TESTAMENTO
ENCARGO
RESOLUÇÃO DA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA
Sumário

I - Vigorando em matéria de interpretação das disposições testamentárias a posição subjetivista – averiguação da vontade real do testador –, emerge da limitação fixada na segunda parte do n.º 2 do art. 2187.º do Cód. Civil que a vontade real do testador (apurada considerando o contexto do testamento e eventual prova complementar) tem como limite de atendibilidade uma correspondência mínima no contexto do testamento: a vontade real do testador só pode valer se tiver no contexto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.
II - Atento o disposto no n.º 1 do art. 2248.º do Cód. Civil, a resolução do testamento por incumprimento dos encargos apenas pode ocorrer 1) se o testador assim o tiver determinado ou 2) se for lícito concluir, através da interpretação ou da integração do testamento, que o testador não teria mantido a disposição sem o cumprimento do encargo.
III - Não tendo a testadora determinado no testamento qualquer consequência para o incumprimento dos encargos, nem suportando o texto e contexto do testamento qualquer expressão de vontade da testadora de que não teria efetuado o legado sem o cumprimento do legado, é inútil o prosseguimento dos autos para produção de prova completar para apuramento da vontade real da testadora alegada – ‘se a testadora soubesse que o réu não cumpriria os encargos teria querido que tal legado revertesse a favor dos herdeiros legais na proporção das suas quotas’ –, face ao limite intransponível decorrente da inexistência, no testamento, de qualquer suporte literal mínimo dessa alegada vontade, concluindo-se pela improcedência da ação, por falta de verificação do primeiro pressuposto de que dependia a afirmação da existência do direito de resolução da disposição testamentária previsto no art. 2248.º do Cód. Civil.

Texto Integral

Processo – Apelação n.º 4302/22.7T8PRT.P1
Tribunal a quo – Juízo Central Cível do Porto – J 2
Recorrente(s) – AA e outros
Recorrido(a/s) – Seminário ...

***
Sumário
………………………………
………………………………
………………………………
***
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Apelantes (autores): 1 - AA e 2 - BB (estas por si e como sucessoras habilitadas, por sentença de 05/12/2022, da autora AA, falecida na pendência da ação, em 10.10.2022); 3 - CC; 4 - DD; 5 - EE; 6 - FF; 7 - GG; e 8 - HH, 9- II e 10 - JJ (estes três últimos por si e como sucessores habilitados, por sentença de 01/02/2023, do autor KK, falecido na pendência da ação, em 07.12.2022).
Apelado (réu): Seminário ...

Os autores intentaram ação de processo comum contra o réu, alegando, em síntese, que são os legais sucessores de LL, falecida no dia 1 de fevereiro de 2002, a qual outorgou testamento em que, além do mais, deixou em legado ao réu um determinado imóvel, com a obrigação de o conservar como” Residência ...”, para sacerdotes, legado esse cujo encargo o réu não cumpriu, o que fundamenta o direito dos autores de, nos termos do n.º 1 do art. 2248.º do Código Civil, requererem a resolução da disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo pelo réu.
Concluem que, «(…) considerando-se a presente ação provada e procedente, deve a Ré ser condenada e:
a)- ser declarado nulo e ordenado o cancelamento do registo de aquisição realizado pela Ré, através da apresentação 7 de 2003/09/11 junto da Conservatória do Registo Predial do Porto.
b)- ser declarado que se verificou a condição resolutiva determinante da reversão da propriedade do prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar com 233 m2, dependência com 64 m2 e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...;
c)- ser reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o imóvel identificado em b);
d)- ser a Ré condenada a restituir aos AA. o imóvel identificado em b) livre de pessoas e bens. (…)».

O réu contestou, defendendo a improcedência da ação, alegando que cumpre a obrigação estipulada no testamento, não se encontrando nenhum sacerdote a residir no local em consequência de, à data, nenhum necessitar de ali residir, e que, ainda que assem se não entendesse, a consequência do incumprimento do legado seria a inclusão do bem imóvel no “remanescente” da herança, da qual o réu é herdeiro testamentário, nos termos da cláusula SETE do testamento.

Na pendência da ação faleceram:
– em 10/10/2022, a autora AA, tendo sido habilitados como sucessoras da mesma as co-autoras AA e BB, por sentença de 05/12/2022;
– em 07/12/2022, o autor KK, tendo sido habilitados como sucessores do mesmo os co-autores HH, II e JJ, por sentença de 01/02/2023.

Realizada audiência prévia, na qual foi facultada às partes a discussão de facto e de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 591.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, foi proferido despacho saneador que conheceu do mérito da ação, julgando esta improcedente e absolvendo o réu dos pedidos contra o mesmo formulados pelos autores.

Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

1- Os Autores intentaram apresente ação com fundamento, em resumo e no essencial, em que são todos os autores legais sucessores de LL, falecida no dia 1 de fevereiro de 2002, no estado de solteira, sem ascendentes sobrevivos nem descendentes, tendo outorgado testamento em que, além do mais, deixou em legado ao Réu um determinado imóvel, com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes, legado que, o Réu não cumpriu.
2- Na ação os AA. peticionam, que, seja: a) declarado nulo e ordenado o cancelamento do registo de aquisição realizado pelo Réu, através da apresentação 7 de 2003/09/11 junto da Conservatória do Registo Predial do Porto; b) que se verificou a condição resolutiva determinante da reversão da propriedade do prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar com 233 m2, dependência com 64 m2 e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...; c) ser reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o imóvel identificado em b); d) ser o Réu condenada a restituir aos AA. o imóvel identificado em b) livre de pessoas e bens.”
3- O Réu contestou a ação, pugnando pela improcedência da ação, com fundamento em que cumpre a obrigação legada, não se encontrando nenhum sacerdote a residir no local em consequência de, à data, nenhum necessitar de ali residir, bem como com o fundamento em que, mesmo assim de não se entender, a consequência do incumprimento do legado, ser a de incluir o bem imóvel no “remanescente” da herança, da qual o Réu é herdeiro testamentário ( cláusula sétima).
4- Realizada a audiência prévia, o senhor juiz do tribunal “a quo” decidiu que o estado dos autos lhe permite, desde já, conhecer do seu mérito já em sede de despacho saneador, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil elaborou a respetiva sentença.
5- O tribunal “a quo” considerou os seguintes factos demonstrados por documento com força probatória bastante ou resultantes de acordo das partes, conforme o anteriormente alegado nos pontos 1 a 20.
6- Ora, o Réu/ Seminário, beneficiário do testamento há mais de 20 anos, não fez quaisquer obras no prédio que lhe foi legado, degradando-se acentuadamente, conforme fotografias juntas com a petição inicial, nem destinou o prédio a residência de sacerdotes; apenas agora, no decurso da ação, apresentou um orçamento para um projeto…. Que não sabemos se será para realizar e quando, pois, nada é alegado pela Ré quanto a tal.
7- No testamento que outorgou, a de cujos dispôs de todo o seu património, instituindo legados, entre os quais o legado ao Réu, com encargos e que que é posto em causa pelo não seu cumprimento por parte da mesma.
8- Peticionaram os Autores/Apelantes que o tribunal a quo declarasse que o Réu não cumpriu o legado inserido na cláusula quarta do testamento, pelo que deveria ter sido resolvida essa disposição testamentária, passando o bem legado para a titularidade dos seus herdeiros legais - Apelantes, como teria sido a vontade da testadora, nos termos e pelos fundamentos dos arts. 2247º e 2248º do CC.
9- Para corroborar que seria essa a intenção e vontade real da testadora que o bem revertesse para a esfera jurídica dos seus herdeiros legais, os Apelantes na sua p.i. juntaram para além da prova documental (18 documentos), prova testemunhal, (sendo uma dessas testemunhas, um dos testamenteiros que esteve presente e assinou testamento, o depoimento por declarações de parte de uma das Autoras e o pedido de inspeção local.
10- O tribunal a quo ao considerar que estaria em condições de decidir de imediato o mérito da causa no saneador, apenas e tão só se baseou na interpretação do testamento e na vontade do testador implícita no testamento.
11- O juiz do tribunal a quo faz uma interpretação deveras simplista, ao dizer que do texto do testamento e disposições dele constantes, nenhuma interpretação se pode retirar do mesmo de que, em caso de incumprimento de legados, fosse vontade da testadora que a sua eventual resolução” beneficiasse” os seus familiares, herdeiros legais.
12- Invoca ainda, que a testadora dispôs da totalidade do seu património, nada deixando em “herança” para os seus familiares.
13- Concluiu ainda, o tribunal a quo que, salvo os legados, a vontade da de cujus foi a de instituir ao Réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança e que a alegação dos Autores/Apelantes de que seria vontade da testadora de que em caso de incumprimento do legado, o bem regressasse à sua herança para ser partilhado pelos seus herdeiros legais, não encontra qualquer apoio no texto do testamento.
14- A douta sentença recorrida não pode manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas e dos princípios jurídicos competentes.
15- Relativamente àquele pedido, levantam-se, diversas questões, que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não interpretou, nem resolveu da forma juridicamente mais adequada.
16- A primeira questão, impõe-se a necessidade em se saber se o estado do processo permitia que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, nos termos do, art. 595, nº 1, alínea b) do CPC.
17- A segunda questão, prende-se com a nulidade da sentença, uma vez que não estando julgados provados os factos que servem de fundamento à decisão, existe direta e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) nos termos e a decisão, o que importa a nulidade desta, nos termos da alínea c) do nº 1 do Art, 615º do CPC, invalidade que de forma expressa se invoca.
18- A terceira questão, tem a ver naturalmente com a necessidade de interpretação daquelas cláusulas testamentárias (clausula 4º e 7ª), com vista a captar a vontade real da testadora, importando determinar também as consequências de um eventual “non liquet”,no caso de não ser possível averiguar aquela vontade, e, se através daquela tarefa interpretativa se pode concluir, que nada tendo determinado a testadora acerca do incumprimento do encargo pelo Réu, saber, através de outros meios de prova, se podemos dizer que a sua vontade seria resolver a disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo ou que a disposição não teria sido mantida sem o seu cumprimento.
19- O juiz conhece do mérito da causa art. 595, nº 1, al. b), do CPC -no despacho saneador quando para tal não haja a necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo, que significa que o estado do processo permitiu ao juiz a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos.
20- O Prof. Alberto dos Reis advertia, aliás em consonância com o entendimento no mesmo sentido do STJ, que os tribunais devem fazer uso prudente e cauteloso desse poder, porquanto a segurança não deve ser sacrificada à celeridade.
21- O Prof. Antunes Varela, essenciais ao julgamento da matéria de facto envolvida no litigio, afirma que normal é que o juiz, não estando ainda realizada a parte fundamental da instrução do processo não possa conhecer da matéria no momento em que prefere o despacho saneador, excecional é que, com o encerramento dos articulados, o julgador tenha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução da questão do direito exclusivamente suscitada pelas partes, ou encontre nos autos todos os elementos de prova envolvida no litigio.
22- No caso, o tribunal a quo, considerou que no despacho saneador dispunha de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da presente ação, o que fez, tendo concluído pela improcedência da ação.
23- Não concordam os AA/Apelantes com tal posição, salvo o devido respeito, que é muito, uma vez que o conhecimento imediato do mérito pelo tribunal a quo não ocorreu com uma muito razoável margem de segurança quanto à solução a proferir.
24- De uma forma muito simplista, o juiz do tribunal a quo, quis dizer o seguinte: - o legado cai de volta à herança, por não ter sido cumprida a condição, condição esta imposta pela testadora no legado efetuado a favor do Seminário, ora Réu, e, dado que a de cujus determinou que o remanescente, “se o houver”, seria para o Seminário (Réu), o prédio volta a cair na propriedade do mesmo.
25- Não podemos concordar com esta interpretação do testamento, até porque, erradamente, o tribunal a quo considerou que a de cujus, no testamento, «” afastou” da sua herança os seus herdeiros legais».
26- Esta é a interpretação que o juiz faz e, a nosso ver é uma interpretação excessiva, que não se pode retirar do texto, ou apenas do texto do testamento, e que obrigaria sempre a ouvir também os depoimentos de testemunhas, pois os “herdeiros legais” não deixam de ser os “herdeiros legais” nem foram afastados no testamento.
27- Toda esta concreta e suficiente alegação dos AA/Apelantes carecia de ser demonstrada, em momento subsequente, designadamente através de prova a produzir em julgamento, ouvindo inclusive, um dos testamenteiros do testamento, bem como uma das A. arrolada pelos AA/Apelantes para prestar declarações de parte e o depoimento de parte do Réu.
28- Enquanto no testamento existe clara menção à condição do legado (de resto, ver factos provados 19 e 20) e as consequências do seu não cumprimento são indiscutíveis, não existe nada expresso que permita ao juiz concluir que a de cujus quis afastar da sua herança os seus herdeiros legais: para essa conclusão exigir-se-ia uma declaração expressa e inequívoca.
29- Não existe documento que, por si só, imponha uma qualquer decisão quanto a tal factualidade.
30- Saber qual a relação existente entre a testadora e os seus familiares, bem como a razão pela qual a mesma nada dispôs em concreto quanto a um eventual incumprimento do encargo, entre outras questões alegadas na petição inicial pelos AA e de interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, só se conseguia aferir interpretando e analisando todos os meios de prova arrolados pelos AA/Apelantes na p.i., bem como os meios de prova arrolados pelo Réu.
31- Nos autos não se realizou audiência prévia, nem julgamento.
32- Os factos de suporte e que foram alegados pelo tribunal a quo no saneador/sentença, não são suficientes para este tribunal conhecer de imediato do mérito da causa
33- Isto porque, os AA/Apelantes invocaram na sua p.i. factos contravertidos, mas essenciais ao desfecho da ação e cabendo a respetiva prova à parte que os alegou, AA, e deles pretendia tirar proveito, tendente à procedência da ação.
34- Não resultam, portanto, dos autos todos os meios de prova necessários para que a Relação, quanto a esta matéria, possa substituir-se ao tribunal recorrido e modificar a decisão de facto.
35- A nosso ver, a ação haveria de ter prosseguido, para apuramento da factualidade (de si essencial e que não se presume) de suporte do mencionado incumprimento do legado pela Ré e a vontade real da testadora.
36- Por se tratar de relevante matéria controvertida, dependente, pois, da prova a produzir, a opção correta, salvo o devido respeito, seria relegar para final o conhecimento da mesma, com o inerente e adequado prosseguimento dos autos, caso a tal nada mais pudesse obstar.
37- E, não como entendeu o tribunal a quo, que tais depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos AA. esbarrariam numa barreira intransponível.
38- Verifica-se, a situação a que se reporta o art. 662º, nº 2, al. C) do CPC, devendo a decisão ser anulada ordenando-se a baixa do processo para que prossiga os seus ulteriores termos.
39- Não estando julgados provados os factos que servem de fundamento à decisão, existe direta e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) nos termos e a decisão, o que importa a nulidade desta, nos termos da alínea c) do nº 1 do Art, 615º do CPC, invalidade que de forma expressa se invoca.
40- Não se percebe completamente o penúltimo ou antepenúltimo parágrafo da sentença, mas não parece que, sendo o Seminário (Réu) beneficiado com a casa por ser herdeiro do remanescente (e não como legado com condição), possa ser obrigado a cumprir a obrigação que o legado implicava.
41- Não estando obrigado o Seminário (Réu) a cumprir a obrigação, a decisão entra em contradição com os factos provados n.ºs 19 e 20, pois o que a de cujus queria era coisa completamente diferente que era: “… a obrigação de o conservar como” Residência ...”, para sacerdotes.”
42- O tribunal a quo na sentença refere que a de cujus, no testamento que outorgou, dispôs de todo o seu património, instituindo legados e, quanto ao “remanescente … ficará para o Seminário 1...” (cláusula sete de testamento).
43- Tal facto é alegado na contestação no art. 16º pela Ré, impugnado pelos AA/ Apelantes e não elenca na relação de factos a ter em consideração pelo tribunal a quo, pelo que o mesmo não pode servir de fundamento para o juiz afirmar na sentença que pode concluir, que salvo os legados, a vontade da de cujus foi a de instituir o Réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança.
44- Não estando julgados provados os factos que servem de fundamento à decisão, existe direta e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) e a decisão, o que importa a nulidade desta (art. 615º, n12, al. C) do CPC), INVALIDADE que de forma expressa se invoca.
45- Importa necessariamente averiguar se a sua intenção foi restringir a deixa unicamente ao Seminário, sendo, pois, sua vontade excluir os herdeiros legais.
46- Estando em causa tentar perceber o que pretendia efetivamente a testadora quando ficou a constar do seu testamento que legava o “seu prédio urbano sito na Rua ..., oitocentos e quarenta e sete, ao Seminário ..., com a obrigação de o conservar como” Residência ...”, para sacerdotes.”, quando falecesse, é evidente que se impõe, desde logo, a necessidade de proceder à interpretação dessa cláusula, para se captar qual era a sua real vontade ao exprimir-se dessa forma.
47- Segundo a sentença, o tribunal a quo entendeu que no que se refere ao legado do imóvel à Ré, nada dispôs a de cujus quanto a eventual incumprimento do legado.
48- O tribunal a quo refere na sentença proferida como termo de comparação ao anteriormente invocado, que no legado de um imóvel à sua empregada, MM, a testadora, precavendo a inobservância do encargo, dispôs que o legado passaria então para uma outra instituição, “Fábrica da Igreja da Paróquia ...” (clausulas um a três do testamento).
