FACEBOOK
VIDEO
PROVA
APREENSÃO
Sumário


I- A “prova da titularidade da conta do Facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer principio de prova legal de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão, mas apenas submetido ao principio da livre apreciação da prova.”
II- Tratando-se da gravação num DVD de uma cópia do vídeo que estava na página aberta de Facebook do arguido está em causa uma fonte aberta, consultável por qualquer internauta, uma vez que a filmagem foi inserida pelo próprio arguido, conforme sua expressa e única vontade, exactamente com o objectivo de que um universo tanto quanto possível alargado de pessoas pudesse ter acesso ao vídeo; portanto, se o recorrente queria que todos vissem o que ele filmou, a lei não o pode proteger em nome de uma privacidade a que ele foi o primeiro a renunciar (situação em tudo idêntica à publicação de um jornal de parede ou de uma carta aberta num jornal).
III- Se alguma intimidade da vida privada foi violada com a citada publicação, não foi certamente a do arguido, mas a do ofendido, pelo que chocaria o sentimento jurídico da comunidade, mesmo estando em causa a prática de um crime, que no processo em que se tenta proteger a vida privada deste, se lhe sobrepusesse a intimidade do arguido.
IV- Inexiste, no caso, uma apreensão nos termos do artigo 16.º da Lei do Cibercrime: a diligência a que a GNR procedeu em sede de inquérito foi gravar num DVD uma cópia do vídeo que estava na página aberta de Facebook do arguido, e não pesquisar em algum dos equipamentos informáticos deste.

Texto Integral


Neste processo n.º 28/21.7GBCMN.G1, acordam em conferência os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO

No processo comum singular n.º 28/21...., a correr termos no Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ..., em que é arguido AA, foi proferida sentença que o condenou pela prática de:
- um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º do Código Penal, este por referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l) do mesmo Código, numa pena de dois meses e quinze dias de prisão;
- um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º do Código Penal, este por referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l) do mesmo Código, numa pena de dois meses e quinze dias de prisão;
- um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e n.º 3, por referência ao art. 197.º, al. b), todos do Código Penal, numa pena de um ano de prisão;
- um crime de difamação com publicidade agravado, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, numa pena de dez meses de prisão; e
- em cúmulo jurídico, na pena única de um ano e dez meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo e subordinada ao dever de entregar a instituição de solidariedade social que vise a protecção de pessoas com deficiência a contribuição monetária de € 1.000,00, dentro do prazo de oito meses a contar do trânsito em julgado da decisão, devendo o arguido juntar aos autos prova do pagamento dessa quantia no mesmo prazo de oito meses.
Inconformado com essa decisão, da mesma recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões[1]:
«III. Entende o Recorrente que perante a prova produzida, impunha-se uma decisão diversa, pelo que o Tribunal a quo extravasou a livre convicção que lhe é permitida pelo artigo 127.º, do CPP.
IV. Impunha-se, deste modo, uma conclusão de direito distinta, designadamente no que concerne à concreta imputação objectiva e subjectiva dos crimes em análise.
V. O recurso tem, assim, por objecto a matéria de facto dada como provada nos pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11. e 12., bem como a respectiva matéria de direito, outrossim da determinação da pena que foi realizada e que consta do ponto 3.2. da Sentença proferida. 
VI. O Tribunal a quo incorreu, deste modo, na óptica do Recorrente, em erro de julgamento da matéria de facto, assim como em erro notório na apreciação da prova produzida. Deste modo,
VII. Salvo melhor opinião em sentido divergente, a matéria de facto dado como provada, acima mencionada, é inconciliável com o que efectivamente foi provado, existindo, assim, uma desconformidade com a prova produzida.
VIII. É patente que o Tribunal a quo incorreu numa subsunção errónea quanto ao direito aplicável ao caso sub judice, sendo igualmente um dos motivos que leva o Recorrente a lançar mão da interposição deste recurso. 
IX. Não obstante entender o Recorrente que nenhum crime cometeu, caso se entenda ser de manter a sua condenação, sempre diremos que a pena a aplicar não poderá ser a efectivamente aplicada pelo Tribunal a quo, que condenou a uma pena de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a determinados deveres, pelo que deveria o Tribunal a quo ter privilegiado, no caso concreto, pela aplicação de uma pena de multa, satisfazendo esta de forma suficiente as finalidades da punição.
Por conseguinte,
X. O Tribunal a quo violou de forma flagrante o disposto no artigo 127.º do CPP, errando na apreciação da prova, já que, de acordo com o parâmetro da experiência de um homem médio, sempre se decidiria, por uma medida que atenda à paz social, o que, por conseguinte, se traduziria na absolvição.
XI. Os pontos 1., 2., 3., 8., 9., da matéria de facto dada como provada – relativamente aos 2 (dois) alegados crimes de injúria agravado –, deverão passar a constar do elenco dos factos dados como não provados.
XII. Não decorre do depoimento da Testemunha BB, nem do auto de notícia de fls. 3 e seguintes, outrossim dos “prints” do Messenger de fls. 8 e 83 que o Arguido tenha praticado o crime em causa de que terá sido ofendido o referido BB.
XIII. Não existe prova cabal nos autos de que o Facebook em causa seja pertença do Arguido/Recorrente ou que tenha sido o mesmo a enviar ao Ofendido BB a mensagem “Rato do esgoto”, acompanhada de uma imagem de um rato e “Espera que vais ter”, acompanhada de uma imagem de fezes.
XIV. Mas ainda que tenha sido o Recorrente a fazê-lo, o que se equaciona por mera hipótese de raciocínio, tais mensagens/expressões não detêm dignidade penal.
XV. E veja-se que tanto assim o é que a própria Testemunha/Ofendido BB, militar da Guarda Nacional Republicana, não se sentiu ofendido na sua honra (veja-se a este respeito, ficheiro 20230621112115_1654638_2871851.wma, de 21-06-2023, desde 11:21:16 até 21-06-2023 às 11:41:04, com a duração total: 00:19:46, mormente nos segmentos desde 00:01:42 até 00:02:18; desde 00:03:35 até 00:05:01; desde 00:10:18, até 00:11:18; desde 00:11:26 até 00:12:41 e desde 00:12:52, até 00:13:39).
XVI. Não existe, assim, qualquer imputação de factos pelo Recorrente ao Ofendido, ainda que sob a forma de suspeita, nem que os referidos escritos e/ou imagens ou qualquer outro meio de expressão sejam, igualmente, susceptíveis de ofenderem honra e consideração do Ofendido.
XVII. E veja-se que o mesmo se pode afirmar relativamente à alegada expressão - “Oh deficiente, aí é lugar para deficientes” – dirigida alegadamente pelo Recorrente ao então militar da Guarda Nacional Republicana, CC.
XVIII. No contexto em que a mesma foi proferida, a ocorrer do modo descrito na acusação e decisão proferida entendemos que a mesma não atinge a reputação do referido militar, podendo apenas e tão-só ser considerada grosseria ou deselegância, pelo que também este militar não se sentiu ofendido na sua honra.
XIX. Tal é o que se pode extrair do depoimento da testemunha/Ofendido CC (ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023 11:42:15, até 21-06-2023 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente nos segmentos desde 00:04:43 até 00:06:16). XX. A este propósito é de realçar que a expressão/termo “deficiente”, nada tem que ver, outrossim não se confunde com a honra e a reputação de uma pessoa, neste caso do Ofendido/Testemunha CC, sendo apenas desconfortável, nada mais.
XXI. Não se encontra, deste modo, verificado o respectivo tipo de ilícito previsto no n.º 1, do artigo 181.º, do CP, sendo próprio da vida em sociedade a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade.
XXII. E conforme já foi decidido em vários Arestos dos Tribunais superiores, o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado.
XXIII. Vertendo o acabado de expor ao caso sub judice, dúvidas não subsistem de que no caso concreto, não foi atingida a honra dos visados BB e CC.
XXIV. E veja-se que também não é relevante a percepção que o visado tem da situação, até porque o Ofendido/Testemunha BB interpreta o que observou de forma errónea, referindo que o Recorrente lhe terá dito “disse que eu era um rato de esgoto”, o que nem sequer tem consonância com o print do Facebook constante de fls. 8 e 83, uma vez que apenas é possível observar o seguinte texto: “Rato do esgoto”, sem qualquer imputação a si dirigida (veja-se a este respeito, o depoimento desta testemunha, constante do ficheiro 20230621112115_1654638_2871851.wma, de 21-06-2023, desde 11:21:16 até 21-06-2023 às 11:41:04, com a duração total: 00:19:46, mormente nos segmentos desde 00:03:35 até 00:05:01).
XXV. Uma pessoa não deixa de ter apreço por si própria e não se sente desprezada pelos outros por receber, no Messenger do Facebook, a expressão “Rato do esgoto” seja acompanhada de uma imagem de um rato.
XXVI. Tal é igualmente transponível relativamente à expressão “Espera q vais ter”, acompanhada de uma imagem de cocó/fezes.
XXVII. Qualquer uma destas expressões/imagens/epítetos não integram, nem podem integrar no quadro jurídico-penal vigente, o tipo legal do crime de injúria.
XXVIII. Aqui chegados, sempre se dirá, como tem sido apanágio das Relações, que é preciso considerar o contexto em que as expressões/mensagens/imagens acima mencionadas foram ditas/proferidas/escritas (cfr., a este respeito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 984/15.4T9VFR.P1, datado de 18.01.2017, relatado pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Maria Manuela Paupério, consultado in www.dgsi.pt).
XXIX. E veja-se que, relativamente ao Ofendido BB, a situação surge depois deste militar ter autuado o Recorrente em processo contra-ordenacional por causa do mesmo circular numa área interdita pelo Município na altura do Covid.
Deste modo,
XXX. Apesar das expressões/imagens puderem ser censuráveis do ponto de vista ético-social, não assumem relevância penal, não se podendo confundir a moral e o direito.
XXXI. Se o direito fosse sempre chamado a intervir para impedir que alguém usasse linguagem desabrida, estaríamos perante um verdadeiro caos nos Tribunais, pelo que não basta o simples incómodo ou o ferimento de susceptibilidades.
XXXII. As expressões/mensagens/imagens alegadamente dirigidas pelo Recorrente às referidas Testemunhas/Ofendidos não atingem o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que os mesmos possam ter apreço por si próprios e não se sintam desprezados pelos outros.
XXXIII. Pelo exposto, os factos constantes da matéria de facto dada como provada nos pontos 1., 2., 3., 8., 9., da matéria de facto dada como provada deverão passar a constar do elenco dos factos dados como não provados e, nessa sequência, absolver o Arguido dos 2 (dois) crimes de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 181.º, n.º 1, 182.º e 184, do Código Penal, atendendo a que, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 127.º do CPP, errando na apreciação da prova e ainda extravasando e ultrapassando na sua apreciação as regras da experiência e livre convicção que lhe são permitidas. Sempre e sem prescindir,
XXXIV. Entende o Recorrente que os pontos 4., 5., 6., 10., da matéria de facto dada como provada – relativamente crime de gravações e fotografias ilícitas agravado –, deverão passar a constar do elenco dos factos dados como não provados, atendendo a que o mesmo não praticou o crime em apreço.
XXXV. Da reprodução do vídeo em sede de audiência de discussão e julgamento [ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos, no segmento desde 00:04:57 até 00:05:07], não decorre que o Ofendido/Testemunha CC não tenha dado o seu consentimento para a gravação (veja-se, a este respeito, o seu depoimento constante do ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, pelas 11:42:15, até 21-06-2023, pelas 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente nos segmentos desde 00:04:43 até 00:07:21, desde 00:09:56 até 00:10:42, desde: 00:11:53 até 00:16:31 e igualmente constante do ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-062023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos desde 00:02:35 até 00:03:27, desde 00:03:41 até 00:05:07, desde 00:05:26 até 00:05:51, desde 00:10:15 até 00:11:24 e desde 00:12:50 até 00:13:00).
XXXVI. O Ofendido/Testemunha CC afirma que a não autorização para a gravação surge em momento posterior ao início da gravação, o que não corresponde à realidade quando confrontado o seu depoimento com a reprodução da gravação (nos exactos segmentos referidos na conclusão anterior).
XXXVII. A resposta do Recorrente ao Ofendido/Testemunha CC, “Eu não posso filmar, chefe?”, surge apenas e tão-só porque o mesmo o interroga nos seguintes termos: “o que estás a fazer, pá?” [ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos, no segmento desde 00:04:57 até 00:05:07].
XXXVIII. Conclui precipitada e erradamente o Tribunal a quo que tal resposta dada pelo Recorrente pressuponha que previamente o Ofendido tenha dito ao Arguido que não podia filmar a sua imagem.
XXXIX. E veja-se que, o Recorrente transmitiu ao Ofendido/Testemunha que se encontrava a gravar para protecção da sua integridade física – “Estou a filmar para minha segurança, é para minha segurança eu já sei a vossa atitude por isso estou a filmar, é só por isso” [ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos, no segmento desde 00:04:57 até 00:05:07].
XL. Estava, assim, justificada a actuação do Recorrente, uma vez que existiam processos pendentes entre ambos e que, inclusivamente o Ofendido/Testemunha havia sido constituído Arguido no âmbito de um processo em que o aqui Recorrente é Queixoso [veja-se o depoimento da testemunha CC, constante do ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 2106-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente no segmento desde 00:12:50 até 00:13:00].
XLI. Acresce que a referida Testemunha/Ofendido, evadiu-se à pergunta de defesa acerca do não consentimento que refere ter dado no vídeo, respondendo laconicamente “o seu cliente só grava aquilo que lhe dá jeito”, sendo logo advertido pelo Tribunal acerca da sua conduta [veja-se a este propósito o constante do ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente no segmento desde 00:03:41 até 00:05:07].
XLII. Igualmente entendemos que o Tribunal a quo não tomou em consideração o preceituado na al. d), do n.º 1, do artigo 30.º, do CP, sendo causa de exclusão da ilicitude o consentimento do titular do interesse jurídico lesado, in casu, o consentimento presumido (n.º 2, do artigo 38.º, do CP).
XLIII. Nada nos autos existe que infirme que o consentimento da Testemunha/Ofendido CC não possa ter sido razoavelmente presumido pelo Recorrente.
XLIV. E a ser assim – como cremos que é – o Recorrente agiu em erro relativamente ao consentimento (artigo 15.º, do CP), sendo que tal circunstancialismo exclui o dolo, devendo o Recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.
XLV. Não se pode presumir que o facto do Ofendido/Testemunha CC ter apresentado queixa dentro do prazo legal apto a retirar qualquer presunção de consentimento à gravação efectuada, incorrendo em erro de raciocínio o Tribunal a quo.
XLVI. A alegada actuação do Arguido/Recorrente não preenche nenhum dos números ou alíneas do artigo 199.º, do CP.
XLVII. Não há nos autos qualquer declaração ou manifestação de expressa oposição à captação de imagem (“contra vontade”), feita pelo Ofendido/Testemunha CC [veja-se, a este respeito, o seu depoimento constante do ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, pelas 11:42:15, até 21-06-2023, pelas 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente nos segmentos desde 00:04:43 até 00:07:21, desde 00:09:56 até 00:10:42, desde: 00:11:53 até 00:16:31 e igualmente constante do ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-062023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos desde 00:02:35 até 00:03:27, desde 00:03:41 até 00:05:07, desde 00:05:26 até 00:05:51, desde 00:10:15 até 00:11:24 e desde 00:12:50 até 00:13:00].
XLVIII. Caso a referida Testemunha/Ofendido se tivesse oposto à captação de voz/vídeo – que sabia que estava a ser efectuada – ter-se-ia manifestado nesse sentido, o que não fez, conforme decorre do vídeo reproduzido e visualizado em sede de audiência de discussão e julgamento [ficheiro 20230621121427_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, desde 12:14:28, até 21-06-2023, pelas 12:27:42, com a duração total de 00:13:12, mormente nos segmentos, no segmento desde 00:04:57 até 00:05:07].
XLIX. A expressão dirigida ao Recorrente pelo Ofendido/Testemunha “que estás a fazer pá?”, não é apta a concluir que a Testemunha/Ofendido CC tenha dito previamente ao Recorrente que o mesmo não podia gravar.
L.  Por tudo o que temos vindo a frisar, e sempre com as cautelas já supra enumeradas relativamente à falta de prova acerca da titularidade do concreto Facebook, sempre se dirá que existe uma presunção de licitude na actuação do Recorrente, quer na gravação das palavras do Ofendido CC, como na captação da imagem/vídeo, pelo que a sua disponibilização, vulgo “partilha” na predita rede social é lícita.
LI. Mas dizíamos cautelas, uma vez que a recolha da prova do Facebook – meros print screen – não cumpre o preceituado pela Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), estando perante um meio de obtenção de prova nulo.
LII. Não existe qualquer elemento de prova que permita estabelecer minimamente um nexo de ligação ao Recorrente quanto à utilização do vídeo no mundo virtual.
LIII. Atento o acabado de expor, os pontos 4., 5., 6., 10. da matéria de facto dada como provada deverão a passar a constar do elenco dos factos dados como não provados e, nessa sequência, absolver o Arguido do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e n.º 3, por referência ao disposto no artigo 197.º, al. b), todos do CP.
LIV. Tal é o que mui respeitosamente se requer a V.ªs Ex.ªs, Exmos.(as) Senhores(as) Desembargadores(as).
Sempre e sem prescindir,
LV. Entende o Recorrente que os pontos 7., 11. e 12. da matéria de facto dada como provada – relativamente alegado crime de difamação com publicidade agravado –, deverão passar a constar do elenco dos factos dados como não provados.
LVI. O Tribunal a quo funda a sua convicção no depoimento da Testemunha/Ofendido CC, bem como tendo por base “prints” juntos aos autos (cfr. fls. 7 do apenso).
LVII. No entanto, não foi feita prova cabal que tenha sido o Recorrente que tenha publicado/escrito no Facebook, em resposta a comentários que foram sendo feitos por terceiros à publicação acerca da gravação/filmagem, referindo-se à testemunha/Ofendido CC, o seguinte: - «… com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…» - «… É um ceboso arrogante da merda».
LVIII. Por outro lado, não se sabe – na hipótese de ter sido o Recorrente o autor de tais publicações/comentários – por quantas pessoas foi difundido o alegado vídeo, não havendo qualquer prova acerca de quem gostou ou adorou, quem são essas pessoas, quem partilhou…
LIX. E mesmo relativamente ao alegado comentário de terceiro que escreveu “barriga boa que esse esterco tem pra servir de saco” (cfr. fl. 9 do apenso), muito se estranha em que medida não se sentiu o Ofendido/Testemunha ofendido na sua honra com tal comentário e não desencadeou o respectivo procedimento criminal [veja-se, a este respeito, o depoimento da testemunha/Ofendido CC, constante do ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, pelas 11:42:15, até 21-06-2023, pelas 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente no segmento desde 00:11:53 até 00:13:20], não sendo minimamente coerente o depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento.
LX. Veja-se que o próprio Ofendido/Testemunha CC se contradiz no seu depoimento, uma vez que ora refere que num primeiro momento leu as expressões numa publicação, como posteriormente menciona que as leu em comentários à publicação [veja-se, a este respeito, o depoimento constante do ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, pelas 11:42:15, até 21-06-2023, pelas 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente nos segmentos desde 00:04:43 até 00:13:20 e desde 00:17:18, até 00:18:23].
LXI. Ademais, fica claro que o mesmo não se sentiu ofendido na honra, uma vez que as suas respostas a tal respeito apenas surgem após perguntas sugestivas do Tribunal [veja-se, a este respeito, o depoimento constante do ficheiro 20230621114214_1654638_2871851.wma., de 21-06-2023, pelas 11:42:15, até 21-06-2023, pelas 12:11:00, com a duração total de 00:28:44, mormente nos segmentos desde 00:19:02 até 00:21:00]. LXII. Mas ainda que assim se não entenda – o que apenas equacionamos academicamente – sempre se dirá que as expressões “frustrado” e “ceboso arrogante de merda” não preenchem o tipo objectivo do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1, do CP.
LXIII. Salvo o devido respeito por opinião divergente, tais expressões não ofendem a honra ou consideração do seu destinatário, não apontando factos indignos, desonestos ou vergonhosos, mas quanto muito apenas e tão-só falta de correcção [veja-se, a este respeito, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do Processo n.º 0812495, relator Juiz Desembargador Manuel Braz, datado de 14.05.2008, disponível in www.dgsi.pt].
LXIV. Não há, deste logo, qualquer atentado à personalidade moral da Testemunha/Ofendido CC, mantendo-se intacto o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade da pessoa humana, não sendo tais expressões subsumíveis ao tipo legal do crime de difamação com publicidade, pelo qual o Recorrente foi condenado.
LXV. E a ser assim, como cremos que é, os pontos 7., 11. e 12. da matéria de facto dada como provada deverão a passar a constar do elenco dos factos dados como não provados e, nessa sequência, absolver o Arguido do crime de difamação com publicidade agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP.
Caso assim se não entenda, o que apenas equacionamos por cautela de patrocínio,
LXVI. Sempre se dirá que a pena privativa de liberdade aplicada de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com imposição de deveres aplicada ao Recorrente, excede os juízos de ponderação e proporcionalidade a que o Tribunal a quo está vinculado.
LXVII. A pena aplicada não atendeu, salvo o devido respeito, às necessidades de prevenção geral e especial que ao caso se faziam sentir.
LXVIII. O Tribunal a quo deveria ter privilegiado a aplicação de uma pena principal de multa, uma vez que a alegada personalidade desajustada, quezilenta, perigosa e violenta – termos utilizados pelo Tribunal a quo – não encontram apoio em qualquer elemento dos autos.
LXIX. Em que elemento de prova se baseia o Tribunal a quo para considerar o Recorrente violento, quando não está em causa nenhum crime contra a integridade física de quem quer que seja?
LXX. O artigo 70.º do CP impunha que, em face da ausência de antecedentes criminais do arguido e das circunstâncias que rodearam os factos, a pena principal de multa seria suficiente para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial.
LXXI. Carece, deste modo, ser revogadas as concretas penas de pisão aplicadas ao Recorrente pela prática de cada um dos crimes e, bem assim, o concurso e o cúmulo efectuado pelo Tribunal a quo relativamente às penas concretas de prisão aplicadas em relação a cada um dos crimes.
LXXII. Requer-se a V.ªs Ex.ºs, Exmos.(as) Senhores(as) Desembargadores(as), igualmente, por referência a cada crime, seja aplicada a respectiva pena de multa dentro do quadro legal vigente, refazendo-se igualmente o concurso e respectivo cúmulo, 
LXXIII. Mais se requerendo seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao dever de entregar a quantia de €1.000,00 (mil euros) a uma instituição de solidariedade social que vise a protecção de pessoas com deficiência.»
Pugna o recorrente:
- pela revogação da sentença, substituindo-a por outra que o absolva da prática dos crimes pelos quais vinha acusado; e, caso se entenda ser de manter a condenação,
- pela revogação das «concretas penas de prisão aplicadas ao Recorrente pela prática de cada um dos crimes e, bem assim, o concurso e o cúmulo efectuado pelo Tribunal a quo relativamente às penas concretas de prisão aplicadas em relação a cada um dos crimes e, através de nova operação, seja determinada a competente pena de multa em relação a cada um dos crimes, nos termos que se reputarem por adequados, refazendo-se igualmente o concurso e respectivo cúmulo, revogando-se igualmente, por esta via, a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao dever de entregar a quantia de €1.000,00 (mil euros) a uma instituição de solidariedade social que vise a protecção de pessoas com deficiência.»
O recurso foi admitido.
O Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta, em que defende a inexistência de erro de julgamento no Tribunal a quo, cuja convicção se apresenta conforme às regras da experiência comum, e a ausência de motivo para alterar os termos da condenação do arguido; conclui pela improcedência do recurso. 
Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto acompanha esta resposta, defendendo tal improcedência: entende que o recorrente não indica provas que imponham decisão diversa da fixada, que as capturas de ecrã são meios de prova válidos, que a qualificação jurídica feita pelo Tribunal a quo é a correcta e que se justifica a medida da pena aplicada, bem como a respectiva condição de suspensão de execução.
Cumprido o contraditório, não houve resposta.
Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A. Delimitação do objecto do recurso
Nos termos do art. 412.º do Código de Processo Penal[2], e face às conclusões do recurso, são três as questões a resolver:
- erro de julgamento;
- qualificação jurídica dos factos provados; e
- escolha e medida da pena.

