ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
FINALIDADE DA PROVA
Sumário

I–Nos termos do art.º 42º, n.º 1 e 2 do RGPTC, a requerente da alteração do RPP deve invocar os factos pertinentes – sucintamente.

II–Lido o requerimento inicial, resulta que a requerente veio concretizar os factos no quais assenta a sua pretensão: a mudança de residência do requerido, invocando ainda que o regime de visitas tem vindo a ser alargado por acordo entre os progenitores.

III–O Tribunal não está, perante as circunstâncias alegadas, em condições de pressupor que existem outros factos da vida pessoal dos progenitores que a requerente não trouxe aos autos, como é evidente, pelo que não há lugar no caso à prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento.

IV–A mudança de residência do progenitor, em termos de lhe permitir ter os menores mais tempo consigo, a circunstância por este invocada de poder contar com maior apoio da sua mãe, avó paterna dos menores, por esta se ter reformado, bem como já terem passado os menores a ficar com maior frequência com o pai são circunstâncias que podem determinar uma alteração ao que ficou anteriormente fixado, devendo os autos prosseguir.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


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Relatório:


M… veio requerer a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores:
1–X…, nascida em 12-11-2016, portadora do cartão de cidadão n.º 3......2 .--., válido até ..-..-...., natural da freguesia de C____, concelho de L____.
2– Y…, nascido em 26-03-2020, portador do cartão de cidadão n.º 3......0 .--., válido até ..-..-...., natural da freguesia de Avª. N..., concelho de L____,
Sendo Requerido P….
Alegou para tanto que, conforme Acordo do Exercício de Responsabilidades Parentais, devidamente homologado, nos termos da decisão de 07-11-2022, proferida pela Conservatória do Registo Civil de A_____, os menores ficaram confiados à mãe e com ela a residir, ficando ambos os progenitores a exercer as responsabilidades parentais.
Porque o Progenitor se encontrava a reorganizar a sua vida, ainda a viver com um irmão, situação que sabia ser transitória, acordaram os Progenitores que ambos os menores ficariam confiados à Progenitora, ora Requerente, com quem ficaram a residir tendo as questões de particular importância da vida dos menores ficado a cargo de ambos os progenitores.
Contudo o Progenitor já estabilizou a sua situação pessoal, com casa sua (ao que se sabe arrendada), muito próxima da escola dos menores e do domicílio da aqui Requerente, Progenitora.
O acordo prevê um regime de convívios e férias que tem vindo a ser alargado nas últimas semanas, por acordo entre os Progenitores, passando os Menores mais dias com o Progenitor para além do estipulado.
Atualmente a Menor X… tem 6 anos de idade e o Menor Y… tem 3 anos de idade, apresentam um desenvolvimento normal e adequado às respetivas faixas etárias e são crianças felizes.
Entende a Requerente que, não obstante o pontual cumprimento do acordo, encontram-se reunidas todas as condições para que os menores possam passar mais tempo com o seu Progenitor, porquanto é à Requerente quem cabe, praticamente em exclusivo, as tarefas de ir levar e buscar os Menores aos Infantários, levar e buscar os Menores às atividades extracurriculares, dar-lhes banho, confecionar as refeições, adormecê-los, levá-los às consultas médicas quando se encontram doentes, ir à farmácia, ao supermercado, etc. a que acrescem, apenas a seu cargo, as demais tarefas domésticas da casa e o exercício da sua atividade profissional de empresária.
Tarefas que no entender da Progenitora, no que aos Menores dizem respeito, deveriam ser partilhadas com o Progenitor de uma forma equilibrada.
Não obstante a separação dos Progenitores, certo foi que os Menores, não obstante a ansiedade e tristeza inicial derivada da separação de seus pais, em especial da Menor X… que é mais velha que o seu irmão, a verdade é que conseguiram ultrapassar os primeiros tempos da separação vindo a encarar e a aceitar o facto do seu Progenitor não viver mais com a sua Progenitora como uma situação normal.
Tal deveu-se, na verdade, ao facto de os Progenitores terem contribuído, através do cumprimento do Acordo, para que os Menores sentissem o menos possível a ausência do Progenitor com quem viviam na mesma casa, as visitas sempre decorreram bem e foi garantida por ambos os progenitores a estabilidade emocional e afetiva das crianças.
Os menores ficam felizes quando vão passar os dias que cabem ao pai, chegam felizes quando vêm das visitas do pai, convivem regulamente com os avós paternos e maternos e não aparentam nenhum tipo de distúrbio, antes pelo contrário, são crianças felizes, saudáveis e com um grau de desenvolvimento normal para a sua faixa etária.
Os Menores frequentam a escola, sendo que o Menor Y… está na creche e frequenta natação e a Menor X… frequenta a pré-escola, tem aulas de natação, música e coro.
Urge continuar o normal processo de desenvolvimento dos Menores, sendo desejável que possam os mesmos beneficiar de igual período de tempo com ambos os progenitores, o que será possível através de uma guarda partilhada ou conjunta.
Os Progenitores mantêm um relacionamento salutar, residem relativamente perto um do outro e estão praticamente às mesmas distâncias dos infantários e dos locais onde os Menores praticam as suas atividades extracurriculares e ambos dispõem de carta de condução e viaturas automóveis devidamente equipadas para transporte de crianças, o que permitirá aos Menores manterem as suas rotinas e, a par disso, beneficiarem de igual período de tempo com os seus Progenitores e respetivas famílias, como avós, tios, sobrinhos, etc..
A Requerente considera ser adequado e benéfico nesta altura da vida dos Menores e para o seu futuro, com vista ao seu superior interesse que a guarda dos Progenitores possa ser conjunta, fixando-se uma residência alternada semanal entre os Progenitores, prescindindo-se de Alimentos.
Nestes termos requereu a Alteração do Regime das Responsabilidades Parentais no sentido de ser fixada a Guarda Conjunta com fixação de residência alternada semanal entre os Progenitores, sem prejuízo da alternância em dias festivos, férias escolares e visitas nos dias de aniversário do Menores.
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O Requerido veio alegar, dizendo não ser possível a residência alternada semanal, o que é do conhecimento da requerente, uma vez que o Requerido é Personal Trainer, com o curso de homeopatia e yoga, sendo profissional liberal e muito dependente dos horários possíveis para os clientes que, muitas vezes, as aulas só podem ser dadas aos fins-de-semana.
Só depois da sua mãe se ter reformado é que o Requerido passou a poder estar mais tempo com os filhos do que quando depois da separação, porque tem contado com a ajuda da avó paterna, que reside a 10 minutos de carro da casa do progenitor.
O Requerido tem ficado com os filhos numa semana de quinta para sexta-feira e na semana seguinte de quinta até domingo e assim alternadamente.
A realidade é que se deixar de ter ajuda da sua mãe (avó paterna) não poderá assegurar tanto tempo pois muitas vezes só sabe das marcações das aulas em cima da hora, sendo vulgar as mesmas acontecerem ao fim da tarde e/ou de manhã, a partir das 7h e serem remarcadas pelos clientes em cima da hora.
No que respeita à pensão de alimentos, a Requerente não pede nenhuma alteração mas, estando o progenitor mais tempo com as crianças, justifica-se que deixe de pagar 200,00 € para cada uma, passando a pagar 125,00 €. Note-se que o Requerido também paga metade das despesas de saúde, educação, vestuário e atividades lúdicas acordadas.
O Requerido reside numa casa que é propriedade da sua mãe.
Em média mensal, o Requerido aufere 900 € e tem as seguintes despesas fixas mensais:
- Pacote MEO: 40,00 €;
- Seguro de acidentes de trabalho: 28,83 €;
- Seguro Responsabilidade Civil Profissional: 7,26 €;
- Seguro da mota: 8,00 €.
Em média mensal, o Requerido tem as seguintes despesas:
a)- Água: 16,00 €;
b)- Luz: 20,00 €;
c)- Gás:12,50 €;
d)- Vestuário e Calçado:30,00 €
e)- Despesas de Saúde: 10,00 €
f)- Alimentação: 350,00 €;
g)- Gasolina: 150,00 €;
h)- Segurança Social: 100,00 €.
Por acordo entre os progenitores, o progenitor tem pago sempre a pensão em numerário, mas dado que a progenitora recusou receber o pagamento da última pensão nessa forma, o Requerido passou a efetuar transferência bancária.
O Requerido desconhece quanto é que aufere a Requerente.
O Requerido não sabe para onde vai a Requerente viver, dado que esta não cumpriu o que tinha acordado com aquele sobre a casa morada de família.
Foi acordado que a casa ficaria para a Requerente, pagando esta tornas ao Requerido, de modo às crianças continuarem a residir na mesma casa.
Celebrado o contrato-promessa (Requerente e Requerido não são casados) entretanto, a Requerente comunicou que, afinal, vai vender a casa.
Pelas razões expostas, o Requerido apenas pode aceitar que o regime seja alterado para o que está a ser praticado, isto é, de quinta a domingo numa semana e, na semana seguinte, de quinta para sexta e assim alternadamente, reduzindo-se o valor da pensão de alimentos mensal para 125,00 € para cada um dos menores.
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O MºPº emitiu o seguinte Parecer:
A requerente progenitora de X… e Y…, nascidos a e a 12-11-2016 e a 26-03-2020 respetivamente, veio intentar a presente providência tutelar cível de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos, a fim de que seja fixada a residência alternada, alegando em síntese que o requerido progenitor já reúne condições para o efeito, e tanto assim é que os filhos vêm passando com o pai períodos mais alargados.
Citado o requerido progenitor veio contrapor os fundamentos aduzidos e invocar que não tem condições para que os filhos residem alternadamente consigo e com a progenitora, dada a sua atividade profissional, o facto de trabalhar aos fins de semana e, de inclusive ter havido lugar a alteração dos períodos em que os filhos estão consigo, de molde a garantir que deles pode cuidar, contando para o efeito, com a retaguarda da avó paterna, sem a qual não o conseguiria fazer.
Invocou que transcorre com os filhos o período de quinta a domingo de quinze em 15 dias e na semana em que transcorrem o fim de semana com a progenitora, os filhos estão consigo de quinta para sexta feira.
Requereu que face ao período mais alargado que transcorre com os filhos a prestação e alimentos fosse reduzida de 200€ para cada criança para 125€ por cada uma e que fosse alterado o regime de convívios de molde a fazê-lo coincidir com a situação de facto que vem sendo executada.
Dispõe o art.º 42º, do RGPTC quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
O objeto da providência é delimitado pelo pedido formulado pela requerente progenitora, sendo que o pedido formulado pelo requerido, apenas poderia ser atendido que houvesse fundamento para a alteração e, lugar a conferência de pais e, se assim o demandasse o superior interesse da fratria.
Centrando-se o pedido na alteração na fixação de residências alternadas, na alteração das circunstâncias verificadas após a fixação do regime vigente, importa, pois, analisar o pedido e verificar se existe fundamento para o mesmo.

