RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CORREIO ELETRÓNICO
PRAZO
REJEIÇÃO
Sumário


I - Questão em debate: o autor do requerimento de abertura de instrução enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada e da validação cronológica da expedição mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, deve ser notificado para apresentar o original do requerimento antes de se proceder à sua rejeição por inadmissibilidade legal e saber qual a cominação ou a consequência jurídica da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de 10 dias.
II - O acórdão recorrido entendeu que não há lugar à notificação e que o requerimento de abertura de instrução deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal logo que decorra o prazo de 10 dias previsto nos arts. 4.º, n.º 3, do DL n.º 28/92, de 27-02, e 6.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 329-A/95, de 12-12.
III - O acórdão fundamento, pelo contrário, entendeu que a rejeição do requerimento de abertura de instrução (de igual modo em virtude de ter sido enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada nem validação cronológica por terceira entidade idónea, e de não ter sido junto aos autos o respetivo original no prazo legal de 10 dias) deve ser antecedida do convite prévio ao requerente para apresentar o respetivo original «em prazo a fixar» e que só no caso de incumprimento dessa notificação é que o requerimento deve ser rejeitado por aplicação do art. 4.º, n.º 5, do DL n.º 28/92, de 17-02.
IV - Verificados os requisitos formais e substanciais para interposição de recurso de Fixação de Jurisprudência mostra-se confirmada a oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. A oposição/divergência decorre de diferente interpretação acerca de qual o sentido âmbito do art. 4.º, nº 1, 3 e 5 do DL n.º 28/92, de 27-02.

Texto Integral



Recurso para fixação de Jurisprudência nº 1481/20.1GBABF.E1-A.S1


Juiz Conselheiro Relator- Agostinho Torres


Juízes Conselheiros Adjuntos:- António Latas e Eduardo Sapateiro


Tribunal Recorrido- Relação de Évora


Acórdão recorrido: Tribunal da Relação de Évora de 22.11.2022 e transitado em julgado a 10.1.2023- Procº 1481/20.1GBABF


Acórdão Fundamento: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24/05/2022, processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1 e transitado em julgado a 30-06.2022


Recorrente (s):- Arguido ( e assistente) AA


Sumário: verificação de oposição de julgados;


Questão em debate: a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, enviada por correio eletrónico simples, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar do requerimento, devendo haver lugar ao convite para, dentro de um determinado prazo, se proceder à entrega na secretaria dos originais das peças processuais remetidas por correio eletrónico?


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I-Relatório


1.1. AA, arguido, entretanto constituído também assistente, melhor identificado nos autos à margem referenciados, veio nos termos e para os efeitos do disposto nos n.º 2, 3, 4 e 5 do artigo 437º e 438º todos do Código Processo Penal (de ora em diante CPP), interpor recurso a 9 de fevereiro de 2023 para Fixação de jurisprudência, pelo Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, invocando que o acórdão proferido nos presentes autos 1481/20.1GBABF pelo Tribunal da Relação de Évora, a 22.11.2022 e transitado em julgado a 10.1.2023, se encontra em oposição ao Acórdão “Fundamento” do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24/05/2022, processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1 alojado na base de dados (1) pedindo que seja fixada jurisprudência no sentido de que:


“ No caso de falta de entrega dos originais de peças processuais apresentadas por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica no prazo de 10 dias do envio da telecópia, tal não implica a perda do direito de praticar o ato, devendo, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, notificar-se o Requerente a, dentro de certo prazo, entregar na secretaria os originais das peças remetidas por correio eletrónico.”


Assim,


Apresentou as seguintes conclusões:


1. O Ministério Público deduziu acusação contra o Arguido imputando-lhe a prática, em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de injúria agravada, quatro crimes de ameaça agravada, um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de tráfico de produto estupefaciente de menor gravidade.


2. O Arguido não se conformou com tal Acusação, entendendo que não existem indícios suficientes da prática dos crimes pelos quais vem acusados, tendo pugnado pelo proferimento de um despacho de não pronúncia.


3. Em simultâneo, entendeu ainda o Arguido que existem factos que, em abstrato, podiam integrar a prática dos crimes de ofensa à integridade física, ameaça agravada, discriminação e incitamento ao ódio e à violência.


4. Razão pela qual, se constituiu Assistente e, inconformado com o despacho de Acusação e de Arquivamento, requereu a abertura de instrução.


5. No dia 20 de junho de 2022, foi proferido despacho, o qual rejeitou o requerimento de abertura de instrução por legalmente inadmissível, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal, por não ter sido enviado o original do requerimento após ter sido submetido por correio eletrónico simples.


6. Inconformado, o Arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que decidiu negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.


7. O supracitado Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, já transitou em julgado, no dia 10/01/2023, pelo que vem o Arguido dele interpor recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência.


8. O Arguido invoca como Acórdão fundamento do recurso, o Acórdão proferido pelo Tribunal daRelação deÉvora, datado de24/05/2022, no Processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1 (http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bee4300b3ea0e0ff8025 882c004e617e?OpenDocument).


9. A questão que o Recorrente pretende ver apreciada é a seguinte: a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, enviada por correio eletrónico simples, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar do requerimento, devendo haver lugar ao convite para, dentro de um determinado prazo, se proceder à entrega na secretaria dos originais das peças processuais remetidas por correio eletrónico.


10. Conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro e na alínea b), do n.º 1, do artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, enviada por correio eletrónico simples, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar do requerimento.


11. Pelo contrário, analisando o referido regime, não resulta nenhuma consequência especificamente estabelecida pela não remessa/ envio do original das peças processuais no prazo ali estabelecido, como claramente se extrai da ausência de indicação ali ou em qualquer outro diploma legal de qualquer efeito cominatório.


12. As divergências jurisprudenciais que ora se invocam são relativamente a este efeito cominatório (ou sua ausência) e que pugnam por uma resolução.


13. O Recorrente entende que deve ser de seguir a orientação apontada no Acórdão fundamento nas razões que infra se indicam e que levam àexclusão das restantes com alguns dos argumentos que inserimos a propósito dos motivos que nos convencem a optar por tal orientação.