B. Decisão recorrida

1. Factos provados[3]
«1. No dia 27-02-2021, pelas 13h45m, o arguido AA, após ter sido notificado de um auto de contra-ordenação, remeteu, através do Messenger do Facebook, ao Militar da GNR BB que o havia levantado, as seguintes mensagens:
- «Rato do esgoto», acompanhada de uma imagem de um rato;
- «Espera que vais ter», acompanhada de uma imagem de fezes.
2. No dia 19-03-2021, cerca das 14h05m, o arguido AA avistou o Militar da GNR CC a estacionar a viatura policial onde se fazia transportar junto à farmácia existente na Praça .../Rua ..., em ....
3. De imediato, e animado por anteriores conflitos com o referido Militar (que deram origem ao NUIPC 102/19...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ...), o arguido AA dirigiu ao referido Militar da GNR, que se encontrava devidamente fardado e no exercício das suas funções, a seguinte expressão:
- «Oh deficiente, aí é lugar para deficientes».
4.  Breves minutos depois, quando o Militar da GNR regressou junto do referido veículo após ter executado a tarefa que ali o fizera deslocar-se, o arguido AA, munindo-se de um telemóvel com câmara, iniciou a gravação de um vídeo.
5.  O arguido AA filmou CC, captando as suas palavras e a sua imagem, não obstante logo por este ter sido advertido que o não podia fazer sem consentimento ou autorização.
6.  Acto contínuo, o arguido AA publicou essa gravação e filmagem na rede social Facebook, no seu perfil            publicamente acessível         em ..., adicionando, como legenda, o seguinte texto: “Como sei que este indivíduo é altamente conflituoso comecei a filmar previamente para minha segurança e vejam a atitude arrogante e prepotente deste elemento pago com os nossos impostos”.
7. De seguida, em resposta a comentários que foram sendo feitos por terceiros àquela publicação, o arguido AA, referindo-se a CC, escreveu, entre o mais:
- «… com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…»
- «… É um ceboso arrogante da merda».
8. Ao dirigir a BB as supra citadas expressões, agiu o arguido AA com o propósito concretizado de o ofender na sua honra e consideração pessoal, sabendo que o mesmo era agente da autoridade e que actuara no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português.
9. Ao dirigir a CC a supra citada expressão, directa e pessoalmente, agiu o arguido AA com o propósito concretizado de o ofender na sua honra e consideração pessoal, sabendo que o mesmo era agente da autoridade e que se encontrava no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português.
10. O arguido AA quis e conseguiu captar, gravar e divulgar publicamente a imagem de CC, em vídeo, sabendo que agia sem consentimento e contra a vontade daquele, associando a sua imagem a uma publicação que este não desejara e partilhando-a de modo a que a mesma fosse vista por terceiros.
11. Ao apelidar CC de “frustrado” e “ceboso arrogante de merda” numa publicação a que estava associada a sua imagem, quis e conseguiu o arguido AA ofendê-lo na sua honra e consideração pessoal, sabendo que o mesmo era agente da autoridade, que se encontrava no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português, e que a introdução e exibição daquelas palavras na internet iria possibilitar a sua célere e imediata propagação a terceiros.
12. O arguido AA agiu, sempre, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram, como são, proibidas e puníveis por lei penal.
13. O arguido AA foi condenado no processo n.º 102/19...., mencionado supra no ponto 3, por sentença proferida em 10.10.2022 e transitada em julgado em 01.04.2023, pela prática, em 30.05.2019, de um crime de desobediência e de um crime de injúria agravada contra o aqui também ofendido Militar CC e ainda pela prática, em 30.10.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de 750,00€, pena ainda não declarada extinta.
14. O arguido AA não tem antecedentes criminais registados.
15. O arguido é pintor da construção civil, auferindo entre 300,00€ a 700,00€ mensais líquidos.
16. O arguido vive com a companheira, 38 anos, professora do ensino primário, e com a filha de 22 anos, estudante universitária.
17. O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.»

