE, deve ser revogada a decisão recorrida e, sempre subsidiariamente:
a) declarada prescrita a pena aplicada nos autos;
b) reconhecidas as nulidades da decisão recorrida por insuficiência de matéria de facto e por falta de fundamentação decorrente da falta de exame crítico de provas cruciais;
c) declarada extinta a pena, por não se verificarem os requisitos da revogação da suspensão decretada, assim se fazendo, como costume, SÃ JUSTIÇA.”

Vendo.
A análise comparativa dos elementos supra elencados permite, desde logo, concluir que o recorrente, não obstante a advertência que lhe foi feita no sentido de apresentar conclusões que não fossem uma mera arrumação da motivação, apresentou naquilo que designa por conclusões o mesmo conteúdo que apresentara relativamente às motivações apenas fazendo alguns cortes no que diz respeito ao elenco da jurisprudência apresentada, pelo que nada concluiu.
O artigo 412ºdo CPP com a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões” preceitua no seu n.º 1 que “ A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.”
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
Como escreve Simas Santos Leal-Henriques em “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pág. 93 “Por conclusões entende-se um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da motivação (…), não podendo, obviamente, repetir exaustiva ou aproximadamente o que naquele se explanou”.
“As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão” conforme ensina Germano Marques da Silva, em “Curso Processo Penal,”, Vol. III, 2ª Ed., 2000, pág. 351.
O artigo 420º do CPP com a epígrafe “Rejeição do recurso” dispõe no seu n.º 1, al. c) que “O recurso é rejeitado sempre que: (…) c) O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417º”.
Analisadas as conclusões entretanto apresentadas pelo recorrente considero que o recurso em apreço deve ser rejeitado.
O recorrente foi convidado para, no prazo de 10 dias, vir sintetizar/resumir as suas conclusões, sob a cominação de o recurso ser rejeitado.
Porém, o recorrente veio apresentar uma peça processual, alegadamente com conclusões aperfeiçoadas, quando, na realidade continua a não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das motivações, isto é, voltando a reproduzir praticamente toda a motivação, eliminando apenas algumas considerações associadas a jurisprudência.
Daqui decorre que o recorrente não deu uma resposta positiva e cabal ao convite que lhe fora formulado por este Tribunal, através do sobredito despacho e que expressamente o advertia para a circunstância de as conclusões a apresentar deverem obedecer à exigência legal prevista no artigo 412º, n.º 1 do CPP, sob pena de rejeição do recurso, continuando a não existir um resumo explícito e claro da fundamentação das questões suscitadas pelo recorrente nem um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da motivação.
O incumprimento desse ónus processual de concisão das conclusões da motivação significa
que o recurso interposto pelo arguido não contém as conclusões nos termos legalmente exigidos, não podendo este tribunal subverter tal regra processual nem a sua cominação legal.
A jurisprudência tem entendido que a repetição nas conclusões do que é dito na motivação,
sem cumprimento da regra processual prevista no citado artigo 412º, n.º 1 do CPP por parte do recorrente e mesmo após o convite do tribunal para o efeito, afetando a totalidade do recurso, traduz-se em falta de conclusões, o que acarreta, inevitavelmente, a rejeição total do recurso, dado que o vício afeta, necessariamente, todas as pretensões recursivas – (veja-se, neste sentido, entre outros, Ac. do TRE de 15.12.2013, Ac. do TRG de 11.06.2019, Ac. do TRP de 26.10.2022 e Acs. do TRL de 31.10.2022 e 09.03.2023, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Como realça Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª Ed., págs. 1154 “Nenhum obstáculo de natureza constitucional existe à rejeição do recurso se o recorrente, depois de convidado para esse efeito (corrigir as conclusões), não corrigiu a deficiência de falta de concisão das conclusões (Ac. TC 140/2006)” - no sentido da rejeição do recurso, veja-se ainda Simas Santos Leal-Henriques em “Recursos em Processo Penal”, 5ª ed., 2002, pág. 93 e Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª ed., págs. 1154-1156.
Acresce ainda que, pese embora o referido despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido por este Tribunal, o recorrente persistiu na formulação na reprodução das motivações entretanto apresentadas, não explicitando de forma clara e precisa quais são realmente os seus fundamentos do recurso, obstaculizando deste modo a que este Tribunal possa aferir com clareza as pretensões recursivas deduzidas pelo recorrente no presente recurso.
Assim, nos termos dos artigos 412º, n.º 1, 417º, n.ºs 3 e 6, al. b) e 420º, n.ºs 1, al. c) e 2 o presente recurso deve ser rejeitado.
***
III- DECISÃO
Pelo exposto e nos termos dos artigos 412º, n.º 1, 417º, n.º 6, al. b) e 420º, n.º 1, al. c), todos do CPP, rejeito o recurso interposto pelo arguido AA.
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC´s (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Não se aplica a sanção prevista no n.º 3 do artigo 420º do CPP uma vez que não se trata de uma situação de manifesta improcedência de recurso da al. a) do 420º do CPP, vide Comentário do Código Processo Penal, nota 9. Paulo Pinto de Albuquerque, 3º ed..
Notifique.