14. Por exemplo, conforme decorre do Acórdão fundamento “A cominação prevista no n.º 5 do artigo do Decreto-Lei n.º 28/92, de não aproveitar à parte o ato praticado, através de telecópia, é estabelecida para o caso de a parte, «apesar de notificada, para exibir os originais, não o fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil». (…)


No âmbito do processo civil, quando se admitia a apresentação de peças processuais por telecópia, formou-se jurisprudência, que, ao que cremos seria maioritária, no sentido de que não fixando a lei cominação específica, para a falta de apresentação dos originais de tais peças, no prazo de 7 dias, era possível, fazê-la além desse prazo, desde que não se deixasse de a fazer quando para o efeito se era notificado. Ou seja, de acordo com esta orientação jurisprudencial a não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato a invalidade ou a ineficácia do ato praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, não aproveita à parte se esta, «notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos.»


15. A apresentação do original tem como única função a de confirmar o ato anteriormente praticado, através da telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo este para completar ou corrigir quaisquer deficiências da telecópia.


16. Continua o douto Acórdão fundamento “O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução, corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar.


17. Mais adianta o Acórdão fundamento “a possibilidade de notificação dos arguidos para apresentar, no prazo que venha a ser fixado pelo juiz, o original do RAI, remetido, por telecópia, não se traduz na concessão, aos arguidos, de qualquer prazo suplementar para requerer a abertura da instrução.


Em relação ao princípio da celeridade processual, também não fica afetado, se a referida notificação tiver lugar, sendo fixado um prazo curto, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da CRP e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2, da CRP.


Afigura-se-nos que a rejeição liminar do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo arguido –ou pelo assistente–, por correio eletrónico, simples, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, no prazo legalmente previsto de 10 dias, sem que haja prévio convite, ao assistente, para suprir essa omissão, se traduziria numa cominação desproporcionada.”


(…)


Sufragamos o entendimento de que a rejeição do RAI, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do ato, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do RAI, para que seja incorporado no processo e que, no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei 28/92, de 17 de fevereiro, rejeitar o RAI.”


18. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser fixada jurisprudência no sentido de que:


“ No caso de falta de entrega dos originais de peças processuais apresentadas por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica no prazo de 10 dias do envio da telecópia, tal não implica a perda do direito de praticar o ato, devendo, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, notificar-se o Requerente a, dentro de certo prazo, entregar na secretaria os originais das peças remetidas por correio eletrónico.”, tendo esta eficácia no presente processo.”


1.2- Notificados os sujeitos processuais interessados nos termos do artº 439º do CPP e feitas as legais certificações narrativas atinentes ao recurso e decisão recorrida foram os autos remetidos ao STJ tendo o MPº emitido parecer.


Na vista a que se refere o art. 440.º/1 CPP, o Ministério Público sustentou, entre o mais, o seguinte:


“Concluir pela verificação dos pressupostos formais e substanciais de admissão do recurso .


E constatar, nomeadamente, que os dois acórdãos convocados incidem sobre idêntica situação de facto, debateram e pronunciaram-se expressamente, mas de forma divergente, sobre a questão de saber se o autor do requerimento de abertura de instrução enviado por correio eletrónico simples, id est, sem aposição de assinatura eletrónica avançada e da validação cronológica da expedição mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, deve ser notificado para apresentar o original do requerimento antes de se proceder à sua rejeição por inadmissibilidade legal.


A divergência entre ambos os arestos assenta numa diferente interpretação do sentido e alcance do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro (cuja redação permaneceu inalterada entre a prolação dos arestos em confronto).


Estão, por isso, também reunidos os pressupostos substanciais do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência emitindo parecer no sentido de deverem prosseguir os autos para verificação de oposição de julgados sem prejuízo da sua suspensão após essa verificação, dado o decidido identicamente em acórdão do passado dia 13 de abril de 2023 no âmbito do RFJ procº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1 ( relator António Gama), da 5.ª secção, onde se concluíu pela oposição de julgados relativamente à mesma questão.”


O recorrente não respondeu ao parecer.


1.3. Entretanto, ao preparar-se o processo para exame preliminar e elaboração de projecto nos termos do artº 440º, nº1 do CPP , verificou-se que não constava, ainda, nos presentes autos, a indicação certificada do trânsito em julgado do acórdão fundamento e que no recurso fora indicado o Acórdão fundamento nº 975/17.0T9EVR-A.E1 de 24 de Maio de 2022 mas o link da DGSI indicado na peça de recurso correspondia a outro acórdão, afinal também sobre a mesma temática e decisão no mesmo sentido, parecendo tratar-se de indicação de link por lapso do recorrente .


Na dúvida, notificado este para esclarecer se confirmava ter mesmo querido referir o Acórdão fundamento supra de 24 de Maio de2022- processo supra referido (e não o indicado no link- esse de 5.4.22 e apenas referente ao procº 757/20.2GDLLE.E1-relator Desembargador Moreira das Neves) veio oportunamente confirmar ter querido referir tratar-se do aludido Acórdão fundamento de 24 de Maio de 2022 prolatado no processo nº 975/17.0T9EVR-A.E1 mas ressalvar que o link indicado o fora por lapso.


Juntou certidão do acórdão fundamento de 24.4.2022 com nota da data de trânsito ocorrido a 30/6/2033.


1.4 – Após vistos, realizou-se conferência, cumprindo explicitar de seguida a deliberação tomada.


Esta atém-se à fase preliminar do recurso, porquanto se circunscreve a avaliar a sua admissibilidade ou rejeição (art. 441.º, CPP) e determinação nomeadamente, da oposição de julgados.


II. Os pressupostos do recurso para fixação de jurisprudência


2.1- Os arts. 437.º/1/2/3 e 438.º/1/2, do CPP, assim como a jurisprudência pacífica deste STJ (para o efeito, vd, por todos, pereira madeira, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, p. ,1469) fazem depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência dos seguintes pressupostos (i)formais e ii) substanciais):


A) Formais:


1. Legitimidade do recorrente


Mostra-se confirmada. O recorrente tem legitimidade nos termos do artº 437º nº5 pois assume a (dupla) qualidade de arguido e assistente, tendo interesse na interposição do RAI e sua aceitação para discussão da temática da acusação contra si dirigida e do despacho de arquivamento pelos crimes pelos quais entende deveria ter sido produzida acusação.


2. Interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido;


O recurso foi interposto dentro do referido prazo (9 de fevereiro de 2023) tendo o acórdão recorrido transitado a 10.1.2023)


3. Identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão fundamento), com menção do lugar da publicação, se publicação houver e justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência.


Mostra-se identificado, como já antes mencionámos, o Acórdão-fundamento do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24/05/2022, proferido no processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1 e transitado em julgado a 30-06.2022 com publicação respectiva no site da DGSI:


http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/062dd654b9fd9a41802588540031ce21?OpenDocument»


Por outro lado, da leitura do recurso apresentado pode facilmente compreender-se que o recorrente equaciona com clareza a substância do conflito e os parâmetros argumentativos em que considera existir oposição de soluções.


4. Trânsito em julgado do acórdão fundamento.


Como mencionado, este mostra-se ocorrido a 30.06.2022 e devidamente certificado nos autos.


Em conclusão, estes enunciados pressupostos estão verificados.


B) – Substanciais:


Que os acórdãos assentem em soluções opostas a partir de idêntica situação de facto, as decisões em oposição sejam expressas, respeitem à mesma questão direito e sejam proferidos no domínio da mesma legislação;


2.2- Analisando ambos os acórdãos comparativamente.


2.2.1-O Acórdão recorrido (seguiremos aqui em grande parte, por economia, a excelente síntese constante do parecer do MP neste STJ):


Na hipótese versada no acórdão recorrido, o arguido requereu a abertura de instrução por correio eletrónico simples, ou seja, sem aposição de assinatura eletrónica avançada nem validação cronológica por terceira entidade idónea, e não remeteu nem entregou o respetivo original no prazo de 10 dias assinalado nos artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, e 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, sendo certo que não foi convidado ou notificado para fazê-lo.


Em razão do que antecede, o requerimento de abertura de instrução foi rejeitado pelo senhor juiz de instrução nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal por legalmente inadmissível.


Após recurso, o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 22 de novembro de 2022 (relator JOÃO CARROLA), manteve o despacho recorrido com base nos seguintes fundamentos:

«(…) a admissibilidade da remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico (art.º 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC e Portaria n.º 642/2004, ex vi art. 4.º do CPP), bem como de acordo com a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no AFJ n.º 3/2014 («em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal») apresenta-se pacífica.

Também se mostra pacífico que “a validade endoprocessual do requerimento remetido a juízo por correio electrónico está condicionada à observação das regras constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, nomeadamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º”, prescrevendo o primeiro: “1 - O envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada. (…)

3 - A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea”, e ditando o segundo, sob a epígrafe “correio electrónico sem validação cronológica”: “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.

Este regime do uso de telecópia, na parte que ora releva, encontra-se estabelecido no art.º 4.º do DL 28/92, sob a epígrafe “força probatória”, que “1 - As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário. (…) 3 - Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos” (agora prazo de dez dias – art.º 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95).

Da análise deste regime acabado de citar, nenhuma consequência se mostra ali especificamente estabelecida pela não remessa/envio do original das peças processuais no prazo ali estabelecido, como claramente se extrai da ausência de indicação ali de qualquer efeito cominatório.

Quanto a este efeito cominatório, existem divergências jurisprudenciais (…).

Constatamos por essas referências que a maioria da jurisprudência desta Relação (…) se manifesta no sentido de não ser admissível convite/notificação do requerente da instrução para a junção do original, embora nesta mesma Relação já tenham sido proferidos acórdãos em sentido contrário, os datados de 7.6.2022, de 10.5.2016 e de 27.11.2008, e na Relação de Lisboa de 11.10.2018, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por relação a alguns dos invocados no despacho recorrido, pomos em destaque os proferidos pelo Exmos. Desembargadores João Amaro, datado de 13.07.2021, e Nuno Garcia, datado de 8.02.2022, o primeiro no sentido de que “não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite” e por violação, caso se fizesse um tal “convite”, de elementares princípios do processo penal português (…)” e, o segundo, quando manifesta “A notificação para exibição dos originais previstas no n.º 5 do art.º 4.º do referido D.L. 28/92 de 27/2 refere-se aos casos do n.º 4 (“originais de quaisquer outras peças ou documentos”) e não também aos casos do n.º 3 (“originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados”).”

Com o respeito que nos merecem aquelas posições e os respectivos autores, somos de concordar com os últimos, afastando-nos da posição adoptada no aresto mais recente proferido a 7.6.2022 nesta Subsecção Criminal, uma vez que o convite/notificação à remessa do original, apesar de não ser dirigido ao aperfeiçoamento do conteúdo do RAI, mas sim a um aspecto formal do mesmo acto processual, ainda assim representaria, na ausência de qualquer norma habilitante – e o legislador prevê expressamente o aperfeiçoamento para outros casos, não o tendo feito aqui, vg. art.º 417.º, n.º 3, do CPP –, sempre num favorecimento da posição do arguido/requerente em detrimento da posição do assistente, ambos merecedores a um processo justo e equitativo, o qual pressupõe o direito a um juiz de instrução imparcial.

Por outro lado, pegando agora na posição defendida no aresto desta Relação, datado de 7.6.2022, em que se afirma, na respectiva fundamentação: “Sufragamos o entendimento de que a rejeição do requerimento de abertura de instrução, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do acto, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do requerimento de abertura de instrução, para que seja incorporado no processo e que, só no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de Fevereiro, rejeitar o requerimento de abertura de instrução.

O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar.”, a aplicação que ali faz do regime previsto no n.º 5 do art.º 4.º do DL 28/92 mostra-se para além do que o mesmo o permite, uma vez que a sua utilização só pode ser dirigida à exibição dos originais de “quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia”, ou seja, os referidos no n.º 4 daquele preceito e não também os do n.º 3 (“originais dos articulados”) pois estes têm um regime de apresentação diverso: “devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.

Nesta conformidade, reconhece-se não assistir razão ao recorrente, impondo-se manter o despacho recorrido.»