Por decisão da conservatória de 07-11-2022, foi homologado o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e focou fixado que:
As crianças residem com a mãe;
As responsabilidades parentais quanto aos autos de particular importância da vida dos filhos são exercidas pelos pais;
O pai privará com os filhos sempre que quiser, mediante prévio contacto e acordo com a mãe, com respeito pelos horários de descanso e atividade escolar dos mesmos;
O pai passará com os filhos fins de semana alternado de sábado a domingo entre as 10 e as 18 horas;
As crianças passaram alternadamente com cada um dos pais os dias 24 e 25 de dezembro, os dias 31 de dezembro e 1 de janeiro, bem como o dia de carnaval e de pascoa;
As crianças passam com o pai o dia alusivo ao mesmo e o aniversário deste e com a mãe o dia alusivo à mesma e o dia de aniversário da mesma;
No que tange ao dia de aniversário das crianças o mesmo será passado com ambos os pais;
O pai contribuirá com a quantia de 200€ mensais para cada um dos filhos, a pagar em dinheiro, até ao dia 8 de cada mês, ou por transferência bancária, sendo tal prestação atualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação, divulgada pelo INE;
As despesas de saúde, educação vestuário e calçado, são suportadas em parte iguais, mediante a apresentação dos comprovativos respetivos;
As crianças passaram com o progenitor um período de 15 dias de férias ao longo do ano civil, devendo os dias ser acordados entre os pais, com antecedência não inferior a 30 dias.
Nos termos do disposto no art.º 42º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o tribunal se considerar o pedido infundado e desnecessária a alteração, indefere o pedido e ordena o arquivamento dos autos.
Decorre de tal normativo que o regime deve ser alterado quando exista incumprimento do regime fixado ou tenha havido alteração das circunstâncias em que o mesmo se fundou.
É assim pressuposto legal da alteração, que tenha existindo incumprimento, ou que se verifique uma alteração superveniente das circunstâncias de factos que a justifiquem.
Ora, nem todos os factos supervenientes conduzem à alteração do exercício das responsabilidades parentais, tal como plasmado nos art.º 988º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.º 12º, do RGPTC.
Na situação em apreço, a requerente invoca que se alteraram as circunstâncias nas quais se fundou a fixação da residência dos filhos junto de si, porquanto o progenitor após a separação ficou a residir com o irmão, mas atualmente já dispõe de casa própria, devendo por isso ser fixado o regime da residência alternada, consagrado como regime regra no n.º 6, do art.º 1906, do CC, assim garantindo o superior interesse dos filhos a privarem de forma igual com ambos os pais, e de estes participarem igualitariamente no seu processo de crescimento e desenvolvimento.
O requerido veio contrapor alegando que não houve qualquer alteração de molde a que deva ser alterada a residência dos filhos, para uma residência alternada, alegando que não reúne condições para tal, dada a sua profissão, podendo apenas manter o regime de convívios em execução, por contar com a retaguarda e apoio da sua progenitora, avó paterna das crianças, que entretanto se reformou.
Ora, não demonstrou a requerente que efetivamente houve alteração circunstâncias que demande a alteração do regime em vigor, não bastando invocar que o requerido dispõe de casa para receber os filhos.
Veja-se que os pais acordaram que os filhos estariam com o pai das 10 horas de sábado às 18 de domingo e que o pai poderia ver e estar com os filhos sempre que quisesse, mediante acordo com a progenitora
De tal regime decorre que tiveram em consideração a atividade profissional do requerido e que adequaram o regime de convívios dos filhos com o pai, a essa mesma realidade, permitindo inclusive que na prática possa estar com os filhos sempre que tenha disponibilidade para tal e mediante acordo com a progenitora e com respeito pelos horários dos filhos.
Não decorre do regime de exercício das responsabilidades em vigor que a residência junto da mãe tenha sido apenas fixada porque o pai não dispunha ainda da sua casa.
Acresce que o regime foi homologado a 07-11-2022, sendo por isso ainda recente e, que em prol do superior interesse dos filhos, na prática e de acordo com cláusula II.1, as crianças privam um período mais alargado de fim de semana com o pai e uma pernoita na semana em que não transcorrem com o pai, o fim de semana.
Ademais também não se verificou qualquer incumprimento ao regime fixado que determine a sua alteração.
Sem se olvidar de que o regime de residência alternada será aquele que em tese melhor salvaguarda o superior interesse das crianças a crescerem com os pais presentes na sua vida e processo de desenvolvimento de igual forma, certo é que casuisticamente terá de ser aferido, que o superior interesse da criança assim o demanda, o que não parece suceder na situação em apreço nos autos.
Por conseguinte, não se verificou qualquer alteração superveniente com a relevância necessária para que seja determinada a requerida alteração.
A decisão que fixou o regime de exercício das responsabilidades parentais tem menos de um ano, sem que se tenham verificado alteração das circunstâncias que conduziram à mesma.
Como se escreve no Ac. TRL 07/12/2016, proferido no processo 7623/15.1T8LSB (2ª Secção), o objeto da providência prevista no art.º 42º, do RGPTC é a necessidade da alteração da regulação, na perspetiva do interesse da menor, “e não no do interesse de um ou de outro dos progenitores, pelo que o que se trata é de saber se se demonstra a necessidade da alteração da regulação e não se se demonstra a necessidade da alteração proposta pelo requerente ou pela requerida e, no caso de se demonstrar a necessidade, qual é a melhor forma da nova regulação, independentemente do que tiver sido proposto por um ou por outro dos progenitores”.
Logo, o Ministério Público emite parecer no sentido de que se julgue o pedido manifestamente infundado e, que se determine o arquivamento dos autos de harmonia com o disposto no art.º 42º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
