RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACORDÃO FUNDAMENTO
ACÓRDÃO RECORRIDO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
DILAÇÃO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Sumário


I - Foi identificada a questão em controvérsia como sendo a seguinte: “aplicabilidade (ou não) da dilação prevista no Código de Procedimento Administrativo ao prazo de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima previsto no artigo 59.º do RGCO” [a contagem do prazo de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no art. 59.º do RGCO deve ser ou não efectuada de acordo com as regras estabelecidas não só no art. 82.º do CPA, como também no subsequente art. 73º do mesmo diploma legal, dado tratar-se de norma geral aplicável à contagem dos prazos administrativos, que encontra justificação na previsível maior dificuldade de acesso a elementos e preparação da defesa por parte dos interessados residentes no estrangeiro e, se a coimada tem a sua sede no estrangeiro, o prazo de 20 dias para apresentar o recurso apenas se inicia depois de finda a dilação de 15 dias?
II - Verificados os requisitos formais e substanciais do recurso de fixação de jurisprudência nos termos do art. 437.º e ss, do CPP, para determinação de oposição de julgados, confirma-se oposição de soluções entre o acórdão recorrido e o acórdão Fundamento pois o que estava em causa era a mesma questão, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento. Sinteticamente, tratava-se de saber se, tendo a arguida, empresa de aviação civil, a sua sede no estrangeiro, o prazo de 20 dias estabelecido no art. 59.º, n.º 3, do RGCO, só se inicia depois de decorridos 15 dias após a notificação da decisão, nos termos do art. 88.º, n.º 1, al. b), do novo CPA, de 2015, e do art. 73.º, n.º 1, al. b), do anterior CPA, de 1991).
III - Foi oferecida uma solução oposta nos acórdãos recorrido( não se aplicava a dilação) e fundamento ( no sentido de aplicar a dilação) sobre a mesma ou idêntica base de facto (aqui essencialmente de natureza procedimental) e questão de direito, que vem claramente identificada no recurso.

Texto Integral





ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃOCRIMINAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I-RELATÓRIO


O tema do recurso:


-Uniformização de jurisprudência, quanto às regras de contagem do prazo para impugnação de decisão administrativa, no âmbito contraordenacional (arts 59ºnº 3 do RGCO, e 88,1, b), CPA ( ex artº 72º do CPA);


-Aplicabilidade (ou não) da dilação prevista no Código de Procedimento Administrativo ao prazo de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima previsto no artigo 59.º do RGCO: - deve ou não recusar-se a aplicação da norma do artigos 72º e 73.º do CPA [atual artigo 88.º], à semelhança do que sucede com as regras previstas no artigo 72.º do mesmo diploma legal, só parcialmente transpostas para o artigo 60.º do RGCO?”.


-A contagem do prazo de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no artigo 59.º do RGCO deve ou não ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas não só no artigo 72º do CPA, como também no subsequente artigo 73º do mesmo diploma legal, tratar-se de norma geral aplicável à contagem dos prazos administrativos, que encontra justificação na previsível maior dificuldade de acesso a elementos e preparação da defesa por parte dos interessados residentes no estrangeiro e, se a coimada tem a sua sede no estrangeiro, o prazo de 20 dias para apresentar o recurso apenas se inicia depois de finda a dilação de 15 dias?


*


Acórdão Recorrido: - TRL, 20.02.2023 (1)- transitado em julgado a 6 de Março de 2023- processo n.º 203/22.7YUSTR.L1-A: não aplica a figura da dilação no processo contraordenacional.


Acórdão Fundamento: -TRP, de 6 de Novembro de 2013, no processo n.º 826/13.5TBMAI.P1,transitado em julgado a 25.11.2013, alegando a recorrente que se reconheceu que essa dilação é aplicável.”


ASSIM:

1. Por requerimento apresentado em 22.03.2023, Deutsche Lufthansa Aktiengesellschaft, (doravante Lufthansa) com sede na Alemanha, arguida acoimada nos autos, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão emanado do Tribunal da Relação de Lisboa -Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão(PICRS-, proferido no processo n.º 203/22.7YUSTR.L1-A, datado de 20-02-2023 (e transitado em julgado a 6 de Março de 2023), notificado a todos os sujeitos processuais nessa mesma data alegando, em suma, que neste se apreciou e decidiu uma ques­tão de direito cuja pronúncia está em oposição com o que já havia sido decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Novembro de 2013, (doravante Acór­dão fundamento), no processo n.º 826/13.5TBMAI.P1, transitado em julgado a 25.11.2013, o qual se encontra publicado em www.dqsi.pt.


formulando esta as seguintes “Conclusões:


a. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o Acórdão de que ora se recorre, julgando
a 6 de março de 2023 2 admissão da impugnação judicial por intempestiva.


b. Apesar de o Acórdão Recorrido reconhecer que o prazo previsto no artigo 59.º RGCO é um prazo administrativo, concluiu pela não aplicação das dilações previstas no artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo – que, na perspetiva e interpretação da Recorrente, não corresponde a uma correta interpretação e aplicação da Lei e que, no caso em apreço, culminou na não aceitação da impugnação judicial.


c. A decisão em apreço não é passível de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos nos artigos 432.º e 400.º do Código de Processo Penal.


d. É, porém, admissível recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 437.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO, por o Acórdão Recorrido estar em contradição frontal e expressa com outro Acórdão, já transitado em julgado, do domínio da mesma legislação, mesmos factos e sobre a mesma questão fundamental de direito.


e. A este respeito, esclareça-se que não existe qualquer norma no RGCO (aplicável ex vi artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 29-B/2020 de 28 de junho) que proíba o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nem resulta do RGCO a inadmissibilidade desse recurso, pelo que haverá de recorrer-se às normas do Código de Processo Penal, para onde o RGCO remete.


f. No que diz respeito a este recurso extraordinário, os factos em apreço quer no Acórdão Recorrido, quer no Acórdão Fundamento são em tudo semelhantes e comparáveis: uma companhia aérea foi notificada de uma decisão de aplicação de coima pelo INAC/ANAC na sua sede, em país Europeu; por ser residente e ter sido notificada no estrangeiro, a Recorrente entendeu que o prazo para apresentação do recurso dessa decisão administrativa seria de 35 dias, em virtude da aplicação da dilação de 15 dias, prevista no artigo 88.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo; a Recorrente apresentou a impugnação judicial após os 20 dias previstos no artigo 59.º do RGCO, mas dentro do prazo total de 35 dias que considerou ser aplicável; a impugnação foi julgada intempestiva, por se considerar que a suprarreferida dilação não era aplicável.


g. O que diferencia os Acórdãos em apreço é o facto de, perante a questão jurídica acerca da aplicabilidade da dilação prevista no Código de Procedimento Administrativo ao prazo de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima previsto no artigo 59.º do RGCO, o Acórdão Recorrido ter concluído pela não aplicação da figura da dilação no processo contraordenacional enquanto, no Acórdão Fundamento, se reconheceu que essa dilação é aplicável.


h. A Recorrente depara-se, assim, com a existência de duas decisões opostas perante factos em tudo idênticos, sendo que o resultado prático de uma e outra decisão também não podia ser mais díspar: enquanto no Acórdão Recorrido se conclui pela manutenção da decisão recorrida e não admissão da impugnação judicial, o Acórdão Fundamento determinou que a decisão fosse substituída por outra, que considere tempestivo o requerimento de impugnação judicial e aprecie o recurso. Mas mais,


i. Independentemente da obtenção de justiça no caso em concreto, a fixação de jurisprudência que ora se procura é motivada não (apenas) pelo interesse pessoal da Recorrente, mas pela necessidade de oferecer segurança jurídica a uma questão absolutamente crucial para o exercício do direito de defesa em âmbito de processo contraordenacional: a determinação do prazo aplicável.


j. Considerando a matéria em apreço, está, também, preenchida a ratio deste recurso, uma vez que se pretende “…fixar critérios para a interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei” (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2021, no processo n.º 64/15.2IDFUN.L1-A.S1, Relator Nuno Gonçalves, disponível em dgsi.pt).


k. Por tudo quanto foi exposto, estão preenchidos todos os pressupostos legais para a admissibilidade do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, i.e., estão em causa duas decisões opostas, proferidas sobre a mesma questão de direito e identidade de lei reguladora, com total identidade de factos contemplados nas duas decisões.


l. No que diz respeito à fundamentação apresentada em um e outro Acórdão, verifica-se que o Acórdão Recorrido conclui que (i) da natureza administrativa do prazo em apreço, não resulta a natureza administrativa do lapso temporal avaliado; (ii) resulta inequivocamente da letra do artigo 60.º do RGCO que o prazo e a forma da sua determinação emergentes do Direito administrativo, designadamente do Código do Procedimento Administrativo, não são aplicáveis à impugnação da decisão da autoridade administrativa; (iii) o regime específico que existe no artigo 60.º do RGCO afasta “liminarmente e em absoluto” o recurso, a título subsidiário, ao Direito administrativo, designadamente ao artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo.


m. Em sentido diametralmente oposto, o Acórdão Fundamento conclui que “(…) se o recurso de impugnação judicial integra a fase administrativa do processo contraordenacional e se o prazo aplicável regulado nos artigos 59.º e 60.º do RGCO tem natureza administrativa, não se vislumbram motivos atendíveis para recusar a aplicação da norma do artigo 73.º do CPA [atual artigo 88.º], que está inserida no regime geral dos prazos administrativos, à semelhança do que sucede com as regras previstas no artigo 72.º do mesmo diploma legal, e que só parcialmente foram transpostas para o artigo 60.º do RGCO”.


n. Neste sentido, continuou o Tribunal que “(…) quando se refere que o prazo é administrativo por contraposição ao prazo judicial pretende-se significar que se rege pelas regras atinentes aos prazos de natureza administrativa, onde se incluem as normas referentes aos prazos de defesa dos interessados relativamente às decisões administrativas, afastando-se concomitantemente as regras aplicáveis à prática de actos processuais em juízo”.


o. Assim, enquanto o Acórdão Recorrido, embora reconheça que o prazo em apreço tem natureza administrativa, exclui as regras de dilação previstas no Código de Procedimento Administrativo, o Acórdão Fundamento vem suportar a tese da Recorrente de que sendo o prazo administrativo, não se deve estabelecer qualquer restrição na aplicação do regime geral de contagem dos prazos administrativos.


p. Além de injusto e prejudicial à Recorrente – por limitar o seu direito de defesa e impossibilitando-a de sujeitar a apreciação uma decisão de aplicação de coima proferida por entidade administrativa –, o Acórdão Recorrido erra na interpretação do Direito.


q. Se é unânime que o processo contraordenacional (e prazo previsto no artigo 59.º do RGCO) tem natureza administrativa, então a contagem do prazo de interposição de recurso da decisão de aplicação de coima – decisão administrativa – deve ser efetuada nos termos do RGCO e do Código de Procedimento Administrativo.


r. Esta solução em nada constitui uma aplicação subsidiária do RGCO ab-rogante do artigo 41.º n.º 1 do RGCO, sendo, ao invés, a única solução que é compatível com a reconhecida natureza administrativa do prazo de recurso previsto no artigo 59.º do RGCO – assim como é a única compatível com os princípios de justiça e segurança jurídica.


s. Qualquer solução contrária seria desprovida de sentido, sendo ilógico afirmar a natureza administrativa do prazo, com a consequência prática de o privar da extensão no tempo de que só os prazos judiciais gozam – artigos. 107.º, n.º 5 e 107.º-A do Código de Processo Penal –, sem ao mesmo tempo lhe reconhecer, também, o modo de contar o termo inicial em certas situações espaciais, termo a quo ante que lhe está implícito e que no caso da Recorrente, com sede na Alemanha, é fornecido pela norma do artigo 88º, n.º 1, b) do Código de Procedimento Administrativo, a qual deve ser aplicada a título principal.


t. O artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo é uma norma geral aplicável à contagem dos prazos administrativos, que encontra justificação na previsível maior dificuldade de acesso a elementos e preparação da defesa por parte dos interessados residentes no estrangeiro, resultante da distância a que se encontram do local onde decorre o procedimento.


u. Não atender a essa circunstância significaria legitimar uma atuação administrativa lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, aqui incluídas as empresas (artigo 4.º, 2ª parte do Código de Procedimento Administrativo), nacionais ou não, com o inerente risco de criação de situações de desigualdade ditadas, justamente, pelo lugar da sede da empresa; sendo certo que “A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa”, conforme exige o artigo 8.º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que é este sentido de justiça que deve prevalecer na jurisdição e que se espera que as válvulas de segurança do sistema jurídico sejam capazes de garantir.


v. Face à natureza administrativa do prazo de recurso previsto no artigo 59.º do RGCO não restam quaisquer dúvidas que a aplicação do artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo se deverá fazer a título principal, como resulta, desde logo, da interpretação assente no uso das regras gerais de interpretação consagradas no artigo 9.º do Código Civil.


w. Pelo que o entendimento perfilhado pelo Acórdão Recorrido viola de forma intolerável os princípios da confiança, boa fé e da segurança jurídica, consagrados nos artigos 2.º e 226.º da CRP, impedindo a Recorrente de reagir judicialmente contra uma decisão sancionatória e, assim, violando o seu direito à tutela jurisdicional efetiva.


Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e fixando-se jurisprudência no sentido de que são aplicáveis, à contagem do prazo previsto no artigo 59.º do RGCO, as dilações previstas no artigo 88.º do Código de Procedimento Administrativo.


1.2 – No Tribunal da Relação o MP apresentou resposta, aceitando existir oposição de julgados e defendendo a tese do acórdão recorrido, dizendo, sinteticamente:


“1º.Devemos, por antecipação, consignar que, à semelhança da posição assumida pelo Exmº Re respondente (art 413º, CPP) nos presentes autos, e na 1ª Instância, também nós próprios, ora signatários, adoptámos (no respectivo Parecer: art 416º,1, CPP) igual tese, que, “grosso modo”, representa a adesão à argumentação recursória ora “sub judice”.


2º.Significa, pois, em apertada síntese, que bem dispensa exposição mais alargada, por observância/manutenção de uma linha de raciocínio coerente já antes e oportunamente apresentada, que reiteramos, sempre com a maior consideração jurídico-intelectual por posicionamento diverso (como vertido na Decisão do TCRS, primeiro, e, depois, no Acórdão, ora recorrido, desta Relação), que se impõe a aplicação do prazo de dilação (de 15 dias) aludido no art 88º,1, b), CPA, “in casu”, atenta a circunstância do local para onde foi emitida a notificação da decisão administrativa (Alemanha, sede da sociedade arguida, aqui e ora recorrente), acrescendo ao prazo normal de 20 dias concedido para a impugnação judicial (art 59º,3, RGCO), tudo em atenção à natureza (administrativa) do prazo, repercutível na determinação e forma de contagem.


3º Subscrevendo todo o argumentário da recorrente, conducente à sua pretensão de ver admitido o Recurso de impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, deixamos apenas breve nota da razão que se nos afigura assistir-lhe (“ab initio”, como enfatizámos na ocasião do Parecer, ao abrigo do art 416º,1, CPP), a saber:

1. o AUJ 2/94, 10.03, sublinhou, cristalinamente, que o prazo do art 59º,3, RGCO, não é um prazo judicial, nem lhe sendo aplicáveis (mesmo que subsidiariamente) as regras do CPP (arts 107º e 107º-A) e do CPC (arts 138º e 139º);

2. o que sai corroborado pela singular suspensão da contagem daquele prazo aos sábados, domingos e feriados (art 60º,1, RGCO);

3. embora não decisivo, para dirimir a questão em debate, também se deverá convocar o poder que a autoridade administrativa detém, insindicável, de pôr termo ao processo (e à sua decisão condenatória, revogando-a, designadamente: art 62º,2, RGCO), impedindo, definitivamente, a intervenção/entrada da fase jurisdicional; e


- estamos confrontados com processo estruturalmente distinto do âmbito penal,
tratando-se, sim, de ilícitos de mera ordenação social, embora com efectivas
garantias, mormente de defesa (artº 32º,1, e 268,4, CRP), mas demarcadamente
do plano criminal (art 32º,1 CRP).


4º Essa dicotomia de estrutura e natureza projecta-se, a nosso ver, em especificidades processuais, tais como os critérios em torno da contagem e determinação do prazo de impugnação das decisões administrativas, legitimando a aplicabilidade da dilação consagrada no art 88º, 1, b), CPA, não sendo, com todo o respeito, convincente o argumento, contido no Acórdão recorrido, de que inexiste remissão alguma do RGCO (arts 59º ou 60º) para aqueloutro diploma ou de que já o DL 433/82, 27.10, contempla um regime auto-suficiente, não carecendo de integração de lacunas, por importação de regras “externas” (CPA).


5º Neste conspecto, por ser manifesto que existe oposição de julgados, entre o Acórdão ora recorrido e o proferido a 6.11.13, no âmbito do processo 826/13.5TBMAI.P1, da RP, e que versaram sobre factos idênticos, pronunciando-se sobre a mesma questão de direito (aplicabilidade da dilação prevista no CPA-primeiro pelo art 73º,1, b), depois pelo art 88º,1 b), cuja redacção sucessivamente se manteve imutável, coincidente, pese a mera renumeração do articulado) em sentido contrário, soluções emergentes da mesma lei reguladora (CPA/arts 73º,1,b), ou 88º,1,b), por um lado, e por outro, 59º,3, RGCO), e por não ser vedada a Fixação de Jurisprudência neste contexto (factualidade/questão subsumível no domínio contraordenacional), deve ser admitido o Recurso Extraordinário, para prolação de Deliberação que dirima a “contradição” de julgados, eventualmente (como propugnamos) habilitando a oportuna apreciação do mérito da impugnação judicial, sucessivamente rejeitada por pretensa (mas controvertida) extemporaneidade dessa reacção processual pela recorrente.


6º Tudo sem prejuízo de hipotético reconhecimento de oposição de julgados noutros processos (204/22.5YUSTR.L1-A.S1 e 298/22.3YUSTR.L1-A), em que se suscitou a intervenção desse Colendo Tribunal, com respeito a matéria com iguais contornos, circunstância que implicará o acionamento do art 441º,2, CPP, como vem proposto, cautelarmente, pela recorrente.”


1.3 – A Autoridade de Aviação Civil (ANAC), por sua vez, também em resposta, concordando embora com a existência de oposição de julgados considerou, porém, dever ser fixada jurisprudência no sentido da orientação defendida no acórdão recorrido.


E concluíu:


“A. A Autoridade Nacional da Aviação Civil não concorda com o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pela Recorrente Deutsche Lufthansa Aktiengesellschaft.


B. Tal recurso não se baseia na necessidade de estabelecer a segurança jurídica, na medida em que a jurisprudência dominante se revê no entendimento do Acórdão Recorrido.


C. A única pretensão da recorrente é aumentar o prazo de impugnação judicial através de uma dilação, de forma a obviar a sua inércia no exercício do seu próprio direito de defesa.


D. E tal fundamento radica unicamente no facto de a recorrente ter sido condenada pela Autoridade Nacional da Aviação Civil, por decisão do Conselho de Administração, datada de 16 de Dezembro de 2021, no processo de contraordenação n.º 376/2021, numa coima de €1.600, por violação do disposto na alínea i) do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 28 de Junho.

A. E. Tendo sido devidamente notificada desta decisão, acompanhada de uma tradução em língua inglesa, para a sua sede, em ... ..., ..., em 25 de Julho de 2022, de acordo com os serviços postais alemães.

A. F. Sendo que a recorrente não se conformou com a decisão da ANAC e só interpôs recurso de impugnação judicial, recebido nesta Autoridade em 29 de Agosto de 2022.


G. Nessa sequência, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão não admitiu o recurso apresentado por ser intempestivo, tendo considerado que o prazo de vinte dias úteis terminou no dia 23 de Agosto de 2022, conforme sentença proferida a 21 de Setembro de 2022.

A. H. Inconformada com tal decisão, a recorrente alega que, pelo facto de a sua sede se localizar no estrangeiro, dispõe de uma dilação, nos termos do artigo 88º do Código do Procedimento Administrativo, no que respeita à notificação realizada por carta registada com aviso de receção.

A. I. Sucede, porém, que a argumentação aduzida se traduz numa falácia que se baseia no facto de alguns juristas entenderem que o Código do Procedimento Administrativo é aplicável aos processos de contraordenação.

A. J. Em 2016, o Tribunal da Relação de Évora (processo n.º 236/15.0T8PTM.E1) veio esclarecer tal equívoco e consignar que “Ao recurso de impugnação judicial do processo contraordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4º do C.P.P.).”

A. K. E no seguimento da questão sub judicie – aplicabilidade ou não da dilação prevista no artigo 88º do Código do Procedimento Administrativo, o acórdão recorrido (processo n.º 203/22.7YUSTR) não é caso único na jurisprudência portuguesa, tendo sido antecedido pelo acórdão proferido no processo n.º 1757/11.9TALRA.C1 e datado de 29 de Fevereiro de 2012 (disponível em www.dgsi.pt), pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que considerou que “A dilação prevista no artigo 73º [atual artigo 88º], do Código do Procedimento Administrativo não tem aplicação em processo contraordenacional (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10).”

A. L. Igualmente pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 393/15.5BEFUN, e datado de 3 de Agosto de 2018 (disponível em www.dgsi.pt), no qual se conclui que “(…) o prazo de dilação previsto no artº.73, do C.P.A. (cfr.artº.88, do novo C.P.A.), não tem aplicação em processo contraordenacional.”.

A. M. E pelo acórdão proferido em 2 de Junho de 2020, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 290/19.5YUSTR.L1 e que decidiu que “(…) o prazo de dilação previsto no artigo 88.º, do C.P.A., não tem aplicação em processo de contraordenacional, porque não existe uma lacuna legal, e porque mesmo a existir, não seria aplicável o Código de Procedimento Administrativo e o respetivo artigo 88º, mas o Código de Processo Penal, que não prevê qualquer dilação.”

A. N. Anteriormente ao acórdão recorrido, e numa decisão bastante recente, datada de 21 de Dezembro de 2022, também o Tribunal da Relação de Lisboa havia decidido no processo n.º 204/22.5YUSTR.L1 (disponível em www.dgsi.pt), que incidia exactamente, não só sobre a mesma questão, mas exatamente sobre os mesmos intervenientes – a recorrente (Lufthansa) e a recorrida (ANAC), que “(…) estando especificamente previstos, no artigo 60.º do RGCO, os motivos de suspensão do prazo aplicáveis aos prazos administrativos (suspensão aos Sábados, Domingos e feriados), sem que dai conste qualquer dilação, não se afigura ser de aplicar subsidiariamente a dilação prevista no artigo 88.º do CPA (…)”

A. O. Posteriormente, também os acórdãos proferidos pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa no processo 298/22.3YUSTR, em 27 de Janeiro de 2023 e no processo n.º 297/22.5YUSTR, em 20 de Fevereiro de 2023, concluíram no mesmo sentido.

A. P. Assim, verifica-se que é o acórdão fundamento invocado pela recorrente – processo n.º 826/13.5TBMAI.P1, datado de 6 de Novembro de 2013 e proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que se encontra em “oposição expressa e direta” quer com o acórdão recorrido, quer com a interpretação maioritária, demonstrada pelos acórdãos que o antecedem e que depois lhe sucedem.


Q. Tal torrente jurisprudencial é indiciadora da desnecessidade de fixação de jurisprudência, ou quanto muito, revela a necessidade de fixar a mesma no sentido seguido por estes doutos tribunais, e que se traduz na inaplicabilidade de qualquer dilação.


R. Destarte, a jurisprudência supracitada ao rejeitar liminarmente a aplicação da figura da dilação em processo contraordenacional, traduz de forma clara e inequívoca a evolução do pensamento jurídico desde 2012 até ao presente ano de 2023.


S. Pelo que, face ao que antecede, necessário se torna concluir que a interpretação sufragada pelo Douto Tribunal a quo corresponde à correcta interpretação dos artigos 59º, 60º do Regime Geral da Contraordenações, atento o disposto no artigo 41º do mesmo diploma legal, que estabelece como supletivamente aplicável “os preceitos reguladores do processo criminal”.


T. Ainda que assim não fosse, sempre se diria que tal interpretação confirma o estabelecido no artigo 9º do Código Civil quanto à interpretação da Lei, designadamente de que o intérprete não se deva cingir à letra da Lei, mas reconstituir o pensamento legislativo (n.º 1), a verdade é que tal pensamento legislativo tem de ter alguma correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, com a letra da Lei (n.º 2), sendo que o intérprete deve sempre presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento nos termos mais adequados (n.º 3).


U. Seguindo esta orientação interpretativa, bem concluíu o Tribunal a quo ao afirmar que não existe qualquer lacuna no Regime Geral das Contraordenações quanto ao regime processual supletivo, na medida em que, afirmamos nós, o legislador expressou claramente o seu pensamento jurídico ao consagrar no seu artigo 41º os preceitos reguladores do processo criminal como regime supletivamente aplicável.