Sumário da responsabilidade do relator.
Não obstante o despacho de convite ao aperfeiçoamento proferido por este Tribunal, o recorrente persistiu na formulação na reprodução das motivações entretanto apresentadas, não explicitando de forma clara e precisa quais são realmente os seus fundamentos do recurso, obstaculizando deste modo a que este Tribunal possa aferir com clareza as pretensões recursivas deduzidas pelo recorrente no presente recurso.

Porto, 09 de novembro de 2023”
*

Desta decisão reclamou o recorrente para a conferência alegando, em síntese, que o tribunal não proferiu nenhum despacho de aperfeiçoamento das conclusões, mas sim e apenas um despacho para que apresentasse as conclusões, pelo que sempre deveria o tribunal ad quem ter proferido despacho de aperfeiçoamento das conclusões entretanto apresentadas uma vez que as disposições legais e jurisprudência elencadas não o impedem.
*
II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto da reclamação, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1], isto é, se deveria o recorrente ter sido novamente convidado para aperfeiçoar as conclusões apresentadas na sequência de prévio despacho que assim determinou.
Conforme parecer emitido neste tribunal “ Com efeito, sinceramente não se sabe com o rigor exigido por lei quais são os limites da pretensão recursória e a extensão das «conclusões», acompanhada por uma prolixidade inaudita, obstam a que este T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto conheça do recurso, como foi aliás realçado prudentemente e por antecipação pelo douto despacho datado de 18/10/2023.
Aliás, se virmos bem as coisas e com todo o respeito, o recorrente nas «conclusões» que ora apresentou socorreu-se das alegações anteriormente apresentadas e conferiu-lhe um novo arranjo ou ajustamento, transpondo-as e repetindo aquilo que já constava da narrativa das anteriores motivações.
Desta forma, tendo em conta a oportunidade já concedida ao recorrente, que desperdiçou, convocando ainda os critérios de parcimónia e prudência ínsitos às normas e intenções legais afigura-se-me que o recorrente criou as condições necessárias que impedem o conhecimento do recurso que o mesmo apresentou.
Neste sentido, entre outros (convocando-se aqui os arestos igualmente citados no douto despacho de 18/10/2023):
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/2022 in www.dgsi.pt :
«Quando o recorrente depois de convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do disposto no artigo 417º nº 3 do C.P.P. apresenta uma outra peça processual, que persiste em não resumir as razões do pedido, fazendo um mero rearranjo formal das anteriores conclusões, voltando a reproduzir a motivação, mas aglutinando-as em menos artigos, conclui-se que o recurso terá de ser rejeitado por incumprimento do nº 1 do artº 412º do C.P.P. e estando-lhe vedado, nestas circunstâncias reivindicar novo convite de aperfeiçoamento».
Acórdão do T.R.P. - Tribunal da Relação do Porto de 26/10/2022 in www.dgsi.pt:
«I - Não corresponde à apresentação de conclusões, subsequente a convite ao aperfeiçoamento, a apresentação das conclusões apresentadas anteriormente, com nova arrumação numérica e ligeiras alterações de redação, por constituir apenas uma simples alteração de forma, não produzindo o efeito de sintetização das motivações próprio das conclusões, devendo o recurso ser rejeitado.
II - O entendimento subjacente à decisão sob reclamação não viola as garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n.º1 da CRP, porque o tribunal não decidiu sem antes dar a oportunidade de sanar a omissão, e sustentar o entendimento de que a lei permite que as conclusões reproduzam toda a motivação do recurso porque “nenhum dos intervenientes processuais demonstrou não ter compreendido claramente os motivos porque o recorrente discordou da sentença recorrida”, seria fazer tábua rasa da letra da lei quando exige, especificamente, a formulação de conclusões».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 07/02/2023 in www.dgsi.pt:
«I - A não coincidência total em número de parágrafos e de palavras entre o corpo da motivação e as conclusões apresentadas em resposta convite ao aperfeiçoamento – formulado no termos do disposto no artigo 417º, nº 3 do CPP – não se revela suficiente para desvirtuar a constatação de que estas últimas consubstanciam uma reprodução fiel do requerimento de interposição de recurso que padecia da deficiência de falta de conclusões.
II - Inexiste obrigatoriedade de formulação de novo convite para aperfeiçoamento das conclusões nas situações em que nos autos foi já formulado um convite para apresentação das conclusões em falta, no qual foi explícita e minuciosamente explicado ao recorrente em que consistiam as conclusões e como deveriam ser elaboradas – com a advertência de não admissão do recurso nos termos estatuídos pelo 414º, nº 2 do CPP – uma vez que, em tais circunstâncias, a prolação de um novo despacho com idêntico conteúdo sempre se revelaria repetitivo e, portanto, processualmente inadmissível.
III - Acresce que eventual convite ao aperfeiçoamento das conclusões só faria sentido se a reclamante tivesse, em algum momento apresentado conclusões, o que, não sucedeu, pois que ao primitivo convite a recorrente optou por responder de forma enganosa, enunciando que apresentava as conclusões em falta, quando na verdade nenhuma conclusão apresentou, tendo-se limitado a substituir a identificação numérica dos parágrafos do requerimento de interposição de recurso pela identificação dos mesmos parágrafos através das letras maiúsculas do alfabeto, mantendo integralmente o primitivo texto, o qual, de nenhuma forma, resumiu».
Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2023 in www.dgsi.p:
«I. Se, o Recorrente termina a motivação do seu recurso, formulando “conclusões” prolixas, contendo também citações de doutrina e jurisprudência, tal equivale à não formulação de conclusões;
II. Esta não formulação de conclusões implica, após o convite não correspondido à correcção, a rejeição do recurso».
Acórdão do T.R.E. - Tribunal da Relação de Évora de 14/09/2023 in www.dgsi.pt:
«2. Por razões de justiça material, celeridade, eficácia e de prevalência da justiça material sobre a justiça formal, a rejeição do recurso após ter sido aceite o convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso deve pautar-se por critérios de razoabilidade e parcimónia devendo ser utilizada, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo».
Na conformidade do que vem sido dito e essencialmente pelo exposto, tudo visto, analisado e ponderado, sem necessidade de ulteriores ou mais apuradas considerações, ao abrigo do programa normativo decorrente da disciplina prevista no disposto do artigo 414.º n.º 2 do Código de Processo Penal – C.P.P.”

