RECURSO PER SALTUM
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
LIBERDADE CONDICIONAL
REINCIDÊNCIA
Sumário


I - O STJ tem vindo a decidir que a agravante qualificativa da reincidência não opera como efeito automático das anteriores condenações, exigindo-se a ponderação em concreto sobre a verificação do pressuposto material consagrado na parte final do art. 75.º, n.º 1, do CP.
II - Tendo como assente que a comprovação da reincidência depende da enunciação de factos concretos de que se possa extrair que o arguido foi indiferente à condenação anterior, a jurisprudência do STJ evoluiu no sentido de que, estando em causa uma reincidência homogénea ou específica, o recurso às regras de experiência comum, no quadro da prova por presunção, poderá fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido.
III - Estando em causa uma situação em que o arguido foi condenado anteriormente em pena de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, tendo estado privado da liberdade desde 07-08-2013 até 04-07-2020, altura em que lhe foi concedida a liberdade condicional, voltando a delinquir, após ser libertado, não só através da comissão de um crime de furto qualificado, mas também através da prática de novo crime de tráfico de estupefacientes (nesta parte, reincidência homótropa), as regras da lógica e da experiência sustentam plenamente a inferência de que lhe foi indiferente a solene advertência contra o crime contida na condenação antecedente, não se descortinando a intervenção de circunstâncias que possam excluir a conexão entre os crimes – o que fundamenta a verificação do pressuposto material da reincidência.
IV - A cláusula de limitação prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art. 76.º do CP, tem o fim de evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da reincidência, agravar desproporcionalmente a medida da pena do crime posterior.
V - Ainda que o acórdão recorrido não tenha procedido à comparação entre a pena concreta independentemente da reincidência com a pena concreta resultante da reincidência, certo é que a agravação resultante da reincidência de forma alguma viola a cláusula de limitação, já que a condenação na pena de 8 anos de prisão seria permitida mesmo que a pena aplicada ao arguido fosse em 4 anos de prisão, limite mínimo do tráfico de estupefacientes, independentemente da reincidência.

Texto Integral






RECURSO n.º 8/21.2GIBJA.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, foi, por acórdão de 6 de outubro de 2023, proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de ... - J... ., do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, condenado, de acordo com o dispositivo, nos seguintes termos que se transcrevem:


«(…)


B- Condena-se o arguido AA pela prática, como reincidente, em autoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22/01 com referência ao disposto nas Tabelas I-B e I-C anexa àquele diploma legal e arts. 75º e 76º do C. Penal, na pena de oito anos de prisão;


C- Condena-se o arguido AA pela prática, em autoria material, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo 86º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de nove meses de prisão;


D- Condena-se o arguido AA na pena única de oito anos e seis meses de prisão.»


Nos autos foi igualmente condenado BB pela prática de crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21.º e 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência ao disposto nas Tabelas I-B e I-C anexas àquele diploma legal, na pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.


2. O referido arguido AA interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões (transcrição):


A. - Este recurso incide sobre o Douto Acórdão que condena o Arguido pela prática, como reincidente, de um crime de TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES, p. e p. pelo Art° 21°, n° 1, do Dec. Lei n° 15/93, de 22.01, na pena de 8 anos de prisão e na prática de um crime de DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA, p. p. pelo Art° 86°, n° 1, alínea e) da Lei n° 5/2006, de 23.02, na pena de 9 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 8 ANOS E 6 MESES DE PRISÃO;


B. - A razão do recurso reporta-se exclusivamente à medida da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes - 8 anos de prisão;


C. - Considerando a matéria de facto dada como provada, parece-nos legítimo concluir que a pena aplicada ao Recorrente neste crime deveria ser mais benevolente;


D. - Nos termos do Art° 21° do Decreto-Lei 15/93, a moldura penal para o crime de tráfico, como reincidente, é a prisão de 5 a 12 anos;


E.- Como consta da matéria de facto dada como provada, o Recorrente vendeu cocaína a NOVE CONSUMIDORES, sendo eles amigos e próximos do Arguido;


F.- Durante aquele período vendeu cerca de 70 vezes, porque no que respeita aos consumidores CC e DD não foi apurada o número de vezes que tal aconteceu;


G.- Sem subestimar o estupefacientes encontradas nas duas habitações: - Cerca de 310 gramas de cocaína e 23 gramas de cannabis;


H. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção - Art° 71° n° 1, do C. Penal;


I. - A liberdade do julgador é, porém, uma liberdade juridicamente vinculada ao princípio da culpa e aos fins das penas - protecção dos bens e integração do agente na sociedade;


J. - A prevenção geral e a reintegração do Arguido na sociedade poderá também fazer de forma mais equilibrada, mediante uma pena menos gravosa;


K. - O douto acórdão valorou excessivamente os antecedentes criminais do Arguido;


L. - Por isso a douta decisão recorrida violou as normas constantes dos Art° 71° e 76° do C. Penal e Art° 21° do Dec. Lei n° 15/93;


M. - Tudo ponderado, entendemos adequado a aplicação ao Arguido da pena de SEIS ANOS de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 6 (SEIS) ANOS e 6 (SEIS) meses de prisão.


NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso e revogar-se o douto acórdão.


Porém, V. Exas. apreciarão e decidirão como for de JUSTIÇA.


3. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso e concluiu (transcrição das conclusões):


1) O arguido recorrente foi condenado, por acórdão, como reincidente, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 21º/1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 8 anos de prisão e na prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86º/1 al. e) da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 9 meses de prisão, e, efetuado o cúmulo jurídico, condenado na pena única de 08 anos e 06 meses de prisão.


2) Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão, afirmando que a pena decretada ao recorrente, no respeitante à prática do crime de tráfico de estupefaciente é excessiva.


