PERDÃO DE PENA
RECURSO
EFEITO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
MANDADOS DE DETENÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário


I - O despacho proferido no exame preliminar (“Recurso próprio com efeito e modo de subida adequados”) sendo meramente tabelar não forma caso julgado formal. Por isso o efeito do recurso pode ser modificado pela conferência.
II - O recurso do despacho que recusa a aplicação de um perdão de pena a condenado por sentença transitada em julgado tem efeito meramente devolutivo.
III - O recurso interposto do despacho que indefere a requerida suspensão dos mandados de detenção de condenado por sentença transitada em julgado na sequência da interposição de recurso do despacho que recusou a aplicação do perdão, porque não integra nenhum dos recursos previstos nos números 1 a 3 do art.º 408º do CPP tem, igualmente, efeito meramente devolutivo.
IV - Mesmo na eventual procedência do recurso interposto de despacho que indeferiu a aplicação do perdão e, em consequência da mesma, o recorrente viesse a ser beneficiado com o propugnado perdão de um ano da pena única de 5 anos e seis meses de prisão em que foi condenado por acórdão transitado em julgado em 6-7-2020 pela prática de 24 (vinte e quatro) crimes de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373º, n.º 1, do Código Penal, sempre teria de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
V - Esta pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão nunca poderia ser suspensa na sua execução já que, como é pacifico e está sedimentado na doutrina e na jurisprudência, a pena a ter em conta para decidir a suspensão é a pena efectivamente aplicada e não a pena residual resultante da aplicação do perdão.
VI - O mecanismo previsto no art.º 371º A, do CPP tem exclusivamente em vista a entrada em vigor de lei penal mais favorável e não de lei processual e de leis de amnistia e de perdão
VII - Mesmo que, por absurdo se admitisse essa reabertura da audiência para os fins pretendidos pelo recorrente, só a aplicação concreta de lei penal nova mais favorável (independentemente ser interposto recurso da respectiva decisão) é que teria o efeito de fazer cessar o cumprimento de pena ou tornar desnecessário o início do seu cumprimento.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1 No processo comum ..., do Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por despacho proferido no dia 20 de Outubro de 2023, foi decidido indeferir a suspensão dos mandados de detenção requerida pelo arguido AA.
               