V. Deste modo, não se consegue antever qualquer nebulosidade no pensamento legislativo que tenha de ser esclarecido pelo intérprete aquando da aplicação da Lei.


W. Aliás, a própria letra do artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações parece-nos que não deixa margem para qualquer dúvida ao estabelecer que “Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.”


X. E essa aplicação do Código do Processo Penal é desde logo reforçada pelo n.º 2 desse mesmo artigo quando estabelece que “as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma”.


Y. Ou seja, o legislador pretendia que ao procedimento de contraordenação regulado pelo Regime Geral da Contraordenações fosse aplicável, subsidiariamente, “os preceitos reguladores do processo criminal”, estabelecendo para interposição de recurso de impugnação da decisão administrativa uma regra que se desvia do regime do Código de Processo Penal, em conformidade com o estabelecido na primeira parte do n.º 1 do artigo 41º do Regime Geral das Contraordenações (“Sempre que o contrário não resulte deste diploma (…)”).


Z. E se essa não fosse a intenção do legislador, não faria qualquer sentido destacar a regra de contagem de prazos estabelecida no artigo 60.º do Regime Geral das Contraordenações, se pretendesse que o regime regra supletivamente aplicável fosse o Código do Procedimento Administrativo.


AA. In casu, o que não pode suceder, e que parece ser a pretensão da recorrente, é a aplicação simultânea de dois regimes incompatíveis, consoante a conveniência da mesma, de molde a suplantar a inércia demonstrada no exercício de um direito, sob pena de, nas palavras de Frederico de Lacerda da Costa Pinto, in “O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal”, criar “um bloqueio completo da actividade sancionatória da administração por cruzamentos de regimes e de garantias jurídicas”.


BB. Pelo que, estamos em crer que caso o legislador pretendesse a aplicação de regimes diversos consoante a fase processual em que se encontrasse o procedimento de contraordenação, não se teria coibido de o consagrar expressamente no seu artigo 41º.


CC. Por conseguinte, parece-nos inquestionável que o regime de dilações estabelecido no artigo 88º do Código de Procedimento Administrativo não é aplicável ao Regime Geral da Contraordenações, por não ser legalmente admissível.


Termos em que, deve o recurso interposto pela Deutsche Lufthansa Aktiengesellschaft ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão Recorrido nos precisos termos, e fixando-se jurisprudência no sentido de que o prazo de dilação previsto no artigo 88º, do Código de Procedimento Administrativo, não tem aplicação em processo de contraordenacional, porque não existe lacuna, e porque mesmo a existir, não seria aplicável o Código de Procedimento Administrativo mas sim o Código de Processo Penal, que não prevê qualquer dilação.”


1.4 - Neste Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer no sentido de concordar que se verificam os pressupostos formais e substanciais para verificação de oposição de julgados e prosseguimento do processo para uniformização de jurisprudência.


1.5- Em exame preliminar foi solicitado que se averiguasse a fase em que se encontravam os processos que o MPº refere no seu parecer a final (recursos extraordinários de fixação de jurisprudência, a que correspondem os Proc.ºs nºs 204/22.5YUSTRL1-A.S1 (3ª secção) e 298/22.3YUSTR.L1-A.S1 (3ª secção) e ainda dos procºs 296/22.7YUSTR e 297/22.5YUSTR), nomeadamente se houvera conferência nos termos do artº 441º do CPP ou se nalgum deles fora já verificada oposição de julgados, recursos esses interpostos pela ora recorrente para fixação de jurisprudência, versando a mesma questão de direito, para eventual aplicação, se tivesse de vir a ser o caso, nos presentes autos, do artº442 nº2 do CPP.


Foi entretanto certificado o trânsito em julgado, ocorrido a 25.11.2013, do Acórdão fundamento do TRP, conforme informação junta aos presentes autos em 21.04.2023, refª ......43.


Por despacho do relator, de 19.09.23, foi verificado e consignado que:


“ Perante as informações que antecedem ( do TRL e TRP) e não obstante a data do acórdão do TRL estar assinado com data posterior (20 de Março) à da certificação Citius ( 20/2) , o do TRP (Acórdão fundamento) indicado na publicação da DGSI ser datada de 6.11.2013 e o TRP informar ser de 11.11.2013, foi identificado e indicado o trânsito em julgado de cada um, não havendo mais discrepâncias de relevo.”


Assim, mostra-se consignada nos autos a data de trânsito de cada um dos arestos (tendo-o sido a 6 de março 2023 o Acórdão do TRL ora recorrido e a 25.11.2013 o Acórdão Fundamento proferido no TRP no processo n.º 826/13.5TBMAI.P1) , bem como ter sido interposto o presente recurso a 22 de Março de 2023 (e não a 14-04-2023 como, certamente por lapso, refere o MP no seu parecer neste STJ), portanto dentro dos 30 dias após o trânsito do aludido acórdão recorrido ( cfr. refª citius ......63).


1.6- O Acórdão Fundamento (do TRP)


Para o que interessa decidir foi o seguinte ali decidido:


Processo n.º 826/13.5TBMAI.P1


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


I. RELATÓRIO:


“B…”, com sede em ..., deduziu impugnação judicial da decisão do “Instituto Nacional de Aviação Civil, IP (INAC)” que lhe aplicou a coima única de 6.000,00€, pela prática reiterada da contra-ordenação prevista no artigo 9.º n.º 2 alínea b) do DL 109/2008 de 26/06 e punida pelo artigo 9.º n.º 3 alínea e) do DL 10/2004 de 9/1.


No despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso o tribunal a quo rejeitou-o por


extemporaneidade.


Inconformada com tal decisão, recorreu a arguida para esta Relação, formulando, para o efeito, as conclusões seguintes:

a. A recorrente é uma sociedade de direito ..., com sede em … na ..., que ao tempo em que teve lugar a notificação dos autos não tinha estabelecimento nem qualquer forma de representação em Portugal;

b. O recurso que interpôs da decisão do INAC tinha como fundamento o seu total desconhecimento da existência do processo de contra-ordenação dos autos, o qual decorreu à sua inteira revelia sem nunca lhe ter sido dado, por qualquer meio, conhecimento do mesmo;

c. Esta situação apenas foi possível, porque ocorreu flagrante violação das normas que regulam o processo de contra-ordenação, designadamente os artigos 46º e 50º a 53º do RGCOC como também da disciplina do Decreto- Lei nº 10/2004, de 9 de Janeiro, que aprovou o regime aplicável às contra-ordenações aeronáuticas civis, nomeadamente os seus artºs 19º a 26;

d. A recorrente foi notificada e escassos três dias do Natal, numa época em que parte do seu pessoal se encontra em gozo de férias e em que por isso a organização e recolha de meios de prova se revela muito mais difícil, sem já contar com a circunstância de estarem em causa factos já com mais de seis anos;

e. O Acórdão da Relação de Coimbra de 29/02/2012 apreciou uma situação de facto inteiramente diversa da dos presentes autos, porque o que ali estava em causa era a validade da citação de uma pessoa colectiva com sede em Portugal, feita em pessoa diversa do seu gerente único e representante legal, que se encontrava a residir em França;

f. A dilação de prazo de que são beneficiários os residentes no estrangeiro, tanto em processo civil como em processo administrativo visa exactamente garantir os direitos de defesa de quem por esse motivo se encontra em situação de maior dificuldade;

g. Por essa razão, o Meritíssimo Juiz deveria ter admitido o recurso da recorrente, considerando aplicável ao caso o mecanismo de dilação, fosse o do artº 73 do Código do Procedimento Administrativo, ou o do artº 252º, nº 2 do Código de Processo Civil;

h. h) O douto despacho recorrido ao julgar que no caso dos autos não havia lugar à dilação no prazo de interposição do recurso da decisão do INAC, desaplicando tanto o artº 73º do Código do Procedimento Administrativo, como o artº 252, nº 3 do Código de Processo Civil, este por remissão do artº 41, nº 1 do RGCOC, violou os direitos constitucionais à tutela jurisdicional efectiva do artº 20º da Constituição;

i. i) Como também o artº 32º,nº 10 da Constituição sobre as garantias do processo contraordenacional.

j. Terminou pedindo a revogação do despacho.

k. (…)

l. II. FUNDAMENTAÇÃO:


A. O despacho recorrido é do seguinte teor:

m. «1. B…, veio, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, impugnar judicialmente a decisão do Instituto Nacional de Aviação Civil, IP (INAC) em que foi decidido aplicar-lhe uma coima de 6.000,00 €uros.

n. Tal recurso foi apresentado por via postal expedida no dia 25 de Janeiro de 2013 (cfr. fls.153). Verifica-se, por outro lado, que a recorrente havia sido notificada da decisão em 21/12/2012 (data que a própria expressamente aceita no ponto 1. do articulado de fls.163) e que corresponde à data da entrega da notificação que, por via de correio registado, lhe foi dirigida pela entidade administrativa (cfr. fls. 88 e 157).

o. Ora, segundo prescreve o artº 59º, nº 3, do D.L. nº 433/82, de 27/10: "O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (...)."

p. Assim acontecendo, e porque está em causa uma situação em que é aplicável o disposto no artigo 72.º do Código de Procedimento Administrativo (pois, conforme jurisprudência fixada no Ac. do STJ, n.º 2/94, de 10-3-94, “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº3 do artigo 59º do DL n.º 433/82, de 17/10, com a alteração introduzida pelo DL n.º 356/89, de 17/10”), a que se soma a regra do art. 60º do RGCOC, a contagem do prazo inicia-se no dia seguinte ao da notificação, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados, sendo que, se vier a terminar em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, se transfere o fim do prazo para o primeiro dia útil seguinte. Como tal, no caso em apreço, dado que foi no dia 24 de Dezembro de 2012 que se iniciou o prazo de 20 dias para a apresentação do recurso de contra-ordenação, o mesmo viria a terminar no dia 22 de Janeiro de 2013. Consequentemente, na data em que a arguida apresentou o seu requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa, o prazo dentro do qual o acto podia ser praticado havia já decorrido na sua totalidade.


2. Suscita-se, no entanto, a questão de saber se ao prazo acima mencionado se aplicam as normas de dilação estatuídas no artigo 252º-A do Código do Processo Civil e as regras que, nos termos do previsto no artigo 145º do Código do Processo Civil, autorizam que o acto processual possa ainda ser praticado num dos três dias úteis imediatamente seguintes ao do final do prazo. Desde já se diga que não, pois, conforme se pode ler Acórdão da Relação de Évora de 10 de Janeiro de 2006, (acessível em www.dgsi.pt), "O recurso de impugnação faz parte da fase administrativa do processo, não da fase judicial, pelo que nunca a interposição de um tal recurso pode ser considerado, seja para que efeito for, como acto praticado em juízo (…) Com efeito, tal recurso é deduzido num processo contraordenacional e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (cf. art. 62, n.º 2 do RGCO)”. Assim, estando-se perante um prazo que não tem natureza judicial, entende-se que não se aplica ao mesmo as específicas regras dos artigos 145º e 252º-A do Código do Processo Civil (cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Novembro de 2005, in CJ XXX, Tomo V, pg. 129 a 132). Acrescente-se ainda que se entende que o facto de o prazo previsto no art. 59° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas não ter natureza judicial não significa nem determina que o processo contraordenacional seja ou deva ser considerado um procedimento administrativo. Com efeito, os procedimentos administrativos são aqueles que se encontram dispersos pela legislação administrativa, nomeadamente, os licenciamentos, os loteamentos urbanos, os procedimentos concursais e outros, não cabendo em tal âmbito os procedimentos sancionatórios que têm como direito subsidiário o direito processual penal. O Código do Procedimento Administrativo não pode ser, por isso, encarado como direito subsidiário do processo das contra-ordenações, o que só poderia acontecer “se se desse como revogado o disposto no nº 1 do artigo 41º do regime geral das contra-ordenações, o que dada a especialidade desta norma, não seria possível sem uma referência expressa”. Consequentemente, tal como se perfilha no Acórdão da Relação de Coimbra de 29/02/2012 (acessível em www.dgsi.pt) do qual foi retirada a citação que antecede, a dilação prevista no artigo 73º do Código do Procedimento Administrativo não deve ser aplicada em sede de recurso de contra-ordenação.


Por tudo o explanado, impõe-se indeferir o requerimento de fls. 163 a 165 (no qual a sociedade arguida veio sustentar ser tempestivo o recurso que apresentou e, subsidiariamente, peticionar o pagamento da multa prevista no artigo 145º do Código do Processo Civil) e, ao abrigo no preceituado nos artº 59º, nº 3, 60º e 63º, nº 1, do D.L. nº 433/82, de 27/10, rejeitar, por extemporaneidade, o recurso interposto pela arguida.