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Foi proferida a seguinte Sentença a 15/7/2023:
Nos presentes autos, veio M… requerer contra P… a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores de ambos, X… e Y…, por forma a que seja fixada residência alternada entre os progenitores.
Para o efeito, sustenta que o progenitor já reúne condições, na presente data, para que o regime de residência seja esse, passando atualmente períodos mais alargados com os filhos e detendo habitação que lhe permite recebê-los em semanas alternadas.
Notificado para se pronunciar, veio o progenitor manifestar a sua oposição à pretendida alteração, invocando, em síntese, que a sua atividade profissional não lhe permite assegurar a residência alternada dos seus filhos e garantir os cuidados de que estes necessitam, que são por vezes assegurados com o auxílio da avó paterna.
Requer ainda, uma vez que passa atualmente um período mais alargado de tempo com os menores (num fim-de-semana, de quinta-feira a sexta-feira e no seguinte de quinta-feira a domingo), a redução da pensão de alimentos devida a cada um deles para o montante de € 125,00 (ao invés dos € 200,00 estipulados no acordo) e a alteração do regime de convívios de modo a fazê-lo coincidir com a situação de facto que vem sendo executada.
Aberto termo de vista à Digna Magistrada do Ministério Público, veio a mesma pugnar pelo indeferimento do pedido de alteração, por se revelar infundado, atenta a não invocação de circunstâncias supervenientes que o justifiquem.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 42.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro (“RGPTC”), “[q]uando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais” (realce e sublinhado nossos).
No que concerne aos concretos fundamentos de alteração, sintetiza o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão datado de 07.10.20211, que “[a] procedência do pedido de alteração, em caso como o dos autos, decorre da prova de que o regime estabelecido deixou de ser adequado a promover os fins visados pelo exercício das responsabilidades parentais”. 1 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.10.2021, proferido no âmbito do Proc. n.º 19384/16.2 T8LSB.A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
Por seu turno, dispõe o n.º 4 do artigo 42.º do RGPTC que “[j]unta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente”.
Daqui resulta que, para efeitos de alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, será imperiosa a ocorrência de algum dos fatores elencados no preceito regulador de tal ação judicial, não devendo o Juiz ordenar o prosseguimento dos autos quando entenda que os pressupostos legais não se encontram devidamente preenchidos.
Dito de outro modo: o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais só pode ser alterado, através da presente ação, mediante a verificação de circunstâncias excecionais, porquanto só tal entendimento permite à criança beneficiar da segurança e estabilidade que o seu superior interesse impõe.
Feito o enquadramento jurídico que se impõe, volvemos ao caso concreto.
Nos termos do acordo alcançado no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, foi estabelecido, no que se refere à residência das crianças e convívios com o progenitor, o seguinte: (i) residência junto da mãe e (ii) uma cláusula de convívios com o progenitor, em qualquer altura, mediante combinação prévia com a mãe e sem prejuízo dos horários dos menores, especificando-se ainda os fins-de-semana alternados com o pai.
Pretende, pois, a Requerente alterar o regime de residência fixado, para que passe a ser alternado entre os progenitores e, em resposta, o Requerido solicita a redução da pensão de alimentos e a alteração do regime de convívios de modo a fazê-lo coincidir com a situação de facto que vem sendo executada.
Sucede, porém, que do cotejo do requerimento apresentado pela progenitora não se descortina, por um lado, a alegação de algum incumprimento do acordo fixado por parte de ambos os progenitores e, por outro, a invocação de circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração dos termos e condições previamente acordados quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas aos seus filhos menores.
Com efeito, a Requerente não invoca quaisquer factos de onde resulte a necessidade de alterar o regime de residência fixado por acordo, limitando-se a aludir à circunstância de o pai dispor, no momento presente, de uma casa para receber os filhos (quando antes residia com o seu irmão).
No entanto, tal circunstância, por si só, não determina que seja necessária a transição para um regime de residência alternado, porquanto o regime fixado por acordo não foi colocado em crise nem se tornou inadequado para as crianças.
Ademais, certo é que, conforme bem assinala a Digna Magistrada do Ministério Público, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi fixado em 07.11.2022, isto é, há menos de um ano, sendo por isso muito recente.
De onde resulta que não carece de ser alterado, até para garantir a estabilidade de que os menores necessitam na sua vida, no que toca à sua residência e ao seu dia-a-dia, por forma a não os destabilizar e criar procedimentos de rotina, essenciais para o seu bem-estar e a salvaguarda do seu superior interesse.
Quanto aos pedidos formulados pelo progenitor, reafirma-se o que foi já referido pela Digna Magistrada do Ministério Público, no sentido de que este processo não admite a dedução de um pedido reconvencional, motivo pelo qual o seu objeto se circunscreve, necessária e forçosamente, ao pedido formulado pela progenitora Requerente, não havendo lugar à apreciação, nesta sede, daqueles pedidos deduzidos em sede de resposta.
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Decisão:
Nestes termos e com os fundamentos supra expendidos, ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.º 4 do RGPTC, indefere-se o pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo aos menores X… e Y…, mantendo-se inalterado o regime fixado por acordo firmado entre os progenitores em 07.11.2022.”
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Desta Sentença recorre a Requerente, formulando as seguintes Conclusões:
1.–A Recorrente dissente da decisão de indeferimento da pretensão suscitada no incidente de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores, tomada nos termos do disposto no n.º4, do art.42.º, do RGPTC.
2.–Com o devido respeito, a fundamentação empregue pelo Tribunal a quo afigura-se errónea e dotada de ligeireza tal, que fere o núcleo dos princípios legais aplicáveis ao caso.
3.–Sendo, desde logo, nula por excesso de pronúncia (cfr. art.615.º, n.º1, alínea d), segunda parte, do CPC ex vi legis art.33.º, n.º1, do RGPTC).
4.–Mesmo que se considere ocorrer qualquer deficiência expositiva (requerimento inicial), estava o Tribunal a quo vinculado ao convite para aperfeiçoamento (v.g. art. 590.º, do CPC).
5.–Afectando tal omissão, assim, a própria decisão proferida.
6.–Devendo tal questão principal ser reconhecida, com legais consequências, rectius anulando-se a decisão e ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para cumprimento desse despacho convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto, seguindo-se-lhe ulteriores termos legais.
7.–Caso assim não se entenda, ocorre que a fundamentação decisória não coincide com o real estado dos autos.
8.–Porquanto, a Requerente – ora Recorrente -, além de justificar o porquê da fixação da residência dos menores ao tempo do Acordo (v. art.3.º, do requerimento inicial e que não foi contrariado pelo Requerido), motivou as razões pelas quais, no superior interesse dos filhos, entende serem determinantes para a apreciação da residência alternada (artigos 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 21.º, do referido requerimento inicial).
9.–Ao mesmo tempo que apelando ao princípio da responsabilidade parental, no direito dos menores a que os seus progenitores assumam, perante eles, os seus deveres, em moldes igualitários (v. artigos 9.º e 10.º);
10.–I.e., que se aprecie a questão estatuída no n.º 6 do art.1906.º, do CC, de forma efectiva e eficiente – sem demagogias ou preconceitos.
11.–Com efeito, crê-se que sempre existe fundamento para a revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que ordene os ulteriores termos do incidente, ao invés de um arquivamento tabelar.
12.–O que subsidiariamente se invoca para o caso de se entender que não ocorre a referida nulidade, supra referida.
13.–Por fim, caso não se acolham os fundamentos recursivos acabados de expor, constata-se que o Tribunal recorrido desconsiderou irrrazoavelmente, uma vez mais, o estado do exercício das responsabilidades parentais.
14.–Cometendo, igualmente, uma nulidade – art.615.º, n.º1, alínea d), primeira parte, do CPC.
15.–Porquanto, ante a notícia de uma alteração do regime outrora acordado, no que tange a um alongamento dos convívios dos menores com o progenitor (v. artigo 4.º do requerimento inicial e artigo 5.º da resposta), se demite, ainda assim, da sua função.
16.–Perante a flagrante derrogação do ponto II, n.º2 do Acordo, o Tribunal a quo quedou-se na decisão de arquivamento.
17.–O superior interesse dos menores, a prevenção de conflitos, segurança jurídica e protecção da confiança, não serão, ao menos, de molde à tomada de uma decisão – dotada de vinculação jurídica – modificativa?
18.–Entendemos que sim. Impondo actualidade a um regime de direito, em consonância com a sua prática, de facto.
19.–O que se invoca subsidiariamente, ocasionando a revogação do decidido, a remessa ao Tribunal a quo para prosseguimento dos autos com vista à tomada de tal decisão.
20.–Nos termos que vimos expondo, deve a decisão recorrida ser revogada da ordem de jurídica, a bem do superior interesse dos menores ML... e JL... e de acordo com a Lei e Direito aplicável.
Neste termos, e nos melhores de Direito que V.Exas., doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente e em consequência: a) declarar-se a nulidade da decisão por omissão do despacho convite ao aperfeiçoamento da exposição da matéria de facto, com as referidas consequências legais;
Caso assim não se entenda, b) se julgue ilegal a decisão recorrida, atenta a suficiente alegação de facto, ordenando-se o Tribunal a quo ao prosseguimento dos autos.
Caso nenhum dos pedidos supra mereça provimento, uma vez mais subsidiariamente, c) se declare a nulidade da decisão, com fundamento na omissão de pronúncia quanto à posição actual do regime de convívios com o progenitor, anulando-se o decidido e impondo-se o prosseguimento dos autos, em vista a uma decisão vinculativa, de acordo com a modificação de regime existente neste momento.”
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O MºPº contra-alegou nos seguintes termos:
A.–O recurso coloca em crise a sentença que pôs fim aos autos, proferida a 15.07.2023, nos termos da qual não se verificam os pressupostos que fundamentem o pedido de alteração da RERP das crianças em causa nos autos.
B.–Quanto ao objecto do recurso, considera o MP que os fundamentos alegados não tem virtualidade de colocar em crise a decisão de ora se recorre.
Com efeito, concorda o MP com a referida decisão, na senda do parecer que já havia emitido, a 14.07.2023.
O facto de o progenitor deixar de co-habitar com outro familiar e já ter uma morada só para si não é fundamento bastante para vir a ser alterado o regime da residência das crianças com a progenitora, passando a vigorar residência alternada.
Com efeito, o progenitor das crianças contestou o pedido, alegando que não tem disponibilidade para os ter a residir consigo, devido aos seus afazeres profissionais que lhe deixam pouco tempo para supervisionar os filhos.
Desde logo, a posição assumida pelo progenitor, é quanto a nós, suficiente para se concluir que estas crianças não estariam devidamente acompanhadas pelo progenitor, carecendo, em razão das suas idades de supervisão constante.
Também é notório que, atenta a profissão do progenitor, para que consiga auferir rendimento médio que lhe permita fazer face às suas despesas, nas quais se incluem as pensões de alimentos devidas às crianças, tenha que se sujeitar a horários poucas vezes compatíveis com o exercício das responsabilidades parentais.
Como é sabido, os personal trainers têm que estar disponíveis, recorrentemente, em horário pré e pós-laboral dos seus clientes.