3) O presente recurso não merece provimento.


4) O Tribunal a quo procedeu à decida concretização da pena derivada da reincidência, aquilatando dos requisitos formais e dos materiais,


5) A medida da pena há-de resultar da medida da necessidade comunitária de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto – a prevenção geral positiva – e pelas necessidades de ressocialização do agente, tudo isto sem nunca perder de vista a culpa do agente.


6) Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção, quer geral quer especial, no processo de determinação concreta da pena impõe-se a valoração dos concretos fatores de determinação de medida da pena previstos no artº 71º n.º2 do Código Penal.


7) Fatores esses que o Tribunal a quo fundamentou no processo de determinação da medida concreta da pena aplicada, especificando-os e valorando-os corretamente.


8) Em estrito cumprimento das normas e princípios que norteiam a fixação do quantum da pena, o Tribunal a quo ponderou criteriosamente as circunstâncias que, no caso, e na justa medida, agravam e atenuam a responsabilidade do recorrente, bem como as exigências de prevenção geral e especial.


9) Dentro do tráfico comum, o grau de ilicitude situa-se num patamar mediano, considerando por um lado a natureza dos produtos (cocaína, canábis), as quantidades bastante expressivas de estupefacientes, valores monetários e bens apreendidos (além do mais, detinha quantidade superiora 300g de cocaína, com um elevado grau de pureza, mais de € 3.000,00 em dinheiro e bens de elevado valor), a duração da atividade (quase dois anos), regularidade e volume de transações; Agiu com dolo direto, a sua personalidade e condições de vida, que se extraem dos factos provados, a circunstância de ser consumidor de estupefacientes, o vasto passado criminal do arguido, inclusivamente por crimes de idêntica natureza.


10) Assim, bem decidiu o Tribunal a quo ao graduar como graduou a pena que aplicou ao recorrente, pois fez uma correta aplicação dos critérios legais para a determinação concreta da medida da pena.


11) Por todas as razões ora aduzidas entende-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão, nos seus precisos termos.


Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.


4. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido.


5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.


Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões que se suscitam são as seguintes:


A) - se a medida da pena de 8 anos de prisão que lhe foi aplicada relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes é excessiva, pois não deveria ser superior a 6 anos; e


B) - se em face da redução da pena de prisão relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, a pena única conjunta deve ser fixada em 6 anos e 6 meses de prisão.


2. Do acórdão recorrido


2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição da parte relativa ao recorrente):


1. Desde o início de 2021 até 2 de Novembro de 2022 os arguidos AA e BB dedicaram-se à venda direta e cedência/oferta/entrega de produtos estupefacientes, nomeadamente canábis e cocaína, em vários pontos desta Vila de ..., recebendo como forma de pagamento dinheiro.


2. Os arguidos AA e BB deslocaram-se em algumas


ocasiões na viatura de matrícula ..-QN-.., propriedade de EE, de ...


à região da..., ..., distrito de ..., com vista a adquirirem produto estupefaciente que posteriormente destinaram, pelo menos parcialmente, à venda/cedência a terceiros.


3. O arguido AA guarda e preserva parte do estupefaciente que vende no interior da sua residência sita no Largo ..., ..., bem como guarda, prepara e acondiciona o produto estupefaciente que previamente adquiriu e os valores monetários que aufere da venda/ cedência daquele numa casa sua sita na ..., nas imediações do Tribunal Judicial de ....


(…)


5. Cada um dos arguidos AA, e BB contactam e são contactados pelos consumidores/compradores através dos cartões de telemóvel com os n.ºs .......88 e .......43 e .......17 respetivamente, deslocando-se depois aos locais de transação combinados, ou aguardando que os consumidores se desloquem à residência de cada um deles.


6. No decurso desses contactos telefónicos, os arguidos AA e BB combinam o local da entrega e o preço da cocaína e haxixe.


7. As vendas /entregas do produto estupefaciente efetuadas pelo arguido AA ocorrem preferencialmente à porta da sua residência, sita no Largo ......, outras vezes, nas imediações do Tribunal, da ...e junto dos estabelecimentos comerciais denominado “O .....” e o “........”, todos na vila de ....


8. No período temporal supra referido, o arguido AA:


i) vendeu cocaína a CC, um número de vezes não concretizado, pelo preço de € 50.00 e haxixe pelo preço de € 20.00;


ii) vendeu cocaína a FF, nas imediações do Tribunal e da sua casa, cerca de 30 vezes, pelo valor de € 60,00 cada vez;


iii) vendeu cocaína a GG, num total de 2 vezes, pelo valor de €50,00 cada vez;


iv) vendeu cocaína a DD, um número de vezes não concretamente apurado, por um valor entre €50,00 a € 60,00 cada vez;


v) vendeu cocaína a HH, pelo menos 20 vezes, pelo valor de € 60.00 cada grama e haxixe, uma vez, pelo valor de € 50,00;


vi) vendeu cocaína a II, pelo menos uma vez, pelo valor de € 60.00;


vii) vendeu cocaína a JJ entre 6 a 10 vezes, pelo valor de € 60.00 cada vez;


viii) vendeu cocaína a KK pelo menos 6 vezes, por um valor entre €50,00 a € 60 00 cada;


ix) cedeu haxixe a LL.