49- Não podemos interpretar e comparar tais legados, como refere a sentença, ao afirmar que como nada foi determinado pela testadora a esse respeito, nenhuma interpretação do texto do testamento nos permite concluir que fosse sua vontade resolver a disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo ou que a disposição não teria sido mantida sem o seu cumprimento.
50- Não podemos concordar com a interpretação que o tribunal a quo faz da vontade da testadora.
51- Importa atender ao sentido unitário e global da vontade do testador, não podendo a interpretação de uma concreta disposição ser isolada do conjunto do conteúdo do testamento.
52- O Código de Seabra no seu art. 1761º do Código de Seabra na interpretação do testamento dispõe que: “Em caso de dúvida sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-á o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento.”
53- Consagra-se, neste preceito um critério subjetivista na interpretação do testamento, o que é o mesmo que dizer que qualquer deixa testamentária deve valer em conformidade com a vontade real do testador, de acordo com aquilo que ele verdadeiramente quis, tendo em conta o circunstancialismo presente ao tempo em que testou.
54- A averiguação da vontade do testador deve, assim, fazer-se não só com base no texto, mas também no “contexto” do testamento, ou seja, deve atender-se não só ao texto de cada uma das disposições isoladamente consideradas, mas também a todo o conjunto do testamento, acentuando as ligações entre as suas várias partes e referindo-se ao todo que as engloba.
55- É muito útil atender à natureza dos bens, à entidade concreta dos beneficiários, podendo ser ainda convocados outros elementos interpretativos, tais como a importância da disposição no contexto patrimonial do autor da sucessão e a origem familiar dos bens.
56- Importa, agora, enfrentar as questões da determinação do sentido da vontade da testadora expressa no testamento nas cláusulas 1 a 3 por comparação às cláusulas 4 e 7 (como também foram comparadas na decisão proferida pelo tribunal a quo, a nosso ver mal).
57- A determinação do alcance e sentido destas disposições tem que ser feita em função do sentido unitário e global da vontade da testadora expressa no testamento, importando, desde logo, contextualizá-las, para o que, interessa ter em conta, por um lado, que, a testadora quanto à sua empregada MM precaveu-se impondo em caso de incumprimento do legado este passaria para outro beneficiário e, por outro lado, à forma “ sui generis” como a testadora legou a sua casa e o remanescente, se o houver, ao Seminário 1....
58- No primeiro caso (legado à empregada) a vontade da testadora é clara quanto ao não cumprimento do legado, contudo quanto ao legado atribuído ao Seminário 1..., Réu nos autos, a testadora ao não contempla expressamente no testamento a consequência do não cumprimento por parte do mesmo.
59- Tal não significa que o não cumprimento do legado por parte do Réu, a vontade da testadora seria relevar o mesmo, ficando na mesma esfera jurídica o bem legado ao Seminário.
60- O que se alcança da vontade e interpretação do testamento, de uma forma clara e com bastante segurança, é que a de cujos legou um imóvel ao Réu com encargos que teriam que ser cumpridos.
61- Não parece que a de cujus tenha equacionado sequer a possibilidade de o Seminário, Réu não cumprir a condição, pois se o tivesse feito teria encontrado uma solução alternativa como fez para o prédio que legou à empregada.
62- Se a de cujus, tivesse equacionado, num seu último e ínfimo pensamento, de que o Seminário, Réu não cumpriria os encargos, provavelmente não teria legado ao mesmo as quantias monetárias que se encontram em certificados de aforro, bem como o remanescente da herança, “se houver”.
63- Quando a de cujus deixou “o remanescente, se o houver”, para o Seminário, não estava seguramente a pensar que desse remanescente poderia constar a casa por não ter sido cumprida a obrigação (aliás, quando refere “se o houver”, isso evidencia exatamente que não estava a pensar nessa hipótese).
64- Não se percebe completamente o penúltimo ou antepenúltimo parágrafo da sentença, mas não nos parece que, sendo o Seminário beneficiado com a casa por ser herdeiro do remanescente (e não como legado com condição), possa ser obrigado a cumprir a obrigação que o legado implicava;
65- Seguindo este raciocínio, não estando obrigado o Seminário a cumprir a obrigação, a decisão entra em contradição com os factos provados n.ºs 19 e 20, pois o que a de cujus queria era coisa completamente diferente.
66- Por outra via, a decisão seria “beneficiar o infrator”, como se diz no futebol: o Seminário, Réu não cumpria a sua obrigação e acabava por ficar, na mesma, com a casa – não seria isto que a de cujus pretenderia, pois assim mais valia que tivesse deixado a casa ao Seminário como herança, e não como legado com condição, o que não aconteceu.
67- Não, suscita qualquer dúvida aos ora AA/Apelantes que, se não fosse essa a verdadeira intenção da testadora, do cumprimento dos encargos do legado, esta legava simplesmente o dito imóvel ao Réu sem qualquer condição, o que não aconteceu.
68- Como estão certos, os AA de que se a de cujos previsse que o Réu não ia cumprir o legado nunca lhes teria deixado o imóvel, mas sim aos seus herdeiros, ora AA.
69- A de cujus foi bem explicita no encargo ou fim pretendido ao contemplar no testamento ao Réu com aquele legado: - “….de a mesma a conservar e de a manter com o nome de “RESIDÊNCIA ...” para acolher sacerdotes”.
70- A intenção da testadora, bem materializada nessa deixa modal, como pessoa católica e praticante que era, com a sua vida dedicada à Igreja e a obras de caridade, era sua vontade que essas práticas e obras se perpetuassem de algum modo no tempo, sendo o imóvel conservado e destinado a residência para padres.
71- Concluimos desta deixa que o Réu não podia dispor do imóvel legado para outro fim, a não ser a de servir de residência para acolher sacerdotes.
72- Enquanto no testamento existe clara menção à condição do legado (de resto, ver factos provados 19 e 20) e as consequências do seu não cumprimento são indiscutíveis, não existe nada expresso que permita ao juiz concluir que a de cujus quis afastar da sua herança os seus herdeiros legais: para essa conclusão exigir-se-ia uma declaração expressa e inequívoca, como foi referido anteriormente.
73- A referida disposição legal, consagra o princípio da interpretação subjetivista, temperada pela natureza formal desse ato jurídico, cujo escopo é a determinação “do que parecer mais ajustado à vontade do testador, conforme o contexto do testamento”, para o que será lícito até recorrer a “prova complementar”, sendo certo que só produzirá efeito a vontade do testador que tenha “um mínimo de correspondência no contexto, ainda que imperfeitamente expressa”.
74- Concluído o saneador/sentença, estamos exatamente no mesmo ponto em que estávamos antes, nomeadamente quando foi interposta a presente ação pelos AA.: sabemos que está incluída no testamento da testadora a deixa que se transcreveu atrás, mas, desconhecendo a sua vontade, no sentido do não cumprimento do encargo e se o Réu ficaria com o imóvel a título de remanescente, ou, segundo, a nossa opinião, deveria reverter para os herdeiros legais,
75- Razão pela qual, os AA. pediram a resolução do testamento, nos termos dispostos pelo art. 2248º nº 1 do Código Civil.
76- Nada permite concluir que essa tivesse sido realmente a vontade da testadora ao ser usada aquela expressão “remanescente, se o houver” no seu testamento (cláusula 7), pois, sendo tema da prova da presente ação (aliás o único) averiguar qual a intenção/vontade da testadora ao ser redigida nesses termos a referida disposição, e nomeadamente se, ao fazê-lo, pretendeu excluir da sua liberalidade os eventuais herdeiros legitimários.
77- Nenhuma prova foi produzida de que a testadora em caso de incumprimento do legado deixado ao Réu o mesmo não revertesse para a esfera patrimonial dos seus herdeiros legais, a tal respeito, e isso, obviamente, não se provou.
78- É evidente, essa indagação tornava-se necessária, com a averiguação desse tema, que era o objetivo da produção de prova, porque, sem tal apuramento, não é possível saber qual a real intenção da testadora, e nomeadamente se ela tinha qualquer intenção de excluir da sua disposição testamentária os herdeiros legitimários, ora AA/Apelantes, uma vez que o texto do testamento e o seu contexto eram claramente insuficientes para permitir concluir tal vontade (sendo por isso, obviamente, que o Tribunal não considerou, nem podia considerar, tal facto como assente).
79- É inequívoco, que a testadora legou ao seu irmão, NN, os bens referidos na Cláusula seis e dez e aos sobrinhos os bens referidos na Clausula treze (por meio das chamadas “cartas de consciência”).
80- Se fizermos uma correta interpretação do testamento, podemos concluir que a testadora, ao contrário de que não foi provado pelo tribunal a quo, a mesma tinha “convívio com os seus irmãos e sobrinhos” e que esta prezava e confiava na sua família,
81- Ao ponto de expressamente pedir aos herdeiros (família) no testamento, na cláusula onze o seguinte, transcrevo: - “deseja que, se a testadora adoecer, a família terá que vigiar a forma como é tratada, sem nunca a deixar sozinha e as…” o que está em completa contradição com a interpretação do Exmo. Juiz “a quo”, quando diz que a testadora “afastou “da sua herança os seus herdeiros legais.
82- Não tem qualquer razão a sentença recorrida quando refere que a alegação dos AA era de que seria vontade da testadora, em caso de incumprimento do legado, que o bem regressasse à sua esfera para ser partilhado pelos herdeiros legais, não encontrando qualquer apoio no texto do testamento, pois que nenhum bem deixou a de cujus para ser partilhado pelos seus herdeiros, quando obviamente a testadora assim não pensava!
83- Não há qualquer dúvida de que a testadora quis beneficiar o Réu, mas não foi possível apurar se, esta não cumprisse os encargos plasmados na cláusula 4, se esta manteria o “remanescente” para a Ré (cláusula 7).
84- Pelo que era necessário fazer prova complementar de que a vontade da testadora no caso de inobservância dos encargos do legado pelo Réu, pois, obviamente, não fazia sentido cumprir o estipulado na cláusula sétima, uma vez que o legado regressava para a esfera patrimonial do Réu, com os mesmos encargos, ficando, mais vez, precludido o prazo de 20 anos para cumprir os encargos pelo Réu.
85- Somos da opinião, de que a vontade da testadora, nesse caso concreto, (pois não faz qualquer sentido que seja de outra forma), seria de que tal legado reverteria a favor dos herdeiros legitimários na proporção das suas quotas.
86- Competindo evidentemente aos AA/Apelantes o ónus de provar os elementos constitutivos do direito que invoca, o que é certo é que, não tendo sido possível apurar a concreta vontade da testadora, na nossa modesta opinião, não pode o Tribunal dar um salto sobre esse “non liquet” e concluir que a sua vontade foi a que corresponderia ao sentido jurídico daquela expressão, usando-a com um rigor que contraria frontalmente a equivocidade com que foi usada (ou não) em outros passos do mesmo testamento.
87- Por isso, tendo a sentença considerado que não existia no texto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, de que seria essa a vontade da de cujus, de que em caso de incumprimento do legado o bem regressasse à sua herança para ser partilhado pelos herdeiros, concluindo assim por essa dúvida insanável.
88- No entanto, e surpreendentemente, a douta sentença foi de forma absolutamente contraditória e injustificável que entendeu dar um verdadeiro “salto no desconhecido” e interpretar o testamento “à letra”, como se tivesse apurado que a vontade da testadora correspondia ao sentido literal da expressão “remanescente”.
89- É incontestável que o texto do testamento só pode valer no sentido correspondente à sua pura interpretação literal, quando se apure que tal corresponde efetivamente à vontade da testadora, e por isso, por muito inequívoco que pudesse parecer (e que aliás não era, como atrás se pensa estar demonstrado), sempre seria necessário procurar averiguar a vontade da testadora, através da produção de prova sobre esse tema.
90- Os AA/Apelantes não sabem sequer se os termos que constam do testamento resultam da rigorosa expressão da sua vontade ou antes da linguagem de quem redigiu o testamento, não tem qualquer justificação que, desconhecendo-se a real vontade da testadora, se considere como inquestionável que a testadora quis excluir os herdeiros legais como beneficiários do testamento, apenas tendo em conta o texto do testamento!!
91- Tal só seria possível se, em lugar de uma interpretação “subjetivista” do testamento, como claramente impõe o art. 2187 do C.C., se optasse por uma interpretação “objetivista”, que não tem qualquer suporte na lei e seria pura ficção.
92- Não tendo sido possível apurar a vontade real da testadora, nunca se poderá concluir que ela tenha querido beneficiar apenas o Réu e por isso excluir os herdeiros legais.
93- Para conseguir a procedência do seu pedido, os AA/Apelantes teriam evidentemente que provar os factos constitutivos do direito que invocam, ou seja, que a vontade real da testadora, ao deixar a propriedade do imóvel com encargos específicos para serem cumpridos pelo Réu, face ao seu não cumprimento pela mesma, decorrido o prazo de 20 anos, o bem era excluído da esfera do testamento e revertia a favor dos herdeiros legais, não se aplicando dessa forma o remanescente da herança ao Réu.
94- Nunca a testadora pensou que o Réu não iria cumprir os encargos referidos na Cláusula 4, atendendo à relação que a mesma tinha com a paroquia e com a Igreja, que foi dada como provada nos pontos 16, 17 e 18 da sentença.
95- Deste modo, a opção correta, salvo o devido respeito, seria relegar para final o conhecimento da mesma, com o inerente e adequado prosseguimento dos autos.

