RECURSO
ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
Sumário

I - A reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações, mesmo que seguida da menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.
II - Havendo esse procedimento de ser equiparado a ausência de conclusões, deverá ser logo rejeitado o recurso, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 641.º, n.º1, al. b) do CPC.

Texto Integral

Processo n.º 19731/21.5T8PRT-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Porto
Juízo de Execução do Porto – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
Por apenso à execução sumária que A... S.A.R.L. contra eles instaurou, os executados AA e BB deduziram embargos de executado, pugnando pela sua procedência com a consequente extinção da execução.
Para tanto, alegaram que nunca foram notificados, no procedimento de injunção, nem para deduzir oposição ao requerimento de injunção, nem da aposição da fórmula executória; não foram integrados no PERSI; e não devem à exequente a quantia reclamada, pois pagaram a maioria das prestações do contrato de mútuo que deu origem ao procedimento de injunção.
Notificada para contestar, a exequente pugna pela improcedência total dos embargos, invocando que a citação foi efectuada de acordo com os procedimentos legais; o PERSI entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013, data em que o contrato de mútuo celebrado com os executados já tinha sido resolvido, mantendo-se tudo quanto alegado no requerimento executivo.
Afirmada a validade e regularidade processuais, por se entender que reuniam já os autos todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto e ao abrigo dos arts. 729º, al. d), 857º, nº 1 e 732º, nº 4, todos do C.P.Civil, julgo procedentes os presentes embargos de executado por falta de notificação em sede do procedimento de injunção e, em consequência determino a absolvição dos aqui embargantes/executados da instância executiva e, por força da mesma, determino a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.
Custas a cargo da exequente/embargada (vide art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil)”.
Não se conformando a embargada com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1ª O presente recurso de apelação tem por objeto o erro do julgamento, nomeadamente da matéria de direito e sua aplicação ao caso sub judice.
2ª A douta sentença de que se recorre deu por provado o seguinte:
“1. A exequente apresentou à execução o requerimento de injunção com o nº 122578/14.5YIPRT, do qual consta, para além do mais, no seu canto superior direito o seguinte: “Este documento tem força executiva Ref.ª 600178297882 Porto, 0-11-2014 O Secretário de Justiça” - (cfr. documentos relativos ao procedimento de injunção, consultáveis através do citius).
2. Não houve convenção de domicílio.
3. O Balcão Nacional de Injunções remeteu citação aos aqui embargante, por carta registada com aviso de receção, para a morada a ... 2 DTO ... ... - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
4. Tais cartas vieram devolvidas com indicação de “objeto não reclamado” - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
5. Face à devolução de correspondência, o BNI procedeu oficiosamente a pesquisas nas bases de dados nacionais disponíveis – AT e SSocial - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
6. Dessas pesquisas, resultou apurada morada ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA e ainda, para o executado, a morada ... ... PORTO - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
7. A notificação foi novamente remetida pelo BNI por carta simples, com prova de depósito para todas as moradas encontradas, tendo sido lavradas as competentes provas de deposito que se dão por reproduzidas - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
8. Os embargantes residem na ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA e alegam que não receberam a notificação.”
3ª Ora, se atentarmos nos factos 6 e 7 dados como provados, resulta que o BNI notificou os Executados na ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA, onde estes, efetivamente, residem.
4ª O título executivo que serve de base à execução é um requerimento de injunção ao qual foi atribuída força executiva – artigo 7.º do regime anexo ao Decreto Lei n.º 269/98 de 1 de setembro e artigo 703.º, n.º 1, al. d) do CPC.
5ª O requerimento de injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a um requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro – artigo 7.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro, sendo que, no que tange à forma e conteúdo do requerimento de injunção, o artigo 10.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro estabelece na alínea c) do seu n.º 2 que o requerente deve indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, devendo mencionar se se trata de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular.
6ª No que respeita à notificação do requerimento de injunção estabelece o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de setembro:
“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.
6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.
7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.
8 - Não se aplica o disposto nos n.ºs 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.
9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs 3 a 7.
10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.”
7ª Em primeiro lugar a notificação é feita por carta registada com aviso de receção, aplicando-se-lhe, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil, a que correspondem, na versão atualmente em vigor, os artigos 223.º, 224.º e 228.º (n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º do Regime Anexo).