9. No dia 02 de Novembro de 2022, o arguido AA tinha na sua posse na habitação sita em Largo ..., ...


- diversas faturas;


- 1 cartão multibanco em nome do arguido AA associado à CGD;


- 3 chaves;


-1 relógio de marca Ferrari e;


-1 fio de ouro;


-1 par de brincos de ouro;


- 3 cartões SIM da operadora MEO;


- 1 cartão SIM da operadora TMN;


- 1 telemóvel de marca Iphone, com IMEI ainda não apurado;


- 2 facas, com vestígios de haxixe nas lâminas;


- 2 relógios de senhora;


- 1 fio de ouro;


- 1 computador de marca HP;


- vários recortes de plástico, utilizados para acondicionar produto estupefaciente;


Na sala


- 1 munição de calibre 9mm;


No interior de uma pequena caixa:


- cannabis (resina) com o peso líquido de 1,998 g (L), com o grau de pureza de 26,1% que correspondia a 10 doses;


No interior de uma gaveta de uma máquina de costura


- cannabis (fls./ sumid) com um peso líquido de 3,017 g (L), com o grau de pureza de 10,5% que correspondia a 6 doses;


No quarto do arguido


- cannabis (resina) com o peso líquido de 0,338 g (L), com o grau de pureza de 21,6% que correspondia a 1 dose;


- 3.000,00 euros em numerário, com notas de diferentes valores faciais;


No interior de uma caixa de papel:


- 77 euros e 50 cêntimos em numerário, com notas de diferentes valores faciais;


No interior de uma tijela


- 22 euros em numerário, com notas de diferentes valores faciais;


- um envelope com apontamentos relativos a nomes e valores.


10. No dia 03 de Novembro de 2022, na habitação sita na Avenida ..., em ..., encontravam-se os seguintes objetos e estupefacientes:


- 1 cartão de acondicionamento de um cartão do telemóvel com o n.º .......10;


- 2 balanças digitais;


- 2 talões de carregamento Payshop;


-1 carta em nome do arguido AA, com anotação sobre ‘Rendimento Social de Inserção’;


- 1 isqueiro, tipo maçarico de cor vermelha;


- 1 bolsa pequena;


- 2 facas de características não apuradas com vestígios de Cannabis (resina);


- Cocaína (Cloridrato) com o peso líquido de 299,100 g(L), com o grau de pureza de 87,3% que correspondia a 1305 doses;


- Cocaína (Cloridrato) com o peso líquido de 12,624 g(L), com o grau de pureza de 80,5% que correspondia a 50 doses;


- Cannabis (resina) com o peso líquido de 18,264 g(L), com o grau de pureza de 25,6% que correspondia a 93 doses;


- 1 nota de 10 euros.


(…)


13. O dinheiro supra identificado e apreendido na posse do arguido AA era produto da venda de estupefacientes das transações que havia efetuado.


14. Os arguidos destinavam as aludidas balanças, o rolo de sacos plásticos, as facas, os recortes de plástico, e as tesouras, para pesar e embalar a cocaína e haxixe que vendiam e/ou cediam a terceiros.


15. Os telemóveis apreendidos foram utilizados pelos arguidos na concretização da atividade de venda de cocaína.


16. O arguido AA não exerce qualquer atividade profissional regular e angaria predominantemente o seu meio de subsistência através da venda de cocaína e haxixe a indivíduos que para o efeito o procuravam.


17. Cada um dos arguidos AA E BB agiu de forma deliberada, com o propósito de deter, vender, ceder, distribuir e transportar Haxixe e Cocaína, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefaciente dos produtos que possuíam, intentos que lograram alcançar.


18. Os arguidos AA e BB tinham conhecimento que a detenção, importação, exportação, compra, preparação, transporte, distribuição, venda,


oferta, cedência, recebimento a qualquer título de produtos estupefacientes são proibidos por lei e, não obstante, quiseram desenvolver tal conduta, apesar de não se encontrarem autorizados a tal.


19. Os arguidos AA E BB agiram sempre de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


20. O arguido AA no dia 2 de Novembro de 2022, tinha no interior da sua residência, sita em ..., mais concretamente na sala, 1munição de calibre 9mm.


21. O arguido AA não é titular de licença de uso e porte de arma de qualquer classe.


22. O arguido não tinha licença para deter a munição apreendida.


23. O arguido conhecia bem as características da munição que tinha em seu poder e cuja posse sabia ser proibida e, não obstante, quis e conseguiu atuar da forma descrita.


24. Em todas as circunstâncias supra descritas, os arguidos têm vindo a agir de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas são censuradas, proibidas e punidas por lei penal.


25. Por acórdão transitado em julgado no dia 16 de Junho de 2014, proferido no âmbito do processo nº 173/12.0..., do Juízo Central Criminal de ... o arguido AA foi condenado, na pena de 6 anos de prisão efetiva pela prática entre Agosto de 2012 e 7 de Agosto de 2013 de um crime de trafico de estupefacientes pelo artigo 21 nº 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro com referência ao disposto na tabela I A, I B, I C.


26. O arguido esteve privado da liberdade ininterruptamente desde 7 de Agosto de 2013.


27. Por despacho proferido no dia 22 de Junho de 2020 no âmbito processo 4824/10.2... G, do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, transitado em julgado em 27/7/2020, foi concedida liberdade condicional ao arguido AA pelo período de tempo de prisão que a contar da sua libertação lhe faltaria cumprir, ou seja, até 30/7/2021.


28. Na sequência da decisão referido em 27, o arguido está em liberdade condicional desde 4/7/2020.


29. Por acórdão transitado em julgado no dia 30/9/2022, proferido no âmbito do processo nº 126/20.4..., do Juízo Central Cível e Criminal de ..., j.... ., o arguido AA foi condenado, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão efetiva pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo artigo, 22º 203º nº 1, 204º nº 2 alínea e do Código Penal, por factos ocorridos em 26 de Julho de 2020.


30. O arguido AA praticou os factos constante do presente processo desde o início de 2021.


31. As anteriores condenações e o cumprimento da pena de prisão não dissuadiram o arguido AA da prática de novos ilícitos típicos, pelo que não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.