I.2.Inconformado com esse despacho, o arguido AA dele interpôs recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem:
“1.ª Vem o recorrente AA apresentar recurso ao despacho de 20.10.2023 que lhe indeferiu a suspensão dos mandados de detenção que o arguido tinha peticionado em 18.10.2023.
2.ª Ao contrário do que é referido no despacho de 20.10.2023 mas que aqui não cabe discutir (apenas aflorar), quando um arguido tem uma pena superior a 5 anos de prisão e venha a beneficiar da aplicação de um perdão oriundo de uma lei, caso a pena única fique abaixo dos 5 anos de prisão, o Tribunal terá que proceder a um novo cúmulo jurídico nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto e artigo 371.º-A do Código Processo Penal, em que, na aplicação do regime mais favorável – entenda-se nova pena mais favorável em virtude da lei do perdão papal – há lugar à redução da pena e, em consequência, consoante o caso, se a pena ficar abaixo dos 5 anos (ou nos 5 anos inclusive, caso fosse de 6 anos), caberá ao Tribunal, no presente momento, ordenar a elaboração de novos relatórios sociais actualizados para ponderar a eventual suspensão da execução da pena aplicada, entretanto reduzida por força da Lei, para um quantum de pena que permite, agora (e não antes), a suspensão da mesma.
3.ª O despacho recorrido datado de 20.10.2023 já antedisse que nunca será possível suspender a pena de prisão ao arguido mesmo que venha a beneficiar do perdão, podendo concluir-se com este despacho de 20.10.2023 que o Exmo. Sr. Dr. Juiz que o proferiu já formou a sua convicção quanto ao arguido em causa, o que será relevante de futuro em sede de incidente de recusa no caso de o arguido vir a beneficiar do perdão, uma vez que o Exmo. Sr. Dr. Juiz já anunciou a sua convicção e o seu juízo quanto à pena única que o arguido tem e que jamais a suspenderá o que entendemos constituir motivo para afastamento do Sr. Magistrado Judicial do processo por já ter tomado a sua decisão muito tempo antes de ser chamado a decidir essa mesma concreta situação.
Sucede que,
4.ª Não é isso que resulta da Lei. Por um lado o Código Penal manda que os Tribunais, quando a pena seja até 5 anos, com perdão aplicado ou sem ele, dêem preferência, sempre, à pena não privativa da liberdade, e só será aplicada ou mantida uma pena de prisão efectiva quando não haja um mínimo de juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido. Não existe nenhuma norma legal que faça distinção entre o quantum de uma pena originária e de pena perdoada, em que tal norma impeça a suspensão da pena de prisão se o resultado até 5 anos for resultante da pena perdoada.
5.ª Refere o despacho de 20.10.2023 que, tendo o recurso quanto ao perdão papal sido admitido em 10.10.2023 com efeito devolutivo, era/seria quanto bastava/bastasse para não suspender os mandados de detenção, mas ainda assim o Tribunal acrescentou alguns argumentos para (tentar) demonstrar que não assistia razão nem ao arguido, nem ao Ministério Público.
6.ª Segundo o despacho de 20.10.2023 a aplicação de um perdão parcial de um ano “nunca teria o condão de alterar a pena aplicada”, refere o despacho, o que desde logo é contraditório (e contrário) à realidade. A pena é logo alterada, porque é perdoada em parte, por força da Lei do perdão. A própria lei é um “condão” que altera a pena e, no caso, a ser procedente o recurso do apenso BT, fica indiscutivelmente abaixo dos 5 anos de prisão, podendo vir a ser suspensa na sua execução, situação jurídica que será discutida após os recursos quanto à aplicação do perdão e que, como se sabe, poderão subir até ao Tribunal Constitucional em razão das bem invocadas inconstitucionalidades no que a esta matéria diz respeito e que, no que concerne à razão da idade, o mundo jurídico encontra-se do lado do recorrente, desde o Presidente da República, o CSM, o CSMP, diversos constitucionalistas e já há várias decisões de primeira instância que declararam inconstitucional a razão da idade.
7.ª Significa isto que se justifica a suspensão dos mandados de detenção porque se um arguido está aguardar os recursos relativos à aplicação do perdão papal e, na procedência de um dos recursos, seja no Tribunal da Relação ou no Tribunal Constitucional, a sua pena ficará abaixo dos 5 anos de prisão, a pena poderá vir a ser suspensa na sua execução, e isso por si só impõe que não se prenda o arguido até se saber o resultado dos recursos em curso – o que se invoca.
8.ª Pese embora o recurso admitido em 10.10.2023 tenha sido admitido com efeito devolutivo, e na opinião/entendimento da defesa deveria ter sido admitido com efeito suspensivo nos termos previstos no art.º 408.º n.º 3 e 407.º n.º 1 do C.P.P., mesmo com efeito devolutivo em nada prejudica a suspensão dos mandados de detenção, valores constitucionais mais altos se levantam perante esta realidade factual, qual seja a de nunca prender um cidadão que pode ver a sua pena reduzida por um perdão papal (em recurso) e, quiçá, ver, eventualmente, a pena ser convertida em pena de prisão suspensa na sua execução nos termos do art.º 50.º do Código Penal, pois a sua detenção pode colidir de forma séria e grave com o direito fundamental à liberdade previsto no art.º 27.º da C.R.P..
9.ª Só o facto de existir essa possibilidade, impõe-se nos mais elementares deveres de prudência e de cautela jurídica que se suspendam, de imediato, os mandados de detenção, aguardando-se o desfecho dos recursos interpostos no Apenso BT – o que se invoca.
10.ª Ou seja, a questão que se apresenta nestes autos de recurso é a de se saber se poderá uma pena de prisão decretada em decisão transitada em julgado ser sustida no seu cumprimento caso exista pendente um recurso que poderá influenciar os seus termos do seu cumprimento, nomeadamente quanto à redução da pena e eventualmente até ser ponderada a suspensão da execução da pena de prisão na medida em que, com a aplicação do perdão de um ano, a pena única ficará abaixo dos 5 anos de prisão em que poderá ser aplicado o art.º 50º do Código Penal.
11.ª É importante dizer-se, também, que ao perdoar-se 1 ano de prisão não se está a inocentar ninguém, perdoar um ano de prisão não é absolver alguém, seja quem for. É apenas isso mesmo, reduzir 1 ano. Só que neste caso em concreto, esse ano de redução provoca uma descida para pena inferior a 5 anos, perante o que o Tribunal de 1.ª Instância terá que reabrir o cúmulo, aplicar nova pena única e o arguido, se não lhe suspenderem a pena, poderá recorrer dessa decisão cumulatória nova, após a redução da pena por via do perdão papal. É que a aplicação do perdão papal não é um ponto final. Há que ponderar o cenário seguinte inovatório face à nova pena inferior a 5 anos.
12.ª Citando as sábias palavras do Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Guimarães, Dr. Jorge Mariano, “a aplicação do Direito não se deve alhear de uma perspectiva equilibrada e de bom senso a qual deve ser especialmente considerada se estivermos, como é o caso, numa situação de potencial ofensa da liberdade de uma pessoa”.
13.ª Por todas estas razões, “é absolutamente aconselhável que, por ora, se sustenha a execução dos mandados de detenção do recorrente para cumprimento de pena de prisão”, sob pena de possível inutilidade e ineficácia das pretensões recursórias em curso e de todas as questões jurídicas aqui em causa.
14.ª O direito à liberdade do recorrente não se compadece com uma situação de indefinição, correndo o sério risco de ser violado o direito fundamental da liberdade (art.º 27.º da C.R.P.) caso seja detido e conduzido ao estabelecimento prisional, sem que a situação dos recursos do perdão papal e aplicação ou não da suspensão da execução da pena estejam definitivamente resolvidas.
15.ª Mais foi violado/mal interpretado o art.º 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto que determina que, em caso de aplicação de perdão, o Tribunal de 1ª Instância o venha a aplicar (pelo tribunal de composição idêntico ao de julgamento), e foi violado o art.º 50.º do C.P. ao estar a projectar-se, desde já, que tal artigo não virá a ser aplicado mesmo que a pena seja reduzida para um quantum inferior a 5 anos.
16.ª Termos em que, o despacho recorrido datado de 20.10.2023 tem que ser revogado e substituído por outro que, de acordo com as motivações e conclusões deste recurso, seja substituído por outro que declare a imediata suspensão dos mandados de detenção até ulteriores decisões finais do APENSO 1420/11.... se encontrarem devidamente resolvidas e transitadas em julgado, sob pena de se violar o art.º 27.º da C.R.P..
17.ª Por último, percebeu-se também pela análise do despacho de 20.10.2023 que o Tribunal a quo é do entendimento que a eventual aplicação do perdão mais a possibilidade de a nova pena (perdoada) poder vir a ser suspensa na sua execução configuraria um duplo “perdão”/um duplo benefício ao arguido. Não podemos concordar com tal pensamento porque é a própria Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto que prevê expressamente a aplicação de vários perdões materialmente adicionáveis uns aos outros ao mesmo arguido, tudo nos termos do n.º 6 do art.º 3.º da referida lei.
Logo se o legislador não impediu, em nenhuma norma que, se a nova pena única ficar abaixo dos 5 anos (ou até 5), aplicar-se-á, nos termos da lei penal, e de forma obrigatória a ponderação do art.º 50.º do Código Penal, discordando-se em absoluto, por estas razões, da Decisão Sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa datada de 2008 e que não é transponível para os tempos do perdão de 2023 pois, como se disse, a Lei de 2023 também permite a acumulação com perdões anteriores, logo permite que vários cidadãos sejam dupla e triplamente beneficiados com vários perdões e amnistias.

TERMOS EM QUE, FACE ÀS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES APRESENTADAS E TUDO O MAIS QUE FAVOREÇA O RECORRENTE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O DESPACHO DE 20.10.2023 DETERMINANDO-SE O SEGUINTE:
SUSPENDER, DE FORMA IMEDIATA, OS MANDADOS DE DETENÇÃO PENDENTES SOBRE O ARGUIDO AA, ATÉ FICAREM DECIDIDOS TODOS OS RECURSOS PENDENTES QUANTO À APLICAÇÃO DO PERDÃO ORIUNDO DA LEI N.º 38-A/2023, DE 2 DE AGOSTO E, EM CASO DE LHE SER APLICADO, EVENTUAIS DECISÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE LHE SER APLICADA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO NOS TERMOS DO ART.º 50.º DO CÓDIGO PENAL, ATENDENDO A QUE, EM CASO DE PERDÃO, A PENA FICARÁ ABAIXO DOS 5 ANOS DE PRISÃO.
DECIDINDO-SE ASSIM, NO SENTIDO DEFENDIDO E INVOCADO ALCANCAR-SE-Á JUSTIÇA! “