8ª Frustrando-se a notificação por carta registada com aviso de receção, há que atender ao disposto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do Regime Anexo, pelo que, caberá, em primeiro lugar, à secretaria judicial, obter, oficiosamente, informação sobre a residência ou local de trabalho, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direção-Geral dos Impostos e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP.
9ª Obtida tal informação, a notificação será enviada para esse local, por via postal simples, caso coincida com o local para o qual se endereçou a notificação por via postal registada, ou para cada um dos locais apurados nas bases, se a informação obtida não coincidir com aquele primeiro local. A notificação considera-se feita com o simples depósito da carta, atestado pelo distribuidor do serviço postal, que certificará também a data e o local exato em que efetuou o depósito, na caixa do correio do local (ou locais) obtido pela informação colhida nas bases de dados.
A partir deste depósito começa a correr o prazo para oposição.
10ª No caso em apreço, dúvidas não existem que a notificação do requerimento de injunção posta em crise na oposição à execução mediante embargos, em causa nos autos, observou aquelas normas. Na notificação por via postal simples prevista nos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do enunciado Decreto-Lei presume-se ou ficciona-se a notificação pessoal com o simples ato de depósito de uma carta no recetáculo postal de um domicílio (presumido), ficando a partir daí o requerido sujeito ao consequente efeito da formação, contra ele, de um título executivo.
11ª Ademais, resultou provado que foi enviada notificação no processo de injunção por carta simples, com prova de depósito, para as moradas que constavam das bases de dados e os Executados não lograram provar ter outra morada, dando-se, antes, como provado, que residem na ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA (facto 7 dado como provado).
12ª Assim, no caso em apreço, a notificação por via postal simples prevista nos n.ºs 3 e 5 do artigo 12.º do enunciado Decreto-Lei foi regularmente concretizada.
13ª Pelo que, sem outras considerações, ter-se-á de concluir pela improcedência da arguida nulidade de citação ou falta de citação e, em consequência, do fundamento de oposição mediante embargos de executado.
14ª Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.
Atento tudo o acima exarado e nos mais de direito, cujo douto suprimento se requer, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, revogar-se a douta sentença, ora posta em crise, substituindo-a por outra que julgue os embargos e executados totalmente improcedentes, pois só assim poderá e, certamente, será, feito o que é de lei e, consequentemente, de Justiça”.
Os apelados apresentaram contra-alegações, nas quais referem que a recorrente nas conclusões repetem na íntegra o que antes alegaram no corpo das alegações, o que equivale a ausência de conclusões, permitindo, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil, a rejeição do recurso, pugnando, em todo o caso, pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se deve considerar-se efectuada a notificação dos executados no procedimento de injunção.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. A exequente apresentou à execução o requerimento de injunção com o nº 122578/14.5YIPRT, do qual consta, para além do mais, no seu canto superior direito o seguinte:
“Este documento tem força executiva
Ref.ª 600178297882
Porto, 0-11-2014
O Secretário de Justiça” - (cfr. documentos relativos ao procedimento de injunção, consultáveis através do citius).
2. Não houve convenção de domicílio.
3. O Balcão Nacional de Injunções remeteu citação aos aqui embargante, por carta registada com aviso de receção, para a morada a ... 2 DTO ... ... - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
4. Tais cartas vieram devolvidas com indicação de “objeto não reclamado” - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
5. Face à devolução de correspondência, o BNI procedeu oficiosamente a pesquisas nas bases de dados nacionais disponíveis – AT e SSocial - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
6. Dessas pesquisas, resultou apurada morada ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA e ainda, para o executado, a morada ... ... PORTO - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
7. A notificação foi novamente remetida pelo BNI por carta simples, com prova de depósito para todas as moradas encontradas, tendo sido lavradas as competentes provas de deposito que se dão por reproduzidas - cfr. documentos do procedimento de injunção, consultáveis através do citius.
8. Os embargantes residem na ... 1º ESQ. ... ... VILA NOVA DE GAIA e alegam que não receberam a notificação.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Questão prévia: admissibilidade do recurso.
Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
De acordo com o preceito citado, as alegações de recurso distinguem-se em corpo das alegações e conclusões.