Mais se provou relativamente ao arguido AA


32. À data dos factos o arguido residia em ... com a companheira e uma filha desta de 13 anos de idade, em casa familiar propriedade indivisa, com condições de habitabilidade e subsistiam dos rendimentos da companheira, empregada de limpeza, complementados com o Rendimento Social de Inserção. Atualmente encontra-se a cumprir prisão efetiva desde Novembro/2022. AA é natural de ... onde sempre viveu e é o segundo por ordem de nascimento de uma fratria de 4 irmãos, todos autonomizados, com quem possui relacionamento amigável e cordato. Os pais, outrora emigrantes em frança, já faleceram. A família de origem é trabalhadora e normativa, sem problemas associados relevantes. Frequentou o ensino em idade própria, abandonando os estudos precocemente, após concluir o 4º ano. Iniciou atividade laboral na área agrícola, junto dos pais até cumprimento do serviço militar. Quando saiu da tropa, trabalhou na área da mecânica auto, sem vínculo contratual e de carácter ocasional. Iniciou consumos de estupefacientes na adolescência com o grupo de pares, que mantém com interregnos, mas reincidindo na problemática, desvalorizando os prejuízos decorrentes, situação que o colocou, por diversas vezes em reclusão, cumprindo a 1ª. pena de prisão efetiva com 22 anos, pela prática de crime de furto qualificado. Sem relações conjugais significativas e duradouras, o arguido tem registado um longo percurso criminal, relativamente ao qual não se censura e que tem contribuído para a sua estigmatização na comunidade, onde é sobejamente conhecido. A relação conjugal que mantém na atualidade é gratificante e de interajuda, tendo o arguido sido pai pela 1ª vez de um filho do casal. Durante as várias reclusões que cumpriu, esteve integrado em atividades laborais, nomeadamente, em oficina de reparação auto, mantendo comportamento institucional problemático e alvo de diversos processos disciplinares. No EP mantém comportamento globalmente adequado às regras e normas institucionais com registos transgressivos e cumprimento de POA, não possuindo ocupação. Recebe visitas de familiares, companheira e irmãos, sempre que possível.


33. O arguido AA tem os seguintes antecedentes criminais:


i) Por acórdão transitado em julgado, proferido em 24.04.1991, no âmbito do processo comum coletivo n.º ... do Tribunal de Círculo de ... foi o arguido AA


Nobre condenado pela prática de um crime de furto qualificado numa pena de 18 meses de prisão, por factos praticados em 4.08.1990.


ii) Por acórdão transitado em julgado, proferido em 18.07.1991, no âmbito do processo comum coletivo n.º 304/91 do Tribunal Judicial de Estremoz foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de roubo numa pena de 7 anos de prisão, por factos praticados em 08.01.1991.


iii) Por acórdão transitado em julgado, proferido em 29.09.1991, no âmbito do processo comum coletivo n.º 326/91 do Tribunal Judicial de Évora foi o arguido AA


Nobre condenado pela prática de um crime de roubo numa pena de 4 anos de prisão, por


factos praticados em 04.01.1991.


iv) Por acórdão transitado em julgado, proferido em 15.01.1992, no âmbito do processo comum n.º 1891/91 do Tribunal Judicial de Arraiolos foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de ofensa a funcionário, furto qualificado e falsificação numa pena única de 11 anos de prisão (inclui proc. 45/91, 304/91, 326/91).


v) Por acórdão transitado em julgado, proferido em 11.10.2000, no âmbito do processo comum coletivo n.º 3/00.5... do .. Juízo do Tribunal Judicial de … foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de furto qualificado numa pena de 3 anos de prisão, por factos praticados em 19.02.2000.


vi) Por sentença transitada em julgado no dia 15.03.2003, proferido no âmbito do processo comum singular n.º 353/00.0... do .. Juízo do Tribunal Judicial de … foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de coação, numa pena de 5 meses de prisão, substituída por 50 dias de multa, à razão diária de € 2, por factos praticados em 12.09.2000.


vii) Por acórdão transitado em julgado no dia 12.07.2004, proferido no âmbito do


processo comum coletivo n.º 57/03.2... do Tribunal Judicial de ... foi o arguido AA condenado como reincidente pela prática de um crime de furto qualificado numa pena de 4 anos de prisão, por factos praticados em 23.04.2003.


viii) Por acórdão transitado em julgado no dia 27.09.2005, proferido no âmbito do processo comum coletivo n.º 93/03.9... do Tribunal Judicial de ... foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de furto qualificado numa pena de 6 anos de prisão, por factos praticados em 27.09.2005. Em cúmulo jurídico com a pena aplicada no proc. 57/03.2... foi condenado na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.


ix) Por decisão transitada em julgado no dia 10.10.2001, proferida no âmbito do processo n.º 4824/10.2...-A do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa foi concedida a liberdade condicional ao recluso AA pelo período de tempo que lhe faltava cumprir, ou seja, até 3 de Maio de 2013. A liberdade condicional foi revogada e determinado o cumprimento do remanescente da pena.


x) Por acórdão transitado em julgado no dia 16.06.2014, proferido nos autos de processo n.º 173/12.0... do Tribunal de ... foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 6 anos de prisão.


xi) Por sentença transitada em julgado no dia 26.04.2015, proferida nos autos de processo n.º 6/13.0... do JL de ... foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de ameaça agravada na pena de 210 dias de multa, à


razão diária de € 5,5, por factos praticados em 09.08.2013. A pena já foi declarada extinta


xii) Por acórdão transitado em julgado no dia 30.09.2022, proferido nos autos de processo n.º 126/20.4... foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto


qualificado na forma tentada numa pena de 2 anos e 10 meses de prisão, por factos praticados em 26.07.2020.


(…)


2.2. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição):


A audiência de julgamento decorreu com registo da prova nela produzida. Tal circunstância que também nesta fase se deve revestir de utilidade, dispensa o relatório detalhado das declarações e depoimentos nela prestados.