Se o próprio progenitor não mostra essa disponibilidade, afigura-se-nos que, desde logo, não pode o tribunal considerar essa possibilidade, impondo-a ao progenitor, sob pena de entregar crianças tão pequenas ao pai e este não conseguir assumir os cuidados das mesmas, em termos de residência alternada, tendo já alargado os convívios, aliviando a mãe desse, não se ignora, duro encargo que é cuidar das referidas crianças.
Também não existe fundamento para atender ao pedido do progenitor de diminuir a pensão de alimentos, já que, como se refere, o duro encargo de cuidar de duas crianças tão pequenas, recai em maior medida sobre a mãe, carecendo a mesma dos recursos económicos suficientes para exercer as suas responsabilidades parentais, tendo mais deslocações de carro com as crianças, gastando mais água, electricidade, gás, etc. para satisfazer as necessidades básicas dos filhos de ambos.
C.–Quanto ao aperfeiçoamento do pedido também não se descortina porque razão teria o tribunal que decidir nesse sentido, sendo a pretensão da mãe a residência alternada.
O tribunal apenas sabe da vida destas crianças o que os progenitores lhe dão a conhecer.
Se a mãe formulou o seu pedido, deveria ter alegado todos os factos e esgrimido os argumentos.
Pede ao tribunal que aprecie o pedido de que as crianças deixem de residir apenas com a mãe e passem a residência alternada com o progenitor, este argumenta em sentido contrário, a requerente é notificada da posição do requerido, nada vem dizer e cabia agora ao tribunal convidar a requerente ao aperfeiçoamento de que pedido?
A decisão de que se recorre não é nula nos termos alegados pela recorrente.
D.–Quanto à alteração do acordo de RERP com o alargamento dos convívios, tendo ocorrido por acordo dos progenitores e vigorando a cláusula geral de convívios alargados, a situação em causa está contemplada no acordo em vigor, não se descortinando conflito que imponha a intervenção do tribunal.
Não havendo conflito, podiam rever o acordo na Conservatória do Registo Civil.
O tribunal julgou o pedido formulado e não foi formulado pedido para homologar novas cláusulas de convívios, contemplando o regime em vigor essa possibilidade de forma genérica.”
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O Requerido veio igualmente contra-alegar, Concluindo como se segue:
I-A sentença de que ora se recorre não padece de nulidade por excesso de pronúncia.
II-Não havendo disponibilidade do progenitor para que os menores passem a residir consigo em residência alternada, não devia o tribunal prosseguir com o processo.
III-O facto do progenitor já não ter que partilhar a casa com terceiros não é fundamente suficiente para se decidir por uma residência alternada.
IV-Mais do que uma casa com todas as condições ou de um quarto, os filhos da requerente e requerido carecem de supervisão intensiva, dadas as suas idades.
V-O pai tem uma profissão que, conforme é do conhecimento geral, não tem horários compatíveis com os horários de crianças das idades dos seus filhos, sendo credível que tenha que trabalhar fora de horas, sob pena de auferir proventos económicos que não permitem sustentar-se a si, quanto mais aos filhos.
VI-Não se ignorando a árdua tarefa desta mãe que cuida das crianças mais tempo do que o pai por serem altamente dependentes dos cuidados dos adultos, face aos argumentos esgrimidos pelo progenitor das crianças, o fundamento apresentado pela mãe para requerer a residência alternada, ou seja, as condições logísticas para o pai ter a residir as crianças, não é de todo válido para o seu pedido proceder.
VII-Devia a mãe ter apresentado todos os argumentos quando formulou o pedido, não se impondo qualquer aperfeiçoamento do seu pedido.
VIII-Se o pedido era o de alterar o regime para residência alternada, o facto de ter alegado, como argumento para convencer o tribunal da bondade do pedido, que os convívios com o progenitor são mais alargados, não impunha ao tribunal que fosse fazer uma conferência apenas para formalizar os convívios, já que acordo em vigor, celebrado na Conservatória do Registo Civil, previu uma cláusula geral de convívios.
IX-Apesar de estar em causa uma jurisdição voluntária, o tribunal deve atender aos pedidos formulados, sob pena de intervir em demasia de forma pouco pedagógica na esfera privada das famílias e para além do que as partes pretendem.
X-Com outros requerentes, com grande probabilidade seria alvo da crítica contrária, ou seja, de que foi para além do que lhe foi solicitado.
XI-É de louvar que, sem intervenção do tribunal, os progenitores tenham conseguido articular entre si, tendo alargado o período de convívios no superior interesse destas duas crianças.
XII-Também não existe fundamento para o tribunal apreciar o pedido da diminuição da pensão de alimentos apresentado pelo pai, surgindo apenas a talhe de foice face ao pedido de alteração da residência das crianças pela mãe e nada tendo a ver com esse pedido.”
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O Recurso foi devidamente admitido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela Recorrente, pelo que no caso concreto as questões a apreciar são: saber se ocorre a nulidade da sentença por omissão de convite ao aperfeiçoamento; se ocorreu erro de julgamento; subsidiariamente, se ocorreu nulidade por omissão de pronuncia.
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Fundamentação de Facto:
Com interesse para a decisão do Recurso há que considerar o que consta do Relatório supra.
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Do Direito.
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, doravante designado RGPTC, regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis e respetivos incidentes, como dispõe o seu art.º 1.
Entre estas providências encontra-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes, conf. art.º 3º, c) e, de entre as questões pertinentes, nos termos do art.º 1906º do Código Civil, que regula o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, encontra-se a determinação da residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro (art.º 1906º, n.º 5 do Código Civil).