3. Nos termos e pelos motivos expostos, DECIDO:

a. indeferir o requerimento de fls. 163 a 165;

b. rejeitar, por extemporaneidade, o recurso de impugnação judicial apresentado por B…;

c. (…)

d. Dos autos extrai-se com interesse para o conhecimento do recurso o seguinte:

e. ? A arguida tem sede em ....

f. ? A arguida foi notificada da decisão do “Instituto Nacional de Aviação Civil, IP (INAC)” no dia

g. 21-12-2012.

h. ? No dia 24-01-2003, via correio electrónico (fls. 89-120), e no dia 25-01-2013, por via postal (fls.

i. 121-153), a arguida apresentou o requerimento de impugnação judicial da decisão do “Instituto

j. Nacional de Aviação Civil, IP (INAC)”.


*


C. Apreciação do recurso


72.º do Código de Procedimento Administrativo, por se tratar de prazo que não tem natureza judicial, conforme jurisprudência fixada no Acórdão do STJ, n.º 2/94, de 10-3-94, decorrendo desta natureza a inaplicabilidade das normas de dilação estatuídas no artigo 252º-A do Código do Processo Civil e das regras que, nos termos do previsto no artigo 145º do Código do Processo Civil, autorizam que o acto processual possa ainda ser praticado num dos três dias úteis imediatamente seguintes ao do final do prazo.


Neste aspecto o despacho recorrido acolhe a orientação unânime da jurisprudência, que igualmente sufragamos, de acordo com a qual a impugnação da decisão administrativa que aplicou uma coima insere-se ainda no âmbito do processo administrativo e só passa a obedecer a tramitação judicial o recurso depois de apresentado em juízo pelo Ministério Público. Neste seguimento, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que o prazo de recurso previsto no artigo 59.º do RGCO não tem natureza judicial mas antes administrativa. E, pese embora as alterações legislativas entretanto operadas pelo DL 244/95, de 14 de Setembro, a orientação da jurisprudência decorrente do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência mantém-se em vigor, como também decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça «Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59º, nº 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão nº 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no nº 3 do art. 144º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão nº 2/94.


Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104º, nº 1, e 107, nº 5, do CPP.


O DL nº 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais. Quer dizer: o DL nº 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL nº 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72º, nº 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.


Ou seja: o DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.


Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP.


Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.


É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou.


Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8)» (vd. acórdão de 03-11-2010, proc. 103/10.3TYLSB.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).


Deste modo, face à elucidativa exposição e escusando-nos de repetir a argumentação à qual aderimos, não subsistem dúvidas de que ao prazo para interposição do recurso previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO não é aplicável o regime legal de contagem correspondente aos processos judiciais do foro civil ou penal, acompanhando-se, nesta parte, a decisão recorrida ao considerar inaplicáveis as normas dos artigos 145.º e 252.º-A do Código Processo Civil, o que a recorrente também admite, centrando a sua tese na aplicação das normas próprias do procedimento administrativo.


A questão que persiste e importa conhecer consiste em saber se a norma relativa à dilação prevista no Código Procedimento Administrativo deve ou não aplicar-se ao prazo de impugnação judicial. (negrito nosso)


O tribunal a quo respondeu negativamente à questão e decidiu em conformidade, com o fundamento de que o processo contraordenacional não pode ser considerado um procedimento administrativo e que tem como direito subsidiário o direito processual penal, nos termos do artigo 41.º n.º 1 do RGOC, apoiando-se no acórdão da Relação de Coimbra de 29-02-2012. O recorrente insurge-se contra o entendimento do despacho recorrido, por o mesmo, apesar de considerar aplicável o artigo 72.º do CPA, ter afastado a aplicação da dilação prevista no artigo 73.º do mesmo diploma, com base na argumentação expendida pelo Tribunal da Relação de Coimbra para uma situação de facto inteiramente diversa da que ocorre nos autos.


Analisada a decisão recorrida constata-se que efectivamente incorre em aparente contradição ao recusar a aplicação da norma do artigo 73.º do CPA, depois de defender a natureza administrativa do prazo em curso e de expressamente aplicar a norma do artigo 72.º do CPA, com o fundamento de que o mencionado diploma não pode ser encarado como direito subsidiário do processo de contraordenacional, por não ter sido revogado o disposto no artigo 41.º n.º 1 do RGCO.


Na verdade, a questão colocada não se prende com a definição do regime legal subsidiário, pois, quanto a este aspecto existe total consenso face ao preceituado no citado artigo 41.º n.º 1 do RGCO, tampouco se trata de colmatar lacuna legislativa detectada neste mencionado diploma, assim como não se defende na jurisprudência que a aplicação do artigo 72.º do CPA deriva do recurso ao regime supletivo ou subsidiário, por isso, a objecção posta não tem qualquer eficácia.


Do que se trata, antes, é de determinar se, decorrente do entendimento supra exposto quanto à natureza do prazo, deve ou não estabelecer-se qualquer restrição na aplicação do regime geral de contagem dos prazos administrativos, e quanto a esta matéria o tribunal a quo não se pronunciou, tal como o citado acórdão da Relação de Coimbra não abordou o mesmo assunto, refira-se porém que a situação apreciada neste aresto assumia contornos diferentes daqueles que envolvem o presente caso (no aludido acórdão estava em causa uma empresa sediada em Portugal, encontrando-se o respectivo representante legal a residir ou ausente no estrangeiro aquando da notificação da decisão administrativa).


Ora, se o recurso de impugnação judicial integra a fase administrativa do processo contraordenacional e se o prazo aplicável regulado nos artigos 59.º e 60.º do RGCO tem natureza administrativa, não se vislumbram motivos atendíveis para recusar a aplicação da norma do artigo 73.º do CPA, que está inserida no regime geral dos prazos administrativos, à semelhança do que sucede com as regras previstas no artigo 72.º do mesmo diploma legal, e que só parcialmente foram transpostas para o artigo 60.º do RGCO. Na verdade, quando se refere que o prazo é administrativo por contraposição ao prazo judicial pretende-se significar que se rege pelas regras atinentes aos prazos de natureza administrativa, onde se incluem as normas referentes aos prazos de defesa dos interessados relativamente às decisões administrativas, afastando-se concomitantemente as regras aplicáveis à prática de actos processuais em juízo.


Por conseguinte, a contagem do prazo de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no artigo 59.º do RGCO deve ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas não só no artigo 72.º do CPA, como também no subsequente artigo 73.º do mesmo diploma legal, dado se tratar de norma geral aplicável à contagem dos prazos administrativos, que encontra justificação na previsível maior dificuldade de acesso a elementos e preparação da defesa por parte dos interessados residentes no estrangeiro, dificuldade essa resultante da distância a que se encontram do local onde decorre o procedimento, garantindo-se, deste modo, a efectividade do direito de defesa, mediante processo equitativo (cf. artigos 20.º, n.º 4 e 32.º n.º 10 da CRP).


Assim, no caso concreto, o prazo de 20 dias para apresentar o recurso apenas se iniciou depois de finda a dilação de 15 dias (cf. artigo 73.º n.º 1 alínea b) do CPA) e, por isso, o último dia do prazo ocorreu em 1 de Fevereiro de 2013, donde se conclui pela tempestividade do recurso. (negritos nossos)


Em conformidade com o explanado, não pode manter-se o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que proceda ao exame preliminar do recurso, quanto aos demais requisitos legais, e determine a devida tramitação legal, nos termos dos artigos 63.º, 64.º e seguintes do RGCO.


*


III. DECISÃO:


Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinam que o despacho recorrido seja substituído por outro que considere tempestivo o requerimento de impugnação judicial e aprecie o recurso, nos termos supra enunciados. ( negrito nosso)


Sem custas.


*


Porto, 06-11-2013


(…)”


1.7- O Acórdão recorrido (do TRL de 20 de Fevereiro de 2023 transitado a 6 de Março)


Neste decidiu-se:


I. RELATÓRIO


Com entrada de requerimento de interposição de recurso perante a AUTORIDADE NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) em 29.08.2022 (e envio postal de 26.08.2022), DEUTSCHE LUFTHANSA AKTIENGESELLSCHAF impugnou judicialmente decisões da referida Autoridade que, conforme referiu, lhe impuseram «uma coima única» nos «valores de 1.200,00, 1.600,00 e 5.600,00» EUR pela prática de contra-ordenações relativas à admissão a embarque nas suas aeronaves de passageiros não possuidores de teste laboratorial de rastreio da infecção por SARS-CoV-2. O conteúdo do decidido foi transmitido à Arguida/Recorrente através de carta registada com aviso de recepção remetida pela ANAC a «Mr. AA» «...», sendo que o aludido aviso de recepção foi subscrito através da aposição de uma rubrica ilegível com data de 25.07.2022.


Recebidos os autos no Tribunal Judicial, foi proferida decisão com o seguinte conteúdo:


Nestes termos e em face do exposto, decido rejeitar o recurso de impugnação judicial apresentado por DEUTSCHE LUFTHANSA AKTIENGESELLS-CHAFT, por ser extemporâneo.


É dessa decisão que vem o presente recurso interposto pela Arguida.


“(…)


São as seguintes as seguintes as questões a avaliar:


1. Por não ter sido observado o disposto nos números 1 e 3 do artigo 223.º
do Código de Processo Civil quanto à citação das sociedades, a notificação deve
considerar-se nula?


2. Ainda que a notificação se considerasse válida e eficaz, sempre seria
aplicável a dilação de 15 dias úteis, prevista no artigo 88.º do Código de Procedimento
Administrativo, pelo que a impugnação judicial teria, forçosamente, de ser considerada
tempestiva?


3. O entendimento perfilhado pelo Tribunal «a quo» viola de forma
intolerável os princípios da confiança, boa fé e da segurança jurídica, consagrados nos
artigos 2.º e 226.º da Constituição da República Portuguesa?


II. FUNDAMENTAÇÃO


Fundamentação de facto


Relevam, nesta sede, os factos processuais acima enunciados.


Fundamentação de Direito


1. Por não ter sido observado o disposto nos números 1 e 3 do artigo 223.º do Código de Processo Civil quanto à citação das sociedades, a notificação deve considerar-se nula?


(…)


Flui do exposto ser mandatório responder negativamente à questão apreciada.

1. Ainda que a notificação se considerasse válida e eficaz, sempre seria aplicável a dilação de 15 dias úteis, prevista no artigo 88º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que a impugnação judicial teria, forçosamente, de ser considerada tempestiva? (negrito nosso)


Também esta questão foi avaliada no referido acórdão n° 204/22(...). E foi-o de forma particularmente acertada. Pugna a Arguida pela aplicação, nos autos, na definição do prazo de que dispunha para impugnar a decisão da autoridade administrativa contra si proferida, da dilação de quinze dias enunciada na ai. b) do n.° 1 do art. 88.° do Código do Procedimento Administrativo - encadeado normativo aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 07.01 - por estar a arguida sedeada no estrangeiro.


Neste campo, admite-se a existência de alguma compreensível paralaxe de génese terminológica, orgânica e jurídica.


É o próprio legislador a introduzir, neste domínio, as palavras «administrativa» e «administrativas» para referenciar as entidades intervenientes por alusão à ontologia e essência jurídica das autoridades inicialmente decisórias - vd. os art.s 21.°, 27.°-A, 28.°, 33.°, 35.°, 38.°, 40.°, 41.°, 45.°, 46.°, 48.°, 49.°, 52.°, 53.°, 55.°, 56.°, 59.°, 60.°, 62.°, 65.°-A, 70.°, 72.°-A, 73.°, 79.°, 81.°, 82.°, 83.°, 87.°, 88.°, 89.°, 90.°, 91.°, 92.° e 93.° e 95.°, todos do RGCO.


Mas será que essa aparência coincide com a realidade e tem a suficiente força para atrair o regime do Direito administrativo, designadamente o sistema de prazos do Código do Procedimento Administrativo (CPA)?


Analisemos.


A resposta terá que ser afirmativa se nenhum regime específico apartar a essência da entidade que decide do regime normativo associado à sua identidade, a saber, o administrativo. E para aí chegar não seriam, neste contexto, necessários sofisticados mecanismos interpretativos.


É certo que a intervenção da autoridade administrativa surge à margem da face judicial do processo de contra-ordenação (apesar de o n.º 2 do art. 41.º consignar que no «processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma») pelo que o regime relativo aos prazos judiciais não é, pelos menos automaticamente, aplicável à dita «fase administrativa».


Se disto houvesse dúvidas, elas sempre seriam dissipadas pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência obrigatória que definiu que: «Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro».