O réu apresentou resposta às alegações, concluindo pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida.

O tribunal a quo, no despacho proferido em 10-10-2023 (ref. 452522963), pronunciou-se sobre as nulidades da sentença arguidas, no sentido da sua inexistência.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

Face às conclusões das alegações de recurso do apelante, cumpre apreciar:
1. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 615.º do CPC.
2. Necessidade de prosseguimento dos autos para produção de meios de prova, por o estado do processo não permitir o conhecimento imediato do mérito:
a) por discordância da interpretação das cláusulas testamentárias (clausula 4º e 7ª) efetuada pelo tribunal a quo, baseada apenas no texto do testamento e sem suporte para a interpretação feita, sendo necessário o prosseguimento do processo para averiguação da vontade real da testadora para fixação do sentido e alcance das disposições testamentárias;
b) por necessidade de produção de prova sobre os factos atinentes ao incumprimento do legado.

III – Fundamentação:

Factos considerados na decisão recorrida

O tribunal a quo considerou a seguinte matéria de facto, demonstrada por documento com força probatória bastante ou resultante de acordo das partes:
1- No dia 1 de Fevereiro de 2002, na freguesia ..., concelho do Porto, faleceu LL, onde teve a sua última residência habitual na Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto;
2- Faleceu no estado de solteira, sem ascendentes sobrevivos, nem descendentes vivos;
3- A de cujos tinha três irmãos:
- OO, que faleceu no estado de solteiro, sem ascendentes sobrevivos, nem descendentes vivos;
-PP, que faleceu no estado de casada, com descendentes vivos; e
- NN, que faleceu no estado de casado, com descendentes vivos;
4- E os respectivos sobrinhos, filhos da sua irmã PP e do seu irmão NN;
5- Ou seja, o seu irmão NN faleceu em 28.12.2021, no estado de casado com autora AA;
6- Deste casamento, nasceram duas filhas:
- AA, casada, e
- BB, divorciada, ora autoras e sobrinhas da de cujos.
7- A irmã, PP, faleceu no estado de casada com QQ, também já falecido;
8- Deste casamento, nasceram três filhos:
- CC, casado;
- RR, casado, e
- SS, casada, sobrinhos da de cujos;
9- O sobrinho RR faleceu em 05.08.2021, deixando como seus herdeiros:
- o cônjuge, DD;
- a filha, EE;
- o filho, FF, e
- o filho, GG, ora autores e sobrinhos da de cujos;
10- A sobrinha SS faleceu em 27.04.2016, deixando como seus herdeiros:
- o cônjuge, KK;
- o filho, HH;
- a filha, II, e
- o filho, JJ, ora autores e sobrinhos da de cujos;
11- Em 22.02.2000, a de cujus, ou seja, a já acima referida LL, outorgou testamento, que se encontra exarado a fls. 98 verso e 100 verso, do Livro ... de Testamentos Públicos, do extinto Quarto Cartório Notarial do Porto, de cujo acervo documental o Senhor Notário Dr. TT sucedeu na titularidade, conforme doc. nº 6 junto com a petição inicial e que aqui se considera reproduzido;
12- Além do mais, consta no texto desse testamento, no ponto quatro, o seguinte que se transcreve: “QUATRO- Lega ao Seminário ..., também conhecido por Seminário 1..., o seu prédio urbano sito na Rua ..., oitocentos e quarenta e sete, com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes”;
13- Tal prédio, é composto por casa com 3 pavimentos, tendo na cave 3 divisões, no rés-do-chão 9 divisões e no 1º andar 11 divisões e quintal, com o valor patrimonial de € 187.399,45;
14- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. ... e registado a favor da Ré pela AP.... de 2003/09/11;
15- Por documento datado de 24.10.2017, os autores interpelaram a ré para cumprimento do legado (doc. nº 18 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido);
16- A de cujos era uma pessoa católica e dedicou a sua vida a desenvolver um papel activo na paróquia ...;
17- Ajudava a dar a comunhão, tocava o órgão nas missas e colaborava em obras de caridade;
18- Actos esses, que eram reconhecidos pelos paroquianos, pelos sacerdotes com quem a mesma privava e por todas aqueles com quem a mesma convivia;
19- Pelo que, quando a testadora decidiu deixar a sua casa como um legado à ré e com dois encargos, foi com a intenção de perpetuar, após a sua morte, a sua acção religiosa dentro da sua casa;
20- Isto é, no seu testamento institui como o legado a sua casa à ré com a condição de a mesma a conservar e de a manter com o nome de “RESIDÊNCIA ...” para acolher sacerdotes.