2.2.2- O acórdão fundamento.


Também aqui o requerimento de abertura de instrução dos arguidos foi rejeitado em virtude de ter sido enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada nem validação cronológica por terceira entidade idónea, e de não ter sido junto aos autos o respetivo original no prazo legal de 10 dias.


De igual modo os arguidos não foram notificados para apresentar o original do requerimento de abertura de instrução.


Os arguidos recorreram e o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 24 de maio de 2022 relatado pela senhora desembargadora FÁTIMA BERNARDES, concedeu provimento ao recurso e revogou o despacho recorrido.


Considerou-se aí que:

«A questão que está aqui em discussão, foi por nós recentemente tratada no Acórdão de 26/04/2022 (…), estando aí em causa um RAI apresentado pelo assistente, mas não existindo razões para divergir do entendimento que aí sufragamos, no sentido de que não deve haver lugar à rejeição liminar do RAI, remetido por correio eletrónio, sem assinatura digital, nem validação cronológica, por entidade terceira idónea, com o valor de telecópia, por falta de entrega do respetivo original, no prazo legal de 10 dias, devendo, nessa situação, notificar-se o requerente para apresentar o original do RAI. E só se não for apresentado o original, na sequência dessa notificação, havendo lugar à rejeição do RAI, com esse fundamento.

Aqui se reproduzem algumas das considerações que expendemos no referenciado acórdão, em defesa do entendimento que sufragamos.

É pacificamente aceite que, em processo penal, na fase do inquérito e na fase de instrução, é admissível o envio de peças processuais, a juízo, através de correio eletrónico, mantendo-se atual a jurisprudência fixada, pelo STJ, no acórdão uniformizador n.º 3/2014, de 26 de agosto, no sentido de que «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal».

(…)

A remessa a juízo de peças processuais, por correio eletrónico, deve observar as formalidades previstas nos artigos 2.º e 3.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho. Aí se determina, designadamente, que «a mensa-gem de correio eletrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura eletrónica do respetivo signatário» (artigo 2.º, n.º 5); que «a assinatura eletrónica referida no número anterior deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário» (artigo 2.º, n.º 6) e que «a expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea» (artigo 3.º, n.º 3).

Como se refere no Acórdão do TC, n.º 152/2017 (…), «É o cumprimento destes requisitos que permite assegurar a fidedignidade da mensagem enviada, ao nível da preservação do respetivo conteúdo, da comprovação da autoria e da certificação cronológica».

No caso de não serem observados os enunciados requisitos, ou seja, se as peças processuais forem apresentadas por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica, nos termos do disposto no artigo 10.º da mesma Portaria n.º 642/2004, é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia, o qual é regulado pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro.

(…)

No caso dos autos, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelos arguidos, ora recorrentes, foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples – sem a aposição de assinatura eletrónica certificada do ilustre mandatário – e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição, mediante aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, não observando, assim, as formalidades legais estabelecidas nos artigos 2.º, n.ºs 5 e 6 e 3.º, n.º [1 e 3], da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho.

E, a esta situação, por força do disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, previsto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro.

Estatui o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, sob a epigrafe “Força probatória”:

«1 - As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.

2 - Tratando-se de actos praticados através do serviço público de telecópia, aplica-se o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 54/90, de 13 de Fevereiro.

3 - Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos.

4 - Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.

5 - Não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil.

6 - A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial

Assim, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 28/92, na parte que aqui releva, os originais dos articulados enviados por telecópia devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de 7 dias, contado do envio por telecópia.

O referido prazo de 7 dias foi alargado para 10 dias, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro.

No presente caso, os ora recorrentes, não fizeram chegar aos autos o original do RAI que remeteram a juízo.

A questão reside em saber qual a cominação ou a consequência jurídica da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de 10 dias.

Nem no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, nem noutro diploma legal é prevista cominação específica para o caso de a parte não fazer juntar ao processo, no prazo legal de 10 dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia.

A cominação prevista no n.º 5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de não aproveitar à parte o ato praticado, através de telecópia, é estabelecida para o caso de a parte, «apesar de notificada, para exibir os originais, não o fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil».

Segundo o entendimento perfilhado pelo Sr. Juiz a quo e que tem apoio na jurisprudência que cita no despacho recorrido, a remessa a juízo, de um requerimento para a abertura da instrução, por correio eletrónico, simples, sem a aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição, não sendo o respetivo original remetido ou entregue na secretaria judicial, no prazo de dez dias, nos termos estabelecidos no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, determina a rejeição do RAI, ao abrigo do preceituado no artigo 287.º, n.º 3, do CPP, não havendo lugar à notificação do apresentante do RAI para apresentar o respetivo original, o que redundaria, na “implosão” do prazo perentório para requerer a abertura da instrução, previsto no artigo 287.º, n.º 1, do CPP.

Ainda que o entendimento maioritário, na jurisprudência, vá nesse sentido (…), não o podemos acompanhar.

Com efeito, entendemos que não fixando a lei cominação específica para falta de apresentação do original da telecópia, no prazo legalmente previsto de 10 dias, a rejeição liminar do articulado ou do requerimento remetido a juízo, por correio eletrónico, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, naquele prazo, corresponde a uma solução demasiado drástica, que o legislador não pretendeu consagrar.

No âmbito do processo civil, quando se admitia a apresentação de peças processuais por telecópia, formou-se jurisprudência, que, ao que cremos seria maioritária, no sentido de que não fixando a lei cominação específica, (…) a não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato a invalidade ou a ineficácia do ato praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, só não aproveita à parte se esta, «notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos

E, ressalvado uma vez mais, o devido respeito, pela orientação em sentido contrário, não se vê razão para que este entendimento não seja aplicado, no processo penal, designadamente e, no que ao presente caso importa, ao requerimento para abertura da instrução, pelas razões que passaremos a explicitar.

Não está em causa a concessão de um prazo suplementar, no caso aos arguidos, para apresentar um novo requerimento para abertura da instrução, posto que, este ato considera-se praticado, com o envio daquele requerimento, por correio eletrónico, que, por não se mostrar eletronicamente assinado e por falta de validação cronológica do respetivo ato de expedição, nos termos sobreditos, tem o valor de telecópia.