Esta resposta jurisprudencial já antes intuível, não soluciona, porém, o nosso problema, já que dela não resulta, de forma mecânica, a natureza administrativa do lapso temporal avaliado. Nem tal emerge, da mesma forma e de imediato, da afirmação: «o que significa que, até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição do recurso a imediata entrada na fase judicial do processo», já que bem pode o legislador ter criado um mecanismo específico regulador do prazo quer à margem das regras processuais relativas a um processo judicial quer das integradas no Direito administrativo.


Se é verdade que o referenciado aresto do Supremo Tribunal de Justiça notou com acerto não poderem ser importadas regras do processo penal ao abrigo do disposto no art. 41.º do RGCO por esta ser norma apenas aplicável «à matéria do capítulo onde está inserido», não menos certo é que legislador, adaptando já o regime do RGCO ao afirmado no acórdão de forma obrigatória, veio erigir, sem ambiguidades, um prazo que dirigiu específicamente ao momento da impugnação da decisão da autoridade administrativa. Fê-lo nos n.ºs 1 e 2 do art. 60.º, nos seguintes termos:


1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.


2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.


Daqui sim, resulta já resposta muito consistente, sem dificuldades de interpretação gramatical, semântica, teleológica, histórica ou outra, no sentido de que, se o prazo judicial e sua forma de contagem, previstos no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil não são aplicáveis à impugnação da decisão da autoridade administrativa, também não o são o prazo e a forma da sua determinação emergentes do Direito administrativo, designadamente do Código do Procedimento Administrativo.


Porquê? Justamente porque o legislador, adaptando o regime normativo das contra-ordenações àquele aresto, criou regime específico quanto à matéria ajuizada.


E desse sistema brota, insofismável, a original suspensão da contagem dos prazos aos Sábados, Domingos e Feriados (original face ao regime do n.º 1 do art. 104.º do Código de Processo Penal, marcado pela sua remissão para o prazo contínuo definido no n.º 1 do art. 138.º do Código de Processo Civil).


Temos, pois, no RGCO, um sistema de prazos aplicável à fase judicial, sobretudo marcado pela remissão para o processo penal feita no art. 41.º, e um regime relativo ao prazo de impugnação das decisões das autoridades administrativas vertido directamente, sem remissão, no art. 60.º. Esta especialidade e suficiência afastam, liminarmente e em absoluto, o recurso, a título subsidiário, ao Direito administrativo, designadamente ao art. 88.º do CPA.


Da análise do regime particular assim revelado – art. 60.º – e atendendo à concentração que resulta da especialidade e ausência de remissão específica no âmbito da regulação do recurso da decisão administrativa dele objecto, temos que concluir que o prazo em apreço não é contínuo, não tem dilações e não envolve permissão de prática nos três dias posteriores ao seu termo (sendo a falta destas vantagens compensada pela suspensão aos Sábados, Domingos e Feriados e pela sua própria extensão assimétrica por comparação com o prazo do recurso jurisdicional para a Relação).


No domínio jurisprudencial, relevam neste âmbito, a título complementar, algumas das referências lançadas com muita adequação no aresto deste tribunal sempre sob referência, nos termos que se extractam:


No que diz respeito ao acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça STJ-2/96, o mesmo julga que a disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação. Afigura-se que idênticos fundamentos valem para o prazo de impugnação judicial aqui em questão, previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO, (...) porque a dilação não se encontra especificamente prevista nesses artigos (…).


e


Em consequência, afigura-se que, à luz dos acórdãos TC-378/2021 e STJ-2/96, na presente contraordenação, não acresce ao prazo de impugnação previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO, a dilação prevista no artigo 88.º do CPA.


Face ao exposto, é manifestamente negativa a resposta que se impõe dar à questão avaliada.


3. O entendimento perfilhado pelo Tribunal «a quo» viola de forma intolerável os princípios da confiança, boa fé e da segurança jurídica, consagrados nos artigos 2.º e 226.º da Constituição da República Portuguesa? Como se viu em sede de resposta à questão anterior, o entendimento do


Tribunal «a quo» atingiu conclusão que tem suporte no Direito constituído.


Como se viu em sede de resposta à questão anterior, o entendimento do


Tribunal «a quo» atingiu conclusão que tem suporte no Direito constituído.


No que tange à constitucionalidade do regime normativo, impõe-se referir o que se passa a enunciar.


É patente o lapso da Arguida/Recorrente ao indicar a segunda das normas apontadas na pergunta a que ora se responde. Tal até emerge, também, das suas próprias alegações. O art. 226.º da Constituição da República Portuguesa nenhuma ligação tem com o que se quis invocar. Certamente que a Arguida pretendeu, antes, brandir com a violação dos princípios fundamentais do funcionamento da Administração Pública enunciados no n.º 2 do art. 266.º da Lei Fundamental. Porém, ainda que o tivesse feito em termos adequados, nem assim lhe assistiria razão.


É assim porquanto é manifesto, à luz do enquadramento e análise acima concretizados, que não ficam, nos autos, comprimidos o princípio da igualdade (não há qualquer desequilíbrio entre partes emergente da fixação específica de um quadro legal, com generalidade e abstracção, no que tange à contagem de um prazo de impugnação), proporcionalidade (conceito relacional que assenta numa comparação entre os dois termos de uma equação, não se indiciando, aqui, perda de relação balanceadora e equânime), justiça (vontade perpétua de dar a cada um aquilo que lhe pertence, sendo que o que aqui pertence à Arguida é o que o legislador lhe conferiu, manifestamente sem compressão de direitos, particularmente encontrando-se a mesma representada por Distinto Profissional do Foro justamente com vista a garantir o pré-conhecimento do Direito vigente e das formas sacramentais de exercício de direitos e suas preclusões), imparcialidade (nenhum desiquilíbrio em desfavor da Recorrente se vislumbra na fixação de um regime específico de contagem de prazo de impugnação no momento do confronto com a decisão administrativa) e boa-fé (não se divisa a violação de uma conduta recta e proba em qualquer momento dos autos e ela não não se manifesta ao nível legislativo pela regulação particular de um regime de contagem de prazo em atenção à especificidade da intervenção sendo que, aliás, o prazo concedido no fim da «fase administrativa» e que se quis utilizar corresponde ao dobro do concedido para o mesmo efeito no fim da fase de impugnação judicial em primeira instância).


A existência de norma geral e abstracta anterior, aprovada nos termos constitucionais, e a subjacente possibilidade de recorrer a tribunais independentes integrados no Terceiro Poder do Estado (pois se até se definem prazo e forma da sua contagem, veiculares de um recurso), não envolve qualquer risco de abalo ao Estado de Direito Democrático, particularmente de desvio à garantia de tutela efectiva de direitos, para os efeitos do estabelecido no art. 2.º da Constituição.


Não há agressão à previsibilidade e coerência intrínseca das normas analisadas porquanto as mesmas se integram num quadro sistemático definido com clareza e antecipação (aliás concretizando jurisprudência obrigatória, como se viu) e assentam num conhecimento preciso dos demais institutos e regimes similares.


O contexto descrito em sede da resposta à questão anterior evidencia, com grande clareza, não ficarem em crise a certeza e a segurança quanto ao exercício dos direitos e não se ferirem expectativas em termos que gerem abalo da confiança dos cidadãos e empresas na ordem jurídica e na actuação do Estado, antes o mesmo revela um sistema normativo organizado, claro, pré-conhecido, certo, patente e bem visível – sobretudo para os profissionais do foro – constante de normas publicadas e pré-estabelecidas.


Não há qualquer inconstitucionalidade.


Releva, como complemento desta exposição, o referido no acórdão anterior deste Tribunal referenciado nesta decisão, com o conteúdo que se enuncia: Assim, o acórdão do Tribunal Constitucional TC-378/2021, julgou que não é inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 228.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretada no sentido de que é de quinze dias úteis, a contar do conhecimento do arguido, sem possibilidade de prorrogação, o prazo para a interposição do recurso da decisão administrativa que tenha aplicado uma sanção. Pelo que, as mesmas razões indicadas nesse acórdão, valem para a norma análoga aqui em crise, prevista no artigo 59.º do RGCO, sem que, contrariamente ao que defende a arguida, a impossibilidade de aplicação de uma dilação tenha violado os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, da confiança, da boa fé ou da segurança jurídica.


Quanto à efectividade, ou seja, ao efectivo acesso à impugnação das decisões («judiciais», no caso apreciado pelo Tribunal Constitucional) tem importância, também, o enunciado por esse Tribunal no Acórdão 172/2021 (na senda de vários outros), que recordou, citando o Acórdão n.º 110/2012, que «as diferenças existentes entre a ilicitude de natureza criminal e o ilícito de mera ordenação social obstam a que se proceda a uma simples transposição, sem mais, dos princípios constitucionais aplicáveis em matéria de definição de penas criminais para o espaço sancionatório do ilícito de mera ordenação social».


Com muito interesse e relevo, o acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 378/2021, acima indicado, alinhou como «exemplos da admissibilidade constitucional da diferenciação de regimes no que respeita a prazos processuais (...): (i) o Acórdão n.º 1229/1996, na parte em que não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, enquanto estabelece o prazo de cinco dias para ser interposto recurso da decisão do juiz de 1.ª instância para o Tribunal da Relação em processo de contraordenação; (ii) o Acórdão n.º 473/2001, que não julgou inconstitucional o disposto nos artigos 59.º n.º 3 e 60.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas; (iii) o Acórdão n.º 395/2002, que não julgou inconstitucional norma extraída dos artigos 59.º, n.º 3, e 60.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso neles


previsto não se suspende durante as férias judiciais; (iv) o Acórdão n.º 293/2006, que não julgou inconstitucional a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o artigo 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contraordenação; e (v) os Acórdãos n.ºs 487/2009 e 386/2014, que não julgaram inconstitucional a norma do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, na interpretação segundo a qual o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste, estabelecendo um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso do que aquele que decorre do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto».


Resulta do enunciado ser manifesto não assistir razão à arguida/Recorrente, também a este nível.


Não se localiza erro na contagem do prazo de recurso, sendo adequada a conclusão pela intempestividade do recurso.


Só pode, consequentemente, ser negativa a resposta a dar a esta derradeira questão analisada.


III. DECISÃO


Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso, negamos-lhe provimento e confirmamos a decisão impugnada.


(…)”


*


1.8 - Entretanto , por acórdão de 8 de novembro de 2023, na 3ª Secção Criminal deste STJ, no Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1, foi verificada oposição de julgados no recurso instaurado também pela Lufthansa para Fixação de jurisprudência com temática idêntica relativa à contagem de prazo de recurso em processo contraordenacional quando a acoimada seja uma empresa (in casu também de aviação civil) com sede no estrangeiro (espaço europeu- ... e Alemanha) aplicação ou não da dilação de 15 dias discutida de igual modo no mesmo acórdão fundamento do Tribunal da Relação do Porto invocado nos presentes autos.


Passamos de imediato a referir os termos essenciais dessa oposição dado o disposto no artº 441º, nº2 do CPP (suspensão dos termos do processo):


“(…) Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1


I. Relatório


1. DEUTSCHE LUFTHANSA AKTIENGESELLSCHAFT («LUFTHANSA»), arguida da prática de uma contraordenação por violação da norma da alínea i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 28 de junho, que estabelece o regime contraordenacional no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta, originada pela doença COVID-19, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.12.2022, que negou provimento ao recurso que interpôs da decisão de 21.09.2022, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que não admitiu, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL («ANAC»), interposto pela recorrente. Alega que nele se apreciou e decidiu uma questão de direito em oposição com o decidido no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 06.11.2013 no âmbito no Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, é admissível a fixação de
jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. Irrecorribilidade que, como requisito específico relativo aos acórdãos da relação, é imposta, como se vê, pelo artigo 437.º, n.º 2, do CPP.


Com efeito, não obstante o anteriormente decidido em sentido contrário nos acórdãos de 28.01.2015, Proc. 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, e de 08.03.2028, Proc. 41/12.5YUSTRL1-D.S1 e não havendo norma que constitua obstáculo ao recurso, justifica-se que, ao dispor que não cabe recurso das decisões da 2.ª instância, o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO se limita aos recursos ordinários, a isso não se opondo o artigo 73.º, n.º 2, com âmbito de previsão diverso, admitindo o recurso para a relação «para melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade de jurisprudência» (neste sentido, entre outros, o acórdão de 08.03.2018, Proc. 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, e Leones Dantas, Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2022, p. 283-284, e Damião da Cunha, “Fixação de Jurisprudência e Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista do Ministério Público, n.º 146, pp. 179ss., notando-se que são vários os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça assumiu esta competência, podendo referir-se os acórdãos 1/2001, 11/2005, 1/2009, 4/2011, 5/2013 e 2/2014). “(…)

14. A questão de direito, que vem identificada no recurso, traduz-se em saber se o prazo de 20 dias para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima, estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo («Regime Geral das Contraordenações» - «RGCO»), apenas se começa a contar, ou não, após a dilação de 15 dias prevista no artigo 88.º, n.º 1, alínea b), do (novo) Código de Procedimento Administrativo («CPA»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, que corresponde ao artigo 73.º, n.º 1, al. b), do (anterior) Código de Procedimento Administrativo («CPA»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, revogado por aquele decreto-lei.