Apreciação dos fundamentos do recurso

1. Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão – art. 615.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil.

Fundamentam os apelantes a nulidade da sentença, alegando que:
a) – não estando julgado provado na sentença o facto alegado no art. 16.º da contestação, a afirmação, efetuada na sentença, de que, salvo os legados, a vontade da de cujus foi a de instituir o réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança, carece de fundamento de facto, o que integra “direta e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) nos termos e a decisão”;
b) – não se percebe completamente o penúltimo ou antepenúltimo parágrafo da sentença, mas não parece que, sendo o Seminário (Réu) beneficiado com a casa por ser herdeiro do remanescente (e não como legado com condição), possa ser obrigado a cumprir a obrigação, o que faz com que a decisão entre em contradição com os factos provados sob os n.os 19 e 20, pois o que a de cujus queria era “… a obrigação de o conservar como” Residência ...”, para sacerdotes.”

Dispõe o art. 615.º (Causas de nulidade da sentença), n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, que “É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
Esta nulidade respeita à estrutura da sentença. A oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando a fundamentação (de facto e/ou de direito) é contrária à decisão. Conforme é referido no Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, pág. 670, por Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, em anotação ao art. 668.º do Cód. Proc. Civil anterior ao atualmente vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, «Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.».
O que os recorrentes alegam, em primeiro lugar, é que não há suporte de facto para a afirmação efetuada na fundamentação jurídica da sentença recorrida de que “a vontade da de cujus foi a de instituir o réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança”, por não constar da fundamentação de facto o art. 16.º da contestação, o qual tem o seguinte teor: «16.Por outro lado, verifica-se do teor do testamento que a testadora pretendeu, efectivamente, beneficiar a Ré em detrimento dos seus herdeiros legais, pois deixou para o Seminário 1... o remanescente da herança (disposição sete do testamento).».
Contrariamente ao que os recorrentes alegam, o tribunal a quo elencou no n.º 11. da fundamentação de facto da decisão recorrida que a LL em 22.02.2000 outorgou o testamento que foi junto aos autos como doc. 6 da petição inicial “(…) e que aqui se considera reproduzido.”. Portanto, consta da fundamentação de facto da decisão recorrida que a referida LL declarou, no testamento outorgado, o que consta do ponto 7 do referido testamento: «O remanescente, se o houver, ficará para o Seminário de P, digo, para o Seminário 1....» Ou seja, a invocada afirmação efetuada na fundamentação jurídica da sentença recorrida de que “(…) a vontade da de cujus foi a de instituir o réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança (…)” tem como suporte factual o testamento outorgado pela autora da herança – nomeadamente, o teor do seu ponto sete –, a que é feita referência no n.º 11. da fundamentação de facto da decisão recorrida.
Invocam ainda os apelantes que há contradição entre os factos provados sob os n.os 19. e 20. e os antepenúltimo e penúltimo parágrafos da fundamentação jurídica da sentença, por não parecer que “sendo o Seminário (Réu) beneficiado com a casa por ser herdeiro do remanescente (e não como legado com condição), possa ser obrigado a cumprir a obrigação”.
É o seguinte o teor dos parágrafos da decisão recorrida em causa:
« (…) Mais ainda, nenhuma interpretação do texto do testamento nos permite concluir que fosse sua vontade que, em tal caso, o bem revertesse para a sua herança, a fim de ser partilhado pelos seus herdeiros legais, pois que em momento algum do seu testamento a eles se refere, beneficiando-os com algum bem do seu património (ressalvado o legado a um seu irmão, ao dispor a testadora de todo o seu património, podemos mesmo afirmar que “afastou” da sua herança os seus herdeiros legais).
Depois, sendo, eventualmente, resolvida a disposição, o encargo deveria ser cumprido, nas mesmas condições, pelo beneficiário da resolução, pois que também nenhuma outra coisa resulta do testamento ou da natureza da disposição, nos termos do disposto no art. 2248 nº 2 do Código Civil (note-se, aliás, que de acordo com a interpretação que fazemos do testamento, tratar-se-ia de uma inutilidade declarar resolvido o legado por incumprimento do encargo pela ré, para, de seguida, declarar que passaria a integrar o remanescente da herança, atribuindo-o à mesma ré e com o mesmo encargo). (…)».
Não se vê onde está a contradição entre a fundamentação de facto e a subsunção jurídica dos factos: o que a decisão recorrida fez foi a aplicação do regime legal emergente do art. 2248.º, n.º 2, do Cód. Civil, ao concluir que relativamente ao beneficiário da resolução (que a decisão recorrida considerou ser o réu, por ter sido o mesmo que a testadora, no ponto Sete do testamento, instituiu como beneficiário do remanescente da herança) se manteria a obrigação do cumprimento do encargo.

Mas, ainda que houvesse, tal nunca geraria a nulidade da sentença; o que haveria seria um erro de julgamento. Apenas ocorreria a arguida nulidade se houvesse oposição entre os fundamentos (de facto e de direito) da ação e a decisão (segmento decisório que absolveu o réu dos pedidos), o que não ocorre: a decisão é a consequência lógica da fundamentação de facto e subsunção dos factos ao direito exarada na decisão recorrida.

De igual modo, só ocorre nulidade quando a existência de alguma ambiguidade ou obscuridade torne a decisão ininteligível. Neste sentido, vd. Ac. do STJ de 20-05-2021, proc. 69/11.2TBPPS.C1.S1, em cujo sumário se lê «(…) III. — A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”. (…)». Tal ininteligibilidade não existe, como emerge do supra expendido.
Improcede, assim, a arguida nulidade da sentença.

2. Necessidade de prosseguimento dos autos para produção de meios de prova, por o estado do processo não permitir o conhecimento imediato do mérito

Defendem os apelantes que o processo tem que prosseguir para permitir-lhes fazer prova complementar de que a vontade real da testadora, no caso de inobservância dos encargos do legado pelo réu, era que tal legado reverteria para os herdeiros legais na proporção das suas quotas, nomeadamente, mediante a produção dos meios de prova arrolados na petição inicial (18 documentos; prova testemunhal – sendo uma dessas testemunhas, um dos testamenteiros que esteve presente e assinou testamento –, o depoimento por declarações de parte de uma das Autoras e o depoimento de parte do réu), porque vigora relativamente ao testamento o critério da interpretação subjetivista – art. 2187.º do Cód. Civil –, o que impõe que se produza prova para apurar a vontade real da testadora por forma a permitir aos autores provarem os factos constitutivo do direito invocado.
Fundamentam a sua posição, em súmula, nos seguintes argumentos:
a) – atento o critério da interpretação subjetivista do testamento – art. 2187.º do Cód. Civil –, o texto do testamento só pode valer no sentido correspondente à sua pura interpretação literal, quando se apure que tal corresponde efetivamente à vontade da testadora;
b) – não havendo dúvida que a testadora quis beneficiar o réu, não foi possível apurar se, caso o réu não cumprisse os encargos plasmados na cláusula 4, a testadora manteria o remanescente da herança para o réu, nos termos da cláusula 7, tendo os autores a convicção que a vontade da testadora, nesse caso concreto, «(…) seria de que tal legado reverteria a favor dos herdeiros legitimários na proporção das suas quotas (…)» (ponto 85 das Conclusões dos apelantes);
c) – competindo aos autores/apelantes o ónus de provar os elementos constitutivos do direito que invocam, não tendo sido possível apurar a concreta vontade da testadora, não podia a decisão recorrida dar um salto sobre esse “non liquet” e concluir que “tenha querido beneficiar apenas o Réu e por isso excluir os herdeiros legais”, considerando que a vontade da testadora foi a que corresponderia ao sentido jurídico da deixa do remanescente para o réu constante da cláusula 7, interpretando a decisão recorrida o testamento “à letra”, como se tivesse apurado que a vontade da testadora correspondia ao sentido literal da expressão “remanescente”;
d) – desconhecendo os apelantes se os termos que constam do testamento resultam da rigorosa expressão da sua vontade ou antes da linguagem de quem redigiu o testamento, não tem qualquer justificação que, desconhecendo-se a real vontade da testadora, se considere como inquestionável que a testadora quis excluir os herdeiros legais como beneficiários do testamento, apenas tendo em conta o texto do testamento;
e) – tal só seria possível se, em lugar de uma interpretação “subjetivista” do testamento, como claramente impõe o art. 2187.º do C.C., se optasse por uma interpretação “objetivista”, que não tem qualquer suporte na lei e seria pura ficção.