Importa ainda atentar no que dispõe o n.º 8 do art.º 1906º do Código Civil: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.”

Em consonância com esta disposição legal, o art.º 40.º do RGPTC impõe que:
1-Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.
2-É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.
3-Excecionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, pode o tribunal, pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas. (…)”.

Do que se referiu, verifica-se que a decisão a proferir, no que às questões de que se ocupa este Recurso respeita, deve submeter-se ao interesse da criança e é este que norteia toda a tramitação processual conducente à prolação dessa decisão.
O interesse do menor é um conceito vago e genérico que, devendo ser entendido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (cfr. Almiro Rodrigues, Interesse do Menor, contributo para uma definição, in Rev. Infância e Juventude, nº 1, 1985, págs. 18 e 19), permite ao juiz alguma discricionaridade, mas exige bom senso e ponderação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e as várias normas com implicação na questão.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada pela Resolução da AR nº 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12/9/1990, também estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (art. 3º, nº 1).
Por seu turno, estabelece o art.º 9º da referida Convenção que os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada (nº 1), respeitando os Estados Partes o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança (nº 3).
Na Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, vem igualmente expressamente referido o direito da criança manter regularmente relações pessoais e contactos directos com os progenitores, mesmo aquelas “cujos pais residem em diferentes Estados Partes” – cfr. n.º 2 do artigo 10.º da primeira.
O acompanhamento de ambos os progenitores assume uma importância primordial no crescimento equilibrado da criança, que precisa da presença do pai e da mãe, sendo desejável que, quando possível, haja equilíbrio na distribuição dos tempos que passa com um e com outro.
Como escreveu Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Poder Paternal, Direitos da Personalidade e Responsabilidade Civil, in “Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, pág. 408: “A auto-representação, a sociabilidade e a capacidade dos futuros adultos na definição dos respectivos projectos de vida, dimensões que fazem parte do conteúdo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, dependem, em larga medida, da estabilidade e maturidade emocionais que lhes tenha sido assegurada, enquanto menores, pelos cuidados materiais e afectivos dispensados por ambos os pais, quaisquer que tenham sido as vicissitudes que afectaram a respectiva vida em comum, nomeadamente, quando determinaram a sua cessação.”.