Assim, a convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada resultou da conjugação das regras de experiência com o teor das declarações dos arguidos, dos depoimentos das testemunhas e dos seguintes meios de prova:


- Exame pericial da arma de fls. 924 a 925.


- Exame pericial datado de 6/4/2022 e de 10/4/2023.


- Auto de notícia de fls. 4, 5, 382.


- Print do google earth, de fls. 6 a 9.


- Print do TMENU, de fls. 10 a 11.


- Relatório de diligência externa de fls. 25 a 26, 28, 29, 40 a 42, 375 a 376, 385,393.


- Foto de fls. 43, 45, 380, 381.


- Cota de fls. 27, 30, 44, 47, 385.


- Informação de fls. 46.


- Facturação detalhada de fls. 43.


- Informação da segurança social de fls. 55.


- Informação de fls. 95 a 367, 413 a 414, 415 a 416, 430 a 440, 452 a 454.


- Informação de fls. 390, 391 e 392.


- Auto de apreensão (ARGUIDO AA) de fls. 487, fls. 491, fls. 495-502, fls. 547-549.


- Fotogramas interior da residência do arguido AA, fls. 503, a 507, 512, 515, 516, 520 a 523, 525, 531, 533, 535 a 537, 540 a 543.


- Teste rápido, fls. 508.


- Auto de pesagem, fls. 509, 510, 511.


- Facturas apreendidas na residência de AA, fls., 517, 518-


519, fls. 524, 259-530, 538 539, 538-539.


- Exame à munição/arma apreendida, fls. 526-527, 924, 948.


- Envelope com anotações do arguido AA, fls. 532.


- Documentação bancária, fls. 534.


- DUA de veículos automóveis de matrícula ..-..-FT e ..-..-LL, em nome de AA, fls. 536.


- Auto de apreensão (ARGUIDO BB), fls. 565-566, fls. 569-570.


- Fotogramas interior da residência ARGUIDO BB, fls. 571-575, 577-578, 580, 582-587.


- Teste rápido, fls. 576, fls. 588.


- Auto de pesagem de droga, fls. 589-590.


- Embalagem de cartão da operadora NOS, fls. 579 e involucro de cartão SIM, fls. 581.


- Auto de apreensão (residência Rua ...), fls. 624-627.


- Fotogramas da residência, fls. 628-632.


- Fotogramas do interior da residência, fls. 633-651, 658-659, 661-665, 667-668, 671-672, 674-675.


- Teste rápido, fls. 652.


- Auto de pesagem, fls. 654-657 invólucro de cartão SIM, fls. 666.


- Facturas Payshop, fls. 669, 673.


- Fotogramas dos arruamentos e vista exterior da habitação sita em Rua ... fls. 688-690.


- Informação de fls. 804, 815.


- Informação bancária de fls. 806 a 808, 910 a 911 a 926, a 939 a 945.


- Apenso – Relatório de Análise de Informação Criminal Operacional.


- Fotograma da residência de arguido BB, fls. 380-381.


- Auto de notícia de 24-03-2022, fls. 382ss.


- Informação médica, de fls. 390-391.


- Facturação detalhada de fls. 412ss – arguido BB.


- Informações datadas de 27 e 28 de Março de 2023.


- Relatórios de analise de informação criminal operacional.


- 5 apensos dos relatórios.


- Certidões judiciais;


- Relatórios sociais;


- Certificados Registo Criminal.


*


Ambos os arguidos prestaram declarações, à semelhança do que já haviam feito em sede de primeiro interrogatório.


O arguido BB admitiu a quase totalidade dos factos que resultaram provados. Confirmou as idas com o arguido AA à B...... para adquirir produto estupefaciente, mas negou qualquer actuação concertada e esclareceu que a partir de determinada altura cessaram relações. Confirmou que efectivamente vendia e cedia estupefacientes a terceiros, embora não à totalidade dos consumidores que se vieram a apurar.


Negou ter acesso às habitações do arguido AA e ter tido alguma vez na sua posse 800 gramas de cocaína. Relatou as suas condições de vida, os consumos de estupefaciente e a escalada que levou à venda, culminando na sua detenção.


O arguido AA negou também a existência de uma actuação concertada com o arguido BB. Apresentou uma versão fantasiosa acerca da origem das mais de 300 gramas de cocaína que tinha na sua posse, alegando que teria sido roubada a uns traficantes para a utilizar no seu próprio consumo, procurando assim minimizar a verdadeira dimensão da actividade de tráfico que exercia. Relativamente às quantias monetárias apreendidas procurou também fazer crer ao Tribunal, sem sucesso, que apesar de não exercer qualquer actividade profissional desde que saiu da prisão em 2020, receber RSI num valor inferior a €200,00 e ser consumidor de estupefaciente (com os gastos inerentes a tal vício), ainda assim teria conseguido economizar mais de €3.000,00. Mais referiu que apenas dispensava ocasionalmente estupefaciente a alguns amigos, que lhe entregavam dinheiro para ir buscar.


Relativamente à actuação concertada entre os arguidos, cumpre desde já referir que não foi feita prova que infirmasse as declarações por eles prestadas. Nenhum dos consumidores que adquiria droga aos arguidos conseguiu estabelecer tal relação, o mesmo sucedendo relativamente ao militar da GNR MM, que apenas soube relatar uma situação em que ambos estariam juntos, o que deu origem a um outro processo sem qualquer relação com o presente.


Relativamente às vendas/cedências de estupefaciente que não foram admitidos pelos arguidos o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas CC, FF, GG, DD, NN, LL, HH, II, JJ, KK e OO todos eles consumidores de estupefacientes e que descreveram as aquisições que efectuaram a cada um dos arguidos, natureza, quantidade e preço, indicando ainda o período e a regularidade com que o faziam.