15. «não houve alteração da redação dos normativos que preveem a dilação».

16. (…)


(…)


Há, pois, que determinar se se verifica a oposição de julgados.


16. Examinado o processo, mostra-se o seguinte:


16.1. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão recorrido

1. Neste processo, em que foi proferido o acórdão recorrido, a arguida LUFTHANSA, com sede na Alemanha, em ..., ..., interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão judicial proferida em 21.9.2022, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que não admitiu o recurso de impugnação judicial da decisão condenatória da ANAC, interposto pela recorrente, nos termos do artigo 59.º do RGCO, por tê-lo julgado intempestivo.

2. Para decidir o recurso a Relação levou em conta os seguintes factos (transcrição):

12. «[...] Por decisão administrativa de 16.12.2021 [...], a ANAC condenou a arguida pela prática negligente de onze contraordenações previstas no artigo 2.º - i) do DL 28-B/2020 de 28 de Junho na redacção aplicável à data dos factos, respectivamente, em onze coimas de 500 euros cada uma e, em cumulo jurídico, na coima única de 5 600 euros, por factos praticados em 13, 14 e 15 de Março de 2021 [...].

13. A decisão da ANAC [...] acompanhada da tradução em inglês [...], foi notificada à arguida, na sua sede na Alemanha, via postal, por carta registada com aviso de recepção, expedida em 21 de Julho de 2022, tendo o aviso de recepção sido assinado em 25 de Julho de 2022 [...].

14. Por registo de 26 de Agosto de 2022, a arguida enviou à ANAC o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa [...] recebido na ANAC em 29 de Agosto de 2022 [...].

15. Por despacho proferido em 21 de Setembro de 2022 [...] o Tribunal recorrido não admitiu o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida, referido no parágrafo anterior, por julgá-lo intempestivo [...].


16.1.3. Para decidir o recurso, o Tribunal da Relação convocou as seguintes disposições legais:


Os artigos 3.º («Processos em que também é concedido auxílio judiciário mútuo») e 5.º («Envio e notificação de peças processuais»), da Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados Membros da União Europeia de 29.5.2000, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República 63/2001 de 16.10 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 53/2001, de 16.10, em vigor em Portugal desde 23.8.2005 e que vincula igualmente a Alemanha;


Os artigos 1.º («Objecto e âmbito de aplicação»), 3.º («Direito à tradução dos documentos essenciais») e 4.º («Custos de interpretação e de tradução») da Diretiva 2010/64/UE relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal;


Os artigos 2.° («Âmbito de aplicação») e 6.° («Direito à informação sobre a acusação») da Diretiva 2012/13/EU relativa ao direito à informação em processo penal;


Os artigos 4.° («Integração de lacunas»), 104.° («Contagem dos prazos de actos processuais»), 107.°-A («Sanção pela prática extemporânea de actos processuais»), 113.° («Regras gerais sobre notificações»), 118.° («Princípio da legalidade») e 123.° («Irregularidades») do Código de Processo Penal;


Os artigos 139.° («Modalidades do prazo»), 223.° («Citação ou notificação de incapazes e pessoas coletivas») e 246.° («Citação de pessoas colectivas») do Código de Processo Civil;


Os artigos 41.° («Direito subsidiário»), 46.° («Comunicação de decisões»), 47.° («Da notificação»), 59.° («Forma e prazo» da decisão e do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa), 60.° («Contagem do prazo para impugnação»), 63.° («Não aceitação do recurso»), 70.° («Participação das autoridades administrativas») e 87.° («Processo relativo a pessoas colectivas ou equiparadas») do Regime Geral das Contraordenações (RGCO); e


O artigo 88.° («Dilação») do Código do Procedimento Administrativo.


E, na parte relevante, apreciou e decidiu o recurso nos seguintes termos:


«30. O segundo motivo de discórdia invocado pela arguida prende-se com o regime aplicável à contagem do prazo de recurso. O que é controverso, segundo este Tribunal julga perceber, é saber se deve aplicar-se uma dilação como prevê o artigo 88.º do CPA e/ou se deve admitir-se a prática do acto nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, como prevê o artigo 107.º A do CPP. A este propósito a arguida defende a aplicação das regras de interpretação previstas no artigo 9.º do CC. Porém, existindo jurisprudência nacional sobre a questão, este Tribunal levará em conta os critérios de interpretação ai fixados, como será explicado a seguir.


31. Antes de mais, para resolver esta questão convém recordar que a notificação foi enviada em 21.7.2022, considerando-se feita no terceiro dia posterior ao do envio, ou seja


24.7.2022 mas, como este dia foi Domingo, considera-se feita no primeiro dia útil seguinte, ou seja, em 25.7.2022 (cf artigo 113.º n.º 2 do CPP aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO). Importa também sublinhar que 25.7.2022 foi efectivamente a data em que foi recebida tal notificação na sede da arguida conforme consta do aviso de recepção junto aos autos [...].


32. Quanto ao recurso da arguida, o mesmo foi expedido por registo postal de
26.8.2022, segundo informou a ANAC, sendo esta a data a levar em conta para a sua
interposição, ou seja, foi interposto no terceiro dia posterior ao termo do prazo de vinte dias
previsto no artigo 59.º do RGCO [...].

33. A contagem do prazo de impugnação aqui em crise está especificamente regulada pelo artigo 60.º do RGCO, suspendendo-se apenas aos Sábados, Domingos e feriados e, caso não seja possível praticá-lo no último dia, o mesmo transfere-se para o dia útil seguinte.

34. Dito isto, o Tribunal levará em conta a jurisprudência a seguir mencionada, para resolver a questão de saber se deve ser aplicada a dilação prevista no artigo 88.º do CP A e/ou, se a prática do acto deve ser admitida no tereciro dia posterior ao do termo do prazo, nos termos do artigo 107.º n.º 5 do CPP.

35. Assim, o acórdão do Tribunal Constitucional TC-378/2021, julgou que não é inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 228.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quando interpretada no sentido de que é de quinze dias úteis, a contar do conhecimento do arguido, sem possibilidade de prorrogação, o prazo para a interposição do recurso da decisão administrativa que tenha aplicado uma sanção. Pelo que, as mesmas razões indicadas nesse acórdão, valem para a norma análoga aqui em crise, prevista no artigo 59.º do RGCO, sem que, contrariamente ao que defende a arguida, a impossibilidade de aplicação de uma dilação tenha violado os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva, da confiança, da boa fé ou da segurança jurídica.


36. Quanto à interpretação constante do acórdão de fixação de jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça, STJ - 2/94, que afasta a aplicação, ao prazo previsto no artigo
59.º do RGCO, da regra da continuidade dos prazos prevista no artigo 144.º do CPC de 1961
(actual artigo 138.º do CPC de 2013), essa interpretação foi entretanto consagrada na lei,
como resulta da redacção actual do artigo 60.º do RGCO, que prevê a suspensão do prazo


aqui em crise aos Sábados, Domingos e feriados. Com efeito, o acórdão STJ 2/94 julga que o prazo previsto no artigo 59.º do RGCO não é judicial, porém, desse acórdão não resulta que deva aplicar-se o artigo 88.º do CPA, o que resulta é que o prazo de impugnação judicial aqui em causa não deve ser contínuo como os prazos judiciais, por se tratar de um prazo administrativo. Isto, na medida em que o acto a praticar - apresentação do recurso de impugnação judicial - não pode ser praticado aos Sábados, Domingos e feriados, junto das autoridades administrativas. Foi esta a interpretação jurisprudencial que acabou por vir a ser consagrada no artigo 60.º do RGCO, através da alteração introduzida pelo DL 244/95 de 14 de Setembro.

37. No que diz respeito ao acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça STJ-2/96, o mesmo julga que a disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação. Afigura-se que idênticos fundamentos valem para o prazo de impugnação judicial aqui em questão, previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO, seja porque a dilação não se encontra especificamente prevista nesses artigos, seja porque, como defende o digno magistrado do Ministério Público, tanto na primeira como na segunda instância, o regime subsidiário aplicável, incluindo na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação, é o do CPP e não o do CPA, como resulta do artigo 41.º n.º 1 do RGCO.

38. Em consequência, afigura-se que, à luz dos acórdãos TC-378/2021 e STJ-2/96, na presente contraordenação, não acresce ao prazo de impugnação previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO, a dilação prevista no artigo 88.º do CPA.


39. Quanto ao problema suscitado pela contagem do prazo administrativo para
dedução de impugnação judicial, em processo de contraordenação laboral, que foi objecto do
acórdão STJ-3/2022, o mesmo é diverso do que aqui importa resolver. Tal problema resulta
de o prazo de impugnação judicial, nas contraordenações laborais, não ser contado nos
termos gerais em dias úteis, mas sim de forma contínua e, simultaneamente, não beneficiar
da suspensão das férias judiciais, nem da possibilidade de praticar tal acto nos três dias úteis
subsequentes. Perante um tal problema, o Supremo Tribunal de Justiça julgou que uma
interpretação restritiva da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 de 14 de


Setembro, para a contagem dos prazos em processo penal, implicaria que as contraordenações laborais não se inserissem em nenhum dos subgrupos a seguir referidos no parágrafo 42, constituindo um regime sui generis e criando uma incoerência no sistema, uma vez que o artigo 6.º n.º 2 da Lei 107/2009 estabelece que a contagem desses prazos não se suspende durante as férias judiciais.

40. Porém, atento o disposto no artigo 60.º do RGCO, que prevê expressamente a suspensão do prazo aqui em crise, aos Sábados, Domingos e feriados, esse problema não se coloca presentes autos.

41. Com efeito, o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça STJ-3/2022, proferido em matéria de contraordenações laborais, fixou jurisprudência unicamente quanto à interpretação do artigo 6.º da Lei 107/2009, como dele consta. No que releva para a decisão do presente recurso, esse acórdão veio fazer uma interpretação actualista e clarificar a seguinte distinção, que aqui será levada em conta. Em matéria contraordenacional os prazos consagrados pelo legislador nos vários regimes - geral e sectoriais podem dividir-se em dois grupos:


▪ “Um grupo em que se aplicam as normas dos prazos administrativos, contabilizando-se em dias úteis e sem aplicação das regras processuais penais;”


▪ “Outro grupo em que se aplicam as regras dos prazos judiciais com a remissão para as regras do processo penal e, consequentemente, com a aplicação da possibilidade de praticar os actos nos três dias úteis subsequentes.”


42. Assim sendo, resulta de ambos os acórdãos, STJ-2/94 e STJ-3/2022, que o prazo
de impugnação judicial previsto nos artigos 59.º e 60.º do RGCO pertence ao primeiro grupo
acima mencionado no parágrafo 42, na medida em que se suspende aos Sábados, Domingos e
feriados mas, em contrapartida, não permite que a arguida possa praticar o acto ai previsto
nos três dias úteis posteriores. Afigura-se ser esta coerência do sistema que o Supremo
Tribunal de Justiça visou assegurar através da fixação da jurisprudência acima citada.
Adicionalmente, estando especificamente previstos, no artigo 60.º do RGCO, os motivos de
suspensão do prazo aplicáveis aos prazos administrativos (suspensão aos Sábados,
Domingos e feriados), sem que daí conste qualquer dilação, não se afigura ser de aplicar


subsidiariamente a dilação prevista no artigo 88.º do CPA, pelos motivos já acima indicados no parágrafo 36.

43. Enfim, não foi alegado o justo impedimento nos termos previstos no artigo 107.º n.º 2 do CPP, cuja aplicação poderia eventualmente ser ponderada por força do artigo 41.º do RGCO, caso se verificassem os respectivos pressupostos.

44. Pelos motivos acima mencionados, uma vez que o artigo 63.º do RGCO prevê que o recurso de impugnação judicial deve ser rejeitado por despacho quando é interposto fora de prazo, não merece censura o despacho recorrido, que rejeitou, por intempestivo, o recurso de impugnação em primeira instância.