Na petição inicial fundaram os autores o pretendido direito de resolução da disposição testamentária constante da cláusula QUATRO do testamento – “Lega ao Seminário ..., também conhecido por Seminário 1..., o seu prédio urbano sito na Rua ..., oitocentos e quarenta e sete, com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes” – na alegação de que “(…) resulta do teor do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento dos encargos, razão pela qual, podem os AA. pedir a resolução do testamento, nos termos dispostos pelo art. 2248º nº 1 do Código Civil.” (ver art. 67.º da petição inicial).
E alegaram no art. 36.º da petição inicial que “(…) também estão certos, os AA de que se a de cujos previsse que a Ré não ia cumprir o legado nunca lhes teria deixado o imóvel, mas sim aos seus herdeiros, ora AA. (…)”.

Na decisão recorrida o tribunal a quo fundamentou a decisão de improcedência da ação nos seguintes termos:

Pretendem os autores que se declare que a ré não cumpriu o legado no que se refere à cláusula “Quatro” do testamento e que, assim sendo, deverá ser declarada resolvida essa disposição testamentária, passando o bem legado para a titularidade dos seus herdeiros legais, ou seja, os autores (acima referido art. 2133 do Código Civil), alegando teria essa sido a vontade da testadora.
Efectivamente, nos termos do art. 2247 do Código Civil, e, caso de não satisfação dos encargos pelo legatário, a qualquer interessado é lícito exigir o seu cumprimento (o que os autores fizeram, com a interpelação acima referida).
De seguida, preceitua o art. 2248 do Código Civil, que qualquer interessado pode também pedir a resolução da disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo, se o testador assim houver determinado, ou se for lícito concluir do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo. Sendo resolvida a disposição, o encargo deve ser cumprido, nas mesmas condições, pelo beneficiário da resolução, salvo se outra coisa resultar do testamento ou da natureza da disposição (sublinhados nossos).
Pretendendo os autores, como vimos já, que tal disposição testamentária seja declarada resolvida e que passe o bem a integrar o património dos autores (de acordo com a quota hereditária de cada um deles), porque, alegadamente, teria sido essa a vontade da de cujus, impõe-se, assim, interpretar o testamento, apurando-se a vontade da testadora.
Nos termos do disposto no art. 2187 do Código Civil, na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, sendo admitida prova complementar, mas não surtindo efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
Trata-se, pois, de apurar a vontade real do testador, sendo necessário encontrar no texto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
Exigência esta que se relaciona com a natureza formal do testamento, impondo-se procurar tal real vontade ao nível do contexto do próprio testamento, considerando não apenas o tempo da elaboração e aprovação do texto, como ainda a totalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura (cf. Ferrer Correia, in Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, pág. 225; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.02.2011, in www.dgsi.pt).
“Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.86, in Boletim do Ministério da Justiça nº 362, pág. 550, anotado por Galvão Telles, in “O Direito”, Ano 121º, 1989, IV, págs. 771 e seguintes, afirma o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13.01.2005, relatado por Araújo de Barros, que “a interpretação dos testamentos deve fazer-se, em primeira linha, pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação simultaneamente o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se. (...) Fixado, por esse modo ou com esses materiais, aquilo que efectivamente estava no pensamento do testador, não significa, porém, isto o termo do processo interpretativo, dado que sendo o testamento um acto formal ou solene, para que a vontade real ou verdadeira, assim apurada, seja atendível, necessário se torna que tenha, no contexto testamentário, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (...) Assim, a limitação contida no nº 2 do artigo 2187º do Código Civil não restringe o recurso a prova complementar, proibindo apenas que, com o uso de tais meios, se ultrapasse o processo de interpretação para apurar o que seria verdadeira alteração ou modificação informal do próprio testamento” (sublinhado nosso).
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2012, relatado por Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt, se consiga que “a directriz subjectivista da busca da vontade real do testador surge-nos claramente mitigada não sendo atendida se não encontrar naquele o sentido juridicamente relevante, sendo de atribuir ao próprio testamento o significado conforme com essa intenção ou vontade tendo em atenção o carácter formal do negócio testamentário, «A reconstituição da mens testantis deve pois fazer-se, antes de mais, recorrendo aos elementos intrínsecos, isto é, retirados dos próprios termos do testamento enquanto documento (“o contexto” a que se refere o art. 2187.º, nº.1º).» (nosso sublinhado), apud Menezes Leitão, A Interpretação do Testamento, 1993, 96 e cfr. neste mesmo sentido Galvão Telles, Interpretação de Negócio Jurídico Formal: Correspondência entre vontade e documento, in O Direito, 121º, 844 e Pamplona Corte-Real, Curso de Direito das Sucessões, Centro de Estudos Fiscais, 1985, 169/170.” (citamos um acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.07.2014, disponível em www.dgsi.pt.
Confrontando o que vem de se dizer com os factos acima expostos, cremos que do texto do testamento e disposições dele constantes, nenhuma interpretação se pode retirar do mesmo de que, em caso de incumprimento de legados, fosse vontade da testadora que a sua eventual resolução “beneficiasse” os seus familiares, herdeiros legais.
Com efeito, do testamento verifica-se que a testadora dispôs da totalidade do seu património, nada deixando em “herança” para os seus familiares (herdeiros legais).
Mesmo quando quis beneficiar um seu irmão, NN, fê-lo através de legado (cláusulas SEIS e DEZ).
Note-se, aliás, que no legado de um imóvel à sua empregada, MM, precavendo a inobservância do encargo, dispôs que o legado passaria então para uma outra instituição, “Fábrica da Igreja da Paróquia ... (cláusulas Um a Três do testamento).
No que se refere ao legado do imóvel à ré, nada dispôs a de cujus quanto a eventual incumprimento do encargo.
Mais ainda, quanto aos bens de que não dispôs em concreto, ou seja, o “remanescente”, a testadora dispôs que “ficará … para o Seminário 1...”, ou seja, a ré (cláusula SETE).
Cremos, assim, poder concluir que, salvo os legados, a vontade da de cujus foi a de instituir a ré como sua herdeira de todo o remanescente da sua herança.
Entendemos, pois, que a alegação dos autores de que seria vontade da testadora de que, em caso de incumprimento do legado, o bem regressasse à sua herança para ser partilhado pelos seus herdeiros legais, não encontra qualquer apoio no texto do testamento, pois que nenhum bem deixou a de cujus para ser partilhado pelos seus herdeiros legais.
Tratando-se, como acima referido, de apurar a vontade real da testadora, seria necessário encontrar no texto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, de que seria essa a vontade da de cujus, o que não acontece neste caso.
Ou seja, mesmo que o processo prosseguisse para produção da “prova completar” a que se refere o art. 2187 do Código Civil, nomeadamente com inquirição de testemunhas, sempre os depoimentos que fossem prestados no sentido do alegado pelos autores esbarrariam numa barreira intransponível, “não surtindo efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa”.
Depois, mesmo que se viesse a concluir que a ré não cumpriu o encargo, de acordo com a interpretação da vontade da testadora, o que se consegue retirar da interpretação do testamento e seu contexto, é que tal bem, passaria a integrar o remanescente (cláusula SETE) e, como tal, “ficará … para o Seminário 1...”.
Assim, nada tendo determinado a testadora a esse respeito, nenhuma interpretação do texto do testamento nos permite concluir que fosse sua vontade resolver a disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo, ou que a disposição não teria sido mantida sem o seu cumprimento.