As intenções dos arguidos e conhecimento do carácter reprovável das suas condutas resultam manifestos em face dos factos objectivos que resultaram provados.


O Tribunal teve em consideração o teor do documento junto em sede de audiência de julgamento relativo a uma proposta de trabalho para o arguido BB.


O depoimento das testemunhas EE, companheira do arguido BB, PP, mãe, e QQ, amigo, corroborou o que já constava do relatório social relativamente a este arguido.


No que se refere aos factos não provados, além do que já ficou dito, o decidido funda-se na circunstância de não ter sido feita prova suficiente acerca da sua verificação.


2.3. Na fundamentação de direito do acórdão recorrido, consta, na parte relativa à determinação da pena do ora recorrente (transcrição sem notas de rodapé):


«Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos importa determinar a pena aplicável.


O crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22.01 é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão.


O crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93 é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão.


O crime de detenção de arma proibida é punido com prisão de até 2 anos ou multa até 240 dias.


Na condenação deve dar-se prevalência a penas não privativas da liberdade (art. 70.º do CP), atendendo às finalidades da punição. Contudo, o passado criminal do arguido AA impossibilita a aplicação ao mesmo de uma pena não privativa da liberdade, uma vez que é obvio que tal não salvaguarda as finalidades da punição.


Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, o Ministério Público requereu que o arguido AA fosse considerado reincidente.


Nos termos do nº 1 do artº 75.º do Código Penal, “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”.


E o n.º 2 acrescenta: “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.


O que significa que são pressupostos formais da reincidência que o crime agora cometido seja um crime doloso; que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso; e que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.


Além daqueles pressupostos formais a verificação da reincidência exige, ainda, um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.


E atendendo aos factos provados relativamente às condenações anteriores do arguido, data da prática dos factos anteriores, início do cumprimento de pena e data de cometimento dos novos factos, dúvidas não há de que os requisitos formais estão preenchidos.


Resta, pois, apurar da existência do pressuposto material.


O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de modo constante que há que operar a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional.


Não temos dúvidas de que este pressuposto também se mostra verificado, uma vez que os factos conduzem à conclusão de que estamos na presença de um verdadeiro reincidente. O arguido esteve, além do mais, em cumprimento de uma pena de 6 anos de prisão, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Esteve privado da liberdade desde 07.08.2013 até 04.07.2020, altura em que lhe foi concedida a liberdade condicional.


Passados poucos dias de ter sido libertado cometeu um crime de furto qualificado, na forma tentada. Pouco tempo depois o arguido iniciou a actividade de tráfico de estupefacientes em discussão no âmbito dos presentes autos. O cometimento do crime ora em causa após um tão longo período de reclusão legitima a conclusão de que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes.


E por força da reincidência a moldura pena aplicável ao arguido AA é de 5 a 12 anos de prisão.


Na determinação da medida concreta da pena e nos termos do disposto nos artigos 71.º e 47.º do citado diploma ter-se-á em consideração a sua culpa, as exigências de prevenção de futuros crimes e as circunstâncias do caso agora em apreço que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra e em seu favor, sem prejuízo dos limites mínimos e máximos das penas aplicáveis.


Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, e no entendimento do Prof. Figueiredo Dias "a culpa é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial" (Acta n.º 8 da CRCP, de 29 de Maio de 1989).


O artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal refere que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, o qual reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena. O juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico. A culpa é que decide na medida da pena, pois a mesma afirma-se como limite máximo daquela, funcionando depois a prevenção. A culpa é assim o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida.


Em termos de prevenção geral, particularmente quanto ao tráfico de estupefacientes, importa ter em atenção “Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.


Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas ao nível da União Europeia, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12/09, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30-12-1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º10/79, de 30-01 e ratificada por Portugal, em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.


É a partir desta Convenção que surgirá o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12.


Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5-12-1990, publicado no DR, II Série, n.º 7, de 09-01, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.


Aí se pode ler que “ … o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.


Trata-se, pois, de um problema universal que, obviamente, atinge também o nosso País.


No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de ... de ... de 1999, publicada in Diário da República, I Série - B, n.º 122/99, de 26 de Maio, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.


Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, assentando em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 - Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 - Princípio da subsidiariedade; e 8 - Princípio da participação, sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. págs. 45 a 47 da referida edição.


A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12210, de 24 de Agosto de 1926.


A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro .”


Todavia, à medida da tutela dos bens jurídicos, reclamada pela satisfação do sentimento de segurança comunitária, não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção, no seu recorte objectivo. Com o que se quer dizer que as exigências de prevenção geral não têm, em todos os casos, a mesma medida. As diversas condutas têm de ser apreciadas na sua concreta configuração e importância relativa na lesão do bem jurídico tutelado, sendo, na ponderação da especificidade do caso concreto, que se vai encontrar a justa medida da satisfação das exigências de prevenção geral – Ac. STJ de 29-04-2015, Proc. 47/13.7PAPBL.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.


Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, são bastante significativas as necessidades de prevenção geral sendo conhecido o elevando número de crimes de idêntica natureza cometidos diariamente, a proliferação de armas ilegais e suas consequências nefastas.


Assim,


Especificamente quanto ao arguido AA:


- Dentro do tráfico comum, o grau de ilicitude situa-se num patamar mediano, considerando por um lado a natureza dos produtos (cocaína, canábis), as quantidades bastante expressivas de estupefacientes, valores monetários e bens apreendidos (além do mais, detinha quantidade superior a 300g de cocaína, com um elevado grau de pureza, mais de € 3.000,00 em dinheiro e bens de elevado valor), a duração da actividade (quase dois anos), regularidade e volume de transacções; relativamente ao crime de detenção de arma, o grau de ilicitude é reduzido atendendo que está em causa a detenção de apenas uma munição;


- Agiu com dolo directo;


- A sua personalidade e condições de vida, que se extraem dos factos provados;


- A circunstância de ser consumidor de estupefacientes;


- O vasto passado criminal do arguido, inclusivamente por crimes de idêntica natureza.