I.3. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso formulando a final as seguintes conclusões:
“1.º Pretende o recorrente a impugnação do Despacho de 20.10.2023, com a referência ...80, pedindo, para tanto que aquele Despacho deve ser substituindo por outro que atribua efeito suspensivo aos mandados de detenção e condução do arguido ora recorrente ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena a que, por acórdão transitado em julgado sob a forma condicional, foi condenado.
2.º Conforme se exarou na nossa Promoção de 19.10.2023, sob a referência ...54, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter suspendido os mandados que foram ordenados e emitidos em relação ao arguido AA, em face do recurso pelo mesmo interposto que ora corre termos sob o apenso 1420/11.....
3.º Com efeito, ainda que o Tribunal a quo tenha, fixado àquele recurso referido – com o n.º 1420/11.... – efeito devolutivo e, assim, sem prejuízo para a execução do Despacho subjacente, a verdade é que o arguido em sede de recurso havia peticionado fosse fixado efeito suspensivo alegando, para tanto, fundamento no artigo 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
4.º Em conformidade, estatui aquele preceito legal que “3 – Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos actos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos” e, por seu turno, o referido n.º 1 do artigo anterior (407.º) diz que “[s]obem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
5.º Em face do que, entende o MINISTÉRIO PÚBLICO que até tomada de posição pelo Tribunal ad quem quanto à fixação do competente efeito a que, note-se, não fica vinculado pelo fixado pelo Tribunal recorrido (artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), deveriam ser suspensos os Mandados de Detenção e Condução ao Estabelecimento Prisional antes ordenados fossem emitidos.
6.º Ao assim não ter efetuado fez o Tribunal recorrido, naquele seu douto Despacho ora posto em crise, uma incorreta interpretação dos normativos legais (artigos 407.º, 408.º e 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
7.º Ademais, porquanto os fundamentos expendidos pelo Tribunal recorrido são, no essencial, a questão decidenda submetida à apreciação do Tribunal de recurso, alvitrando-se, ainda que ínfima, a possibilidade de provimento do recurso, que, de resto, manifestamente não se vislumbra, entende-se que até recebimento do recurso interposto sob o apenso 1420/11.... e fixação do competente efeito, devem os mandados ser suspensos e, caso o recurso venha a ser admitido com efeito suspensivo, assim se deverão manter até decisão final.
8.º Devendo, assim, e nesta parte, proceder o recurso interposto, mas já não assim na parte em que se pede a suspensão de forma indiscriminada até resolução em definitivo de todas as questões suscitadas pelo arguido naqueloutro recurso sob pena de se vir a obstar, por esta via, a apreciação judicial das diversas questões que venham a ser colocadas no futuro, factos que são incertos.
9.º Porém, V. Exas. decidindo farão, pois, e como sempre, a tão acostumada JUSTIÇA.”

I.4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, embora remetendo para os fundamentos e elementos (factuais e normativos) aduzidos, que genericamente sufraga, da resposta do Mº Público em 1º instância, concluiu no sentido da improcedência do recurso.

. O recorrente através do requerimento referª ...05 veio pedir que seja declarado o impedimento legal do Exmo. Sr. Dr. Juiz Desembargador Dr. Pedro Miguel da Cunha Lopes, nos termos do artigo 40º, nº 1 alínea d) do Código Processo Penal, uma vez que participou em decisão de recurso anterior que correu termos nesta Relação de Guimarães nestes autos em 30.09.2019 e 13.01.2020.
. Determinou-se a apresentação dos autos aquele Exmº Sr. Juiz Desembargador Dr. Pedro Miguel da Cunha Lopes, tendo-se este declarado impedido, nos termos do disposto no art.º 40º/1, d), C.P.P..
. De seguida, face a essa declaração, foi determinada a remessa dos autos à distribuição para novo sorteio do 1º Adjunto.

I.5. Cumprido o art.º 417º, nº 2, do C. P. Penal, o recorrente veio responder suscitando a questão prévia de que estão reunidos os pressupostos para ser proferida uma decisão sumária (favorável) nos termos do art.º 417º n.º 6 alínea d) do C.P.P., uma vez que, em situação idêntica à dos presentes autos, e neste mesmo processo n.º 1420/11...., por decisão datada de 28 de Novembro de 2023, também por Decisão Sumária do Exmo. Sr. Relator Dr. Júlio Pinto, foram suspensos os mandados de detenção ao co-arguido BB, e, no mais, reiterando, no essencial, os fundamentos invocados na motivação de recurso.

I.6.Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado.

Questão prévia:
No exame preliminar proferiu-se, ao abrigo do disposto no art.º 417º, nº 7 al. a) do C. P. Penal, o seguinte despacho:
“Recurso próprio, com efeito e modo de subida adequados”.
Esse despacho teve por referência o despacho de admissão de recurso proferido pela 1ª instância (referência citius ...05), com o seguinte teor:
“Por estar em tempo, ser legal e ter sido interposto por quem para tal tem legitimidade, admito o recurso do arguido AA para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual sobe imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
Notifique – art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, do C.P.P.”
Sucede, porém, que submetida a questão à conferência, considerou-se que, embora o citado despacho da primeira instância estivesse correcto quanto ao modo de subida, já o mesmo não ocorria quanto ao efeito suspensivo fixado.
Efectivamente, é inquestionável que o recurso do despacho que indeferiu a suspensão dos mandados de detenção- questão objecto do presente recurso- deve subir imediatamente (al. b) do nº 2 do art.º 407º, do C. P. Penal) e em separado (nº 2 do art.º 406º, do mesmo diploma legal), mas já não que o efeito suspensivo fixado seja o adequado.
Com efeito, têm efeito meramente devolutivo todos os recursos não previstos nos nº 1 a 3 do art.º 408º do C. P. Penal.
 Ora, o recurso em análise não integra qualquer um desses números.
Concretizando: Não foi interposto de decisão final condenatória; do despacho de pronúncia (als. a) e b) do nº 1 do art.º 408º), de decisão que condenou ao pagamento de quaisquer importâncias, do despacho que julgou quebrada a caução; de despacho que ordenou a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;  de despacho que considerou sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória ( al.s a), b), c) e d) do nº 2 da mesma disposição legal)  e, por último, também não está previsto no nº 1 do art.º 407º ( nº 3 da mesma disposição legal).
Ademais, ao ter sido atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto do despacho que indeferiu a aplicação do perdão, que, como abaixo melhor iremos explicitar, independentemente da decisão que venha ser proferida no Apenso BT está em consonância com a jurisprudência do S.T.J., por maioria de razão teria de ser atribuído igual efeito ao despacho do recurso em causa nestes autos, que, como já referimos, tem por objecto o despacho que indeferiu a suspensão dos mandados de detenção, proferido na sequência daquele.
Nesta conformidade, decide-se corrigir o efeito do recurso fixado para meramente devolutivo.
Essa correcção é legalmente admissível, atento o disposto no art.º 414º, nº 3 do C.P. Penal que prevê expressamente que “A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior”.
Por outro lado, em conformidade com o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, com o despacho anteriormente proferido no exame preliminar, não se formou caso julgado formal, uma vez que é meramente tabelar, pelo que pode ser modificado pela conferência.
Como escreveu  Abrantes Geraldes,[1] «A apreciação genérica e tabelar de aspectos formais relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso não produz efeitos de caso julgado formal, não precludindo a possibilidade de posterior pronúncia de sentido diverso, seja por iniciativa do próprio relator, seja por sugestão dos adjuntos». 269 ([2])
Neste sentido também se decidiu no Ac. do STJ, de 18-11-98, BMJ 481º/390[3] ” que deve ser rejeitado o recurso mesmo que já tenha havido despacho do relator a admiti-lo, uma vez que tal despacho, não sendo definitivo e tendo cunho meramente provisório, sempre poderá ser modificado pela conferência, por iniciativa do próprio relator, dos adjuntos ou até das próprias partes.
RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, pag. 202, refere que “ o despacho positivo do relator limita-se a assegurar a continuação do processo de recurso em ordem ao julgamento. Todavia, não faz caso julgado formal, não deixando definitivamente assente que a conferência conhecerá do objecto do recurso”.
Pelo exposto, em conformidade com o entendimento doutrinário e jurisprudencial acabado de explanar, que subscrevemos, decidimos corrigir o efeito do recurso fixado, que passará a ser meramente devolutivo.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO
A jurisprudência do STJ [4] firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[5]
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir consiste em saber se devem, ou não, ser suspensos os mandados de detenção e condução do arguido ora recorrente ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena a que, por acórdão transitado em julgado, foi condenado.