O raciocínio dos apelantes parte logo de um equívoco quanto ao sentido e alcance da posição subjetivista em matéria de interpretação das disposições testamentárias.

Sobre a interpretação dos testamentos dispõe o art. 2187.º do Cód. Civil nos seguintes termos:
Artigo 2187.º
(Interpretação dos testamentos)
1. Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
2. É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.

A afirmação dos apelantes de que “o texto do testamento só pode valer no sentido correspondente à sua pura interpretação literal, quando se apure que tal corresponde efetivamente à vontade da testadora.”, é errada, sendo inclusive contraditória com o disposto no n.º 2 do art. 2187.º do Cód. Civil, acima transcrito.
O que emerge da limitação fixada na segunda parte desta disposição legal é que a vontade real do testador (apurada considerando o contexto do testamento e eventual prova complementar) só é atendível desde que tenha, no contexto do testamento, um mínimo de correspondência, ou seja, é a vontade real do testador que só pode valer se tiver no contexto do testamento um mínimo de correspondência. Como elucidativamente se refere no Ac. do STJ de 13-01-2005, processo 04B3607, acessível na integra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ e citado na decisão recorrida, sendo o testamento um ato formal, a vontade real do testador só é atendível se encontrar no contexto do testamento um mínimo de correspondência.
Daqui resulta que se o contexto do testamento não suportar, ainda que imperfeitamente expressa, a alegada vontade real do testador, inútil se torna a produção de prova complementar para apurar essa vontade real, porque a mesma não é atendível, por força do disposto na segunda parte do n.º 2 do art. 2187.º do Cód. Civil.

Conforme é referido no Ac. do STJ de 07-11-2019, processo 3077/16.3T8VIS.C1.S1, a averiguação da vontade do testador deve «(…) fazer-se não só com base no texto mas também no “contexto” do testamento, ou seja, deve atender-se não só ao texto de cada uma das disposições isoladamente consideradas, mas a todo o conjunto do testamento, acentuando as ligações entre as suas várias partes e referindo-as ao todo que as engloba. (…)». [1]
Importa, assim, atender ao conjunto das disposições que integram o testamento outorgado pela testadora, junto como doc. 6 com a petição inicial, testamento esse que a decisão recorrida, no ponto 11. da fundamentação de facto, considerou reproduzido, não obstante ter apenas transcrito nos factos provados a cláusula quatro do referido testamento (sem, no entanto, ter deixado de ter em conta, nomeadamente na análise efetuada na subsunção jurídica dos factos, o conteúdo global do referido testamento).

É o seguinte o teor de tal testamento:

Testamento de LL
No dia vinte e dois de Fevereiro do ano dois mil, no Quarto Cartório Notarial do Porto, a meu cargo, perante mim, licenciado UU, notário, compareceu como outorgante:
LL, solteira (…).

E por ela foi dito:
Que sem quaisquer força, digo, quaisquer herdeiros forçados como se encontra, faz o seu testamento pela maneira seguinte:
UM Lega à sua empregada MM o seu prédio urbano sito na Rua ..., dessa cidade, se a mesma se encontrar ao serviço da testadora prestando-lhe os serviços que vem prestando e com o nível a que a habituou, recomendando à legatária que não deixe instalar na casa da residência da testadora quaisquer familiares ou estranhos salvo o estado de necessidade.
DOIS – No caso de por inobservância da condição não ser de cumprir o legado anterior, então lega o descrito prédio da Rua ... à Fábrica da Igreja da Paróquia ..., desta cidade, a qual o destinará aos fins sociais à escolha do Reverendíssimo Pároco, o qual mandará celebrar cem missas em sufrágio da alma da testadora.
TRÊS – No caso e só no caso de a dita Fábrica da Igreja não ser, nos termos que antecedem, a legatária desta casa ... então lega à mesma Fábrica da Igreja os certificados de aforro que possuir à data da sua morte.
QUATRO – Lega ao Seminário ..., também conhecido por Seminário 1..., o seu prédio urbano sito na Rua ..., oitocentos e quarenta e sete, desta cidade, com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes.
CINCO – Ao mesmo Seminário 1... lega todos os certificados de aforro que possuir à data da sua morte se estes, pelos motivos expostos, não ficarem para a Fábrica da Igreja Paroquial ....
SEIS – Lega a seu irmão, NN, os móveis existentes na sala de jantar e salão, no caso de ele ainda os querer para seu uso pessoal, assim como o bengaleiro da entrada da casa e o piano.
SETE – O remanescente, se o houver, ficará para o Seminário de ..., digo, para o Seminário 1....
OITO – Ao Seminário 1... impõe o encargo de celebrar, por alma da testadora, a missa de trigésimo dia do seu falecimento, assim como cinco trintários gregorianos de (…) e mais vinte missas por sua alma, dez missas por alma de seus pais e restante família falecida.
NOVE – O funeral da testadora, feito através da A..., com missa de corpo presente na Igreja ..., Porto, partindo da sua residência, pelo menos vinte e quatro horas após o seu falecimento, ficará a cargo das forças da sua herança, assim como a missa de corpo presente, a de sétimo dia e dez missas (…).
DEZ – Fica para o dito seu irmão NN a sua parte no jazigo cinquenta e sete, primeira secção, do cemitério do ... desta cidade, competindo-lhe a ele zelar pela sua limpeza, conservação e ornamentação.
ONZE – Deseja que, se a testadora adoecer, a família terá que vigiar a forma como é tratada, sem nunca a deixar sozinha e ao abandono na sua própria casa.
DOZE – Nomeia seus testamenteiros seu irmão NN, Dr. VV, (…) e o Reitor que o for ao tempo do Seminário 1....
TREZE Nas mãos dos testamenteiros deixará cartas de consciência, para que os seus atributos, a título de oferta, sejam entregues aos beneficiários após a sua morte.
CATORZE – Revoga qualquer testamento anterior.

Foram testemunhas WW (…) e XX (…).

Não é colocado em causa no recurso que na cláusula quatro do testamento a testadora impõe ao réu Seminário ..., beneficiário do legado do prédio urbano da testadora sito na Rua ..., a obrigação de um determinado comportamento – conservar o referido prédio como “Residência ...”, para sacerdotes.
Está-se aqui perante uma cláusula modal, admitida e prevista no art. 2244.º do Cód. Civil. De resto, os apelantes assim qualificaram a referida cláusula na petição inicial, discorrendo sobre a natureza e diferenças entre a cláusula modal e a cláusula condicional resolutiva e concluindo (bem) que se está aqui perante uma cláusula modal e não condicional, para depois discorrerem sobre a aplicação ao caso do regime da resolução previsto no art. 2248.º do Cód. Civil (isto não obstante a incongruente referência, no pedido deduzido, a que seja “declarado que se verificou a condição resolutiva determinante da reversão da propriedade do prédio urbano”).
Sobre os conceitos e distinção entre cláusula modal e condicional e regime da resolução, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2019, proc. n.º 3698/17.7T8VCT.G1[2], parcialmente transcrito pelos autores – embora sem qualquer identificação de que o texto integrado no articulado da petição inicial provém do referido aresto – nos arts. 56.º a 64.º (ipsis verbis) e nos arts. 65.º a 68.º (aqui com alguma adaptação ao caso concreto) da petição inicial. Sobre o assunto, ver ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2008, proc. n.º 0725694, e Acórdão do STJ de 26-11-2020, proc. n.º 2261/17.7T8PTM.E1.S1[3].

Estando-se aqui perante uma cláusula modal, aplica-se o disposto nos arts. 2247.º e 2248.º do Cód. Civil.
Dispõe o Art. 2248.º (Resolução da disposição testamentária) do Código Civil nos seguintes termos:
1. Qualquer interessado pode também pedir a resolução da disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo, se o testador assim houver determinado, ou se for lícito concluir do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo.
2. Sendo resolvida a disposição, o encargo deve ser cumprido, nas mesmas condições, pelo beneficiário da resolução, salvo se outra coisa resultar do testamento ou da natureza da disposição.
3. O direito de resolução caduca passados cinco anos sobre a mora no cumprimento do encargo e, em qualquer caso, decorridos vinte anos sobre a abertura da sucessão.

Do disposto no n.º 1 do art. 2248.º do Cód. Civil resulta, assim, que o direito de resolução que os autores na ação pretendem exercer depende, desde logo, da afirmação da verificação de uma de duas circunstâncias:
1) “se o testador assim houver determinado”;
ou
2) “se for lícito concluir do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo”.

Sendo manifesto que, no caso sub judice, a testadora não previu no testamento qualquer consequência para o incumprimento do encargo, procedeu-se na decisão recorrida à interpretação do referido testamento com vista a apurar se é lícito concluir do mesmo que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo, tendo-se concluído em sentido negativo.