45. Em consequência, improcede o presente recurso.»


16.2. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão fundamento


16.2.1. No processo em que foi proferido o acórdão fundamento, a arguida “B”, com
sede na ..., impugnou judicialmente, nos termos do artigo 59.º do RGCO, a decisão do
“Instituto Nacional de Aviação Civil, IP (INAC)” – anterior designação da ANAC (artigo 1.º
do Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de março) – que lhe aplicou a coima única de 6.000,00
euros, pela prática reiterada da contraordenação prevista no artigo 9.º, n.º 2, alínea b), do
Decreto-Lei n.º 109/2008, de 26 de junho, e punida pelo artigo 9.º, n.º 3, alínea e), do
Decreto-Lei n.º 10/2004, de 9 de janeiro.


No despacho que procedeu ao exame preliminar, o tribunal a quo rejeitou o recurso de impugnação judicial por extemporaneidade.


O tribunal a quo apreciou a «questão de saber se ao prazo acima mencionado se aplicam as normas de dilação estatuídas no artigo 252º-A do Código do Processo Civil e as regras que, nos termos do previsto no artigo 145º do Código do Processo Civil, autorizam que o acto processual possa ainda ser praticado num dos três dias úteis imediatamente seguintes ao do final do prazo».


16.2.2. E, concluindo pela negativa, decidiu, com a seguinte fundamentação (…) 3. Nos termos e pelos motivos expostos, DECIDO:

a. indeferir o requerimento de fls. 163 a 165;

b. rejeitar, por extemporaneidade, o recurso de impugnação judicial apresentado por B...; (...

3. No recurso que interpôs para o Tribunal da relação do Porto a arguida defendeu que «deveria ter admitido o recurso da recorrente, considerando aplicável ao caso o mecanismo de dilação, fosse o do art. º 73 do Código do Procedimento Administrativo, ou o do art.º 252º, nº 2 do Código de Processo Civil».


O Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso, apreciando e decidindo nos seguintes termos: (…)”“(…)


17. Em síntese, o que estava em causa, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento, era saber se, tendo a arguida a sua sede no estrangeiro, o prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que lhe aplica a coima só se inicia depois de decorridos 15 dias após a notificação da decisão, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, al. b), do novo CP A, de 2015, e do artigo 73.º, n.º 1, al. b), do anterior CP A, de 1991.


A situação de facto em apreciação era idêntica em ambos os acórdãos. Quer neste caso quer no outro as arguidas tinham a sua sede no estrangeiro - na Alemanha, no caso do acórdão recorrido, e na ..., no caso do acórdão fundamento -, ambas as arguidas foram notificadas das decisões das autoridades administrativas que lhes aplicaram coimas - a ANAC, no caso do acórdão recorrido, e o INAC, no caso do acórdão fundamento - e ambas as arguidas usaram da faculdade de impugnação judicial dessas decisões, nos termos do artigo 59.º do RGCO.


Conhecendo dos recursos, os acórdãos concluíram, porém, em contradição um com o outro, na base de proposições de direito antagónicas.


No caso dos presentes autos, o acórdão recorrido concluiu que não é aplicável a dilação de 15 dias prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 88.º do (novo) CPA (que, como se viu, corresponde à al. b) do n.º 1 do artigo 73.º do anterior CPA), pelo que considerando que o despacho recorrido, que rejeitou, por intempestivo, o recurso de impugnação em primeira instância, não merece censura, julgou improcedente o recurso, não admitindo o recurso de impugnação.


No caso do processo em que foi proferido o acórdão fundamento, este concluiu que era aplicável dilação da al. b) do n.º 1 do artigo 73.º do (anterior) CPA então vigente, pelo que revogou o despacho que não admitiu o recurso, ordenando que fosse substituído por outro que o considerasse tempestivo e o admitisse. 18. Assim sendo, conclui-se que se verifica uma oposição de julgados, devendo o
processo prosseguir, em conformidade com o disposto no artigo 441.º. n.º 1, do CPP.


III. Decisão


19. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em
julgar verificada a oposição de julgados, determinando-se o prosseguimento do processo nos
termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Supremo Tribunal de Justiça, 8 de novembro de 2023.


(…)”


1.9 - Cumprido o artº 440 nºs 1 a 5 do CPP (exame preliminar e vistos) foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar o ali deliberado.


II- CONHECENDO


2.1- Natureza, pressupostos de admissibilidade e prosseguimento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (RFJ).


2.1.1 - O RFJ regulado nos art.os 437º a 448º do CPP tem por alcance e objectivo uniformizar a jurisprudência, eliminando o conflito entre duas decisões contrapostas a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Nos termos que se podem ler no Ac STJ de 5.12.2012 - Proc. n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, in www.dgsi.pt.”- trata-se de “(…) uma espécie de recurso classificado como "recurso normativo"», que tem no seu objecto e finalidade as notas mais salientes, a saber, a «determinação do sentido de uma "norma", com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma ou dimensão normativa que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente»


Por via delas se distingue do recurso hierárquico ou ordinário que, destinado à reapreciação em grau superior de jurisdição de uma causa, ou de elementos de uma causa, julgada por instância subalterna, tem por objecto e finalidade a «discussão de uma acusação penal dirigida contra uma pessoa para determinação da culpabilidade (os factos) e eventualmente da sanção que vai ser aplicada (o direito)» (ibidem Ac. de 5.12.2102 antes citado)


O recurso de fixação está estruturado em duas fases, a preliminar (usando aqui a terminologia proposta por Simas Santos e Leal-Henriques, in "Recurso Penais", 9ª ed., 2020, p. 201 e ss.) – em que este procedimento se encontra –, destinada à apreciação dos requisitos ou pressupostos respectivos enunciados nos art.os 437º e 438º, culminada na conferência prevista no art.º 441º que decide sobre admissibilidade e seguimento do recurso; e a subsequente (idem, ibidem, nota precedente p. 217 e ss.), que, admitido o recurso, cuida, tendencialmente da uniformização de jurisprudência (diz-se tendencialmente pois que, de acordo com a jurisprudência consolidada neste STJ, o Pleno pode reexaminar os pressupostos de admissibilidade do recurso e, infirmando a decisão da conferência, determinar a sua rejeição nos termos do art.º 441º n.º 1 e 692º n.º 4, este do CPC, aplicável ex vi do art.º 4º – neste sentido e entre os mais recentes, veja-se o Acórdão do Pleno das Secções Criminais de 8.7.2021 - Proc. n.º 3/16.3PBGMR-A.G1-A.S1.)


Ora, na fase em que o recurso se encontra, a respectiva apreciação deve incidir desde logo na aferi­ção dos pressupostos processuais próprios deste recurso extraordinário, ou seja, a existência de efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito, em duas de­cisões de tribunais superiores transitadas em julgado, sem prejuízo dos que devam ser subsidiariamente aplicáveis, comuns aos recursos ordinários ex vi do artº 448º do CPP.


2.1.2- Na verdade, o pano de fundo onde se desenha a resolução a tomar passa por uma exigente atitude processual de verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência , atenta a tendência abusiva que dele se faz com intuitos dilatórios ou ao arrepio da verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a sua prossecução .


Consequentemente, além da legitimidade ( assegurada no presente caso ex vi do artº 437º, nº5 do CPP, pois a recorrente é a arguida no processo contraordenacional), da tempestividade ( infra sobre ela elucidaremos com maior detalhe e da competência do Tribunal ( in casu, do STJ, ex vi do artº 437º do CPP, pois trata-se de oposição entre acórdãos dos Tribunais da Relação, jurisdição comum portanto, em matéria contraordenacional não subtraída ao STJ no RGCC), não se pode prescindir da exigência de trânsito em julgado das decisões convocadas (Acórdão recorrido e Acórdão fundamento), nem da oposição de julgados, nos termos do art.º 437.º n.º 1, do CPP , a considerar-se preenchida quando , nos acórdãos em confronto , manifestamente , de modo expresso , sobre a mesma questão fundamental de direito , se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.


A estes requisitos legais, este STJ , de forma pacífica , aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, acrescendo à oposição entre as soluções de direito.


O que importa é, pois , indagar se nos acórdãos recorrido e fundamento , com definitividade, foram proferidas decisões opostas em julgados expressos, porém divergentes , em termos de direito sobre uma base factual pontualmente idêntica, no domínio da mesma legislação (cfr. Acs. deste STJ , de 19.2.63 , BMJ 124, 633 , de 23.5.67 , BMJ 167 , 454 , de 21.2. 69 , BMJ 184, 249 , de 13.10.89 , AJ n.º 2 , de 26.2.97 , P.º n.º 1173 , de 25.9.97 , P.º n.º 536 /97 , de 27.5.98 , P.º n.º 316/98 e 22.4.2004 , P.º n.º 04P245 , acessível in http : //www.dgsi.pt ) .


Os acórdãos reputam-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver havido intervenção de modificação que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão controvertida , pois que , tendo ocorrido , não se legitima a intervenção uniformizante do STJ .


Quanto à legislação em causa no presente recurso e tendo em conta as datas das decisões em confronto (Ac. recorrido e Ac. Fundamento), como se verá infra, não houve alterações algumas quer nas normas citadas do RGCC nem de substância com relevo no CPA, sendo a correspondente ao CPA em vigor à data do Ac fundamento- artº 73º mantida na redacção do NCPA no artº 88º.


O parâmetro legislativo relevante para decisão do conflito manteve-se, assim, idêntico entre a prolação do Ac recorrido e a do Ac fundamento. A mera modificação formal da norma do CPA não interfere nem se repercute directa ou indirectamente na referida resolução da questão controvertida- (cfr ac STJ de 21.10.1999, in SASTJ, nº34,82)


Assim:


DL 433/82 RGCC)- sem alterações.

Artigo 41.º (Direito subsidiário)

1 - Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.

2 - No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.

Artigo 59.º

Forma e prazo

1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
CPA- DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro
Artigo 88.º (ex 73º)

Dilação

1 - Quando os interessados residam ou se encontrem fora do continente e neste se localize o serviço por onde o procedimento corra, os prazos fixados na lei, se não atenderem já a essa circunstância, só se iniciam depois de decorridos:

a) Cinco dias, se os interessados residirem ou se encontrarem no território das regiões autónomas;
b) 15 dias, se os interessados residirem ou se encontrarem em país estrangeiro europeu;
c) 30 dias, se a notificação tiver sido efetuada por edital ou se os interessados residirem em país estrangeiro fora da Europa.

2 - A dilação prevista na alínea a) do número anterior é igualmente aplicável se o procedimento correr em serviço localizado numa Região Autónoma e os interessados residirem ou se encontrarem noutra ilha da mesma Região Autónoma, na outra Região Autónoma ou no continente.
3 - As dilações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 são também aplicáveis aos procedimentos que corram em serviços localizados nas regiões autónomas.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, sempre que a notificação não se encontre traduzida na língua do interessado estrangeiro ou numa outra língua que este possa entender sem constrangimentos excessivos, há lugar a uma dilação de 30 dias.
5 - As dilações previstas no presente artigo não se aplicam quando os atos e formalidades em causa sejam praticados através de meios eletrónicos.

(negritos nossos)


CPA- versão em vigor à data do Acórdão fundamento


DL n.º 442/91, de 15 de Novembro

Artigo 72.º

Contagem dos prazos - [revogado - Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro]

1-À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:

a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;

c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

2 - Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses incluem-se os sábados, domingos e feriados.

Artigo 73.º

Dilação - [revogado - Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro]

1 - Se os interessados residirem ou se encontrarem fora do continente e neste se localizar o serviço por onde o procedimento corra, os prazos fixados na lei, se não atenderem já a essa circunstância, só se iniciam depois de decorridos:

a) 5 dias, se os interessados residirem ou se encontrarem no território das regiões autónomas;
b) 15 dias, se os interessados residirem ou se encontrarem em país estrangeiro europeu;
c) 30 dias, se os interessados residirem ou se encontrarem em Macau ou em país estrangeiro fora da Europa.

2 - A dilação da alínea a) do número anterior é igualmente aplicável se o procedimento correr em serviço localizado numa região autónoma e os interessados residirem ou se encontrarem noutra ilha da mesma região autónoma na outra região autónoma ou no continente.
3 - As dilações das alíneas b) e c) do n.º 1 são aplicáveis aos procedimentos que corram em serviços localizados nas regiões autónomas.”

2.1.3- No que se atém ao requisito da oposição terá ainda, de respeitar às decisões e não aos fundamentos.


No caso do Acórdão fundamento, considerou-se que era de admitir o recurso interposto da decisão administrativa, tendo sido considerado tempestivo com base na consideração de que a contagem do prazo de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no artigo 59.º do RGCO deve ser efectivada de acordo com as regras estabelecidas não só nos então vigentes artigo 72.º do CPA, como também no subsequente artigo 73.º do mesmo diploma legal, dado se tratar de normativos gerais aplicáveis à contagem dos prazos administrativos com previsão de dilação ( no caso de 15 dias) e concedeu-se, por via desse entendimento, provimento à questão da admissibilidade do recurso, pelo que , em consequência, determinou-se que o despacho recorrido fosse substituído por outro que considerasse tempestivo o requerimento de impugnação judicial e apreciasse o recurso da decisão da autoridade administrativa.