2- DA DECISÃO RECORRIDA (transcrição):
“Como referido, a pena aplicada ao arguido requerente encontra-se fixada em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
Por despacho de 13.09.2023, foi indeferida a aplicação do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 Agosto, à pena aplicada ao ora requerente.
Desse despacho interpôs o requerente recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual foi admitido, com efeito devolutivo.
E tanto bastaria para que a pretensão do requerente improcedesse.
No entanto, acresce o seguinte: a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição, mas também uma pena autónoma. Os seus pressupostos são os que constam do art.º 50.º do Código Penal, sendo que o pressuposto de natureza formal (único que agora nos interessa) é o de que seja aplicada ao arguido pena de prisão em medida não superior a 5 anos.
Ora, a eventual aplicação de um perdão (parcial) de pena nunca teria o condão de alterar a pena aplicada, sendo apenas relevante para efeitos do seu cumprimento. Daí que “há muito o Supremo Tribunal de Justiça cimentou o entendimento de que «o legislador, ao fixar como pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 3 anos, tem em vista apenas os agentes punidos com penas originárias não superiores a essa medida, sendo indiferente, para esse efeito, que a pena a cumprir fique aquém desse limite  por força de qualquer perdão concedido por leis de clemência»[Ac. RP de 28.05.2014, proc.º n.º 271/96.5TBCHV.P3, relator Des. Alves Duarte, em www.dgsi.pt].
Neste preciso sentido, veja-se o Ac. STJ de 20.03.2003 [Proc.º n.º 03P504, relator Cons. Simas Santos, em www.dgsi.pt] e a jurisprudência aí referida: “O legislador, ao fixar como pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 3 anos, tem em vista apenas os agentes punidos com penas originárias não superiores a essa medida, sendo indiferente, para esse efeito, que a pena a cumprir fique aquém desse limite por força de qualquer perdão concedido por leis de clemência.» (Ac. do STJ de 17-05-2000, 150/2000, Acs STJ VIII, 2, 197)
No mesmo sentido se podem ver ainda, e no mesmo sentido, ao Acs de 21-6-93, proc. n.º 43455, de 1-7-94, BMJ 448-157, de 28-06-1995, proc. n.º 47470, de 2-11-1995, proc. n.º 48300, de 29-10-1997, proc. n.º 321/97, de 4-3-1998, proc. n.º 3/98, de 21-06-2001, proc. n.º 249/01-5 e de 27-01-1998, proc. n.º 1352/97, de 1-07-1998, proc. n.º 461/98”.
E, por fim, ainda o Ac. RL de 05.03.2008 [Proc.º n.º 1219/2008-3, relator Des. Carlos Almeida, em www.dgsi.pt] Se por outra via não se chegasse a essa conclusão, extrai-se desta disposição que não pode haver a aplicação simultânea de uma pena de substituição e do perdão. O perdão incide apenas sobre a pena de prisão.
Implica isto que, independentemente do efeito do perdão genérico previsto no artigo 128º, n.º 3, do Código Penal, a pena a considerar para este efeito só pode ser aquela que foi determinada em momento anterior à aplicação do perdão, no caso, a de 6 anos de prisão.
Não podendo haver lugar à aplicação da mencionada pena de substituição por não se encontrar preenchido um dos seus pressupostos, o de que a pena a substituir não seja superior a 5 anos de prisão”.
Realce-se que a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, não contém norma especial susceptível de afastar este regime geral.
Como tal, ainda que o arguido requerente viesse a ser beneficiado com o perdão de um ano da pena que nestes autos lhe foi aplicada, ainda assim não haveria lugar à substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da mesma em virtude de a pena originária (5 anos e 3 meses de prisão) não o permitir, de acordo com o preceituado no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Resultando daqui que, mesmo na eventual procedência do recurso, o arguido AA sempre terá de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, não se vislumbram, pois, motivos que justifiquem a suspensão dos mandados de detenção.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.

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3 -APRECIAÇÃO DO RECURSO

Questão prévia:

No despacho recorrido consta, além do mais, o seguinte: “Como referido, a pena aplicada ao arguido requerente encontra-se fixada em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.” E mais à frente que “sempre terá de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão” (sublinhado nosso).
Sucede, porém, que a pena de prisão aplicada ao recorrente, ao contrário do referido, encontra-se fixada em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, como decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no dia 30-09-2019 (referência ...63), transitado em julgado em 06-07-2020 (cfr despacho de 14-11-2020 – referência ...02).
Desse modo, essa menção de que a pena de prisão do arguido/recorrente se encontra fixada “em 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão” e, em consequência, que o mesmo “sempre terá de cumprir 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão” deveu-se a um manifesto erro de escrita, decorrente provavelmente da utilização das ferramentas informáticas e a que certamente também não é alheia a dimensão gigantesca do presente processo e o elevado número de arguidos.
Como ensinava ALBERTO DOS REIS[6], “O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever «absolvo» e por lapso, inconsideração, distracção, escreveu precisamente o contrário: condeno. O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados”.
Assim, consubstanciando essa divergência um mero erro de escrita, impõe-se a correcção do despacho, nos termos do art.º 380º nº 1 al. b), 2 e 3 do C. P. Penal, devendo, assim, considerar-se escrito, em substituição do que nele ficou consignado, que a pena aplicada ao arguido/recorrente se encontra fixada em “5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão” e, em consequência, que o mesmo “sempre terá de cumprir 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
*
Feita esta correcção, cumpre apreciar a questão objecto do recurso.
Tendo em vista uma melhor contextualização da mesma, começaremos por fazer uma síntese das principais incidências processuais evidenciadas nos autos e que consideramos relevantes para a sua decisão (anotando-se que parte dos elementos referidos foram extraídos do processo principal, que consultamos):
- Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no dia 30-09-2019 (referência ...63), transitado em julgado em 06-07-2020 (cfr. despacho de 14-11-2020 – referência ...02), o recorrente AA foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 24 crimes de corrupção passiva, p. p pelo artº. 373º, n.º 1, do C. Penal;
- Por despacho proferido no dia 6-01-2022 (referência ...36), determinou-se a emissão dos mandados de condução ao EP, para cumprimento da respectiva pena, sendo a do arguido:
“. AA – 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão (cfr. fls. 1672 do Acórdão do T.R. Guimarães de 30/09/2019;”
- Esses mandados foram emitidos no dia 03-03-2022;
- Através do requerimento de 06-09-2023 o recorrente veio requerer a aplicação do perdão oriundo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto;
- Por despacho proferido no dia 13-09-2023 (...) o tribunal recorrido indeferiu-se a requerida aplicação do perdão ao recorrente CC, nele se escrevendo, além do mais, o seguinte (que se transcreve na parte que releva):
“O arguido AA foi condenado, nos presentes autos, por acórdão transitado em julgado em 06.07.2020 (…)
Este arguido nasceu em .../.../1975.
(…)
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
Dispõe o art.º 2.º, n.º 1, do referido diploma que “(e)stão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
(…)
No caso vertente, está verificado o pressuposto temporal de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, já que os factos em causa foram praticados antes das 00:00 do dia 19.06.2023, mas não o pressuposto subjectivo, pois, à data da prática dos factos, nenhum dos arguidos tinham 30 ou menos anos.
Acresce que os crimes de corrupção passiva, p.p. pelo art.º 373.º, n.º 1, do Código Penal, pelos quais foram condenados encontram-se exceptuados da aplicação do perdão, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, al. e), iv), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto “;
-Desse despacho interpôs o recorrente recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que foi admitido por despacho proferido no dia .../.../2023 (referência ...17), com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo;
-Esse recurso foi registado sob o nº 1420/11...., subiu a esta Relação, onde se encontra pendente a aguardar a decisão do STJ do incidente de recusa apresentado a 20/11/2023 (cfr. informação prestada pela secção de processos e exarada na cls. de 28-12-2023 – referª ...87);
-No dia 18-10-2023 (referência ...92) o recorrente veio requerer a suspensão dos mandados de detenção até que se encontrem decididos os recursos interpostos quanto à aplicação do perdão “papal” a decorrerem no Apenso BT;
-Sobre este requerimento incidiu o despacho objecto de recurso, acima reproduzido;
-Desse despacho interpuseram o recorrente e o M.º Público recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo o interposto pelo recorrente sido admitido por despacho proferido no dia .../.../2023 (referência ...05), com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo;
- Os mandados de detenção referentes ao arguido/recorrente AA foram cumpridos no dia 02-11-2023, encontrando-se o mesmo detido no EP ... desde então (referências ...82 e ...52);
-O arguido apresentou petição de Habeas Corpus – pedido de libertação imediata – ao abrigo do disposto no art.º 31.º n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e ainda nos termos do art.º 222.º n.ºs 1 e 2, alíneas b) e/ou c), do Código de Processo Penal (CPP);
- Por acórdão da ... Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no dia 08-11-2023 (referência ...58), foi indeferido o pedido de habeas corpus requerido pelo Arguido AA;
 - Através de despacho proferido no dia 06-12-2023 (referência ...43) foi homologada a liquidação da pena do arguido/ recorrente, que teve por referência promoção de 04-12-2023, com o seguinte teor:
“Da LIQUIDAÇÃO DA PENA DE PRISÃO imposta ao condenado AA
Nos presentes autos foi o arguido AA condenado na pena única de 5(cinco) anos e 6(seis) meses de prisão (vide acórdão da primeira instância de 13.12.2017, com a referência ...97, do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.09.2019 com a referência ...63, do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.01.2020 com a referência ...02 e, ainda, de harmonia com o Despacho do Exm.º Senhor Juiz Desembargador relator de 14.11.2020, com a referência ...02).
Por via do ofício junto aos autos a 03.11.2023, sob a referência ...42, foi dado conhecimento de que no dia anterior (02.11.2023) foi dado cumprimento ao Mandado de Detenção pendente contra o sobredito condenado para cumprimento da pena de 5(cinco) anos e 6(seis) meses de prisão que lhe foi imposta por douto Acórdão transitado em julgado.
Não são conhecidos dos presentes autos quaisquer períodos dos quais resulte que o condenado haja sofrido qualquer período de detenção que importe descontar nos termos e para os efeitos constantes do artigo 80.º do Código Penal.
Em face do que, ora se procede à LIQUIDAÇÃO DE PENA nos termos seguintes:
 Início do cumprimento da pena: 02.11.2023
 Metade do cumprimento da pena: 02.08.2026;
 Dois terços do cumprimento da pena: 02.07.2027;
 Termo do cumprimento da pena: 02.05.2029;”
- Por requerimento de 14-11-2023, o Ministério Público desistiu do recurso interposto, que, por despacho proferido no dia 16-11-2023 (referência ...77), foi admitida.
*
Tendo em consideração estas ocorrências processuais, vejamos então a questão suscitada que, como assinalamos, consiste em saber se devem, ou não, ser suspensos os mandados de detenção e condução do arguido ora recorrente ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena a que, por acórdão transitado em julgado, foi condenado.
Cumpre desde logo referir que, como acima mencionamos, o acórdão que condenou o arguido transitou em julgado em 06-07-2020, o que significa que o quantum de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão fixado como pena única assumiu carácter definitivo.
Como diz DD[7] o caso julgado  “serve fundamentalmente o valor da segurança jurídica” (mesmo que entendido como salvaguarda do próprio arguido) e é também o reconhecimento da existência de um Estado de Direito (artº. 2 da CRP)[8].
E, como decorre do disposto no art.º 467º, nº1 do C. P. Penal, as decisões penais transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.
Assim, com o trânsito em julgado, aquela decisão tornou-se imediatamente exequível, e desde essa data competia ao Ministério Público promover (além do mais) a execução daquela pena de prisão (art.º 469º, do C. P. Penal).
Desta forma os mandados para cumprimento daquela pena de prisão, que se encontravam pendentes desde o dia .../.../2022, foram legalmente emitidos e em cumprimento formal do caso julgado.
Por seu turno, como resulta das incidências processuais acima referidas, foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso do despacho que indeferiu a aplicação do perdão proveniente da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, requerida pelo arguido/recorrente CC.