No primeiro, o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão; nas segundas, sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Impõe a lei que o recorrente finde as alegações de recurso com as respectivas conclusões, onde, de forma sintética, identifique as questões que devam ser apreciadas pela instância de recurso e que sirvam de fundamento ao pedido de alteração, revogação ou de anulação da decisão.
Como explica o acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[1], “Concluir significa, ao cabo de um percurso analítico-argumentativo criteriosamente orientado e validado por um raciocínio lógico, extrair deste, em proposições sintéticas e resumidas, a essência dos fundamentos de uma tese.
A tese de um recorrente que se não conforma com certa decisão judicial há-de ser a da anulação, modificação ou revogação.
Os fundamentos hão-de assentar nas razões, factualmente sustentadas e juridicamente consequentes, substanciadoras da sua invalidade ou erro.
Para discorrer sobre estas, servem as alegações. Para expor aquelas, as conclusões”.
As conclusões destinam-se a sintetizar os argumentos do recurso, a identificar as questões a apreciar e as razões que servem de suporte à decisão pretendida. Delimitando as conclusões o objecto do recurso, é através delas que a parte contrária é alertada para as questões suscitadas pelo recorrente – assegurando-lhe, desta forma, a possibilidade de um efectivo exercício do contraditório – e o tribunal de recurso fica plenamente elucidado quanto às mesmas questões e os argumentos utilizados para fundamentar a decisão recursivamente reclamada, procurando-se assim evitar que alguns escapem na exposição das alegações, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015[2], “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.
Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação.
As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida”.
O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.
Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.
Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigo da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014[3]: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC)”.
As alegações apresentadas pela recorrente findam com proposições que a mesma designa por “conclusões”.
Contudo, elas não são mais do que a reprodução, despudoradamente fiel e integral, do texto que constitui o corpo das alegações, apenas lhe acrescentando a numeração que o mesmo não contém.
Pese embora o entendimento benevolente seguido por jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao não cumprimento escrupuloso das exigências formais impostas pelo artigo 639.º do Código de Processo Civil, preconizando a lei expressamente como solução para a não formulação de conclusões a rejeição do recurso, sem possibilidade de medidas paliativas, a violação deliberada, e, como no caso, despudorada, de regras processuais que se traduzem na mera repetição do exposto no corpo das alegações, ainda que a recorrente pretenda conferir-lhes aparente roupagem de conclusões, através da numeração das proposições anteriormente enunciadas, não deve ser tratada com maior benevolência do que a falta tout court de conclusões, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade ao recusar a falhas desculpáveis a mesma solução permissiva que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes.
Do acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017[4], pode, com efeito, retirar-se: “a apresentação de “conclusões”, mediante a reprodução, pura e simples, do que é exposto na motivação – ainda que, em termos práticos o resultado seja o mesmo, por em ambos os casos faltar a tal síntese exigida por lei –, afigura-se uma atitude ainda mais censurável do que a apresentação de alegações de recurso, em que a parte, por esquecimento ou ignorância da lei, as omite. Neste caso haveria maior justificação para um convite ao aperfeiçoamento[...] – convite que, de qualquer modo, a lei rejeita – do que aqueles casos em que a parte, conhecendo o ónus que sobre si impende, numa atitude deliberada e consciente, negligentemente e em desrespeito de norma expressa, se abstém de efetuar a resenha dos fundamentos do seu recurso, limitando-se a reproduzir o teor do corpo das suas alegações sob o título de “conclusões” (confiando em que a parte contrária e o tribunal de recurso não se apercebam de que se trata de uma pura repetição do anteriormente alegado), entendendo-se que, em tal caso, não se justifica uma atitude complacente do tribunal no sentido de lhe dar uma oportunidade de apresentar verdadeiras conclusões”.
Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “...é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas”.
Com efeito:
Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.
O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP)”.
Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que a recorrente, limitando-se a repetir, de forma integral, o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.
Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[5], “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).
Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.
Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”.
Também o já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 sufraga o incontornável entendimento de que “a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.
E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
A ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente – leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objeto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito[...]”[6].