Efetivamente o tribunal não ignora antes sobreleva que as questões de natureza substancial devem, tanto quanto possível, sobrepor-se às questões de natureza formal.
E também não ignora que sempre é possível haver dois convites, um para apresentação de conclusões e outro para o seu aperfeiçoamento, cumprindo-se o disposto no art. 417º, n º 3 do CPP., mas naquelas situações em que apenas se convidou para apresentar as conclusões. Todavia, nada impede na lei que esse convite possa ser simultâneo.
Não pode esquecer-se que em causa neste recurso está também uma questão de prescrição e o tribunal assim que detetou a ausência de conclusões, logo advertiu o recorrente de como devia apresentar as conclusões em falta dando-lhe conta de como não deveriam ser feitas, tendo sido feita expressa advertência de que a peça a apresentar não poderia ser um mero rearranjo formal das motivações, como efetivamente veio a acontecer.
O recorrente ignorou completamente a advertência e não atentou na jurisprudência que a propósito de transcreveu.
Donde resulta claramente que o recorrente não foi surpreendido, antes devidamente avisado como devia proceder para juntar a suas conclusões. Foi expressamente avisado que deveria terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas e que não constituiriam conclusões a repetição dos argumentos constantes das suas alegações como acabou por fazer.
Foi expressamente advertido que se não o fizesse o recurso seria rejeitado.
Ora, o tribunal ao decidir como decidiu sumariamente não o fez sem antes ter dado oportunidade ao recorrente de sanar a omissão apontada de forma regular e legalmente admissível.
Neste particular caso entendemos que inexiste obrigatoriedade de formulação de novo convite para aperfeiçoamento das conclusões na medida em que foi já formulado um convite para apresentação das conclusões em falta, no qual foi explícita e minuciosamente explicado ao recorrente em que consistiam as conclusões e como deveriam ser elaboradas, com a advertência de não admissão do recurso caso assim não procedesse.
A prolação de um novo despacho com idêntico conteúdo para além de repetitivo, desautoriza o tribunal ad quem, sendo redundante, para além de prolongar ainda mais o processo especialmente num caso em que se invoca prescrição da suspensão da pena.
Por estas razões se entende que nenhum preceito de natureza constitucional se mostra violado e no mesmo sentido invoca-se Ac RE de 07.02.23 in www.dgsi.pt.

Estão reunidos os pressupostos para que o recurso em apreço seja rejeitado ao abrigo dos arts. 417.º, n.º 6, al. b), e 420.º, n.º 1, al. b) e c), do CPPenal.
Assim, é de manter a decisão sumária nos seus precisos termos.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento à reclamação, mantendo nos seus precisos termos a decisão sumária proferida.

Custas da reclamação pelo requerente, fixando-se em 1,5 UC a taxa de justiça (art. 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 10 de janeiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator)


Paulo Costa
Lígia Trovão
Pedro Vaz Pato
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.