 Sem embargo da decisão que venha ser proferida no Apenso BT pelo relator no exame preliminar sob o efeito do recurso, nos termos do disposto na al. a) do nº 7 do art.º 417º do C. P. Penal, o efeito atribuído pelo tribunal recorrido está em consonância com a jurisprudência do S.T.J., que, sem divergências, tem entendido que o recurso dos despachos que recusam a aplicação de um perdão de pena, tem efeito meramente devolutivo (neste sentido Acs. do STJ de 07-05-2009, processo nº 73/04.7PTBRG-D.S1, 09-12-2010, processo 346-02.3TAVCD-B.P1.S1 e 20-02-2013, processo 2471/02.1TAVNG-B.S1, todos do relator Rodrigues da Costa, de 07.05.2015, Proc. nº 50/11.1PCPDL-A.S1, Isabel São Marcos e de  31-01-2019, processo 516/09.3GEALR-A.S1, relatora Helena Moniz, todos disponíveis in www.dgsi.pt.).
Ora, como é consabido, o efeito do recurso pode ser suspensivo do processo (nº 1 do art.º 408º) ou apenas suspensivo da decisão recorrida (nº 2, nos casos taxativamente enunciados, ou no nº 3 da mesma disposição legal). Sendo suspensivo do processo, este pára, não podendo prosseguir. Sendo suspensivo da decisão o processo não pára; apenas a decisão se torna inexequível. Não sendo, por não estar previsto, nem uma coisa nem outra, terá, como já referimos, efeito meramente devolutivo, isto é, não terá nenhum efeito na marcha geral do processo.
Como escreveu Simas Santos e Leal- Henriques[9] “os recursos que não tenham efeito suspensivo do processo ou da decisão recorrida, terão efeito meramente devolutivo, o efeito próprio de qualquer recurso ( devolução do processo a um tribunal superior àquele de que se recorre)[10]
Também já referia o prof. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado, vol. V, em anotação ao art. 692º, pág. 399, “os recursos podem ter dois efeitos, devolutivo e suspensivo. Têm sempre efeito devolutivo; podem além deste, ter efeito suspensivo. Diz-se que o recurso tem efeito meramente devolutivo, quando ao efeito devolutivo não acresce o efeito suspensivo.
O efeito devolutivo consiste em devolver ou deferir ao tribunal superior o conhecimento da questão ou questões postas pelo recorrente e, secundariamente, pelo recorrido.”
Assim, ao ter sido atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto do despacho que indeferiu a aplicação do perdão, esse recurso não terá nenhum efeito na marcha geral do processo, que não pára, inclusive sobre os mandados de detenção pendentes desde o dia .../.../2022 para cumprimento de pena de prisão em que o arguido recorrente foi condenado, por acórdão desta Relação, transitado em julgado.
Por conseguinte, o despacho posteriormente proferido, sobre o indeferimento da requerida suspensão dos mandados de detenção, nada acrescentou ou modificou à situação jurídica definida nesse despacho, nomeadamente quanto à questão de o arguido/recorrente ter de cumprir a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Por sua vez, independentemente da decisão que vier a ser proferida naquele recurso (em apreciação no Apenso BT), que tem precisamente por objecto o indeferimento da requerida aplicação do perdão ao recorrente CC, desde já adiantamos que sufragamos o entendimento expresso no despacho recorrido e na respectiva decisão no sentido de que não se vislumbram motivos que justifiquem a suspensão dos mandados de detenção.
Com efeito, mesmo na eventual procedência do sobredito recurso e, em consequência da mesma, o recorrente AA viesse a ser beneficiado com o propugnado perdão de um ano da pena única em que foi condenado, por aplicação do disposto no artº 3º, nºs 1 e 4 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, sempre teria de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Essa redução da pena de prisão teria apenas como consequência imediata a reformulação da liquidação da pena já efectuada.
É certo que no referido requerimento, e reafirma nas alegações deste recurso, o recorrente também defende que, por força da aplicação do referido perdão, a pena única ficará abaixo dos 5 anos de prisão,  o Tribunal terá de proceder a um novo cúmulo jurídico, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto e artigo 371.º-A do Código Processo Penal, e a nova pena (perdoada) poderá vir a ser suspensa na sua execução, ou seja, equaciona, a possibilidade da modificação da pena transitada em julgado.
No entanto, a modificação da pena transitada em julgado só é legalmente admissível nas condições que a lei taxativamente prescreve, nomeadamente nos casos de revisão da sentença (artº 29º, nº 6 da C. R. Portuguesa e art.º 449º do C. P. Penal) e de abertura da audiência nos termos previstos no art.º 371º-A, do C. P. Penal para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável.
Sucede, porém, que o mecanismo legalmente previsto no art.º 371º A, do C. P. Penal, que o recorrente invoca, foi introduzido pela reforma de 2007 e deve ser visto em conjugação com as alterações introduzidas pelo legislador no Código Penal através da Lei nº 59/2207, de 04/09, máxime nos artºs 2º, nº 4 e 50º (este elevou para 5 anos as penas com possibilidade de serem suspensas na sua execução; o limite anterior era de 3 anos).
A aplicação desse mecanismo tem exclusivamente em vista a entrada em vigor de lei penal mais favorável e não de lei processual[11] e de leis de amnistia e de perdão[12] .
Também se tem entendido que não cabem no conceito de lei penal mais favorável os acórdãos de fixação de jurisprudência[13] .
A reabertura da audiência não visa também qualquer nova discussão sobre a factualidade ou a culpabilidade (o que feriria o princípio non bis in idem), mas tão somente a matéria de direito restrita à aplicação retroactiva da lei penal mais favorável.
De salientar igualmente que, ao contrário do alegado pelo recorrente, a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, nomeadamente o disposto no art.º 14º, não contém norma especial susceptível de afastar esse entendimento.
Com efeito o citado art.º 14º, que prevê que: “  Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”, limita-se a estabelecer a atribuição da competência para aplicação das medidas nela previstas[14].
E, mesmo que por absurdo se admitisse essa reabertura da audiência para os fins pretendidos pelo recorrente, a jurisprudência tem entendido que só a aplicação concreta de lei penal nova mais favorável (independentemente ser interposto recurso da respectiva decisão) é que teria o efeito de fazer cessar o cumprimento de pena ou tornar desnecessário o início do seu cumprimento.
A este propósito passamos a transcrever um excerto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-09-2008, processo 0813009, relator Maria do Carmo Silva Dias, disponível em www.dgsi.pt, cujos fundamentos consideramos ajustados, mutatis mutandis, ao caso concreto: «... quando é reaberta a audiência nos termos do art. 371-A do CPP, o legislador não atribuiu, nem previu qualquer regime especial que suspendesse a força executiva da decisão penal condenatória transitada em julgado.
O mesmo se passa com a realização da audiência em caso de conhecimento superveniente do concurso (arts. 471 e 472 do CPP).
Essa opção legislativa é compreensível se pensarmos que, nessas duas situações, a realização da audiência pressupõe que a decisão ou decisões condenatórias terão de estar transitadas em julgado.
O mesmo se passou com a aplicação do perdão a condenados (por sentença transitada em julgado) quando saíram v.g. as últimas leis de amnistia (vide a última lei de amnistia): o condenado que estivesse a cumprir pena de prisão inferior a 1 ano, apenas era libertado quando fosse proferido e notificado o despacho judicial a aplicar o perdão da pena residual e a ordenar a libertação (a aplicação do perdão não era automática, dependia de despacho judicial e exigia-se a necessária celeridade do juiz de modo a viabilizar a imediata libertação se fosse o caso).
Apesar das expectativas que pudessem existir (mais ou menos sérias, abstractas ou mesmo concretas) o certo é que a libertação do condenado apenas ocorria após ser proferida e comunicada a respectiva decisão judicial que declarasse perdoada a pena residual e, consequentemente, determinasse a libertação.
Isto para dizer que, as expectativas meramente abstractas (independentemente de serem razoáveis ou não) de o condenado ver substituída a pena de prisão por uma pena não detentiva seriam adequadamente tuteladas (e, portanto, não eram frustradas) se tivesse sido realizada atempadamente a audiência aludida nos termos do art. 371-A do CPP.
(…) existem situações em que o legislador admite a possibilidade de adiamento do início do cumprimento de pena: é o que sucede na hipótese prevista no art. 457 nº 3 do CPP (em recurso de revisão de sentença, da competência do STJ) e, também, em casos particulares, como sucede nas hipóteses previstas no art. 487 nº 4 do CPP (por razões de saúde do condenado ou da sua vida profissional ou familiar) quando a sanção consiste em prisão por dias livres ou em regime de semi-detenção.
O mesmo se passa quando em determinadas situações, como as previstas na Lei nº 36/96, de 29/8 (condenados afectados por doença grave e irreversível), o legislador prevê e regulamenta a possibilidade de modificação da execução da pena.
Tudo situações em que ou poderiam existir grandes injustiças ou em que poderia estar a ser onerada de forma excessiva a dignidade humana do condenado.