2. Motivação[4]
«A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada fundou-se na ponderação conjugada, apreciada de acordo com as regras da experiência comum e com a livre convicção do julgador, como preceitua o art. 127.º do CPP, da prova documental existente nos autos – nomeadamente, auto de notícia de fls. 3 e ss. e 3 e fls. 8 e 83, auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 102 e ss., CD agrafado na contracapa, contendo ficheiro de vídeo exibido em audiência de julgamento (cfr. acta de 21.06.2023), certidão da sentença proferida no processo n.º 102/19.... com nota do trânsito em julgado, que correu termos no Juízo de Competência Genérica ... de fls. 180 e ss. e Certificado do Registo Criminal (doravante designado c.r.c. ) de fls. 216 e ss. - com as declarações do arguido, prestadas, na segunda sessão de audiência de julgamento (no primeiro dia de julgamento, o arguido faltou sem justificação), sessão essa que teve lugar nos termos do n.º 3 do art. 333.º e n.º 2 do art. 312º do CPP, ou seja, exclusivamente a requerimento da defesa para audição do arguido em segunda data já agendada (cfr. acta de 21.06.2023), unicamente, quanto às suas condições pessoais e sócioeconómicas e com os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento. O arguido, como aflorado, no uso do direito que lhe assistia, quando decidiu comparecer na segunda sessão de audiência de julgamento, remeteu-se ao silêncio quanto aos factos que lhe vinham imputados e que resultaram integralmente provados, não tendo existido qualquer versão alternativa dos acontecimentos dados como provados ou qualquer prova produzida em sentido diverso da uniforme e robusta prova supra enunciada e infra analisada.  Assim, o Tribunal, além da prova documental supra mencionada, teve em consideração:
- O depoimento do ofendido Militar da GNR BB que, de modo sincero, preciso, espontâneo, credível e coerente, descreveu, de forma objectiva (no sentido de não exagerada e, até, contida), as circunstâncias de tempo e modo dadas como provadas no que a si concerne (cfr. facto provado 1), tendo sido o seu depoimento plenamente corroborado com o auto de notícia de fls. 3 e ss., cujo teor e assinatura confirmou, bem como com os “prints” do Messenger de fls. 8 e 83, com que apenas foi confrontado pelo Tribunal depois do mencionado relatar espontâneo, pela testemunha, do que consta do facto provado 1.
Não deixou a testemunha de mencionar que os conflitos do arguido com os Militares da GNR são frequentes e geram alarme social, o que é corroborado pela certidão de sentença de fls. 180 e ss.
- O depoimento do ofendido Militar da GNR Militar da GNR CC que, de modo sincero, preciso, espontâneo, credível e coerente, descreveu, de forma objectiva (no sentido de não exagerada e, até, contida), as circunstâncias de tempo, lugar e modo dadas como provadas no que a si concerne (cfr. factos provados 2 a 7), reproduzindo a expressão que se recorda que o arguido lhe dirigiu (“OH DEFICIENTE, AÍ É LUGAR PARA DEFICIENTES” – cfr. facto provado 3) e as expressões que se recorda que constam de respostas do arguido a terceiros na página pública do facebook sobre si (“… com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…” e “…é um ceboso arrogante da merda”), tendo sido o seu depoimento plenamente corroborado com o auto de notícia de fls. 3 e ss. do apenso, os “prints” do facebook de fls. 7 e ss. do apenso e de fl. 84, bem como com o ficheiro de vídeo constante do CD agrafado na contracapa, ficheiro esse exibido em audiência de julgamento (cfr. acta de 21.06.2023), elementos probatórios com que apenas foi confrontado pelo Tribunal depois do mencionado relatar espontâneo, pela testemunha, do que consta dos factos provados 2 a 7.
Mais explicou esta testemunha ao Tribunal que, antes dos factos 2 a 7 dados como provados, já conhecia, do exercício das suas funções, o arguido, pois, nas suas palavras, “fui ofendido por factos praticados pelo arguido em 2019”, como resulta plenamente corroborado pela certidão da sentença proferida no processo n.º 102/19.... com nota do trânsito em julgado de fls. 180 e ss., processo em que o arguido foi condenado, nomeadamente, pela prática, em 30.05.2019, de um crime de desobediência e de um crime de injúria agravada contra o aqui também ofendido Militar CC.
 Não deixou a testemunha, sempre de modo objectivo e contido, mas preciso e coerente com as regras de experiência comum e a normalidade do acontecer, de descrever todos os factos que vivenciou e que resultaram provados, o seu modo de reagir e os sentimentos que tais comportamentos do arguido lhe causaram e lhe causam, tais como resultaram provados nos factos provados 9 a 11, mencionando a testemunha, nomeadamente, “fiquei com a imagem pessoal e profissional denegrida, devassada”, o que, mais uma vez, resulta, à saciedade, corroborado pelos comentários de terceiros na publicação, na página pública do facebook do arguido, do vídeo exibido em audiência de julgamento, nomeadamente, no comentário, e resposta do arguido, que se lê a fl. 9 do apenso (dito por terceiro “barriga boa que esse esterco tem pra servir de saco” e resposta do arguido “tem mesmo” resposta acompanhada de um “emoji de smile a rir”), tendo sido patente a este Tribunal a angústia, a vergonha e a saturação vivenciados pela testemunha, sentimentos compatíveis com as regras de experiência comum e a normalidade do acontecer em situações semelhantes, tendo-se a testemunha limitado, como se vê do ficheiro de vídeo exibido em julgamento, a, no exercício das suas funções e devidamente uniformizado, ignorar as sucessivas, reiteradas e audíveis provocações documentadas/gravadas pelo próprio arguido e dirigidas por este àquele Militar ofendido.
 Com efeito, como se ouviu, e viu, em audiência de julgamento, o Militar ofendido CC, limitou-se a mencionar “que estás a fazer pá” e a afastar-se do local, entrando, uniformizado, no veículo da GNR, sendo evidente, à luz das regras de experiência comum e da natureza humana, que alguém, como o ofendido CC, que é filmado, no exercício da sua função, ouvindo comentários e provocações por parte de um arguido que, menos de um ano antes, tinha detido no exercício das suas funções na sequência da prática, por esse arguido, de três crimes (cfr. facto provado 13), provocações como as que se ouve no vídeo que o arguido decidiu fazer e publicar, numa rede social aberta ao público, dizendo apenas esse ofendido “que estás a fazer pá”, enquanto se afasta  do local, nitidamente, não está esse alguém e, em concreto, esse ofendido a dar qualquer consentimento para se captar a sua imagem e palavras e divulgá-las, antes pelo contrário, demonstra, como o fez em audiência de julgamento, esse ofendido o seu desconforto e saturação perante comportamentos do arguido tais como se apuraram nos factos provados nestes autos e naqueles do processo n.º 102/19.... que se encontram consolidados na ordem jurídica, não se olvidando que o arguido se remeteu ao silêncio o que não o prejudica, mas também não o beneficia, não podendo, em alegações, o seu Defensor querer, sem qualquer prova produzida, justificar algo que o próprio arguido não quis justificar.
Ademais, cai por terra qualquer alusão a qualquer presunção de consentimento (!) quando o crime de gravações e fotografias ilícitas depende de queixa (cfr. art. 198.º do CP, aplicável ex vi art. 199.º, n.º 3 do mesmo diploma legal) e o Militar ofendido CC que, de modo crível, como resulta provado (cfr. facto provado 5), explanou ao Tribunal que não deu autorização ao arguido para o filmar, apresenta queixa, ou seja, manifestação de vontade de que pretende exercer o direito de denunciar a conduta de gravação de palavras e imagem não querida que o arguido tomou contra si.
Não autorização essa que resulta corroborada pelo próprio arguido, não em audiência de julgamento, mas no filme que decidiu gravar e publicar pois constantemente menciona o arguido “eu não posso estar a filmar?”, o que pressupõe, pela regra da lógica e da normalidade do acontecer, que o outro interlocutor previamente tenha dito “não pode/s filmar”.
Acrescentou ainda a testemunha, sempre de modo espontâneo e crível, que existe um processo crime a correr termos, no DIAP ..., por factos praticados pelo arguido em 2022, processo crime intentado pelo arguido contra si e por si contra o arguido, o que denota que os conflitos do arguido para com a testemunha - os vários conflitos provados, sempre no exercício das funções da testemunha, são os que constam da sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 102/19.... em que a testemunha aí foi ofendido de crime praticado pelo arguido contra si de igual natureza a dois do que aqui se julgam e os que constam dos factos provados supra - são reiterados e sempre praticados (os provados) na pequena localidade de ..., o que, segundo as regras de experiência comum, e segundo o relatado pelos três militares testemunhas destes autos, de modo uniforme e crível, gera alarme social e inerente desrespeito pela autoridade e consequente desordem pública, o que é corroborado pela certidão de sentença de fls. 180 e ss.
- O depoimento da testemunha DD, Militar da GNR que, na altura dos factos dados como provados, exercia as suas funções no Posto da GNR ..., que, de modo credível e objectivo, descreveu, tal como já o havia feito a testemunha BB, as circunstâncias que rodearam a contra-ordenação praticada pelo arguido (relacionada com o Covid) mencionada no facto provado 1, altura em que a testemunha presenciou essa contra-ordenação e que, no exercício das suas funções, conheceu o arguido, tendo ainda a testemunha descrito e reproduzido, em audiência de julgamento, as expressões e imagens mencionadas no facto provado 1 que visionou no “Messenger” do colega Militar da GNR BB, tendo sido o seu depoimento plenamente corroborado quer pelo depoimento dessa testemunha BB, quer pelo auto de notícia de fls. 3 e ss., quer pelos “prints” do Messenger de fls. 8 e 83, com que apenas foi confrontado pelo Tribunal depois do mencionado relatar espontâneo, pela testemunha, do que consta do facto provado 1.
- O depoimento da testemunha EE, recluso no Estabelecimento Prisional ... e amigo do arguido, apenas nas partes em que, sem emitir opiniões subjectivas, parciais, futuras e não pertinentes para a decisão da causa (tais como “o arguido fez isso para se salvaguardar”, “o militar não ia ser muito correcto com o colega”), mencionou que, no dia dos factos no que concerne ao militar da GNR CC, nas palavras da testemunha, e como se vê do vídeo exibido em audiência de julgamento, “o arguido pegou no telefone e filmou o militar, filmou o que estava a ocorrer”, mais acrescentando “ninguém maltratou ninguém” e confirmando que, nesse momento, nas suas palavras, “eu estava a vir da cabine”, como se vê no mencionado vídeo, onde, além do arguido e do militar CC, surge a testemunha EE.
 A testemunha FF, professora do ensino primário e companheira do arguido há 16 anos, como a mesma admitiu, não teve qualquer conhecimento dos factos, não tendo estado presente em qualquer dos momentos constantes dos factos provados, mencionando que só sabe o que lhe foi transmitido pelo arguido, arguido esse que, como dissemos, em relação aos factos, se remeteu ao silêncio, pelo que não foi valorizado, quanto aos factos, tal depoimento, apenas se considerando que a própria companheira do arguido mencionou, em relação à personalidade do mesmo, que o arguido, nas suas palavras, “não é uma pessoa calma, tem algumas variações de humor”. 
 Em relação à intenção do arguido, dado que o dolo pertence à vida interna de cada um, sendo insusceptível de directa apreensão, perante os factos que objectivamente se apuraram, considerou este Tribunal as regras de experiência comum, nenhuma outra hipótese verosímil resultando de tais factos, nem qualquer versão alternativa que, como dissemos, não foi produzida.
 Quanto à ausência de antecedentes criminais registados do arguido, o Tribunal formou a sua convicção com base no teor do respectivo c.r.c. 
Quanto à condenação posterior aos factos que ora se julgam que o arguido sofreu concernente a factos, contudo, praticados antes dos que ora se julgam, valorou-se a certidão da sentença proferida no processo n.º 102/19.... com nota do trânsito em julgado de fls. 180 e ss.
Por fim, em relação às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, foram tidas em consideração as declarações do mesmo.»