A data a que há que atender, para aferir da tempestividade da prática do ato, é aquela em que a mensagem eletrónica, com o valor de telecópia, foi recebida na secretaria do tribunal (…).

A apresentação do original do RAI, tem apenas a função de confirmar o ato antes praticado, através de telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências da telecópia.

E assim sendo, nessa situação, a possibilidade de notificação dos arguidos para apresentar, no prazo que venha a ser fixado pelo juiz, o original do RAI, remetido, por telecópia, não se traduz na concessão, aos arguidos, de qualquer prazo suplementar para requerer a abertura da instrução.

Em relação ao princípio da celeridade processual, também não fica afetado, se a referida notificação tiver lugar, sendo fixado um prazo curto, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

Afigura-se-nos que a rejeição liminar do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo arguido – ou pelo assistente –, por correio eletrónico, simples, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, no prazo legalmente previsto de 10 dias, sem que haja prévio convite, ao assistente, para suprir essa omissão, se traduziria numa cominação desproporcionada.

Por identidade de razões, relativamente à rejeição liminar do recurso apresentado pelo arguido, enviado por correio eletrónico – recurso esse interposto do acórdão proferido em 1.ª instância, para o Tribunal da Relação, não sendo este um meio legalmente previsto para apresentação de peças processuais, nessa fase –, sem que fosse formulado convite, ao recorrente, para apresentação do recurso pela via considerada adequada, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 174/2020, de 11/03/2020 (…), decidiu julgar inconstitucional, por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, e artigo 18.º da Constituição), «a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível.»

Entendemos, assim, que a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, do arguido, remetido a juízo, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias (cfr. disposições conjugadas dos artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de fevereiro e no artigo 6.º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro), não tem como consequência imediata a rejeição liminar daquele requerimento.

Sufragamos o entendimento de que a rejeição do RAI, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do ato, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do RAI, para que seja incorporado no processo e que, só no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro, rejeitar o RAI.

O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, por terceira entidade idónea, antes de rejeitar o RAI corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar do RAI (…).

Nesta conformidade, reconhecendo-se assistir razão aos recorrentes, impõe-se revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique os arguidos, ora recorrentes, na pessoa do seu Il. mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples.»

2.2.3 - A situação fáctico-processual foi, pois, idêntica mas considerou-se o contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido estabelecendo-se que havia o “dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, por terceira entidade idónea, antes de rejeitar o RAI e decidiu-se revogar o despacho recorrido, a ser substituído por outro que notificasse os arguidos recorrentes (…) para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples.»


Ambos os acórdãos versam sobre idêntica situação de facto que analisaram, expondo argumentos e pronunciando-se de forma clara e expressamente.


Porém, a solução encontrada foi oposta, divergente.


Estava em discussão saber se o autor do requerimento de abertura de instrução enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada e da validação cronológica da expedição mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, deve ser notificado para apresentar o original do requerimento antes de se proceder à sua rejeição por inadmissibilidade legal e saber qual a cominação ou a consequência jurídica da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de 10 dias.


O acórdão recorrido entendeu que não há lugar à notificação e que o requerimento de abertura de instrução deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal logo que decorra o prazo de 10 dias previsto nos artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, e 6.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.


O acórdão fundamento, pelo contrário, entendeu que a rejeição do requerimento de abertura de instrução (de igual modo em virtude de ter sido enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada nem validação cronológica por terceira entidade idónea, e de não ter sido junto aos autos o respetivo original no prazo legal de 10 dias) deve ser antecedida do convite prévio ao requerente para apresentar o respetivo original «em prazo a fixar» e que só no caso de incumprimento dessa notificação é que o requerimento deve ser rejeitado por aplicação do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro.


Também aqui os arguidos não foram notificados para apresentar o original do requerimento de abertura de instrução


Os arguidos recorreram e o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 24 de maio de 2022 relatado pela senhora desembargadora BB, concedeu provimento ao recurso e revogou o despacho recorrido.


A oposição/divergência decorre de diferente interpretação acerca de qual o sentido âmbito do artigo 4.º , nº1, 3 e 5 do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro. Este normativo manteve-se com texto inalterado no intervalo da prolação dos acórdãos em conflito.


2.2.4--Inexistir ainda uniformização de jurisprudência sobre a questão de direito em discussão fixada no sentido decidido pelo acórdão recorrido (pressuposto negativo)


Na verdade, ainda não foi produzida uniformização de jurisprudência pelo STJ sobre a matéria na orientação acolhida pelo acórdão recorrido.


2.2.5- Encontra-se pendente processo para Uniformização de Jurisprudência sobre idêntica questão.


Assim:


O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão do passado dia 13 de abril de 2023, relatado pelo senhor conselheiro ANTÓNIO GAMA, proferido no recurso de fixação de jurisprudência 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1, da 5.ª secção, concluíu pela oposição de julgados relativamente à mesma questão.


Consultado o acórdão mencionado, dele se pode ler tratar-se de situação substancial idêntica e estar em causa a mesmíssima questão que se pretende seja resolvida nos presentes autos de recurso.


Nomeadamente, ali se explicitou e decidiu:

[O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 07.6.2022 no processo n.º 707/19.9PBFAR-F.E1, transitado em julgado em 13.06.2022, por estar em oposição relativamente à mesma questão de direito, com o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Évora, proferido em 13.07.2021, no processo n.º 914/18.1T9ABF-A.E1 e transitado em julgado em 30.09.2021.

(…)

7.1. No acórdão fundamento [proferido em 13.07.2021] foi decidido o seguinte:

«Cumpre decidir.

Nos termos do disposto no artigo 4º do D.L. nº 28/92, de 27/02 (citado e transcrito no despacho revidendo), os originais dos articulados devem ser entregues na secretaria judicial no prazo de 07 dias a contar do envio por telecópia (prazo este que, conforme também se refere no despacho recorrido, deve ser alargado para 10 dias, por força do preceituado no artigo 6º, nº 1, al. b), do D.L. nº 329-A/95, de 12/12).