Finalmente, a Constituição da República Portuguesa estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as directrizes normativas de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em prol da defesa dos direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências de proporcionalidade e da adequação (cfr. art.ºs  36º, n.ºs 5 e 6; 7º; 69º e 70º).

Na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 338/XII, depois de se aludir aos “graves danos psicológicos potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de ruptura conjugal e, consequente, perturbação dos vínculos afectivos parentais”, ficou referido que “O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e da família.
Na concretização desse objectivo são definidos novos princípios e procedimentos destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando, valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica aos tribunais (“sempre que o juiz entenda necessário para o processo”), nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.”.

É ponderando estes princípios e o superior interesse dos menores que deve ser analisado e decidido o caso em apreço.
*

Feitas estas considerações iniciais, vejamos se ocorreu a nulidade da decisão por omissão do convite ao aperfeiçoamento.

No caso, os progenitores estabeleceram por acordo, junto da Conservatória, a regulação do poder paternal dos menores, em 07-11-2022, onde ficou estabelecido que:
As crianças residem com a mãe;
As responsabilidades parentais quanto aos autos de particular importância da vida dos filhos são exercidas pelos pais;
O pai privará com os filhos sempre que quiser, mediante prévio contacto e acordo com a mãe, com respeito pelos horários de descanso e atividade escolar dos mesmos;
O pai passará com os filhos fins de semana alternado de sábado a domingo entre as 10 e as 18 horas;
As crianças passaram alternadamente com cada um dos pais os dias 24 e 25 de dezembro, os dias 31 de dezembro e 1 de janeiro, bem como o dia de carnaval e de pascoa;
As crianças passam com o pai o dia alusivo ao mesmo e o aniversário deste e com a mãe o dia alusivo à mesma e o dia de aniversário da mesma;
No que tange ao dia de aniversário das crianças o mesmo será passado com ambos os pais;
O pai contribuirá com a quantia de 200€ mensais para cada um dos filhos, a pagar em dinheiro, até ao dia 8 de cada mês, ou por transferência bancária, sendo tal prestação atualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação, divulgada pelo INE;
As despesas de saúde, educação vestuário e calçado, são suportadas em parte iguais, mediante a apresentação dos comprovativos respetivos;
As crianças passaram com o progenitor um período de 15 dias de férias ao longo do ano civil, devendo os dias ser acordados entre os pais, com antecedência não inferior a 30 dias.
Não decorre do que ficou acordado que tenha sido tida em consideração, quer a residência do progenitor, quer a sua actividade profissional, nem, já agora, igualmente da progenitora.
A mesma veio requerer uma alteração do que ficou estipulado, invocando a mudança de residência do progenitor, que passaria a dispor de condições para ter consigo os menores a residir e que nessa sequência os menores já têm efectivamente passado mais tempo com o progenitor, o que tem vindo a ser bem aceite pelos menores e pretendendo assim uma fixação mais igualitária do regime das responsabilidades parentais, através da fixação da residência alternada.