3. Enquadramento jurídico dos factos provados
«- Dos crimes de injúria agravados:
 Dispõe o art. 181.º, n.º 1, do CP: “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.” 
 Tal pena é agravada de metade, nos seus limites mínimo e máximo, nomeadamente, se a/as vítima/s for/em uma das pessoas referidas na al. l) do n.º 2 do art. 132.º do mesmo diploma legal, no exercício das suas funções ou por causa delas (cfr. art. 184.º do CP).
 O bem jurídico protegido, tal como decorre da inserção sistemática do dispositivo legal sub judice, é a honra, nas suas múltiplas dimensões, bem jurídico pessoalíssimo e imaterial.
 Como afirma FIGUEIREDO DIAS, “Direito da Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115, p. 105: “A jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico honra que o faça contrastar com o conceito de consideração (…) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de bom nome e reputação.” Neste sentido, vide o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2006, proc. 2632/2006-3: “(…) a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”. 
O bem jurídico honra, projecção da dignidade da pessoa humana, constitui um Direito Fundamental e um direito de personalidade, com consagração nos arts. 1.º; 12.º, n.º1; 18.º, n.ºs 1 e 2; 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante designada CRP), no art. 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável internamente ex vi arts. 8.º e 16.º da CRP e nos arts. 70.º, 483.º e 484.º do Código Civil (doravante designado CC).  
Nas palavras de JOSÉ DE FARIA COSTA, “a honra representa, assim, um objecto ideal em que a lesão se dá apenas no ataque à pretensão de respeito decorrente daquele valor, pretensão essa, pois, que constitui o real objecto de acção dos crimes de difamação e injúria”. (…)
 É elemento constitutivo do tipo objectivo de ilícito do crime em apreço uma das duas condutas do agente referidas no art. 181.º, n.º 1 do CP. 
Assim, o tipo objectivo preenche-se quando o agente, sem intervenção de uma terceira pessoa, concretiza a ofensa à honra através da “imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita”, ou “dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração”.                                                  
A distinção entre estas duas condutas ganha relevo, porquanto apenas no tocante à imputação de factos ofensivos da honra ou consideração é de aplicar o disposto nos n.os 2, 3 e 4 do art. 180.º do CP aplicáveis ex vi n.º 2 do art. 181.º do CP.
 Refira-se também que o traço diferenciador essencial do tipo legal de crime previsto no art. 181.º do CP, perante as outras infracções contra a honra, consiste na imputação directa perante a vítima, constituindo-se uma conexão bipolar entre agente e vítima, diferentemente do que sucede no crime de difamação, previsto no art. 180.º do CP, que exige que as condutas definidas se levem a cabo através de terceiros (relação triangular).
Como afirma JOSÉ DE FARIA COSTA, “Anotação ao art. 181.º”, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 934, o valor que se atribui às palavras, alegadamente injuriosas, terá de ser analisado no contexto situacional, sendo certo que existem palavras com um indesmentível desvalor objectivamente ofensivo
Nas palavras de BELEZA DOS SANTOS, “Algumas considerações jurídicas sobre os crimes de difamação e de injúria”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, n.º 3152, p. 167: “É ofensivo da honra e consideração aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.” 
Já para o preenchimento do tipo subjectivo do crime sub judice, exige-se o dolo (art. 13.º, 1.ª parte do CP), em qualquer das modalidades previstas no art. 14.º do CP, sendo que o dolo implica, além de um elemento volitivo, um elemento intelectual, consistente no conhecimento correcto da factualidade típica por parte do agente.
Volvendo ao caso sub judice, saliente-se que em relação aos dois crimes de injúria agravados que vêm imputados ao arguido, estamos perante a análise da segunda conduta referida no art. 181.º, n.º 1 do CP, porquanto, resultou provado que o arguido:
 a) No dia 27-02-2021, pelas 13h45, remeteu, através do Messenger do Facebook, ao Militar da GNR BB, que lhe havia levantado um auto de contra-ordenação, as seguintes mensagens:
- «Rato do esgoto», acompanhada de uma imagem de um rato;
- «Espera que vais ter», acompanhada de uma imagem de fezes.
b) No dia 19-03-2021, cerca das 14h05m, dirigiu ao Militar da GNR CC, que se encontrava devidamente fardado e no exercício das suas funções, a seguinte expressão: «OH DEFICIENTE, AÍ É LUGAR PARA DEFICIENTES».
 Nos termos do art. 182.º do CP: “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
 Ora, é inatacável que a imputação dos epítetos de “Rato de esgoto”, acompanhada de uma imagem de um rato e da expressão “espera que vais ter” acompanhada de uma imagem de fezes (cfr. facto provado 1), bem como a imputação do epíteto “oh deficiente, Aí é lugar para deficientes” (cfr. factos provados 2 e 3) constituem juízos depreciativos sobre o carácter de uma pessoa, constituem palavras (e imagens) com desvalor objectivamente ofensivo mas também evidente ressonância social, sobretudo num meio pequeno como ....
Não se olvide que resultou apurado que o arguido sabia que o Militar da GNR BB era agente da autoridade e que, ao levantar o auto de contra-ordneação mencionado no facto provado 1, actuara no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português (cfr. facto provado 8) e que sabia também que o Militar da GNR CC era agente da autoridade e que se encontrava no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português (cfr. facto provado 8).
 Ademais, o arguido dirigiu a expressão “deficiente” ao Militar da GNR CC, que se encontrava devidamente fardado e no exercício das suas funções (cfr. factos provados 3 e 9) e após ter praticado, nomeadamente, contra o mesmo Militar ofendido, menos de um ano antes, factos que consubstanciaram a prática de um crime de injúria agravado (cfr. factos provados 3 e 13), o que faz com que, por um lado, devido ao especial dever de respeito que o arguido deveria ter face ao Militar da GNR CC, que se limitava a cumprir as suas funções, como o arguido sabia, e, por outro lado, devido a já anteriormente contra este Militar ter proferido palavras injuriosas, o que denota a sua reiterada vontade de o ofender, torna o contexto situacional em concreto especialmente desvalioso e flagrantemente ofensivo.
Pelo que é manifesto que no caso vertente, estamos perante palavras, acompanhadas de imagens, proferidas pelo arguido – “rato do esgoto”, acompanhada de uma imagem de um rato e “espera que vais ter”, acompanhada de uma imagem de fezes – e dirigidas ao Militar da GNR BB, que lhe havia levantado um auto de contra-ordenação e perante palavras proferidas pelo arguido – “OH DEFICIENTE, AÍ É LUGAR PARA DEFICIENTES” – dirigidas ao Militar da GNR CC, que se encontrava devidamente fardado e no exercício das suas funções e a quem já tinha, menos de um ano antes, insultado (cfr. factos provados 3 e 13), susceptíveis de pôr em causa, como puseram, o bom nome, a honra, a consideração, respeito e reputação dos dois Militares da GNR ofendidos, sobretudo num meio pequeno, como ..., não se olvidando, como se disse, o facto do arguido saber que os mesmos eram militares da Guarda Nacional Republicana e que actuavam nessa qualidade, o que revela que os factos apurados, além de susceptíveis de degradar a honra dos Militares da GNR ofendidos, também são aptas a degradar a honra da instituição que os mesmos representam.
De facto, as expressões (e as imagens) mencionadas são objectivamente ofensivas da honra, dignidade, consideração, bom nome e reputação de qualquer pessoa, sendo-o também subjectivamente do ponto de vista dos ofendidos, Militares da GNR que se tinham encontrado ou se encontravam no pleno cumprimento de um dever funcional público.  Encontra-se, assim, em relação ao arguido, objectivamente preenchido, por duas vezes, já que estamos perante dois ofendidos (cfr. art. 30.º, n.º 3 do CP), foram dois os Militares da GNR visados, o tipo de crime em apreço. 
 Já para o preenchimento do tipo subjectivo do crime sub judice, exige-se o dolo (art. 13.º, 1.ª parte do CP), em qualquer das modalidades previstas no art. 14.º do CP, sendo que o dolo implica, além de um elemento volitivo, um elemento intelectual, consistente no conhecimento correcto da factualidade típica por parte do agente.
Resultou demonstrado, nomeadamente, que o arguido, com aquelas imputações, pretendeu, e logrou, diminuir os dois Militares da GNR ofendidos na sua consideração e honra, tendo o nítido propósito de os vexar e ofender, agindo deliberada, livre, voluntária e conscientemente e sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Como tal, agiu o arguido, em ambas as duas situações, com dolo directo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 14.º do CP.
Tratando-se de agentes de autoridade e no exercício das suas funções, o que o arguido sabia (cfr. factos provados 8 e 9), encontra-se também, por duas vezes, preenchida a agravante prevista no art. 184.º do CP, com referência aos arts. 132.º, n.º 1, al. l) e 386.º, n.ºs 1 e 3, al. a) do mesmo diploma legal.
Pelo exposto, verificado, por duas vezes diversas, o cabal preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime de injúria agravado, por que vem o arguido acusado, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa, sendo evidente que não é qualquer “crítica objectiva”, como lhe chamou o Ilustre Defensor em alegações, chamar a Militares da GNR “deficiente”, “rato do esgoto” e desejar que tenha fezes, o arguido deverá ser condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de dois crimes de injúria agravados, nos termos dos arts. 181.º, n.º 1, 182.º e 184.º, este último por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, alínea l), todos do CP, sendo um contra o Militar da GNR BB e outro contra o Militar da GNR CC, situações, aliás, praticadas em dois dias diversos e dois espaços diversos.
- Do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado:
Nos termos do art. 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a e b) e n.º 3 do CP: “1 - Quem sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas; é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.  2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade: a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º.
Por seu turno, dispõe o actual art. 197.º, n.º 2 do CP, aplicável ex vi n.º 3 do art. 199.º do mesmo diploma legal: “2 - As penas previstas nos artigos 190.º, 191.º, 194.º e 195.º são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o facto for praticado através de meio de comunicação social, ou da difusão através da Internet, ou de outros meios de difusão pública generalizada.”  
Dispondo o art. 197.º, al. b) do CP, aplicável ex vi n.º 3 do art. 199.º do mesmo diploma legal na redacção vigente à data dos factos: “As penas previstas nos artigos 190.º a 195.º são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o facto for praticado: (…) b) Através de meio de comunicação social, ou da difusão através da Internet, ou de outros meios de difusão pública generalizada.
Como refere MANUEL DA COSTA ANDRADE, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 817, o art. 199.º do CP contém duas incriminações autónomas, a saber, gravações e fotografias ilícitas - preordenadas à tutela de dois bens jurídicos distintos: O direito à palavra e o direito à imagem.
 E continua o mesmo Autor, a p. 832, que, quanto a fotografias ilícitas, são duas as modalidades fundamentais de acção típica: De um lado, fotografar ou filmar e, do outro lado, utilizar (ou permitir que se utilizem) as fotografias.
A p. 833 refere-se que, para que a conduta seja típica, bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem.
 Na determinação da área de tutela típica do direito à imagem deve ainda ter-se presente o disposto no n.º 2 do art. 79.º do Código Civil. Assim, quando a imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente, a mesma é permitida. Isto na medida em que a imagem da pessoa resulte inequivocamente integrada na “imagem” daqueles espaços ou eventos e neles se dissolva. Em segundo lugar, as fotografias também são permitidas quando seja relevante a notoriedade ou o cargo desempenhado pela pessoa, como em pessoas da história do tempo.
Quanto ao aspecto subjectivo da incriminação, os tipos contidos no art. 199.º exigem o dolo. Ao contrário do que acontece em outros países, a punição das gravações ou fotografias ilícitas não depende de qualquer elemento subjectivo adicional. 
 Na situação em apreço, em face dos factos provados 4 a 6, não há dúvidas de que o arguido, com a sua conduta, preencheu quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos da incriminação que agora é analisada.
De facto, o arguido preencheu, com a sua conduta descrita nos mencionados factos provados 4 a 6 e 10, as duas incriminações autónomas, na modalidade agravada, previstas no art. 199.º do CP, ou seja, gravações de palavras do Militar ofendido CC ilícitas e captação da imagem/o filmar o Militar ofendido CC ilícitas, mais preenchendo ambas as als. a) e b) de cada um dos dois números do art. 199.º, isto é, além de gravar as palavras e a imagem do mencionado Militar, utilizou essas palavras e essa imagem.
Preencheu ainda o arguido, como se disse, com a sua conduta descrita nos mencionados factos provados 4 a 6 e 10, a modalidade agravada do/s crime/s em apreço, ou seja, difundindo na internet, mais precisamente, na rede social Facebook, no seu perfil publicamente acessível, as palavras e a imagem do Militar ofendido CC ilicitamente gravadas e ilicitamente utilizadas.