In casu, o envio do requerimento para abertura da instrução, através de correio eletrónico, teve lugar em 21-09-2020, sendo que, até à data da prolação do despacho recorrido (13-10-2020), o original do requerimento para abertura da instrução ainda não havia dado entrado na secretaria do Tribunal.

Ora, a nosso ver, e com o devido respeito pela opinião expressa na motivação do recurso, assiste inteira razão ao Exmº Juiz de Instrução, porquanto tinha de ser indeferido, sem mais, o requerimento para abertura da instrução apresentado por mero correio eletrónico (nos termos em que o foi), sem subsequente junção do original.

O modo de envio do correio eletrónico, aliado à falta de apresentação dos “originais”, constitui, assim, também em nosso entender, fundamento para a rejeição do requerimento de abertura da instrução em causa.

Senão vejamos (analisando, mais em concreto, a situação posta nestes autos).

- O requerimento para abertura da instrução em análise foi remetido ao tribunal por meio de correio eletrónico simples, sem a aposição de assinatura eletrónica avançada (cfr. fls. 156 a 161 dos autos);

- Por despacho judicial, proferido em 29-09-2020, o Exmº Juiz de Instrução Criminal determinou que os autos aguardassem 10 dias pelo envio do “original” do requerimento para abertura de instrução;

- Decorridos os aludidos 10 dias, não foi entregue no tribunal o “original” do requerimento para abertura da instrução, nem foi efetuada a remessa do mesmo pelo correio (por via postal).

Ora, face a tal processado, o decidido no despacho sub judice mostra-se totalmente acertado.

O prazo para requerer a abertura de instrução é de 20 dias, contados, no caso em apreço, a partir da notificação do despacho de acusação ao arguido/recorrente, de harmonia com o disposto no artigo 287º, nº 1, al. a), do C. P. Penal, e tal prazo, como é sabido, tem natureza perentória.

O requerimento para abertura da instrução, conforme decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2014 (in D.R., 1ª Série, de 15-04-2014) - decisão da qual não temos razões para discordar -, e tal como outra qualquer peça processual, pode ser remetido ao tribunal através de correio eletrónico, porquanto “em processo penal é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150º, nº 1, al. d), e nº 2, do CPC, e na Portaria nº 624/2004, [há lapso, pois trata-se da Portaria 642/2004] de 16/06, aplicáveis por força do disposto no artigo 4º do CPP”.

Porém, estabelece o artigo 10º da Portaria nº 642/2004, de 16/06, que à apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.

Ora, analisado o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo ora recorrente, verifica-se que o mesmo foi remetido a juízo por correio eletrónico, mas sem a aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição e mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.

Por outro lado, não ocorreu a entrega, no tribunal, do “original” do requerimento para abertura da instrução em causa, nem a respetiva remessa por correio.

Por conseguinte, e com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, uma vez que o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo ora recorrente não respeitou as exigências legais que vêm de enunciar-se (relativas à sua forma de apresentação em tribunal - no prazo previsto para ser requerida a abertura da instrução -), bem andou o Exmº Juiz de Instrução ao rejeitá-lo, por ser legalmente inadmissível (em obediência ao disposto no artigo 287º, nº 3, do C. P. Penal).

Alega o recorrente que o tribunal a quo lhe devia ter endereção convite para ser suprida a “irregularidade” detetada.

Também aqui não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, entendemos (como entende a maioria da jurisprudência - ao que julgamos -) que, no caso de o requerimento para abertura da instrução padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite” e por violação, caso se fizesse um tal “convite”, de elementares princípios do processo penal português (essa questão, aliás, também foi tratada no despacho revidendo, onde, de modo resumido, mas claro, apreensível e totalmente correto, foi rejeitada a pretensão da formulação ao ora recorrente do “convite ao aperfeiçoamento” agora invocado em sede recursiva).

Finalmente, alega o recorrente que o entendimento perfilhado no despacho recorrido viola o princípio da igualdade (constitucionalmente protegido) - nas palavras constantes da motivação do recurso, “foi ainda violado o Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13º, nº 1, da CRP, do qual resulta que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”

Além da evidente falta de fundamentação, na motivação do recurso em apreço, de uma tal proclamação, não vislumbramos de que forma a questão processual suscitada nos autos possa, minimamente, ferir o princípio da igualdade, ou seja, não descortinamos que aqui não seja tratado igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual.

Em conformidade com tudo o que vem de dizer-se, é de manter a decisão revidenda, improcedendo o recurso.

III - DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso».

7.2. No acórdão recorrido [proferido em 07.06.2022] foi decidido o seguinte:

«[A] questão suscitada é a seguinte:

- Incorrecta interpretação e aplicação no despacho recorrido, do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente à rejeição do requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido CC.

2 - Apreciando e decidindo:

- Da incorrecta interpretação e aplicação no despacho recorrido, do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente à rejeição do requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido CC.

É pacífico que em processo penal a apresentação de peças processuais por correio electrónico “avançado” e “simples” é admissível.

Pretendendo pôr termo a divergências jurisprudenciais na matéria, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão nº 3/2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15 de Abril de 2014, fixou a seguinte doutrina: “em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150º, nº 1, alínea d), e nº 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27-12, e na Portaria nº 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal”.

Esta mencionada jurisprudência permanece aplicável às acções excluídas da Portaria nº 280/2013, conforme o Acórdão do STJ, de 24-1-2018, (proc. nº 5007/14.8TDLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt), nomeadamente nas acções que se encontrem na fase de inquérito/instrução, e de acordo com o artigo 17º, da Portaria nº 267/2018 de 20 de setembro.

Ou seja, a Portaria 280/2013, referente à tramitação eletrónica dos processos judiciais, não se aplica nas ações que se encontrem na fase de inquérito/instrução.

Daqui decorre que o correio electrónico constitui ainda uma forma admissível de prática de actos processuais em todos aqueles processos ou fases processuais, excluídos do âmbito de aplicação da Portaria nº 280/2013.