Ou seja: o legislador (previamente ponderando situações de conflito de diferentes valores protegidos constitucionalmente, definindo depois aqueles que deviam prevalecer) previu expressamente os casos que deviam beneficiar de regime excepcional, estabelecendo regimes especiais, quer a nível da suspensão da execução da decisão condenatória transitada em julgado, quer a nível do adiamento do início do cumprimento de pena.
(…) A referida opção do legislador (quer no caso do art. 371-A do CPP, quer nos casos previstos nos arts. 471 e 472 do CPP) tem a sua justificação precisamente porque é seu pressuposto o trânsito em julgado da decisão condenatória.
E, isso significa que, houve uma declaração de culpabilidade, a qual teve como consequência a aplicação de uma sanção.
É apenas na parte relativa à sanção que agora o legislador, através do art. 371-A do CPP, prevê a possibilidade da sua alteração mas, à luz da lei nova e apreciada em concreto.
Repare-se que a pena determinada à luz do regime antigo – cuja decisão transitou – é a pena adequada e proporcionada ao caso concreto; nesse aspecto não se pode falar de pena desproporcionada ou excessiva.
Essa pena concreta já assumiu carácter definitivo e aqui não estamos em face de um recurso de revisão; o que está agora em causa é apurar se aquela pena concreta já fixada é passível de substituição à luz da lei nova.
Assim, estando nós perante uma sentença transitada em julgado, enquanto não for substituída a pena de prisão ali fixada, o Ministério Público pode promover a sua execução.
Não é intolerável a restrição da liberdade do arguido, por a mesma decorrer da execução daquela sentença transitada em julgado (ver, de resto, o art. 27 nº 2 da CRP).
Portanto aquela pena já definida na referida sentença transitada em julgado é passível de execução; o processo pode avançar, pode continuar para a fase de execução da pena, com a emissão de mandados de detenção; só a sua substituição por pena não detentiva (o que implica a realização de audiência nos termos do art. 371-A do CPP e respectiva decisão, caso não seja entretanto elaborado cúmulo jurídico no processo para o qual terá sido remetida a pertinente certidão) é que suspende a execução daquela pena de prisão ou o início do seu cumprimento.”
Logo, neste caso, a entrada do respectivo requerimento apresentado pelo arguido ou a simples marcação de data para reabertura de audiência (tal como a simples remessa de certidão da decisão condenatória para outro processo a fim de ser realizado o competente cúmulo jurídico), não é suficiente para travar a execução da pena definitiva fixada à luz do regime anterior, nem para obstar ao início do seu cumprimento.
Como diz Damião da Cunha[14], “no caso de lei mais favorável, podendo cessar a execução da pena, não cessam os efeitos da condenação.”
Em suma: não há qualquer erro, nem nenhuma correcção a fazer à pena fixada à luz do regime penal anterior; o que há é que verificar, em concreto, se a lei nova é ou não mais favorável ao condenado, caso em que poderá cessar a execução da pena anteriormente fixada por sentença transitada em julgado.
Enquanto não for reaberta a audiência nos termos do art. 371-A do CPP e proferida a respectiva decisão ou não houver elaboração de cúmulo jurídico (por decisão transitada em julgado) que englobe as penas em questão nestes autos, subsiste a sanção aplicada na sentença transitada em julgado (art. 27 nº 2 da CRP), razão pela qual se impõe, tendo em vista a promoção do Ministério Público, a emissão dos respectivos mandados de detenção.”
Acresce que a decisão quanto à substituição da pena de prisão é, no processo de determinação da sanção, necessariamente anterior à decisão quanto à aplicação do perdão.
Dai que mesmo na eventual procedência do sobredito recurso (em apreciação no  Apenso BT) e, em consequência da mesma, o recorrente AA viesse a ser beneficiado com o propugnado perdão de um ano da pena única em que foi condenado, não haveria lugar à substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da mesma, em virtude de a pena originária (5 anos e 6 meses de prisão) não o permitir, de acordo com o preceituado no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, que prevê que: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição"( sublinhado nosso).
Efectivamente, é entendimento pacífico e uniforme da doutrina e da Jurisprudência, designadamente do supremo Tribunal de Justiça,  de que o legislador, ao fixar como pressuposto formal da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que a medida desta não seja superior a 5 anos (como já vimos limite temporal estabelecido na alteração introduzida pela Lei nº 59/2007), tem em vista apenas os agentes punidos com penas originárias não superiores a essa medida, sendo indiferente, para esse efeito, que a pena a cumprir fique aquém desse limite  por força de qualquer perdão concedido por leis de clemência, como sucederia se aquele perdão viesse a ser concedido.
Citando-se a título ilustrativo, além da jurisprudência mencionada no despacho recorrido, que, por si só, já é demonstrativa dessa orientação, ainda o Ac. do STJ de 19-04-2006[15], em que se escreveu o seguinte:
“I- A suspensão da execução da pena de prisão consubstancia uma pena autónoma cuja aplicação está dependente de um pressuposto de natureza formal traduzido na duração da pena que é objecto da mesma.
II. A pena a ter em conta para decidir a suspensão é a pena efectivamente aplicada e não a pena residual resultante da aplicação do perdão. “ (sublinhado nosso).
Em igual sentido o Ac. do STJ de 17-05-2000[16]:
“ (…)
III Não é possível suspender-se a execução de pena de prisão superior a 3 anos, ainda que ela fique reduzida a menos, por virtude do perdão decretado”.
Também no Ac. da Relação do Porto de 07-11-2001[17], se defendeu a mesma posição: “Condenado o arguido na pena única de quatro anos de prisão, a posterior redução desta pena para três anos de prisão, por efeito do perdão concedido pela Lei n.29/99, de 12 de Maio, que a transformou em pena residual ou remanescente, não pode ser tomada em consideração para efeitos de suspensão de execução da pena, por não se verificarem os pressupostos do artigo 50 n.1 do Código Penal, desde logo o pressuposto formal de pena não superior a três anos, o qual se reporta à pena aplicada e não à pena residual.
Por outro lado, a verificação do pressuposto material, ou seja, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, só teria cabimento em sede de julgamento e não na decisão incidental de aplicação do perdão de pena.
A suspensão de execução da pena de prisão é uma pena de substituição.”
No mesmo sentido Paulo Pinto de Albuquerque[18] que defende que « o perdão ou o indulto parciais não podem modificar a natureza de uma pena, pelo que não pode ser suspensa uma pena de prisão superior a cinco anos, mesmo que o condenado venha a beneficiar posteriormente de um perdão ou indulto parciais que diminuísse a condenação para pena igual ou inferior a cinco anos ( acórdão do STJ de 12.12.2001 e de 27.4.1995, e André Leite, 2009 a: 615)».
Por conseguinte, tendo por referência este entendimento, que, como já referimos é pacifico e está sedimentado na doutrina e na jurisprudência, e que perfilhamos, o recorrente sempre terá de cumprir, pelo menos, uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Deste modo, à semelhança do entendimento sufragado no despacho recorrido, consideramos que não existem motivos para suspensão dos mandados de detenção, que já foram emitidos no dia 03-03-2022 para o recorrente AA cumprir a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 24 crimes de corrupção passiva, p. p pelo art.º 373º, n.º 1, do C. Penal em que foi condenado por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que relembremos foi proferido no dia 30-09-2019 (referência ...63) e já transitou em julgado em 06-07-2020 .
Uma observação final para dizer que, ao contrário do invocado pelo recorrente na resposta ao parecer do Exmº PGA, a situação processual em causa nestes autos não é idêntica à do processo n.º 1420/11...., uma vez que, como da própria resulta, neste apenso aguarda-se que seja proferida decisão no recurso pendente no Tribunal Constitucional, ao qual foi fixado o efeito suspensivo da decisão sobre a qual incidiu.
Concluímos, assim, que a decisão recorrida não violou qualquer norma legal ou constitucional, nomeadamente as invocadas pelo recorrente, pelo que não merece censura, e, consequentemente, improcede o recurso interposto.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) Corrigir o efeito do recurso fixado, que passará a ser meramente devolutivo;
B) Ao abrigo do disposto 380º, nº 1 al. b), 2 e 3 do C. P. Penal, corrigir o erro de escrita contido no despacho recorrido e, em consequência, considerar-se nele escrita, em substituição da que ficou consignada, a menção de que a pena aplicada ao arguido/recorrente se encontra fixada em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em consequência que o mesmo “sempre terá de cumprir 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão”;
C) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.º 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
                                                               