Como se vê, à saciedade, do vídeo reproduzido em audiência de julgamento, o arguido gravou as palavras e filmou, concreta, aproximada e directamente o ofendido Militar CC, sem autorização deste (daí o arguido mencionar ao filmar “não posso estar a filmar?”, pergunta que pressupõe, como bem explanou o Militar em apreço, que o mesmo lhe tenha dito que não podia filmar a sua imagem), captando e gravando as suas palavras e a sua imagem. Apesar de ser num espaço público, a verdade é que as palavras e a imagem do ofendido não se diluem, de todo, no enquadramento, já que o arguido direcionou, aproximando-se (como se vê), a câmara mesmo para o ofendido, no intuito de o captar, como aliás resulta da legenda que o arguido, ao difundir tal vídeo na internet, colocou “como sei que este indivíduo é altamente conflituoso comecei a filmar previamente para minha segurança e vejam a atitude arrogante e prepotente deste elemento pago com os nossos impostos” (cfr. facto provado 6). 
 Ademais, apesar do ofendido ser Militar da GNR, entende-se que, ainda que se reconheça a importância do mesmo na Sociedade, não se pode considerar verdadeiramente como pessoa da história do tempo.
Acresce que o arguido agiu livre, voluntaria e consciente. Actuou, pois, com dolo directo.
Assim, os factos imputados ao arguido e que se provaram, no que a este crime concerne, preenchem os elementos típicos objectivos do crime em apreço, encontrando-se também preenchido o elemento subjectivo do mesmo, na modalidade de dolo directo (cfr. art. 14.º, n.º 1 do CP).
Como tal, sem necessidade de mais considerações, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude e da culpa, resta concluir pela condenação do arguido pela prática, em autoria material, de um crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e n.º 3, por referência ao disposto no art. 197.º, al. b), na redacção à data dos factos, todos do CP.
- Do crime de de difamação com publicidade agravado: 
Dispõe o art. 180.º, n.º 1 do CP: “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
Por sua vez, o art. 182.º do CP equipara a difamação verbal àquela que é feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
 Preceitua também o art. 183.º, n.º 1, al. a) que a pena prevista no art. 180.º, n.º 1 é elevada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando a ofensa for praticada através de meios que facilitem a sua divulgação. 
Esta agravação da punição justifica-se pela maior danosidade da conduta do arguido.
Por fim, dispõe o art. 184.º do CP: “As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 182.º são elevadas se metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
 Esta agravação da punição, por seu turno, justifica-se pelo estatuto funcional dos cargos de determinadas pessoas.
O bem jurídico protegido – que resulta expressamente do texto legal - é a honra e consideração, com uma específica área de protecção no plano do direito penal, consagrados que estão, constitucionalmente, o direito ao bom nome, reputação e à imagem (cfr. art. 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa [doravante designada CRP] e arts. 25.º e 70.º do Código Civil [doravante designado CC]).
A honra e consideração, como um bem jurídico complexo, representam um valor polimorfo, sendo a honra parte da essência da personalidade humana, tendo como referência a probidade, a rectidão, a lealdade e o carácter, enquanto que a consideração se revela como o aspecto exterior da honra, reflexo do bom nome, crédito e confiança em que somos tidos pelos outros (neste sentido, cfr. OLIVEIRA MENDES, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 1996, p. 16, A. DE CUPIS, Os direitos de Personalidade, tradução portuguesa de Vera Jardim e Miguel Caeiro, 1961, LEAL-HENRIQUES E SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, 2º. Volume, p. 469, FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pp. 601 e ss., FIGUEIREDO DIAS, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, LLJ, Ano 115.º, pp. 100 e ss., COSTA ANDRADE, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, pp. 76 e ss., entre outros).
 Numa frase, protege-se a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade (FARIA COSTA, op. cit., loc. cit.)
 São elementos objectivos deste tipo de crime: 
 -   A imputação de um facto (visto como dado real da experiência), a formulação de um juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia) ou a reprodução daquela imputação ou juízo (imputação que pode ser directa ou insinuada, ou seja, dirigida sob a forma de suspeita); 
- que o agente o faça dirigindo-se a terceiros;
- que os factos ou juízos sejam ofensivos da honra ou consideração do ofendido. 
A difamação distingue-se da injúria porque a primeira é feita perante terceiros, em princípio, sem a presença do ofendido. A injúria é feita na presença do ofendido. Essencial é determinar se houve uma imputação directa ou por meio de terceiros.
No plano subjectivo, o crime de difamação configura um crime doloso que se basta com um dolo genérico, em qualquer das modalidades referidas no art. 14.º do CP, não se exigindo que o agente queira ofender a honra e consideração do visado, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma penal e que, consciente disso, não se abstenha de agir (cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02.10.96, in CJSTJ, tomo 3, p. 147).   
Com efeito, estamos perante um crime de perigo abstracto-concreto, isto é, um crime em que basta a possibilidade de ofensa à honra e consideração, sem necessidade de realização concreta do perigo, mas em que tal perigo terá de ser, concretamente, possível, seja qual for a forma de afirmação ofensiva – cfr. BELEZA DOS SANTOS, RLJ, Ano 92.º, p. 164.
No vertente caso, uma vez que o arguido, em resposta a comentários que foram sendo feitos por terceiros à publicação que o próprio arguido efectuou divulgando, na internet, na rede social Facebook, o vídeo por ele feito onde captou as palavras e a imagem do Militar CC, escreveu, nessa rede social, mais concretamente, no “Facebook”, em página publicamente acessível, assim facilitando a sua divulgação, as expressões constantes do facto provado 7 acerca desse Militar, importa considerar a agravação do crime imputado ao arguido pela via do já transcrito art. 183.º, n.º 1, al. a) do CP.
Como afirma o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante designado TRL), de 03.09.1997, proc. n.º 0007725, in www.dgsi.pt: “O elemento "publicidade" não é constitutivo dos crimes de difamação e de injúria, mas apenas uma circunstância qualificativa. No caso da alínea a) do n.º 1 do art. 183.º do Código Penal, a "publicidade" é meramente potencial, consistindo o elemento qualificativo no uso de meios que facilitem a divulgação da ofensa, podendo mesmo deixar de existir efectiva divulgação. O que é relevante é que se utilizem meios que tornem possível o espalhamento do facto por um número indeterminado de pessoas, potenciando-se os efeitos danosos da ofensa” – negritos nossos.
O que sucedeu no caso concreto.
O arguido espalhou, por um número indeterminado de pessoas, note-se que existiram 36 “gostos/adoros”, 12 “comentários” e, até, 1 “partilha”, quanto à publicação pelo arguido efectuada (cfr. fl. 7 do apenso) chegando um terceiro a escrever “barriga boa que esse esterco tem pra servir de saco” (cfr. fl. 9 do apenso), os juízos de valor – objectiva e subjectivamente ofensivos - que decidiu escrever sobre o Militar CC: “Com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…”, “…É um ceboso arrogante da merda”.
O exercício de funções públicas está sujeito ao julgamento e escrutínio públicos, sendo aceitável afirmar a falta de competência no exercício dessas funções, dentro de certos limites de linguagem, não tendo, nesse caso, justificação a censura penal (neste sentido, cfr. Ac. do TRP, de 30/05/2001, proc. n.º 0011384, in www.dgsi.pt, JESCHECK, Tratado de Derecho Penal, Volume I, p. 556 e ANTOLISEI, Manuale di Diritto Penale, Volume I, p. 156).
Não estamos é, no caso concreto, manifestamente, perante qualquer direito objectivo à crítica, mas perante um colecionar de ilícitos criminais, sucessivamente cometidos pelo arguido contra o mesmo Militar da GNR, espalhando o arguido os juízos de valor objectivamente ofensivos e desvaliosos que emite sobre o ofendido, incentivando até terceiros a posteriores ódios e posteriores acções em relação à pessoa desse mesmo Militar, não existindo hipótese viável alternativa para a frase de encorajamento a fazer mal a um Militar da GNR que zela pela paz e ordem publica escrita, numa rede social, em página pública, “Com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…”.
O critério válido para definir e delimitar os bens jurídicos merecedores de tutela penal é um critério material em que se faz apelo à consciência ético-social da comunidade histórica, critério este legitimador da decisão legislativa de incriminar uma conduta violadora de um valor fundamental dessa mesma comunidade (cfr. AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, Coimbra, 1985, pp. 90 e ss.)
Como quadro axiológico de referência temos o diploma fundamental do nosso ordenamento jurídico – a CRP – critério orientador do legislador ordinário na determinação dos valores cuja violação deverá ser criminalizada e do próprio aplicador do direito na tarefa árdua de subsunção dos factos provados ao direito (cfr. Ac. do TRP, de 31.01.1996, CJ, Tomo I).
 Há situações, que não a do caso concreto, em que se põem em frente dois direitos conflituantes, consagrados constitucionalmente e reconhecidos pelos diplomas europeus e internacionais: Os direitos basilares de cidadania (direitos de personalidade, mais concretamente, os valores da honra e consideração) e o direito e liberdade de expressão e informação.
O direito à liberdade de expressão e informação traduz-se no direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos, nem discriminações.
 Contudo, se por um lado, o direito de informar é, hoje, aceite, unanimemente, como exigência basilar das sociedades democráticas de expressão pluralista, consagrado no art. 37.º da CRP, os direitos de cidadania, base da vida social, constituem o núcleo da própria personalidade do ser humano, tendo consagração constitucional nos arts. 24.º, 25.º e 26.º e na lei civil nos arts. 70.º e 484.º do CC.
O direito à integridade moral das pessoas e o direito ao bom nome e reputação e o direito à liberdade de expressão e informação assumem igual hierarquia, cuja harmonização tem de ser obtida mediante a sua concordância prática para que não seja afectado o núcleo essencial de cada um deles.
Assim, no âmbito do crime de difamação, a ilicitude relevante é sempre contingente, devendo ser aferida, em cada momento e em cada caso concreto, por apelo à consciência ético-social da comunidade histórica, a que supra já se fez referência.
Simplesmente, como dissemos, o direito à liberdade de expressão e informação traduz-se no direito de informar, de se informar e de ser informados” e, in casu, resulta à saciedade que o arguido não quis informar terceiros mas “desinformar” ou, melhor dito, caluniar, incentivar ao ódio, injuriar, não havendo informação possível, ou mesmo, crítica possível nas frasescom aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo…”, “…é um ceboso arrogante da merda.”       
Ademais o uso das palavras e atitudes tem de se ficar pelo necessário ao direito de informação/liberdade de expressão e crítica de cada um, sendo que, quando se ultrapassam estes limites e os processos empregados são por si injuriosos, a crítica é ilegítima e penalmente censurável, mesmo no domínio das funções públicas, protegendo-se, essencialmente, a pessoa humana enquanto tal, como aliás decorre dos instrumentos internacionais citados, apesar desse círculo de protecção ser mais reduzido, mas existindo sempre um núcleo fundamental intransponível e inatacável.
Assim, face à factualidade dada como provada, nomeadamente, aos factos provados 7, 11 e 12, encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do do sobredito ilícito criminal, pois os juízos de valor feitos pelo arguido são, como se reitera, objectivamente susceptíveis de lesionar a honra e consideração de qualquer pessoa medianamente formada, sendo-o também subjectivamente susceptíveis disso mesmo já que resultou provado que o ofendido Militar CC se sentiu ofendido pelas imputações e juízos de valor que o arguido escreveu e divulgou.
Por outro lado, conforme também se apurou, ao actuar da forma descrita, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mostram-se assim preenchidos todos os elementos objectivos, bem como o subjectivo do crime em questão, este último na modalidade de dolo directo (art. 14.º, n.º 1 do CP).
Por outro lado, conforme também se apurou e já se referiu, tratou-se da formulação de juízos de valor escritos, tendo o arguido utilizado um meio apto (“Facebook”) a divulgar e difundir tais afirmações e juízos de valor perante um número indeterminado de pessoas.
Assim, mostra-se preenchida a agravante prevista na al. a) do n.º 1 do art. 183.º do CP.
Demonstrado também que ficou que o arguido assim agiu sabendo que o Milutra da GNR ofendido CC era agente da autoridade, que se encontrava no exercício de funções e tarefas que lhes estão confiadas pelo Estado Português (cfr. facto provado 11), mostra-se preenchida a agravação constante do art. 184.º do CP. este último por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, alínea l) do mesmo diploma legal.
Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que terá o arguido de ser responsabilizado pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, com publicidade, agravado, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP.»