Razão por que, no caso sub judice teremos de chamar à colação a Portaria nº 642/2004 de 16-06, que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico, aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal), uma vez que o requerimento de abertura de instrução do arguido foi apresentado por via de correio eletrónico e o envio do original remetido aos autos não contém a assinatura original do subscritor, nem a certificação dessa mesma assinatura , pelas formas legais admissíveis, tratando-se de uma mera fotocópia. Preceitua o artigo 3°, n° 1, da mencionada Portaria, que: “o envio de peças processuais por correio eletrônico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n° 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n° 290-D/99 de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada”

Por sua vez, o nº 3 do mencionado normativo refere que: “a expedição da mensagem de correio electrónico dever ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2 º do Decreto-Lei nº 290D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.”

Compulsados os autos, verificamos que no caso em apreço, o arguido CC aquando da apresentação do requerimento de abertura de instrução, enviou apenas um email simples com o referido requerimento digitalizado, não contendo o email qualquer assinatura eletrónica avançada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.

Assim, ter-se-á de aplicar o regime estabelecido para o envio através de telecópia, que se encontra regulado pelo Decreto-lei nº 28/92, de 27/02 e, no seu artigo 4º, nº 3, refere que “os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.

No caso dos autos, o prazo de 7 dias deve ter-se como alargado para 10 dias, em consequência do disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b), do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12-12.

Dos autos resulta que o arguido CC apresentou o seu requerimento de abertura de instrução através de correio eletrónico simples, não constando do mesmo a assinatura eletrónica certificada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.

Não resulta do processado que foi cumprido o disposto no artigo 4º, nº 3, do Decreto-lei nº 28/92, de 27-02, juntando ao mesmo o original do requerimento de abertura de instrução, devidamente assinado pelo seu subscritor no prazo de 10 dias e não uma fotocópia dessa mesma assinatura.

A questão reside em saber qual a cominação ou a consequência jurídica da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de 10 dias.

Nem no Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, nem noutro diploma legal é prevista cominação específica para o caso de a parte não fazer juntar ao processo, no prazo legal de 10 dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia.

Segundo o entendimento perfilhado pelo Sr. Juiz “a quo”, no despacho recorrido e que tem apoio na jurisprudência, que cremos ser maioritária, a remessa de um requerimento para a abertura da instrução, a juízo, por correio eletrónico, simples, sem a aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo acto de expedição, não sendo o respetivo original remetido ou entregue na secretaria judicial, no prazo de dez dias, com a assinatura do subscritor igualmente original e não com uma simples cópia, nos termos estabelecidos no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de Fevereiro, em conjugação com o artigo 6º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, determina a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal da instrução, ao abrigo do preceituado no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal, não havendo lugar à notificação do apresentante do requerimento de abertura de instrução para apresentar o respetivo original.

Salvo o devido respeito por esse entendimento maioritário, permitimo-nos divergir do mesmo. Entendemos que não fixando a lei cominação específica para falta de apresentação do original da telecópia, no prazo legalmente previsto de 10 dias, a rejeição liminar do articulado ou do requerimento remetido a juízo, por telecópia, por falta de apresentação do o respetivo original, naquele prazo, corresponde a uma solução demasiado drástica, que o legislador não pretendeu consagrar.

No âmbito do processo civil, quando se admitia a apresentação de peças processuais por telecópia, formou-se jurisprudência maioritária, no sentido de que não fixando a lei cominação específica, para a falta de apresentação dos originais de tais peças, no prazo de 7 dias, era possível, fazê-lo além desse prazo, desde que não se deixasse de o fazer quando para o efeito se era notificado. Ou seja, de acordo com esta orientação jurisprudencial a não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato a invalidade ou a ineficácia do acto praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, só não aproveita à parte se esta, notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos.

E, salvo o devido respeito, pela orientação em sentido contrário, não se vê razão para que este entendimento não seja aplicado, no processo penal, designadamente e, no que ao presente caso importa, ao requerimento para abertura da instrução apresentado pelo arguido, pelas razões que passaremos a explicitar.

Entendemos que não têm aqui aplicação os fundamentos subjacentes à jurisprudência fixada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2005, de 12-05-2005, no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”

No caso que nos ocupa, diferentemente daquele sobre que versou a jurisprudência fixada no referenciado AFJ nº 7/2015, não está em causa a concessão de um prazo suplementar, ao assistente, para apresentar um novo requerimento para abertura da instrução, posto que, este acto considera-se praticado, com o envio daquele requerimento, por correio eletrónico, que, por não se mostrar eletronicamente assinado e por falta de validação cronológica do respetivo acto de expedição, nos termos sobreditos, tem o valor de telecópia.

A apresentação do original do requerimento de abertura de instrução, tem apenas a função de confirmar o acto antes praticado, através de telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências da telecópia.

E assim sendo, nessa situação, a possibilidade de notificação do assistente/arguido para apresentar, no prazo que venha a ser fixado pelo juiz, o original do requerimento de abertura de instrução, remetido, por telecópia, não se traduz na concessão, ao mesmo, de qualquer prazo suplementar para requerer a abertura da instrução, nem viola as garantias de defesa do arguido ou o principio do acusatório.

Em relação ao principio da celeridade processual, também não fica afectado, se a referida notificação tiver lugar, sendo fixado um prazo curto, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2, da mesma Constituição da República Portuguesa.

Afigura-se-nos que a rejeição liminar do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo arguido CC, por correio eletrónico, simples, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, no prazo legalmente previsto de 10 dias, sem que haja prévio convite, para suprir essa omissão, se traduziria numa cominação desproporcionada.

Por identidade de razões, relativamente à rejeição liminar do recurso apresentado pelo arguido, enviado por correio eletrónico – não sendo este um meio legalmente previsto para apresentação de peças processuais –, sem que fosse formulado convite, ao recorrente, para apresentação do recurso pela via considerada adequada, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 174/2020, de 11-03-2020 , decidiu julgar inconstitucional, por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4, e artigo 18º da Constituição), “a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, do artigo 144º, nºs 1, 7 e 8, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, com o disposto nos artigos 286º, 294º e 295º do Código Civil, e artigo 195º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível.”

Entendemos, assim, que a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução do arguido, remetido a juízo, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias (cfr. disposições conjugadas dos artigos 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de Fevereiro e no artigo 6º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), não tem como consequência imediata a rejeição liminar daquele requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Sufragamos o entendimento de que a rejeição do requerimento de abertura de instrução, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do acto, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do requerimento de abertura de instrução, para que seja incorporado no processo e que, só no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de Fevereiro, rejeitar o requerimento de abertura de instrução.