No acórdão recorrido entendeu-se que, embora a referência fosse dirigida ao artº 82º do CPA que substituíu o anterior artº 72º do CPA mas mantendo a mesma redacção, o mesmo regime e bloco normativo, essa dilação (de 15 dias) não era aplicável e por isso a contagem era feita sem a considerar, concluindo pela não admissibilidade do recurso interposto pela recorrente ( a qual o interpusera na pressuposição de que tal dilação seria aplicável).


2.1.4 – Dito o que antecede, encontram-se verificados os pressupostos de natureza formal sempre que:


i) O prazo de interposição deste tipo de recurso extraordinário é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar- artº 438º do CPP.


Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, tal como se define no artigo 628.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável ex vi do artigo 4.º do C.P.P.


E a propósito desta noção tem sido precisamente a partir deste artigo 628.º do C.P.C. que o Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) tem vindo a densificar o conceito de trânsito em julgado para efeitos de contagem do prazo do recurso de fixação de jurisprudência.


Com base nele, tem vindo pois a decidir que «(…) no caso em que o recurso não é admissível para o STJ, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou de apresentação do pedido de correcção (arts 379º, 380º e 425º, nº 4 do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no nº 1 do artº 105º do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir da qual se inicia a contagem do prazo dos recursos extraordinários que pressupõe trânsito em julgado. Deste modo, impede-se a abertura de uma nova via para prolongar, ou seja, alterar os prazos legalmente estabelecidos.»


Este trânsito em julgado mostra-se verificado em concreto.


Consequentemente, a tempestividade de interposição do RFJ e o trânsito em julgado estão perfeitamente verificados e preenchidos.


Acerca da competência, e seguindo aqui de perto o que noutros arestos já se entendeu de igual modo (v.g. o no infra mencionado processo Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1) , cumpre aditar a seguinte abordagem fundante da sua afirmação:

“Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. Irrecorribilidade que, como requisito específico relativo aos acórdãos da relação, é imposta, como se vê, pelo artigo 437.º, n.º 2, do CPP. Com efeito, não obstante o anteriormente decidido em sentido contrário nos acórdãos de 28.01.2015, Proc. 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, e de 08.03.2028, Proc. 41/12.5YUSTRL1-D.S1 (do mesmo relator, em www.dgsi.pt), e não havendo norma que constitua obstáculo ao recurso, justifica-se que, ao dispor que não cabe recurso das decisões da 2.ª instância, o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO se limita aos recursos ordinários, a isso não se opondo o artigo 73.º, n.º 2, com âmbito de previsão diverso, admitindo o recurso para a relação «para melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade de jurisprudência» (neste sentido, entre outros, o acórdão de 08.03.2018, Proc. 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, e Leones Dantas, Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2022, p. 283-284, e Damião da Cunha, “Fixação de Jurisprudência e Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista do Ministério Público, n.º 146, pp. 179ss., notando-se que são vários os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça assumiu esta competência, podendo referir-se os acórdãos 1/2001, 11/2005, 1/2009, 4/2011, 5/2013 e 2/2014).”

(b) Haja identificação do acórdão fundamento (com indicação do local da sua publicação, caso esteja publicado) pelo recorrente, com o qual o acórdão recorrido esteja em oposição;


Ambos os arestos estão certificados e devidamente identificados nos autos nos termos já enunciados na narrativa do histórico do presente recurso.


(c) Se verifique trânsito em julgado dos dois acórdãos em oposição:- este pressuposto está verificado também em concreto conforme mencionámos anteriormente.


(d) Se tenha fundamentado a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que origina o conflito de jurisprudência.


Neste segmento, como se pode ler das motivações e conclusões de recurso, estas últimas que agora não se transcrevem de novo porquanto tal seria despiciendo e repetitivo, a recorrente identificou com clareza os fundamentos em que, no seu entender, existe a oposição que origina tal conflito e carece de uniformização de jurisprudência.


2.1.5- Por sua vez, encontram-se verificados os pressupostos, agora de natureza substancial. sempre que:


(a) A questão assente em termos opostos tenha sido objeto de decisões expressas;


Estas decisões foram claras e estão acessíveis, sendo a questão perfeitamente identificada na dissonância de soluções atingidas, sendo ela atinente ao problema da forma de contagem do prazo de recurso da decisão administrativa em processo de contraordenação e à aplicação ( ou não) de dilação prevista no artº do CPA , a saber, no 82º do CPA (como também no antecedente e idêntico artigo 73º do mesmo diploma legal), tratar-se ou não de norma geral aplicável à contagem dos prazos administrativos, que encontraria (ou não) justificação na previsível maior dificuldade de acesso a elementos e preparação da defesa por parte dos interessados residentes no estrangeiro e, se a coimada tiver a sua sede no estrangeiro, se aplicaria (ou não) apenas o prazo de 20 dias para apresentar o recurso depois de finda a dilação de 15 dias.


Em síntese, o que estava em causa, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento, era saber se, tendo a arguida, empresa de aviação civil, a sua sede no estrangeiro, o prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa ANAC que lhe aplica a coima só se inicia depois de decorridos 15 dias após a notificação da decisão, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, al. b), do novo CP A, de 2015, e do artigo 73.º, n.º 1, al. b), do anterior CPA, de 1991.


Como se consignou no acórdão de 29.06.2023, 107/19.0GAOBRP1-A.S1, citando jurisprudência anterior, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência não visa a apreciação de decisões em matéria de facto, mas sim de decisões em matéria de direito, requerendo, como seu pressuposto e fundamento (artigo 437.º do CPP), que as mesmas normas, na aplicação a factos idênticos, tenham sido interpretados diversamente, com base em soluções opostas ou inconciliáveis, obtidas em resultado de interpretações diferentes quanto à mesma questão de direito, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.


A questão de direito, que vem identificada no recurso, traduz-se nos termos que anteriormente enunciámos.


Dá-se oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes ( e foi o caso), isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas”.


O que interessa saber, pois, é se para a resolução do caso concreto, os tribunais, em dois acórdãos diferentes, chegaram a soluções antagónicas” quanto ao sentido da mesma norma aplicada nesses dois acórdãos (apud Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., 2020, pp. 213-214).


E, citando aqui a judiciosa abordagem do Acórdão deste STJ ( 3ª Sec-Relator Lopes da Mota), de 8 de Novembro de 2023:


“(…) A questão de direito a resolver por via do recurso há-de corresponder a uma idêntica “situação de facto” colocada perante uma idêntica “hipótese normativa”, na consideração dos seus diversos elementos relevantes, requerendo uma “decisão por um critério de interpretação” de entre “hipóteses interpretativas” divergentes (como se considerou no acórdão de 28.9.2022, Proc. n.º 503/18.0T9STR.E1-A.S1, em www.dgsi.pt, citando ainda Ulrich Schroth, Hermenêutica Filosófica e Jurídica, em «Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas», A. Kaufmann e W. Hassemer, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed., Lisboa, 2015, p. 398).


(…)”


Ora, a situação de facto em apreciação era idêntica em ambos os acórdãos. Quer neste caso quer no outro as arguidas tinham a sua sede no estrangeiro - na Alemanha, no caso do acórdão recorrido, e na ..., no caso do acórdão fundamento -, ambas as arguidas foram notificadas das decisões das autoridades administrativas que lhes aplicaram coimas em processo contraordenacional- a ANAC, no caso do acórdão recorrido, e o INAC, no caso do acórdão fundamento - e ambas as arguidas usaram da faculdade de impugnação judicial dessas decisões, nos termos do artigo 59.º do RGCO.


Conhecendo dos recursos, os acórdãos concluíram, porém, em oposição de soluções, na base de proposições de direito antagónicas.


No caso dos presentes autos, como vimos, o acórdão recorrido concluíu usando o argumento relevante e decisivo de entre as 3 questões formuladas no recurso da Lufthansa , no sentido de que não é aplicável a dilação de 15 dias prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 88.º do (novo) CPA (que, como se viu, corresponde à al. b) do n.º 1 do artigo 73.º do anterior CPA), pelo que, considerando que o despacho recorrido, que rejeitou, por intempestivo, o recurso de impugnação em primeira instância, não merecia censura, julgou improcedente o recurso, não admitindo o recurso de impugnação.


No caso do processo em que foi proferido o acórdão fundamento, este concluíu que era aplicável a dilação da al. b) do n.º 1 do artigo 73.º do (anterior) CPA então vigente (actual artº 88º do CPA mas com redacção igual), pelo que revogou o despacho que não admitiu o recurso, ordenando que fosse substituído por outro que o considerasse tempestivo e o admitisse.


(b) Os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, ou seja, quando não tiver advindo reforma legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida;


Já anteriormente nos referimos a este item. E é de ver que dispõe o artigo 88.º (dilação) do novo CPA, reproduzindo disposição idêntica do anterior CPA, com irrelevantes diferenças textuais (resultantes da substituição da subordinativa condicional «se» pela subordinativa temporal «quando», com valor condicional). Sendo, pois, de concluir que «não houve alteração da redação dos normativos que preveem a dilação».


(c) As afirmações opostas dos acórdãos invocados como dissonantes tenham consagrado soluções dissemelhantes para a mesma questão de direito e haja identidade das situações de facto implícitas aos dois acórdãos em conflito, porquanto apenas assim será exequível criar uma confrontação que consinta concluir que analogamente à mesma questão de direito subsistem soluções opostas.


Ora,


Já antes vimos os termos dessa dissonância e a evidente oposição de soluções pois o que estava em causa era a mesma questão, quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento e de que já anteriormente demos conta dos respectivos termos (e que, muito sinteticamente, era saber se, tendo a arguida, empresa de aviação civil, a sua sede no estrangeiro, se o prazo de 20 dias estabelecido no artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, só se inicia depois de decorridos 15 dias após a notificação da decisão, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, al. b), do novo CPA, de 2015, e do artigo 73.º, n.º 1, al. b), do anterior CPA, de 1991)


d) Finalmente, que a vexata quaestio não tenha sido objecto de anterior fixação de jurisprudência (pressuposto negativo)-cfr entre outros, Acºs STJ de 10.2.2010 - Proc. n.º 583/02.0TALRS.C.L1.A.S1 e de 19.6.2013 - Proc. n.º 140/08.8TAGVA.L1-A.S1.)


Não foi efectuada qualquer fixação de jurisprudência sobre a questão formulada.


Consequentemente, também este pressuposto (negativo) se mostra preenchido.


2.1.6 - Em suma:


Estão verificados os pressupostos formais e substanciais do RFJ, sendo que foi oferecida uma solução oposta nos Acórdãos Recorrido e Fundamento sobre a mesma ou idêntica base de facto (aqui essencialmente de natureza procedimental) e questão de direito, que vem identificada no recurso.


2.1.7 – Em face do que antecede dito, podemos então concluir pela existência de oposição de julgados.


Contudo, os autos ficarão suspensos nos seus termos, não prosseguindo por ora, em conformidade com o disposto no artigo 441.º. n.º 2, do CPP até ao julgamento do recurso em que foi já declarada oposição a 8 de novembro de 2023, por se tratar de situação similar, já descrita, no processo Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1.


III. Decisão


3.1- Pelo exposto, acordam os juízes em julgar verificada a oposição de julgados, não se determinando o prosseguimento do processo nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ficando suspensos em conformidade com o disposto no artigo 441.º, n.º 2, do CPP até ao julgamento do recurso e resolução do conflito em que foi já declarada oposição a 8 de novembro de 2023, no processo Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1.


3.2 - Comunique a este último a presente decisão e solicite do mesmo a oportuna comunicação da decisão final que ali venha a ser proferida.


3.3.- Comunique também a presente decisão aos processos 298/22.3YUSTR.L1-A.S1 (3ª secção), 296/22.7YUSTR e 297/22.5YUSTR),


Notifique

Lisboa, 14 de Dezembro de 2023

Os Juízes Conselheiros

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

Agostinho Torres (Relator)

António Latas (Adjunto)

Leonor Furtado (Adjunto)

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1. A data aposta no acórdão no documento original (20.03.23) refere por lapso o mês de Março em lugar do mês de Fevereiro.↩︎

2. Esta data está indicada por lapso da recorrente e confusão com a data de trânsito em julgado pois o Acórdão recorrido é de 20.2.20233.↩︎