4. Determinação da medida da pena
«Na determinação da pena aplicável ao caso concreto, devemos socorrer-nos dos critérios que o legislador consagrou nos arts. 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º, todos do CP.
A operação a efectuar consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral, entendida na sua modalidade positiva, de integração, isto é, de defesa do ordenamento jurídico e de reforço da consciência jurídica comunitária enquanto forma de proceder à estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada, prevenção essa que fornece um quantum que varia entre um ponto óptimo e um ponto ainda comunitariamente suportável, abaixo do qual já não é possível fixar a pena sem colocar, irremediavelmente, em causa a sua função de tutela de bens jurídicos. 
A culpa, por sua vez, directamente relacionada com o princípio jurídico-constitucional da dignidade da pessoa humana, fixa o limite máximo inultrapassável da pena a aplicar. 
Assim, a medida concreta da pena é determinada, dentro desta moldura legal alcançada, em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial, entendida na sua modalidade de socialização.
 Ora, em termos abstractos, em relação ao arguido:
a)  cada um dos dois crimes de injúria agravados, p(s). e p(s). pelas disposições conjugadas dos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, este último por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, alínea l) do CP é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de um mês (cfr. art. 41.º, n.º 1 do CP) e quinze dias a quatro meses e quinze dias ou com pena de multa de quinze (cfr. art. 47.º, n.º 1 do CP) a cento e oitenta dias;
b)  o crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 199.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e n.º 3, por referência ao disposto no art. 197.º, al. b), todos do CP, é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de um mês e dez dias (cfr. art. 41.º, n.º 1 do CP) até um ano e quatro meses ou pena de multa de treze (cfr. art. 47.º, n.º 1 do CP) a trezentos e vinte dias;
c)  o crime de difamação com publicidade agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 14.º, n.º 1, 26.º, 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, por referência ao disposto no art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CP, é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de dois meses (cfr. art. 41.º, n.º 1 do CP) a um ano ou com pena de multa de vinte (cfr. art. 47.º, n.º 1 do CP) a trezentos e sessenta dias.
No que toca à escolha da natureza da pena, em nome do princípio da subsidiariedade do Direito Penal e atendendo ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo nas restrições aos Direitos, Liberdades e Garantias (art. 18.º, n.º 2 da CRP), sempre que o crime seja punível, em alternativa, com pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, como é o caso dos crimes em apreço, a lei penal dá preferência à aplicação de penas não privativas da liberdade, sempre que as mesmas realizem, de forma adequada e suficiente, a protecção dos bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) - cfr. arts. 70.º e 40.º, n.ºs 1 e 2 do CP. 
A pena privativa da liberdade, pelos efeitos que origina, nomeadamente, dessocialização e inserção na subcultura prisional criminógena, só deve ser aplicada como ultima ratio.
Significa isto que o Tribunal deve dar preferência à aplicação da pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente, de prevenção especial de ressocialização, devendo preteri-la na hipótese inversa.
Sendo certo que como refere ROBALO CORDEIRO, “Escolha e Medida da Pena”, in Themis, Ano VI, n.º 11, 2005, p. 237: “(…) determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta.
 De facto, não se pode olvidar que o preâmbulo do DL n.º 48/95, no seu ponto 4, prescreve que a pena de prisão deve “ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente, a criminalidade violenta e/ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes.
Acresce que, como afirma JOSÉ DE FARIA COSTA, “Anotação ao art. 181.º”, op. cit., p. 937, estamos perante “(…) uma das mais baixas molduras penais abstractas previstas em todo o CP.” Assim, no âmbito dos crimes contra a honra, conclui-se pelo quase total privilegiamento da pena de multa.
Assim, por aplicação dos princípios gerais de política criminal, só se deve recorrer à pena privativa de liberdade quando, perante o circunstancialismo do caso concreto, se não apresentem adequadas, suficientes e proporcionais as penas não detentivas, às quais não é de recusar capacidade ou potencialidade ressocializadora.
Ora, é precisamente isso que sucede.
Com efeito, in casu, as necessidades de prevenção geral, quanto aos crimes cometidos pelo arguido (exceptuando os de injúria agravados em que as necessidades de prevenção geral são medianas), são elevadas atento o crescente índice de devassa da vida privada que se verifica na sociedade portuguesa, nomeadamente, em locais pequenos como ..., sendo necessário o reforço do sentimento de segurança comunitária, sobretudo com incentivos a ódios de agentes da Autoridade que actuam, precisamente, para debelar esses ódios e manter a paz social.
Ademais, as exigências de prevenção especial, pese embora o arguido não ter antecedentes criminais registados, também são elevadas pois temos de ter em conta o circunstancialismo do caso concreto de onde resulta que as condutas adoptadas pelo arguido – o mesmo, numa janela temporal de vinte dias, cometeu QUATRO crimes, três deles contra o mesmo Militar da GNR ofendido, quando, já em 2019, tinha cometido um outro crime de igual natureza a dois dos que se julgam (injúria agravada) contra o mesmo Militar da GNR ofendido, o que demonstra a sua obsessão/ódio/persecução contra o mesmo Militar da GNR CC - são extremamente graves e preocupantes, sendo manifesto que as exigências de prevenção especial em relação a quem não se inibe de injuriar, difamar, gravar, publicar, divulgar juízos de valor manifestamente ofensivos de um militar da GNR que se limitava, no processo n.º 102/19.... e neste processo, apenas a cumprir as suas funções, não denotando nenhum arrependimento, mas sim uma indiferença total (relembre-se que o arguido faltou à sessão de audiência de julgamento de 21.06 sem qualquer justificação e apenas teve lugar segunda sessão de audiência de julgamento, no dia 28.06, para o ouvir, como requerido pela defesa, e o mesmo, nesse segunda sessão em que compareceu, remeteu-se ao silêncio, não verbalizando qualquer espécie de arrependimento ou consciência critica), são elevadas.
 Assim, a pena de multa como pena principal, mesmo quanto aos crimes de injúria agravados, em face das elevadas exigências de prevenção especial, da personalidade desajustada, quezilenta e perigosa - cfr. fls. 7 a 13 do apenso que incitam a ódio em relação ao Militar ofendido agente de Autoridade CC com os perigos, mormente, para o posto da GNR da pequena localidade de ... e, por inerência, para a Comunidade dessa pequena localidade, que isso acarreta - não constitui uma medida suficiente para obter o pretendido efeito ressocializador e para restabelecer a confiança da Comunidade na manutenção e vigência da norma violada.
Aplicar-se-á, então, ao arguido uma pena de prisão por cada um dos QUATRO crimes praticados.
Importa, agora, apurar as medidas concretas das penas de prisão a aplicar ao arguido.
Dispõe o art. 71.º, n.º 1 do CP: “A determinação da medida da pena (...) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Acresce que, de acordo com o disposto no art. 71.º, n.º 2 do CP, o Tribunal terá de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de legal de crime, deponham a favor ou contra a mesma, referindo o preceito legal mencionado algumas dessas circunstâncias.
Assim, em relação aos factos praticados, há que ponderar os seguintes factores:
Contra o arguido depõem:
- o grau de ilicitude dos factos e o modo de execução destes que se afigura elevado, comum aos quatro crimes praticados, em face do modo de actuação do arguido e da reiteração dos seus comportamentos criminosos numa janela temporal de escassos vinte dias, agindo o mesmo contra dois Militares da GNR do Posto da GNR da pequena localidade de ... que se limitavam a actuar no exercício das suas funções e por causa delas;
- a gravidade das consequências do crime de difamação com publicidade agravado: Existiram 36 “gostos/adoros”, 12 “comentários” e, até, 1 “partilha” quanto à publicação pelo arguido efectuada (cfr. fl. 7 do apenso) chegando um terceiro a escrever “barriga boa que esse esterco tem pra servir de saco” (cfr. fl. 9 do apenso) dirigindo-se ao Militar ofendido CC, o que denota o incentivar ao ódio face a um Militar da GNR no exercício das suas funções, é dizer, um total desrespeito pela Autoridade que actua, precisamente, para debelar esses ódios e manter a paz social, paz social essa manifestamente posta em perigo pelo arguido;
- o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, comum aos quatro crimes, que se afigura elevado pois tinha o arguido, como qualquer cidadão, um especial dever de respeito em relação aos dois militares da GNR que apenas exerciam as suas funções; 
- a intensidade do dolo do arguido, também comum aos quatro crimes, que reveste a forma de dolo directo, constituindo o grau máximo de censura da conduta adoptada;
- a conduta posterior aos factos: O arguido não denotou qualquer arrependimento. mas sim uma indiferença total (relembre-se que o arguido faltou à sessão de audiência de julgamento de 21.06 sem qualquer justificação e apenas teve lugar segunda sessão de audiência de julgamento, no dia 28.06, para o ouvir, como requerido pela defesa, e o mesmo, nesse segunda sessão em que compareceu, remeteu-se ao silêncio, não verbalizando qualquer espécie de arrependimento ou consciência critica) e foi condenado no processo n.º 102/19...., por sentença proferida em 10.10.2022 e transitada em julgado em 01.04.2023, pela prática, em 30.05.2019 (antes dos factos praticados nestes autos), de um crime de desobediência e de um crime de injúria agravada (crime de igual natureza a dois do que aqui se julgam) contra o aqui também ofendido Militar da GNR CC e ainda pela prática, em 30.10.2019, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de 750,00€, penas ainda não declaradas extintas, ou seja, demonstra o arguido a sua obsessão/ódio/persecução contra o mesmo Militar da GNR CC.
A favor do arguido depõe:
 - a conduta anterior aos factos: O arguido não regista antecedentes criminais.
 Quanto às necessidades de prevenção geral positiva, as mesmas (exceptuando os de injúria agravados em que as necessidades de prevenção geral são medianas) são elevadas atento o crescente índice de devassa da vida privada que se verifica na sociedade portuguesa, nomeadamente, em locais pequenos como ..., sendo necessário o reforço do sentimento de segurança comunitária, sobretudo com incentivos a ódios de agentes da Autoridade que actuam, precisamente, para debelar esses ódios e manter a paz social.
Ademais, as exigências de prevenção especial, pese embora o arguido não ter antecedentes criminais registados, também são elevadas pois temos de ter em conta o circunstancialismo do caso concreto de onde resulta que as condutas adoptadas pelo arguido – o mesmo, numa janela temporal de vinte dias, cometeu QUATRO crimes, três deles contra o mesmo Militar da GNR ofendido, quando, já em 2019, tinha cometido um outro crime de igual natureza a dois dos que se julgam (injúria agravada) contra o mesmo Militar da GNR ofendido, o que demonstra a sua obsessão/ódio/persecução contra o mesmo Militar da GNR CC - são extremamente graves e preocupantes, sendo manifesto que as exigências de prevenção especial em relação a quem não se inibe de injuriar, difamar, gravar, publicar, divulgar juízos de valor manifestamente ofensivos de um militar da GNR que se limitava, no processo n.º 102/19.... e neste processo, apenas a cumprir as suas funções, não denotando nenhum arrependimento, mas sim uma indiferença total (relembre-se que o arguido faltou à sessão de audiência de julgamento de 21.06 sem qualquer justificação e apenas teve lugar segunda sessão de audiência de julgamento, no dia 28.06, para o ouvir, como requerido pela defesa, e o mesmo, nesse segunda sessão em que compareceu, remeteu-se ao silêncio, não verbalizando qualquer espécie de arrependimento ou consciência critica), são elevadas.
 Em face do exposto, o Tribunal considera justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido:
a)  pela prática de cada um dos dois crimes de injúria agravados, de uma pena de dois meses e quinze dias de prisão;
b)  pela prática do crime de gravações e fotografias ilícitas agravado, de uma pena de um ano de prisão;
c)  pela prática do crime de difamação com publicidade agravado, de uma pena de dez meses de prisão.
No caso sub judice, uma vez que estamos perante quatro crimes praticados, pelo arguido, em concurso efectivo, nos termos dos arts. 30.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 do CP, importa aplicar àquela uma pena única, na qual se ponderem os factos e a personalidade do arguido vertida nesses factos. 
Com efeito, nas situações de concurso real de crimes, nos termos do disposto no art. 77.º do CP, vigora, entre nós, um sistema punitivo de pena conjunta, na modalidade da pena única, obtida através de cúmulo jurídico. 
Este sistema de cúmulo jurídico arranca de um princípio de cumulação juridicamente limitado e integrado por um princípio de valoração conjunta que lhe dá fisionomia própria. 
Assim, só após determinar, como o fizemos supra, a medida da pena concreta atribuída a cada crime praticado, de acordo com o art. 71.º do CP, está o Tribunal em condições de construir a moldura abstracta do concurso real de crimes, moldura essa que terá, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos quatro crimes que o arguido cometeu e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas. 
Por fim, determinar-se-á a medida concreta do concurso, através do critério material da conjugação dos factos praticados com a personalidade do agente, vertida nesses factos, averiguando se estamos perante uma pluriocasionalidade ou uma tendência criminosa.  Como tal, no caso em apreço, nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 2 do CP e segundo o supra exposto, a moldura abstracta do concurso real dos crimes praticados pelo arguido será a de um ano de prisão a dois anos e quinze dias de prisão.
Nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 1, segunda parte do CP, a fim de determinar a medida concreta do concurso, impõe-se considerar que estamos perante quatro crimes, cometidos numa janela temporal de vinte dias, sendo que o arguido actuou, em todos, com culpa elevada, na modalidade de dolo directo, não se olvidando o elevado grau de ilicitude dos factos e o modo de execução destes, a gravidade das consequências do crime de difamação com publicidade agravado praticado e o elevado grau de violação dos deveres impostos ao arguido, o que tudo conjugado, aliado à ausência de arrependimento pelo mal causado, à total indiferença do arguido face a esse mal e à reiteração dos seus comportamentos criminosos contra o mesmo militar da GNR de um posto da GNR de uma pequena localidade, o que, tudo conjugado, demonstra que estamos perante uma personalidade desconforme ao Direito, desvaliosa, perigosa e violenta, bem como a premência das elevadas exigências de prevenção geral positiva (exceptuando os de injúria agravados em que as necessidades de prevenção geral são medianas) e das elevadas exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Assim, atendendo à imagem global dos factos praticados, conjugada com a personalidade desajustada, violenta, obcecada, perigosa e desequilibrada do arguido revelada nos mesmos, entende o Tribunal ser adequada, proporcional e necessária uma medida concreta do concurso fixada numa pena de dois anos e três meses de prisão.
Pelo exposto, decide o Tribunal aplicar ao arguido a pena única de um ano e dez meses de prisão.
Cumpre, agora, apreciar de que forma deverá esta pena única de prisão ser executada.
Sendo a pena de prisão aplicada ao arguido não superior a dois anos, importa ponderar a possibilidade da sua substituição por trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no art. 58.º do CP.
Contudo, seria necessário que o Tribunal pudesse concluir que as prementes finalidades preventivas que o caso concreto suscita, com especial acentuação na reintegração do arguido na sociedade, seriam salvaguardadas com a aplicação ao arguido de uma pena de trabalho a favor da comunidade (cfr. art. 58.º, n.º 1 do CP).
Ora, o Tribunal confrontou-se com uma personalidade do arguido indiferente ao mal causado, fortemente desrespeitosa da Autoridade e, consequentemente, da Comunidade e perigosa, como tal, não adequada à simples pena de trabalho a favor da comunidade, Comunidade que demonstrou não respeitar.
Assim, entende o Tribunal que a simples pena de trabalho a favor da comunidade não satisfaz a necessidade de prevenir que o arguido cometa futuros crimes, pelo que não se substitui a pena de prisão aplicada ao arguido por pena de trabalho a favor da comunidade, nos termos do referido normativo.
Até porque tal opção poderia acarretar, no entender do Tribunal, aos olhos do arguido, uma banalização, quer do crime, quer da pena, com os consequentes efeitos criminógenos que daí adviriam.
Também não se substitui a pena em apreço pela pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade nos termos do art. 46.º do CP pois os crimes cometidos não o foram no exercício do trabalho do arguido e tal pena não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Cumpre, então, ponderar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.º, n.º 1 do CP.
De acordo com o mencionado normativo, está verificado o pressuposto formal: aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos.
Já o pressuposto material consiste num juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de uma esperança fundada de que, através da censura dos factos e da ameaça da prisão efectiva, a ressocialização do mesmo em liberdade seja conseguida, não voltando aquele a cometer novos crimes, dando cumprimento, de modo adequado, em ordem à defesa da ordem jurídica, às exigências de prevenção geral e às necessidades de prevenção especial.
Como afirmou o TRE, em Ac. de 19.12.2013, proc. 248/08.0TATVR.E1, a propósito do pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, a lei não exige um juízo de certeza, já que se trata de uma prognose para o futuro, bastando um juízo de probabilidade séria no sentido de que a ameaça da pena de prisão efectiva será suficiente para dissuadir o arguido da prática de novos ilícitos-típicos.
Saliente-se que se, por um lado, a frequência deste tipo de criminalidade, o sentimento de insegurança comunitária que provoca, sobretudo, num meio pequeno como ..., reveladoras das prementes exigências de prevenção geral já mencionadas, bem como das elevadas exigências de prevenção especial atendendo aos comportamentos altamente censuráveis adoptados pelo arguido e ao facto do mesmo não ter denotado qualquer arrependimento, levaria este Tribunal a um juízo de prognose negativo em relação à suspensão de execução da pena de prisão, por outro lado, não se pode olvidar o facto do arguido não ter antecedentes criminais registados, bem como os inconvenientes efeitos estigmatizantes e criminógenos da execução de uma pena de prisão efectiva.
Com efeito, como afirmou o STJ, em Ac. de 04.02.98, in CJSTJ, tomo 1, p. 188: “(...) só em situações muito excepcionais, depois de esgotadas todas as alternativas legais, pode o tribunal aplicar uma pena (…) de prisão efectiva, devendo dissuadir-se o infractor da delinquência, através do recurso a outros meios, menos agressivos, mas altamente punitivos. (...) O arguido só deve cumprir a pena de prisão a que foi condenado, se essa for a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição (…).
Assim, tudo ponderado, tendo presente que o arguido, antes da prática dos factos que ora se julgam, não tinha registado no seu certificado de registo criminal qualquer condenação, o Tribunal entende que a suspensão da execução da pena única de prisão, baseada numa ideia de censura do facto e de ameaça de prisão, se apresenta como uma medida sancionatória ainda adequada por suficientemente intrusiva para obter a ressocialização do arguido e assegurar o restabelecimento da confiança da comunidade na vigência e validade da norma penal violada, acreditando o Tribunal que tal medida logre obter um real efeito dissuasor de outros comportamentos delituais congéneres (cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pp. 343 e 344), dando-se uma derradeira oportunidade ao arguido de conformar o seu comportamento de acordo com as mais elementares normas jurídicas vigentes.
Como tal, considerando o Tribunal que a censura do facto e a ameaça da pena de prisão efectiva constituirão um sério aviso para o mesmo, está preenchido o juízo de prognose favorável, é dizer, o requisito material da suspensão da execução da pena de prisão (cfr. art. 50.º, n.º 1 do CP).
Assim sendo, nos termos do art. 50.º, n.º 5 do CP, impõe-se a suspensão da execução da pena única de um ano e dez meses de prisão ora aplicada ao arguido, por igual período de um ano e dez meses de prisão, a contar do trânsito em julgado da presente Sentença.
Contudo, como afirma MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado e Comentado, 2002, p. 197: “A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, consubstanciando-se num poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal” – negrito nosso.
Assim, por se mostrar essencial às finalidades da punição, nomeadamente, às prementes exigências de prevenção geral positiva e às elevadas exigências de prevenção especial, visando a sensibilização do arguido para os valores vigentes na sociedade e a reparação, de algum modo, do mal dos crimes que cometeu, decide-se subordinar a suspensão da execução da pena de prisão de um ano e dez meses de prisão aplicada ao arguido ao cumprimento do dever de entregar a instituição de solidariedade social que vise a protecção de pessoas com deficiência (um dos insultos segundo o arguido dirigidos ao Militar da GNR ofendido CC) a contribuição monetária de 1.000,00€  (mil euros), dentro do prazo de oito meses a contar do trânsito em julgado da presente decisão, devendo o arguido juntar aos autos prova do pagamento dessa quantia dentro do prazo de oito meses fixado.
Como afirma o TRP, em Ac. de 01/07/2015, proc. n.º 129/14.8GAVLC.P1: “A imposição de deveres (…) condicionantes da pena suspensa constitui um poder/dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime. (…) Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.”
Não fique por dizer que o Tribunal teve em consideração as condições económicas do arguido (integrado no agregado familiar da companheira, professora do ensino primário, com quem vive) dadas como provadas (cfr. factos provados 15 e 16) que permitem – com o sacrifício que qualquer pena tem de revestir –  ter um encargo mensal durante oito meses de 125,00€ (consta provado que o arguido aufere entre 300,00€ a 700,00€ mensais líquidos), não podendo o Tribunal olvidar que não fixar este dever ao arguido não permitiria – de modo justo, adequado e proporcional - satisfazer as elevadas necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto, até porque é importante, pensamos, reparar, de algum modo, o mal do crime, nomeadamente, para a Comunidade, para que esta, através de instituição de solidariedade social, se sinta “compensada” (cfr. n.º 1, al. c) e n.º 2 do art. 51.º do CP).»