O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar.

Nesta conformidade, reconhecendo-se assistir razão ao recorrente, impõe-se revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique o arguido CC, na pessoa do seu Mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples, com a assinatura original do seu subscritor.

Assim, pelo exposto decide-se julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo arguido CC. (…)

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar procedente o recurso interposto pelo arguido CC e, em consequência:

- Revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique o arguido, a pessoa do seu Mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples, naturalmente assinado pelo punho do respectivo subscritor».

9. Do que precede resulta que a mesma questão de direito - saber se face ao quadro legal decorrente dos artigos 3.º/1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16/6; 4.º do DL 28/92, de 27/02; 6.º/1/b, do DL n.º 329-A/95, de 12/2 e 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a apresentação do RAI por correio eletrónico simples (sem assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica), quando não for seguido do envio ao processo dos originais do RAI no prazo de 10 dias, deve levar à rejeição do RAI por inadmissibilidade legal ou essa rejeição deve ser antecedida da notificação ao arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura de instrução – teve nos acórdãos fundamento e recorrido respostas opostas.

10. As normas citadas no percurso argumentativo de ambos os acórdãos (artigos 3.º/1 a 3 e 10.º da Portaria 642/2004, de 16/6; 4.º do DL 28/92, de 27/02; 6.º/1/b, do DL n.º 329-A/95, de 12/2 e 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal) tinham à data da prolação dos acórdãos recorrido e fundamento a mesma redação, pelo que foram proferidos no domínio da mesma legislação.

11. Da transcrição da fundamentação dos acórdãos recorrido e fundamento não resta dúvida que ambos apreciaram a mesma questão jurídica. A questão jurídica onde se verifica a divergência entre os acórdãos (fundamento e recorrido) reside em saber qual a consequência processual da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo por correio eletrónico simples – sem assinatura eletrónica avançada e sem validação cronológica – no prazo legalmente estabelecido de 10 dias. Enquanto o acórdão recorrido decidiu pela notificação do arguido para apresentar o original do requerimento para abertura da instrução que foi remetido a juízo por correio eletrónico simples, o acórdão fundamento entendeu que a falta de apresentação do original do requerimento era fundamento de rejeição sem prévio convite para junção do original.

12. A situação de facto é semelhante nos acórdãos em confronto. A única diferença radica na circunstância de no caso analisado no acórdão recorrido ter sido remetida pelo correio aos autos cópia do RAI apresentado, mas sem qualquer assinatura, enquanto no acórdão fundamento tal não ocorreu. Acontece que tal particularidade não teve relevo na diversa solução normativa a que se chegou no acórdão recorrido13. Decidiu o acórdão recorrido revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique o arguido, na pessoa do seu Mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples, naturalmente assinado pelo punho do respectivo subscritor. O acórdão fundamento na parte decisória limitou-se a negar provimento ao recurso, pelo que se impõe revisitar o seu percurso argumentativo onde se diz «analisado o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo ora recorrente, verifica-se que o mesmo foi remetido a juízo por correio eletrónico, mas sem a aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição e mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea. Por outro lado, não ocorreu a entrega, no tribunal, do “original” do requerimento para abertura da instrução em causa, nem a respetiva remessa por correio. Por conseguinte, e com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, uma vez que o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo ora recorrente não respeitou as exigências legais que vêm de enunciar-se (relativas à sua forma de apresentação em tribunal - no prazo previsto para ser requerida a abertura da instrução -), bem andou o Exmº Juiz de Instrução ao rejeitá-lo, por ser legalmente inadmissível (em obediência ao disposto no artigo 287º, nº 3, do C. P. Penal).

Alega o recorrente que o tribunal a quo lhe devia ter endereção convite para ser suprida a “irregularidade” detetada. Também aqui não assiste razão ao recorrente. Com efeito, entendemos (como entende a maioria da jurisprudência - ao que julgamos -) que, no caso de o requerimento para abertura da instrução padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse “convite” e por violação, caso se fizesse um tal “convite”, de elementares princípios do processo penal português (essa questão, aliás, também foi tratada no despacho revidendo, onde, de modo resumido, mas claro, apreensível e totalmente correto, foi rejeitada a pretensão da formulação ao ora recorrente do “convite ao aperfeiçoamento” agora invocado em sede recursiva)».

Do exposto resulta também que as decisões em oposição são expressas e constituem o núcleo de ambas as decisões.

III.

Nestes termos e com tais fundamentos, julga-se o recurso procedente, determinando-se o respetivo prosseguimento (artigo 441.º/1, 2ª parte, CPP).

STJ. 13.04.2023. (…)]

Consequentemente, verificada também nos presentes autos a oposição de julgados é, porém, claro e incontornável que não poderão prosseguir, porquanto deverão ficar suspensos até decisão final (julgamento do recurso e resolução do conflito em que foi já declarada oposição) nesse processo 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1 desta 5.ª secção, onde como referimos, se concluíu primeiro pela oposição de julgados relativamente à mesma questão.


III - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:


Considerar que estão verificados os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso, que as decisões em conflito estão em oposição, são expressas e a mesma questão constituíu o núcleo de ambas as decisões.


Nestes termos e com tais fundamentos, julga-se o recurso procedente, mas não determinando para já o respetivo prosseguimento (artigo 441.º/1, 2ª parte, CPP) porquanto no aludido procº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1 desta 5.ª secção, se concluíu pela oposição de julgados relativamente à mesma questão.


Ficarão suspensos em conformidade com o disposto no artigo 441.º, n.º 2, do CPP até ao julgamento do recurso e resolução do conflito em que foi já declarada oposição no aludido processo Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1.


Sem tributação.


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Novembro de 2023


[Texto processado informaticamente, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos].


Agostinho Soares Torres (Relator)


António Latas (Adjunto)


José Eduardo Sapateiro (Adjunto)


________________________________________________

1. (http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bee4300b3ea0e0ff8025882 c004e617e?OpenDocument),↩︎