Guimarães, 23 de Janeiro de 2024

Anabela Varizo Martins (relatora)
Fernando Chaves (1ª adjunto)
Ana Teixeira (2ª adjunta)



[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ªed, Coimbra, 2014, pag. 194, cujas considerações são transponíveis para o Processo Penal.
[2] Nota do autor que dá a conhecer que:“ É unânime a doutrina a este respeito: TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pag. 551, LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES, CPC anot., vol. III, tomo I, 2ª ed., pag. 117 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pag. 201.”
[3] Citado pelo autor e obra referidos na nota anterio, pag. 195. Também no sentido que os despachos tabelares não formam caso julgado formal Ac. da Relação de Guimarães de 14-05-2020, Processo nº 486/18.7T8MNC.G1, Ac. da Relação de Coimbra de 02-02-2022, Processo nº 32/18.2GAMGL-A.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[5] Cfr. acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[6] Cód Proc. Civil Anotado, 1981, vol. 5º, pág. 130.
[7] Manual de Direito Constitucional, II, 3ª ed., reimp., Coimbra, 1996, p. 494, em Ac. do TC nº 677/98, publicado no site www.tribunalconstitucional.pt.
[8] Ver Ac. do TC nº 61/2003, DR II Série de 22/4/2003.
[9] In Recursos em Processo Penal, 5º edição, 2002, pag. 84.
[10] Cfr. neste sentido os Acs. Do STJ de 91-02-13, AJ 15/16, Proc.ºs nºs 41557 e 41317.
[11] Ac. da RC de 16 de Abril de 2008, Rel. Fernando Ventura e Decisão Sumária de 23 de Junho de 2008, Processo 767/08, Rel. Cruz Bucho (citados por Vinício Ribeiro no Código de Processo Penal, Notas e Comentários, pag. 825).
[12] Ac. da Relação de Lisboa de 13-01-2021, processo nº 32/20.2PTSNT-A.L1-3, relatora MARIA PERQUILHAS, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Ac. da Relação de Évora de 18 de Junho de 2013, Processo 914/04.9 GTABF.E2, Rel. Cristina Cerdeira.
[14] Cfr. Pedro Brito in : Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, pag. 50.
[15] Processo nº 06P655, Relator OLIVEIRA MENDES e CJ/STJ, ano XIV, II, 2006, pág. 170. Neste preciso sentido os acórdãos de17.06. 81, 23.06.94, 15.09.94, 01.07.98. o primeiro publicado no BMJ, 308,691 e os restantes proferidos nos processos n.ºs 46742, 46797, 47470 e 461/98, 29-10-97, Processo nº 321/97, 10.01.96, Processo nº 48715.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-05-2000, no processo n.º 150/2000, relator Lourenço Martins, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 2000, tomo II, página 197.
[17] Processo nº  0140715, relator Agostinho Freitas, disponível em www.dgsi.pt.
[18] In Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia Dos Direitos do Homem, 4ª edição Actualizada, pag. 331.