Especificamente quanto ao arguido BB:


- No âmbito do tráfico de menor gravidade, o grau de ilicitude da sua conduta é médio alto, considerando a natureza dos produtos envolvidos – cocaína e haxixe – e o período de tempo que perdurou a actividade – quase dois anos;


- Agiu com dolo directo;


- A circunstância de ser consumidor de estupefacientes;


- A sua contribuição para a descoberta da verdade;


- A personalidade, que resulta dos factos provados e condições de vida;


- Os antecedentes criminais pela prática de crimes de diferente natureza.


Tudo visto e ponderado, considera-se adequada a condenação dos arguidos nas seguintes penas relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes:


AA – oito anos de prisão;


BB – quatro anos de prisão;


Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, fixa-se a pena a aplicar ao arguido AA em nove meses de prisão.


Para efeitos de fixação da pena única a aplicar ao arguido AA, temos os seguintes limites (art. 77.º n.º 2 do Cód. Penal):


Limite mínimo – oito anos de prisão;


Limite máximo – oito anos e nove meses de prisão.


Em cúmulo, considerando os factos praticados e a personalidade do arguido que ressalta desses mesmos factos considera-se que a pena única deve ser fixada num patamar médio alto por referência aos respectivos limites mínimo e máximo (art. 77.º n.º 2 do CP).


Assim, fixa-se a pena única a aplicar ao arguido AA em oito anos e seis meses de prisão.


(…)»


*


3. Apreciando


3.1. O presente recurso direto para o STJ tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal coletivo que condenou o arguido/recorrente, no que concerne à medida da pena de 8 anos de prisão que lhe foi aplicada relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, que o recorrente considera excessiva, limitando-se, por conseguinte, ao reexame de matéria de direito, da competência do STJ [artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], sem prejuízo do disposto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vêm invocados.


3.2. O recorrente não questiona o enquadramento jurídico-penal dos factos provados, nem a sua punição no quadro legal da reincidência.


Recordemos, a este propósito, o regime legal da reincidência.


Estabelece o artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal:


«É punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.»


O seu n.º 2 acrescenta:


«O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.»


São, assim, pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, «por si só ou sob qualquer forma de participação»:


1.º - que o crime agora cometido seja doloso;


2.º - que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;


3.º - que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;


4.º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, não sendo computado neste prazo o tempo durante o qual o agente tenha estado em cumprimento de medida processual, pena ou medida de segurança privativa de liberdade.


Além daqueles pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime (culpa agravada).


A reincidência pode ser homótropa (isto é, os crimes reiterados são da mesma natureza) ou polítropa (isto é, os crimes reiterados são de diferente natureza). Renunciou-se à especial punição da reincidência específica, pois o elemento fundamental da reincidência passou a ser o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, p. 241), ainda que Figueiredo Dias continue a considerar que a reincidência deve revelar uma íntima conexão entre os crimes reiterados (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 268-269).


Tem-se entendido que importa distinguir o reincidente do delinquente multiocasional: o primeiro tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais; o segundo reitera a conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade.


O STJ tem vindo a decidir que a agravante qualificativa da reincidência não opera como efeito automático das anteriores condenações, exigindo-se a ponderação em concreto sobre a verificação do referido pressuposto material consagrado na parte final do artigo 75.º, n.º1, ou seja, a demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime, pois só através do caso concreto, nas suas próprias circunstâncias, se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de solene advertência contra o crime (cf. acórdãos do STJ, de 17.12.2014, Proc. 1055/13.3PBFAR.S1, e de 11.10.2023, Proc. 10/21.4GALLE.S1, ambos com extensa indicação de jurisprudência).


Tendo como assente que a comprovação da reincidência depende da enunciação de factos concretos de que se possa extrair que o arguido foi indiferente à condenação anterior, a jurisprudência do STJ evoluiu no sentido de que, estando em causa uma reincidência homogénea ou específica, o recurso às regras de experiência comum, no quadro da prova por presunção, poderá fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido.


Lê-se no acórdão de 29.02.2012, Proc. 999/10.9TALRS.S1:


«(…) estando em causa uma reincidência homogénea, ou especifica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado. Se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir.


Na verdade, se o que se pretende são provas que permitam fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, então é perfeitamente legítimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo.


Aliás, em face de uma actuação duplicada na prática do mesmo tipo de crime por agente empenhado numa criminalidade homogénea, que outros factos se podem invocar em vista da afirmação de uma conexão entre os crimes praticados que não a prática dos mesmos crimes?»


É inquestionável a verificação dos pressupostos formais da reincidência.


Estando em causa uma situação em que o arguido foi condenado anteriormente em pena de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, tendo estado privado da liberdade desde 07.08.2013 até 04.07.2020, altura em que lhe foi concedida a liberdade condicional, voltando a delinquir, após ser libertado, não só através da comissão de um crime de furto qualificado, mas também através da prática de novo crime de tráfico de estupefacientes (nesta parte, reincidência homótropa), as regras da lógica e da experiência sustentam plenamente a inferência de que lhe foi indiferente a solene advertência contra o crime contida na condenação antecedente, não se descortinando a intervenção de circunstâncias que possam excluir a conexão entre os crimes – o que fundamenta a verificação do pressuposto material, não sendo posto em causa pelo recorrente.


3.3. De harmonia com o artigo 76.º, n.º1, do Código Penal, a reincidência agrava de um terço o limite mínimo da pena aplicável, mantendo inalterado o limite máximo.