C. Apreciação do recurso

1. Do erro de julgamento
Aqui, cabe uma breve referência quanto à dúvida que poderia suscitar a leitura das conclusões do recurso quanto ao tipo de vício invocado.
Embora o recorrente use a expressão “erro notório” (conclusão VI., 2.ª parte), o que poderia apontar para o disposto no art. 410.º, n.º 2, c), não é manifestamente isso que está em causa; o que o recorrente assaca à decisão recorrida é uma deficiente valoração da prova produzida em audiência de julgamento, dando lugar a factos provados que, na sua visão, não encontram sustentação quer nos vários depoimentos prestados em julgamento quer nos demais elementos juntos aos autos.
Ou seja, não está em causa, para o recorrente, um vício que apenas “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, dando origem ao supra referido erro notório, mas sim um verdadeiro erro de julgamento, impugnando o recorrente a decisão proferida sobre matéria de facto – o que se enquadra no art. 412.º, n.º 3, e não naquele art. 410.º, n.º 2, c).
Isto posto, é evidente que a análise do recurso tem de se situar no âmbito deste último, com a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto, nos termos do art. 431.º, b), “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”.
Prevê esta última disposição legal: “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Deixando de lado esta última alínea, já que o recorrente não pretende qualquer renovação da prova, restam as duas primeiras.
O recorrente observou o requisito da alínea a), porque especificou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (1 a 12 – conclusão V), e pretende que sejam dados como não provados (conclusões XI, XXXIII, XXXIV, LIII, LV e LXV).
Quanto ao da alínea b), esclarece o art. 412.º, n.º 4: “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” São essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras que considere relevantes (n.º 6 do artigo 412º).
 Tal foi cabalmente cumprido nas conclusões de recurso (maxime, conclusões XV, XIX, XXIV, XXXV, XXVII, XXXIX, XL, XLI, XLVII, XLVIII, LIX, LX e LXI).
Para a reapreciação da matéria de facto que o recorrente põe em causa, torna-se necessário a indicação, por parte deste, de provas concretas que, à data da audiência de julgamento, impunham ao Tribunal recorrido decisão diversa. Ou seja, não apenas provas que a Mm.ª Juiz a quo poderia ter interpretado ou avaliado de forma diferente, mas as que a obrigariam a fazê-lo (no caso, o conteúdo dos depoimentos dos queixosos, dos documentos e do vídeo junto aos autos): nisso se traduz a opção legal em usar o verbo “impor”, no sentido de “obrigar a aceitar[5].
É que “a Relação não vai fazer um segundo julgamento da matéria de facto. O seu âmbito de cognição circunscreve-se aos pontos concretos e precisos dessa matéria que sejam contestados e identificados pelo recorrente, a partir das provas específicas por ele indicadas. Só se essas provas impuserem, o que significa determinarem necessariamente, inequivocamente, uma decisão diferente sobre aquele específico ponto, a Relação poderá modificar a matéria de facto (nesse ponto preciso).[6]
O momento por excelência para apreciação desta matéria decorre na 1.ª instância: “É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.”[7]
É o julgador desta que está em posição privilegiada para a avaliação da prova; isto porque “só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzida na documentação da prova e logo reexaminada em recurso[8].
Deve a sindicância do Tribunal de recurso “ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida, de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve, substituir a análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e fragmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais[9].
Veja-se, então, o que é possível extrair não só dos excertos a que se reporta o recorrente nas conclusões, mas também da totalidade dos depoimentos das testemunhas BB e CC, bem como dos demais elementos de prova juntos aos autos.
Aqueles foram ouvidos na íntegra, e também analisados quer as impressões retiradas do Messenger de BB e do Facebook do arguido, bem como visualizado o filme constante do DVD junto aos autos.
a) Relativamente ao ocorrido a 27 de Fevereiro de 2021 – facto 1 –, o depoimento de BB em nada o contraria, antes o confirma: tendo recebido, no seu Messenger (aplicação de mensagens associada ao Facebook), as mensagens e as imagens que descreveu em detalhe, e que ele próprio imprimiu (exactamente aquelas com que foi confrontado em fase mais adiantada da inquirição, de fls. 8 e 83), conseguiu facilmente concluir, pela consulta do perfil de Facebook de AA (o ora recorrente), de livre acesso, que quer o nome quer as fotografias que aí se encontravam eram da mesma pessoa que, poucos dias antes, tinha por ele sido autuado em virtude de circular em local interdito, face à situação pandémica que se vivia; acresce que, já na altura dessa autuação, o visado tinha reagido de forma pouco respeitadora da autoridade da testemunha, militar da GNR.
Além de prova testemunhal – incluindo a consulta, por BB, da rede social onde o arguido possuía perfil público – está também em causa prova documental (a impressão das mensagens): estas, uma vez enviadas ao seu destinatário, que as entregou para serem juntas aos autos – não havendo lugar a qualquer apreensão –, devem ser tratadas como prova documental, porque são como outrora seria uma carta recebida por BB, que a abre e, a partir desse momento, a livre disponibilidade da mesma e do seu conteúdo apenas a ele cabem (estando, por isso, fora da aplicação das regras de recolha de prova previstas na Lei do Cibercrime – Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro).
Portanto, ao contrário do que pretendia o recorrente, este depoimento não impõe ao Tribunal decisão diversa da tomada na 1.ª instância, nada havendo a alterar no facto provado 1.
Já quanto aos factos provados 2 e 3, escrutinadas as conclusões do recorrente, o próprio não coloca em causa a sua descrição, aliás detalhadamente narradas em audiência de julgamento pela testemunha CC nos exactos termos acolhidos pelo Tribunal a quo. Não há, por isso, fundamento para qualquer alteração na respectiva redacção.
Para o propósito que moveu o recorrente na sua actuação descrita em 1 a 3 (factos 8 e 9), também em nada resulta contrariado pelos depoimentos dos dois visados nem pelo conteúdo dos escritos, imagens e frase da autoria do recorrente: pelo contrário, quer da função por eles exercida quer do que é por eles expressado em julgamento, nenhum elemento de prova é bastante para infirmar estes últimos factos provados.
Quanto à respectiva dignidade penal, da mesma se apreciará infra, por estar no âmbito da qualificação jurídica e não do erro de julgamento.
b) Analise-se agora a argumentação do recorrente quanto aos factos provados 4 a 6 e 10.
Mais uma vez, e no que respeita ao acto de gravar em vídeo o militar da GNR CC, em lugar algum das suas conclusões de recurso o recorrente coloca em dúvida que o tenha feito, tal como consta do facto 4. Acresce que, ouvido na íntegra o depoimento deste militar, o seu conteúdo em nada contraria – antes confirma – quer a existência de uma gravação por parte do arguido com o seu telemóvel, quer a advertência feita por aquele a este de que não autorizava tal registo nem a sua divulgação (o que exclui liminarmente o consentimento presumido invocado pelo recorrente ou qualquer dúvida que, quanto a essa autorização, pudesse surgir no pensamento do arguido…).
Não há, por isso, elementos de prova que imponham a este Tribunal alterar o teor dos factos 4 e 5, nomeadamente para não provados.
Quanto à justificação do recorrente de estar a gravar para sua segurança, será apreciada em sede de qualificação jurídica dos factos.
O mesmo se diga quanto ao teor de 6, desde logo porque o próprio CC afirmou expressamente ter visto a gravação vídeo de que foi alvo na página (pública) do arguido no Facebook. Mas também porque está junto aos autos – tendo sido visualizado em audiência de julgamento e por este Tribunal – o vídeo em causa, precisamente proveniente da página do recorrente naquela rede social, e consta a fls. 7 do apenso a legenda que o precedeu, exactamente nos termos dados como provados em 6. Aliás, também do teor do breve diálogo registado no vídeo entre o recorrente e CC resulta patente que aquele sabia perfeitamente não poder gravar este, quando o arguido diz, após interpelação do militar sobre o que estava a fazer, “Eu não posso filmar, chefe?”.
Aqui, cabe uma palavra sobre a nulidade assacada pelo recorrente à recolha de prova no Facebook. Não esquecendo o paradoxo de o próprio recorrente invocar passagens da gravação em sua defesa, gravação precisamente proveniente da sua página naquela rede social, entende-se, na esteira do Tribunal da Relação do Porto[10], que a “prova da titularidade da conta do Facebook e o conteúdo na mesma divulgado não obedece a qualquer principio de prova legal de natureza digital, a obter através da pesquisa de dados informáticos e sua apreensão, mas apenas submetido ao principio da livre apreciação da prova.
De facto, as regras específicas da Lei do Cibercrime foram pensadas para proteger, também os utilizadores de redes sociais, de intrusões ilícitas no respectivo sistema informático.
Destas regras, há que destacar, desde logo, o disposto no art. 16.º, n.º 1: “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos.” E o n.º 3 do mesmo artigo reforça a tutela jurídica do visado: “Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.
Há, porém, ao menos três fundamentos para afastar o conteúdo em causa – o vídeo publicado pelo recorrente – dos casos de aplicação desse regime:
- desde logo, está em causa uma fonte aberta, consultável por qualquer internauta, uma vez que a filmagem foi inserida pelo próprio arguido, conforme sua expressa e única vontade, exactamente com o objectivo de que um universo tanto quanto possível alargado de pessoas pudesse ter acesso ao vídeo; portanto, se o recorrente queria que todos vissem o que ele filmou, a lei não o pode proteger em nome de uma privacidade a que ele foi o primeiro a renunciar (situação em tudo idêntica à publicação de um jornal de parede ou de uma carta aberta num jornal);
- depois, se alguma intimidade da vida privada foi violada com a citada publicação, não foi certamente a do arguido, mas a do militar CC, pelo que chocaria o sentimento jurídico da comunidade, mesmo estando em causa a prática de um crime, que no processo em que se tenta proteger a vida privada deste, se lhe sobrepusesse a (já abdicada nesta matéria, como se disse) intimidade do arguido;
- finalmente e não menos importante, inexiste, no caso, uma apreensão nos termos do art. 16.º da Lei do Cibercrime: a diligência a que a GNR procedeu em sede de inquérito (conforme fls. 2 do apenso) foi gravar num DVD uma cópia do vídeo que estava na página aberta de Facebook do arguido, e não pesquisar em algum dos equipamentos informáticos deste.
Não há, portanto, qualquer proibição de prova que afecte de nulidade aquele vídeo, já que a sua obtenção não constituiu violação da sua vida privada, da sua correspondência ou das suas telecomunicações sem o seu consentimento (art. 126.º, n.º 3).
Entende-se, por isso, que a prova em causa, o vídeo, é válida, estando a sua apreciação apenas sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º).
Isto posto, perante os elementos de prova carreados para os autos, e supra referidos a propósito dos factos 4 a 6, é por demais evidente ter sido demonstrado o teor do facto provado 10, tanto mais que o Facebook tem milhões de utilizadores, o que torna qualquer vídeo e comentário nele apostos não só praticamente irremovíveis (tal como uma palavra dita não se pode retirar) como virtualmente acessível a um número exponencial de terceiros.
c) Restam os factos 7, 11 e 12.
Relativamente à existência dos comentários referidos em 7, não só CC deu conta, no seu depoimento, de os ter lido na página de Facebook do arguido (consultável por qualquer pessoa) como resposta a comentários ao aludido vídeo que o visava, como estão documentalmente provados pelas impressões de fls. 10 e 13 do apenso.
E, para estas impressões, feitas e juntas aos autos pelo queixoso CC (conforme auto de fls. 5, 2.ª linha), valem mais uma vez os argumentos já expendidos supra a propósito do vídeo, quanto ao seu legítimo uso como prova: provêm de uma fonte aberta, consultável por qualquer cidadão, como se de uma página da internet se tratasse, pelo que a sua junção é admissível (tanto mais sendo feita pela pessoa visada nos comentários) e o Tribunal deve sopesá-los tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova.
Quanto à atribuição da autoria dos comentários em causa ao recorrente, este não se coibiu de os fazer com o seu nome e, ainda que houvesse dúvidas (sendo que nenhum elemento de prova sequer as podia levantar à Mm.ª Juiz a quo ou a este Tribunal), aqueles comentários usam o tom e vão na esteira quer do escrito que precede o vídeo (conforme fls. 7 do apenso), quer do repetido uso por este, durante a filmagem de pouco mais de um minuto, da palavra “arrogância” (por sete vezes) para classificar a actuação do militar da GNR – que, note-se, apenas lhe pergunta “o que estás a fazer, pá?”, logo no início –, ambos (escrito e vídeo) inquestionavelmente da autoria do arguido, quer das atitudes que o próprio CC descreveu no seu depoimento que o arguido continua a ter para com ele quando com ele se cruza na rua, dirigindo-lhe insultos.
Quanto à intenção que norteou o recorrente na sua actuação descrita em 7 (facto 11), em nada resulta contrariada pelo depoimento do visado CC, pelo vídeo (no qual é possível perceber que este se encontrava devidamente uniformizado e em carro de função, pelo que não restam dúvidas de que o recorrente sabia a quem se estava a dirigir), nem pelo conteúdo dos escritos da autoria do recorrente; aliás, é o oposto: quer do sincero depoimento de CC (que disse ter-se sentido “injuriado, difamado e triste”) quer da função que desempenha, e ainda da ampla difusão que o Facebook permite, não faltam elementos de prova que confirmem o facto 11.
Tal como se disse supra em a), a dignidade penal das expressões referidas em 7 será apreciada infra, por estar no âmbito da qualificação jurídica e não no do erro de julgamento.
Também não faltam elementos de prova do facto 12: as duas testemunhas que o recorrente invoca, o vídeo e os escritos, no Messenger e no Facebook, da autoria do arguido, não deixam dúvidas da plena noção deste do alcance e significado do que fez, bem como da liberdade e consciência dos seus actos.
Diga-se, aliás, a respeito de todos os factos que eram postos em causa neste recurso, bem como da demais matéria provada, a fundamentação da sentença recorrida é exaustiva, extensa, absolutamente coerente, concatenada e conforme às regras da experiência comum, explicando a Mm.ª Juiz a quo todo o seu raciocínio, como decorre do transcrito em B.2. supra (que, obviamente, não se vai voltar a reproduzir).
Dela decorre que o Tribunal recorrido respeitou em absoluto o princípio da livre apreciação da prova do art. 127.º. Não havendo critérios legais que a priori definam o valor a atribuir aos meios de prova, o seu uso e aplicação pelo julgador não pode ser ilógica, arbitrária ou baseada em impressões: “a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo. (…) a «livre» ou «íntima» convicção não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (…) Se (…) se procura (…) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal (…) mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. [Esta convicção] existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.[11]
Foi este o caso dos autos; o que o recorrente é discorda da valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, mas não há nela nada que deva ser censurado por este Tribunal, porque nenhum dos elementos de prova invocados pelo recorrente impunham decisão diversa. 
Não se verifica, por isso, o erro de julgamento assacado pelo recorrente aos factos provados 1 a 12, devendo manter-se inalterada a matéria de facto fixada na 1.ª instância.