Efetivamente, da apreciação conjunta das disposições que integram o testamento não há qualquer elemento, no contexto de todo o testamento, que permita afirmar que a testadora não teria legado ao réu o prédio sito na Rua ..., sem o cumprimento do encargo.
A mesma dispôs dos seus bens, em legados:
- no que concerne ao legado do prédio sito na Rua ..., deixado à sua empregada, o mesmo foi efetuado, parece-nos, com uma cláusula condicional suspensiva (e não modal): a testadora estabeleceu como condição da efetivação do legado que a referida empregada (na data da ocorrência do óbito) se encontrasse ao serviço da testadora prestando-lhe os serviços que vem prestando e com o nível a que a habituou;
- no caso de não verificação da condição de que dependia o cumprimento do legado à empregada, legava o referido prédio à Fábrica da Igreja da Paróquia ..., fixando a este legatário a obrigação de o destinar aos fins sociais à escolha do Reverendíssimo Pároco, o qual mandará celebrar cem missas em sufrágio da alma da testadora;
- a verificar-se a condição para o cumprimento do legado do prédio sito na Rua ..., à sua empregada, a testadora deixava à referida Fábrica da Igreja da Paróquia ... os certificados de aforro que possuir à data da sua morte;
- ao aqui réu deixou em legado o seu prédio urbano sito na Rua ..., com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes, e legou-lhe ainda (se, por não verificação da condição de que dependia o cumprimento do legado à empregada, o prédio sito na Rua ... for deixado em legado à Fábrica da Igreja da Paróquia ... ) os certificados de aforro que possuir à data da sua morte;
- legou ao seu irmão NN (e só a este, nada tendo legado a qualquer outro dos seus familiares aqui autores) os bens móveis que descreveu na cláusula seis e a sua parte no jazigo identificado na cláusula 10, impondo-lhe o encargo de ‘zelar pela sua limpeza, conservação e ornamentação’;
- impôs ainda ao aqui réu o encargo de celebrar, por alma da testadora, as missas referidas na cláusula oito.
E instituiu o aqui réu como herdeiro do remanescente da herança, se o houver.

O que emerge do texto e contexto do testamento é que a testadora era pessoa católica e devota, de tal forma que os seus bens mais valiosos foram deixados, em legado, a duas instituições religiosas, traduzindo os encargos impostos a estas instituições, por um lado, a sua intenção de que os bens fossem utilizados para fins próprios das instituições religiosas (sendo a imposição ao aqui réu quanto ao fim do imóvel legado uma finalidade concreta) e, por outro lado, a sua crença na religião católica e no cumprimento dos ritos da referida religião (encargos com a celebração das missas por sua alma impostos às instituições religiosas legatárias).
E tão só.
Não existe no testamento, que é um ato formal e que foi celebrado por notário, nada de onde se possa concluir que a testadora não teria efetuado o legado do prédio sito na Rua ... ao aqui réu se o encargo não fosse cumprido (de resto, tal verifica-se igualmente relativamente aos restantes legados com encargos instituídos no testamento). Veja-se que, no que concerne ao legado à empregada, se considera que não se trata de um legado com encargo, mas sim de um legado sujeito a uma cláusula condicional suspensiva. Pelo contrário, a instituição do aqui réu como herdeiro do remanescente da herança, se houver remanescente, afasta qualquer admissibilidade de fixação da vontade real da testadora com o sentido propugnado pelos apelantes nas conclusões do recurso, ou seja, que a mesma não teria instituído o referido legado a favor do réu sem o cumprimento do encargo instituído na cláusula quatro, uma vez que, ainda que tal fosse a vontade real da testadora, a mesma não encontra qualquer correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no contexto testamentário.
De resto, não é admissível conjeturar sobre qual teria sido a vontade da testadora se tivesse previsto que qualquer dos legatários a quem deixou bens com encargos os não cumprisse quando inexiste qualquer suporte contextual no testamento passível de acolher tal hipotética vontade. Neste sentido, vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-03-2004, proc. 10092/2003-8, no qual se refere que «(…) Releva, portanto, como salienta Mota Pinto “o que o testador quis dizer, desde que se possa averiguar. Um critério normativo de interpretação aponta aqui, diversamente dos negócios ‘entrevivos’, para a vontade psicológica do testador: não há que tomar em consideração as possibilidades de conhecimento de um destinatário como critério interpretativo, embora, depois da morte, o testamento se torne conhecido dos interessados...Não há lugar para dar relevância a expectativas de outrem a uma ‘ auto-responsabilidade do testador por deficiências na formulação das suas disposições” (loc cit, pág 454).
Não releva, portanto, uma vontade hipotética ou provável, não real, deduzida a partir de juízos formulados abstractamente em que, analisando as concretas disposições testamentárias, se inferiria aquilo que o testador provavelmente decidiria, quanto à atribuição de certos bens se tivesse pensado na sua concreta sorte.
Quer isto dizer que o artigo 2187º do Código Civil (tal como o preceito correspondente do Código de 1867) não admitem que, por via interpretativa, se “corrija” o que poderá ter sido uma má decisão do testador. A vontade conjectural é ainda determinação da vontade real.
Mas isto quer dizer outra coisa ainda: que a integração do testamento tem limites muito apertados. Admite-se a integração em duas hipóteses: “quando uma disposição legal especificamente o previr. Assim, a disposição a favor de pessoa incerta é válida se por algum modo se puder determinar o beneficiário, por força do artigo 2185º. A expressão genérica’ por algum modo’ não limita o intérprete aos elementos de determinação que constem do próprio testamento. Quando uma disposição estiver relacionada (ou, por maioria de razão, condicionada) pelas restantes disposições” (Direito Civil.Sucessões, Oliveira Ascensão, 1981, pág 290). O autor exemplifica com este caso: “ o testador tem seis netos e seis casas.Determina que cada neto terá uma casa, especifica cinco casas que cabem a cinco netos, mas esquece o sexto. A disposição pode ser integrada, pela atribuição a este da casa restante” (loc. cit, pág 291).
No entanto, e aproximando-nos já do caso vertente, se o testador institui determinada pessoa sua herdeira, não pode reconhecer-se que determinado bem, não atribuído a um legatário, deve sê-lo, com base no argumento, de identidade de razão, de que os motivos pelos quais a esse legatário foram atribuídos certos bens são exactamente os mesmos motivos que levariam o testador a atribuir-lhe aquele outro determinado bem. Se, por exemplo, o testador, coleccionador de quadros de grande valor, lega dois “Matisses” a B., com o argumento de que ele é a pessoa mais capaz de conservar tais obras de arte, não é legítimo sustentar que um terceiro quadro, um outro “Matisse”, se deve considerar igualmente legado a B. com o argumento de que tal atribuição não foi feita por “esquecimento”, assim se retirando tal bem do acervo hereditário remanescente em que foi instituído C.
Em bom rigor não se pode falar aqui de uma “lacuna” porque o caso tido por omisso foi “previsto” o que sempre sucede quando o testador institui determinada pessoa herdeira do remanescente. Já se pode falar em lacuna no caso em que, inexistindo expressa atribuição, enquanto fruto de vontade real, se demonstra que era intenção do testador contemplar todos os netos, mas se esquece de um deles omitindo qualquer referência no testamento ao neto preterido: neste caso - tal como no anterior, acrescente-se - , estamos face a uma “ lacuna insuprível”, considera o prof. Oliveira Ascensão, “ pois a matéria não foi em absoluto compreendida no testamento” (Direito Civil. Sucessões, 1981, pág 290). (…)». [4]

Tudo para concluir, como fez a decisão recorrida, pela improcedência da ação, sem necessidade de prosseguimento dos autos para averiguar da real vontade da testadora, nomeadamente, por meio de recurso a prova complementar, por falta de verificação, desde logo, do primeiro pressuposto necessário à afirmação da existência do direito de resolução previsto no art. 2248.º do Cód. Civil: nem a testadora estipulou no testamento a resolução da deixa testamentária caso o réu não cumprisse o encargo, nem é lícito concluir do teor e contexto do testamento que a mesma não teria mantido a deixa testamentária sem o cumprimento do encargo.

IV – Dispositivo:
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Custas, no recurso e na ação, a cargo dos autores/apelantes.
Notifique.

Porto, 11 de janeiro de 2024
Ana Luísa Loureiro
Isabel Rebelo Ferreira
Paulo Dias da Silva
_______________
[1] Acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[2] Acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ – http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/.
[3] Ambos acessíveis na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ – respetivamente, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ e em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.
[4] Acórdão acessível na íntegra na base de dados do IGFEJ já referida.