Por força da reincidência, a moldura penal aplicável ao arguido/recorrente AA é de 5 anos e 4 meses (e não 5 anos, como por lapso se afirma no acórdão recorrido) a 12 anos, que define os limites em que terá de ser encontrada a pena concreta.


Estabelece o referido n.º1 que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.


Seguindo o ensinamento de Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 269 a 275), para concretização da pena na reincidência, que é um caso especial de determinação da pena, importa proceder a três operações:


Em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que, concretamente, deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, seguindo para tanto o procedimento normal de determinação da pena.


Esta operação torna-se necessária por duas ordens de razões: para assim apurar se se verifica um dos pressupostos formais da reincidência, qual seja o de o crime reiterado ser punido com prisão efetiva, e para tornar possível a última operação, imposta pela 2.ª parte do artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal.


Em segundo lugar, o tribunal constrói a moldura penal da reincidência, que terá o limite máximo previsto pela lei para o respetivo tipo de crime e o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço.


A terceira operação consiste na fixação da medida da pena na moldura penal da reincidência, comparando a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência, com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência.


O fundamento desta operação reside no disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 76.° do Código Penal: a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.


Diz o referido autor:


«A última das operações referidas de determinação da pena da reincidência constitui, na verdade, não exatamente uma regra de determinação da pena, mas um limite; e um limite absoluto e externo, que tem a ver apenas com o propósito legislativo de evitar agravamentos reputados demasiados severos da pena da reincidência; e que portanto, em rigor, não contende com as operações de determinação da pena.»


Por conseguinte, a cláusula de limitação prevista na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 76.º, do Código Penal, tem o fim de evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da reincidência, agravar desproporcionalmente a medida da pena do crime posterior.


No caso em apreço, o acórdão recorrido não equacionou a referida limitação, pois não procedeu à comparação entre a pena concreta independentemente da reincidência com a pena concreta resultante da reincidência.


A nosso ver, porém, a circunstância de o itinerário procedimental seguido não obedecer ao proposto legalmente não afetou a validade da respetiva conclusão, não determinando a nulidade do acórdão.


Realmente, sendo certo que o recorrente não sustenta, em parte alguma do seu recurso, que a pena de 8 anos de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes viola a mencionada cláusula de limitação, constata-se que, apesar de o acórdão recorrido não ter efetuado a dita comparação de penas, a agravação resultante da reincidência de forma alguma viola a cláusula de limitação, já que a condenação na pena de 8 anos de prisão seria permitida mesmo que a pena aplicada ao arguido fosse em 4 anos de prisão, limite mínimo do tráfico de estupefacientes, independentemente da reincidência.


Efetivamente, aquela cláusula de limitação imporia, mesmo neste caso, um limite de 10 anos de prisão [4 anos de prisão pelo crime independentemente da reincidência, mais 6 anos de prisão pela condenação anterior mais grave, que lhe foi aplicada pela prática de crime de tráfico de estupefacientes no proc. n.º 173/12.0..., que integra a reincidência], verificando-se que a pena concreta da reincidência, fixada em 8 anos de prisão, encontra-se dentro daquele limite.


3.4. A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.).


Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:


«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»


De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.


Na determinação da pena relativa ao crime de tráfico de estupefacientes, o tribunal recorrido ponderou que, dentro do tráfico comum, o grau de ilicitude situa-se num patamar mediano, considerando por um lado a natureza dos produtos (cocaína, canábis), as quantidades bastante expressivas de estupefacientes, valores monetários e bens apreendidos (além do mais, o arguido detinha quantidade superior a 300g de cocaína, com um elevado grau de pureza, mais de € 3.000,00 em dinheiro e bens de elevado valor), a duração da atividade (quase dois anos), regularidade e volume de transações.


O arguido agiu com dolo direto, iniciou consumos de estupefacientes na adolescência com o grupo de pares, que mantém com interregnos, mas reincidindo na problemática do consumo, desvalorizando os prejuízos decorrentes.


Apresenta um vasto passado criminal.


As exigências de prevenção geral são elevadas devido à frequência da prática do crime em causa e aos malefícios e insegurança causados na sociedade civil.


As exigências de prevenção especial também são significativas atento o percurso criminal do arguido/recorrente.


A atividade de tráfico exercida pelo arguido já revela uma densidade de ilicitude bem expressa nas quantidades aprendidas e grau de pureza da cocaína, evidenciando uma culpa intensa.


Tendo em vista, porém, o referente jurisprudencial deste STJ, considerando a moldura penal abstrata estabelecida por funcionamento da reincidência, na ponderação dos fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, julgamos mais ajustada ao crime de tráfico e às necessidades de prevenção geral e especial, sem esquecer a finalidade de reintegração do agente na sociedade, a aplicação de uma pena de 7 (sete) anos de prisão.


Operando o cúmulo jurídico dessa pena com a aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo 86.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 5/2006, tendo em vista os critérios do artigo 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, considerando os factos praticados e a personalidade do arguido que ressalta desses mesmos factos, julgamos adequada a fixação da pena conjunta em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, seguindo o critério para o efeito adotado pelo tribunal recorrido, que o recorrente não questiona.


*


III - DECISÃO


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA, e, consequentemente:


A) Altera-se a pena aplicada ao arguido/recorrente, por crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de janeiro, como reincidente, reduzindo-a para 7 (sete) anos de prisão;


B) Condena-se o mesmo arguido/recorrente, em cúmulo jurídico daquela pena com a que lhe foi imposta por crime de detenção de arma proibida, na pena única conjunta de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.


Sem tributação.


Supremo Tribunal de Justiça, 11 de janeiro de 2024


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


Vasques Osório (1.ª Adjunto)


João Rato (2.º Adjunto)