2. Da qualificação jurídica dos factos provados
A acusação deduzida contra o arguido imputava-lhe a prática de quatro crimes:
- dois de injúria agravados, contra o militar da GNR BB e contra o militar da mesma corporação CC;
- um de gravações ilícitas agravado, sendo vítima este último; e
- um de difamação com publicidade agravado, também visando CC.
Em relação aos de injúria e difamação, o acento tónico do recorrente incide sobre a falta de abrangência dos tipos legais em relação às expressões proferidas ou escritas pelo recorrente, por não terem dignidade penal e, consequentemente, não merecerem a respectiva tutela.
Já para o de gravações ilícitas, afastada que está a questão do consentimento (por se ter provado facto que contraria a existência deste), resta o que o recorrente entende ser uma causa de justificação do seu comportamento: ter feito a gravação para sua segurança.
Em nenhum dos crimes são postas em causa pelo recorrente as respectivas agravações, a saber:
- nas injúrias, a circunstância de os visados serem militares da GNR (e, por isso, agentes de uma força de segurança, a que alude o art. 132.º, n.º 2, l), do Código Penal) e os factos terem sido praticados quando estes se encontravam no exercício das suas funções (o que era o caso de CC na data dos factos) ou por causa delas (o militar BB, que tinha autuado o recorrente dias antes), tudo nos termos do art. 184.º do mesmo Código;
- no crime de gravações ilícitas, a de o facto ser praticado pela difusão através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada (art. 197.º, b), do Código Penal, ex vi art. 199.º, n.º 3, desse Código); e
- no crime de difamação com publicidade, as duas agravações – a citada qualidade do ofendido, de militar da GNR em funções (art. 184.º) e a circunstância do crime ser praticado através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação (art. 183.º, n.º 1, a), do Código Penal), como é o caso da rede social Facebook.
Vejam-se, então e brevemente, os tipos simples dos crimes.
Relativamente à injúria, prevê o art. 181.º, n.º 1, do Código Penal: “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido (…)”; já a difamação pune quem “dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo.
Nos termos do art. 182.º, à difamação e à injúria verbais são equiparadas “as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Quanto às gravações e fotografias ilícitas (art. 199.º, n.º 2, a) e b), do Código Penal), comete o crime quem “sem consentimento, fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.”.
Relativamente aos crimes de injúrias, defende o recorrente que as mensagens e imagens enviadas ao militar BB não têm dignidade penal, por não se tratar de uma imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, ou que sejam susceptíveis de ofender a honra e consideração do visado; quanto à expressão dirigida ao militar CC, entende que não ofendeu a sua reputação, sendo apenas uma grosseria, deselegância ou uma expressão desconfortável, e denotando os escritos que o visavam apenas falta de correcção.
É cristalino que, numa sociedade democrática, não há instituições, estatais ou privadas, nem pessoas acima da crítica. Esta é – e mal se não fosse – um exercício de cidadania e de expressão livre de opinião. Como repetidas vezes tem defendido o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão “constitui um dos alicerces essenciais da sociedade democrática e uma das condições básicas para o seu progresso e para a realização pessoal de cada indivíduo[12].
Inquestionável é também que, quanto maior responsabilidade e notoriedade assumir uma pessoa ou uma instituição, maior deve ser o seu escrutínio e, como tal, mais alargada deve ser a liberdade de expressão reconhecida aos demais quando lhes dirigem uma crítica ou uma opinião. Essa tem sido, aliás, a tendência da jurisprudência do citado Tribunal Europeu, quando chamado a pronunciar-se sobre o direito à liberdade de expressão, previsto no art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Nesse âmbito, quem exerce funções públicas, nomeadamente os agentes das forças de segurança, sabem que se vão deparar com “exageros na crítica, a animosidade, os excessos de linguagem, a grosseria e a má educação, sendo exigível a quem exerce funções públicas disponha da capacidade de aceitar a crítica, ainda que injusta ou imerecida, a falta de civismo e de pacífica convivência social.[13] Portanto, nessas circunstâncias nem sempre há uma actuação que mereça tutela penal.
Porém, desde já se adianta que, no caso dos autos, até esse mais alargado limiar foi ultrapassado pelo recorrente.
A honra, para efeitos dos arts. 180.º e 181.º (e dos demais crimes previstos no mesmo Capítulo do Código Penal), “é um aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade[14], e a consideração prende-se com a reputação exterior da pessoa, a opinião que dela têm os seus concidadãos.
No que respeita ao militar BB, esta última não está em causa, porque as mensagens e imagens lhe foram dirigidas por meio a que só ele podia aceder; porém, o mesmo já não se pode dizer da honra, quer pelo conteúdo daquelas quer pelas circunstâncias que precederam o seu envio.
É que, antes deste envio, o mesmo militar tinha levantado um auto de contra-ordenação ao recorrente, circunstância que certamente deixou este descontente, mas que torna claro que, quando lhe enviou os conteúdos em causa, o arguido sabia que o seu destinatário era militar da GNR e que, dentro das suas atribuições, está a de levantar aquele tipo de autos.
Depois, a expressão “rato de esgoto”, precedida de um “emoji” (imagem miniatura de animais, caras reflectindo estados de espírito, entre muitos outros, usadas em diversas aplicações informáticas e telemóveis), é, sem dúvida, uma forma de o recorrente apodar o militar de um dos animais mais sujos, porque vive entre os dejectos que se encontram nos despejos domésticos e industriais.
Tal apodo assume um carácter ofensivo da honra de BB, sendo reforçado pelo restante: “Espera que vais ter” e uma representação gráfica de fezes, mais uma vez o associando a sujidade, despojos e resíduos.
Não há aqui qualquer exercício de crítica justificado ou a expressão de uma opinião: existe, isso sim, a vontade e intenção de denegrir a imagem do visado, de forma gratuita e sem ter em conta a sua honra.
Vejam-se agora as circunstâncias do ocorrido entre o arguido e o militar CC (factos provados 2 e 3).
À data e hora dos factos, o recorrente viu este militar, devidamente uniformizado, a estacionar junto à farmácia a viatura policial em que seguia; animado por anteriores conflitos com o mesmo militar, o arguido dirigiu-se-lhe e disse: “Oh deficiente, aí é lugar para deficientes”.
Em primeiro lugar, nada se provou quanto à afectação do local em causa para o estacionamento de veículos conduzidos ou transportando pessoas com mobilidade reduzida, o que retira de imediato qualquer fundamento de facto para a segunda parte da afirmação do recorrente. Depois, e mais importante, o epíteto em si: etimologicamente, deficiente é uma pessoa “que apresenta insuficiências a nível físico ou mental[15]; porém, ao longo do tempo, os próprios indivíduos que nascem ou, por qualquer acidente ou doença, têm limitações em algum desses níveis contestaram – e bem – o uso de tal palavra para os classificar. Não se trata de escamotear as suas dificuldades acrescidas perante a vida, mas sim de não os etiquetar pelo que têm de diferente, que em si já os coloca em situações múltiplas de desvantagem. Portanto, mais evidente se torna – e mais carregado ficou o sentido pejorativo da palavra – que apodar alguém de “deficiente” é ofensivo da sua honra e consideração.
Finalmente, há que considerar as circunstâncias em que o mesmo é proferido, em plena via pública: não interessa se existiam ou não mais pessoas à volta, mas dirigir tal expressão a alguém em circunstâncias susceptíveis de ser ouvido por outros reveste, como é evidente, um maior grau de humilhação e gravidade.
Trata-se, portanto, de um apodo com virtualidade de pôr em causa o bom nome, quer pessoal quer profissional, do militar visado e em funções, e que o cidadão médio reconheceria como assumindo carácter ofensivo e sentido pejorativo.
Restam as expressões, escritas pelo arguido na sua página aberta do Facebook, “com aquela atitude de frustrado e depois de se meter com tanta gente é uma sorte ainda estar vivo” e “É um ceboso arrogante da merda”.
Mais uma vez, aqui é particularmente relevante o contexto: tais escritos foram em resposta a comentários que terceiros tinham feito à publicação, pelo recorrente, do vídeo que este filmou tendo como visado o militar da GNR CC. Ou seja, depois de expor imagens deste numa rede social, o recorrente, não satisfeito, continuou a “atirar achas para a fogueira”, chamando não só “frustrado” ao militar (maneira de classificar alguém como imperfeito ou que não chegou onde queria na sua vida), como também lhe imputando, ainda que de forma vaga, condutas impróprias para um agente da GNR (que correria risco de vida por causa da sua actuação) e terminando com três epítetos: o primeiro, ainda que mal grafado (escreve-se “seboso”), como sinónimo de sujo, gorduroso; o segundo, atribuindo-lhe insolência ou presunção (o que, para um membro de uma força militarizada, seria obviamente impróprio); e o substantivo final, equivalente a excremento, se literal, ou pessoa reles, em sentido vulgar.
Portanto, não só as expressões dirigidas ao militar CC são susceptíveis de ofender a sua honra como também foram difundidas em meio com um potencial de difusão quase infinito, e de ampla ressonância também local, já que é habitual que pessoas da mesma freguesia, conhecendo-o como pessoa e como membro da GNR, tivessem acesso àquelas afirmações do recorrente e identificassem o visado.
Inexiste, por isso, qualquer dúvida sobre a dignidade penal, no âmbito dos crimes de injúrias e de difamação, da actuação do recorrente para com os ofendidos, pelo que nada há a obstar à correcta e bem fundamentada subsunção jurídica feita pela Mm.ª Juiz a quo.
Passando ao crime de gravações ilícitas, enquadrado no Capítulo do Código Penal relativo aos crimes contra outros bens jurídicos pessoais, trata-se de tutelar o direito à imagem, aliás previsto no art. 26.º, n.º 1, Constituição da República Portuguesa.
O art. 199.º, n.º 2, incide “na vertente do direito de uma pessoa recusar a exibição/exposição da sua imagem em público, sem o seu consentimento, por ser reflexo da sua identidade pessoal, como bem jurídico pessoal, correspondente a uma expressão directa da personalidade.[16]
No caso, não há dúvida de que o recorrente filmou o militar CC sem o seu consentimento, sabendo que este não existia – o que, por si só, consuma o crime do art. 199.º, n.º 2, a) – e ainda utilizou o respectivo vídeo, preenchendo também o tipo da alínea b) do mesmo número.
Merece, porém, uma breve referência aquilo que, na visão do recorrente, é uma causa de justificação do seu comportamento: gravou para sua segurança.
Desde logo, não há vestígio de qualquer facto nos autos que demonstre ter o militar tido alguma actuação ou dito algo com a virtualidade de fazer o recorrente sentir-se inseguro no momento em que está a fazer a gravação, o que faz cair pela base este seu argumento.
Depois, lidas as normas relativas às causas de exclusão da ilicitude e da culpa (arts. 31.º a 39.º do Código Penal), facilmente se conclui que nenhuma delas se verifica, perante a matéria provada: a legítima defesa pressupunha uma agressão actual e ilícita ao arguido ou a terceiro, o direito de necessidade e o estado de necessidade desculpante uma situação de perigo e ser a filmagem a forma de obviar à respectiva consumação, e o conflito de deveres a obediência a uma ordem, sendo que o recorrente agiu, no caso, motu proprio.
Ou seja, também aqui a sentença recorrida fez a qualificação jurídica adequada aos factos provados e à actuação do recorrente, pelo que nada há a censurar-lhe.
Improcede também o recurso nesta parte.
 
3. Da escolha da pena
Aqui chegados, cabe lembrar a medida da pena aplicável a cada um dos crimes:
- nos de injúria agravados, pena de prisão de 1 mês e 15 dias a 4 meses e 15 dias, ou pena de multa de 15 a 180 dias;
- no de gravações ilícitas agravado, pena de prisão de 1 mês e 10 dias a 1 ano e 4 meses, ou pena de multa de 13 a 320 dias; e
- no de difamação com publicidade agravado, pena de prisão de 2 meses a 1 ano, ou pena de multa de 20 a 360 dias.
Defende o recorrente a aplicação de pena de multa, por entender que será suficiente para satisfazer, no caso concreto, as necessidades de prevenção geral e especial.
O nosso sistema penal dá preferência à pena não detentiva, nos casos em que, para um crime, se preveja esta e outra de prisão, em alternativa (art. 70.º do Código Penal), critério que a sentença recorrida não esquece. É, porém, requisito da aplicação daquela que, no caso concreto, se satisfaçam “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, ou seja, as necessidades de prevenção geral e especial.
Quer dizer, “a culpa, ou o grau de culpa, não são realidades a ponderar especificamente na tarefa de escolher a espécie da pena, antes têm o seu campo de incidência, privilegiado, na escolha da medida da pena. (…)
E, se em regra são razões de prevenção especial que respondem pela não aplicação da prisão, em nome de uma melhor reinserção social do arguido, também geralmente são motivos de prevenção geral, que afastam a aplicação de uma pena de substituição, não detentiva.[17]
Esclareça-se então os conceitos: sabe-se que, “com a prevenção geral positiva se almeja, antes de mais, a criação de um sentimento de confiança no sistema, por parte da população em geral. A segurança das pessoas resulta também da convicção de que o direito é mesmo para ser respeitado.
Mas, numa perspectiva de prevenção geral positiva, a pena tem ainda um efeito pedagógico. O auto-refreamento de eventuais solicitações para o crime que assaltem os não delinquentes é compensado com a satisfação moral de não se sofrer qualquer pena, facto contraposto à pena que se vê aplicada ao delinquente. Finalmente, assinala-se à prevenção geral positiva, um efeito de coerência lógica: a coercibilidade do direito em geral, e do direito penal, em particular, impõe que o desrespeito das respectivas normas tenha consequências efectivas.[18]
Já quanto à prevenção especial, incide no efeito que a pena deve surtir no agente em concreto.
Começando por esta, é facto que o recorrente não tinha, à data dos factos, antecedentes criminais, o que opera em seu favor; porém, mais são as circunstâncias que acentuam as necessidades de prevenção especial, tal como é explanado de forma concatenada e fundamentada na decisão recorrida.
É que este mesmo arguido sofreu, por factos que também tiveram como ofendido o militar CC, datados de 2019, uma condenação posterior – por sentença de Outubro de 2022, transitada em julgado em Abril de 2023 –  na pena única de 150 dias de multa por crimes de desobediência e de injúria agravada (além de crime de condução sem habilitação legal); mas, mais importante, o recorrente cometeu os quatro crimes ora em apreciação não só num curto período (21 dias), como também em todos eles visou militares da GNR.
Ora, é aqui detectável um padrão de conduta por parte do recorrente, de desrespeito sistemático pela autoridade, insistindo em comportamentos afrontosos e susceptíveis de obstaculizar o normal desempenho dos agentes das forças de segurança; aliás, o recorrente foi escalando na gravidade da sua conduta, começando pelo envio de mensagens privadas, passando à injúria em local público, à filmagem não autorizada de um agente e sua divulgação, para culminar na difamação na mesma rede social em que já tinha colocado o vídeo. Ou seja, o recorrente não respeita a autoridade e adopta comportamentos que incitam outros a fazer o mesmo, ainda que de forma indirecta.
São argumentos bastantes para o desajuste da personalidade referido pela Mm.ª Juiz a quo, bem como para a sua tendência para o conflito e a sua perigosidade, sendo elevadas as necessidades de prevenção especial.
Quanto à prevenção geral, também se subscreve o entendimento expresso na sentença recorrida, segundo o qual as respectivas necessidades incidem sobretudo no que respeita ao crime de gravações ilícitas – porque, numa era da imagem e da sua infinita difusão, importa dar sinal à comunidade de que aquela também pode violar a vida privada do visado –, não se devendo esquecer o contexto territorial onde ocorreram os factos: ... é uma pequena localidade costeira, com cerca de 4600 habitantes[19], em que a segurança dos cidadãos é garantida apenas pela GNR, força militar que tem de ser respeitada para poder desempenhar a sua difícil missão. Ao aplicar pena de multa a um arguido que repetidamente a desrespeita, não só se perderia o sentimento de confiança no sistema por parte da comunidade como também ficaria por cumprir o efeito pedagógico, de afastar outros potenciais agentes da prática de crimes semelhantes.
Portanto, in casu, a aplicação de pena de multa ao recorrente não asseguraria nem as finalidades de prevenção especial nem as de prevenção geral que o caso requer, pelo que bem andou o Tribunal a quo em optar, em todos os crimes, pela aplicação de uma pena de prisão.
Uma vez que não haverá lugar a diferente escolha da pena, fica prejudicada a pretendida revogação da condição de suspensão da pena de prisão, que cairia ope legis se o recurso merecesse provimento nesta parte, uma vez que a aplicação de deveres prevista no art. 51.º do Código Penal depende da existência de uma pena de prisão cuja execução fica suspensa.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.

Guimarães, 23 de Janeiro de 2024
(Processado em computador e revisto pela relatora)

Os Juízes Desembargadores

Cristina Xavier da Fonseca
Júlio Pinto
António Teixeira


[1] Opta-se por manter os negritos e sublinhados de origem, omitindo as duas conclusões iniciais, por reproduzirem os exactos termos da condenação.
[2] Diploma legal donde provêm as normas a seguir citadas sem indicação de origem.
[3] Inexistem factos não provados.
[4] Expurgadas as citações de jurisprudência.
[5] Conforme www.infopedia.pt.
[6] Ac. STJ de 26.09.12, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2012:3.11.0PJAMD.L1.S1.95/.
[7] Ac. Rel. Coimbra de 28.01.2015, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2015:11.13.6PBCVL.C1.57/.
[8] Ac. STJ de 15.12.2005, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2005:05P2951.BC/.
[9] Ac. do STJ de 23.04.2008, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2008:08P899.77/.
[10] Acórdão de 13.9.17, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2017:498.15.2GBPNF.P1.29/.
[11] Figueiredo Dias. Direito Processual Penal, Primeiro Volume (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 202 a 205.
[12] Entre muitos outros, Thoma v. Luxemburgo, 29 de Março de 2001, e Dichand e outros v. Áustria, 26 de Fevereiro de 2002 (tradução nossa).
[13] Ac. desta Relação de 24.5.21, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2021:294.19.8PABCL.G1.86/.
[14] Faria Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, I, Coimbra Ed., 1999, pág. 606.
[15] In www.infopedia.pt.
[16] Ac. desta Rel. de 21.11.2016, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2016:16.15.2GEVCT.G1.31/ .
[17] Souto de Moura, José (2010). A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/soutomoura_escolhamedidapena.pdf, págs. 2 e 3.
[18] Estudo citado na nota anterior, págs. 10 e 11, mantendo-se os destaques de origem.
[19] Dados dos Censos de 2021.