Como se escreveu no acórdão da Relação de Guimarães de 24.01.2019[7], “Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama (…) o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude” [...], com o que se não pode pactuar por, desde logo, criar entraves, acrescidos esforços, custos, dificuldades e prejuízos para a celeridade processual e, consequentemente, para a realização da justiça, que se impõe que seja exercida em prazo razoável, o que se não compagina com atuações como a dos autos. A reprodução integral do anteriormente alegado no corpo das alegações, ainda que apelidada pela apelante de conclusões, não pode ser considerada para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso, nem podem ser consideradas deficientes (motivação insuficiente, contraditória, incongruente ou mesmo excessiva), obscuras ou complexas, equivalendo, ao invés, à ausência de conclusões, o que sempre dará lugar à rejeição do recurso [...]”.
Considerando, no caso aqui em apreço, que as alegações apresentadas pela recorrente não contêm conclusões, na concepção exigida pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, tal constitui fundamento para a rejeição do recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, b) do mesmo diploma legal[8].
Não ignoramos a posição que, distinta da solução que aqui se defende, se consolidou no Supremo Tribunal de Justiça.
Entendemos, todavia, que limitando-se o recorrente a reproduzir integralmente a motivação das alegações, não está em causa a qualidade das conclusões, que poderia sustentar um convite ao aperfeiçoamento, mas a falta das próprias conclusões, omissão que não pode ser remediada por aquela via.
Continuamos, assim, a alinhar com a jurisprudência das Relações que entende que a mera repetição das alegações não tem a virtualidade de as transformar em “conclusões” apenas pelo facto de o recorrer lhes atribuir tal designação, não podendo ser aperfeiçoado o que não existe[9].

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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em rejeitar o recurso interposto pela recorrente A... S.A.R.L.
Custas: pela recorrente.

Porto, 11.01.2024
(Decisão processada informaticamente e revista pela 1.ª signatária).
Judite Pires
Francisca Mota Vieira
António Carneiro da Silva
_________________
[1] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[2] Processo 818/07.3TBAMD.L1.S1, www.dgsi.pt.
[3] Processo 689/08.2TTFAR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2, www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[6] No mesmo sentido, cfr. ainda acórdãos da mesma Relação de 10.11.2015, processo n.º 158/11.3TBSJP.C1, de 14.03.2019, processo n.º 314/17.0GAPTL.G1, de 4.04.2019, processo n.º 3652/17.9T8VCT.G1, de 24.01.2019, processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1; da Relação do Porto, de 9.11.2017, processo n.º 14204/16.0T8PRT-A.P1, de 8.03.2018, processo n.º 1822/16.6T8AGD-A.P1, de 23.04.2018, processo n.º 6818/14.0YIPRT.P1, de 7.12.2018, processo n.º 1821/18.3T8PRD-B.P1; da Relação de Coimbra, de 10.11.2015, processo n.º 158/11.3TBSJP.C1, de 14.03.2017, processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2; da Relação de Lisboa de 15.02.2013, processo n.º 827/09.3PDAMD.L1-5, de 21.02.2013 (ambas decisões singulares), 07.12.2016, processo n.º 141/14.7T8SXL.L1-2; da Relação de Évora, de 4.03.2010 (decisão sumária), processo n.º 385/04.0EAFAR.E1, de 21.12.2017, processo n.º 1301/17.4T8STR.E1, todos em www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1, www.dgsi.pt.
[8]Como adverte o Acórdão n.º 462/2016, do Tribunal Constitucional - Diário da República n.º 197/2016, Série II de 2016-10-13 -, “o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respectivo destinatário, de forma a permitir-lhe, de modo enviesado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objecto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo”.
[9] Além da jurisprudência citada na decisão singular da relatora, cfr. ainda acórdãos desta Relação de 9.11.2020, processo 18625/18.6T8PRT.P1; de 24.09.2020, processo 1842/19.9T8VNG-B.P1; de 30.04.2020, processo 429/12.1TBVFR-B.P1; da Relação de Guimarães de 27.02.2020, processo 756/14.3TBPTL.G1; de 11.06.2019, processo 314/17.0GAPTL.G1; de 24.01.2019, processo 3113/17.6T8VCT.G1; da Relação de Évora de 22.03.2018, processo 738/03.0TBSTR.E1; de 29.09.2016, processo 1358/15.2T8VFX.E1; da Relação de Lisboa de 7.12.2026, processo 141/14.7T8SXL.L1-2, todos em www.dgsi.pt.