Nos termos do art.º 42º do RGPTC, para o que aqui interessa:
1-Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2-O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e: (…)
3-O requerido é citado para, no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
4-Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.”

Não tendo sido invocado pela requerente qualquer incumprimento, a presente alteração apenas pode ter lugar se se verificar uma alteração de circunstâncias susceptível de fundamentar tal alteração; ou seja, não são todas e quaisquer alterações de facto que devem fundamentar o processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, mas apenas aquelas circunstâncias que o justifiquem, apreciadas casuisticamente.
Decorre do n.º 2 da norma que cabe à requerente invocar os factos pertinentes – sucintamente.
O Tribunal a quo entendeu ser desnecessária a alteração, fazendo constar na decisão que “Com efeito, a Requerente não invoca quaisquer factos de onde resulte a necessidade de alterar o regime de residência fixado por acordo, limitando-se a aludir à circunstância de o pai dispor, no momento presente, de uma casa para receber os filhos (quando antes residia com o seu irmão).”
Invoca agora a requerente em sede de recurso a nulidade da sentença proferida, entendendo que “Mesmo que se considere ocorrer qualquer deficiência expositiva (requerimento inicial), estava o Tribunal a quo vinculado ao convite para aperfeiçoamento (v.g. art. 590.º, do CPC).”
É praticamente consensual na doutrina e jurisprudência que, perante uma petição inicial deficiente, se impõe ao Juiz a prolacção de despacho de aperfeiçoamento; não o fazendo, comete uma nulidade que se reflecte na própria sentença e que acarreta a nulidade da mesma. Neste sentido e a título meramente exemplificativo, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto: de 10/9/2019, Proc. n.º 11226/16.5T8PRT-A.P1; de 30/4/2020, Proc. n.º 639/18.8T8PRD.P1; ou de 15/5/2020, Proc. n.º 4475/16.8T8MAI.P1 ou ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, Proc. n.º 656/14.7T8LRS.LL.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Efectivamente, é certo que incumbe às partes, nos termos do art.º 552º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”; a causa de pedir deve assim ser entendida como o conjunto fáctico que integra a previsão da norma ou a situação jurídica que, no entender do autor, se verifica e que conduz à procedência da acção.
Os factos são essenciais, como dispõe o art.º 5º, n.º 1 do Código de Processo Civil, no sentido que a falta de algum ou alguns deles determina a ineptidão da p.i. e a consequente absolvição da parte contrária da instância (art.º 186º, nº 2 al. a); arts. 278º, nº 1 al. b), 577º, al. b) e 595º, nº 1 al. a), todos do Código de Processo Civil).
Se estes factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada e a petição não pode ser inepta por falta de causa de pedir.
No entanto, para além dos factos essenciais, que têm uma função individualizadora da causa de pedir e cuja omissão acarreta a ineptidão da p.i.,  pode ocorrer uma insuficiência na alegação de factos, complementares e concretizadores, os quais também integram a causa de pedir, embora tal deficiência não acarrete a ineptidão da p.i.
Como ensina Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, pág. 70 e seguintes, a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção.
É relativamente a estes factos que se justifica a prolacção de um despacho de aperfeiçoamento, destinado a completar a causa de pedir, com a alegação de factos que vão complementar ou concretizar os factos alegados na causa de pedir.
Ora, se tal despacho se configurava como facultativo na vigência do  Código de Processo Civil de 1961, na actual redacção do diploma o poder do juiz convidar as partes ao aperfeiçoamento dos seus articulados não é discricionário, mas antes um poder-dever, tal como resulta do art.º 590.º, n.º 2, al. b), e 4, do Código de Processo Civil:
“(…) 2- Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: (…)
b)- Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; (…)
4- Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.(…)”.

Como referem Abrantes Geraldes, Pires de Sousa e Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 678: “Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correcção”.
A razão de ser da norma em causa é a de que nenhuma ação pode findar com um juízo de improcedência fundado na mera deficiência da alegação de facto, pois isso revelará que foi omitido o despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do respetivo articulado.
Sendo assim um despacho a que o juiz está vinculado - caso se observem os respectivos pressupostos – cumpre determinar as consequências da referida omissão.
A este propósito prefiguram-se duas correntes doutrinais e jurisprudenciais; ou ocorre uma nulidade processual tal como prevista pelo art.º 195º do Código de Processo Civil; ou ocorre a própria nulidade da Sentença.
A primeira solução tem vindo a ser defendida por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre,  Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição, Almedina, pág. 635, que defendem que o não exercício desse poder vinculado “pode fundar uma arguição de nulidade nos termos do art.º 195”; ou por Paulo Pimenta, in https:://blogippc.blogspot.pt.
Já para o Professor Miguel Teixeira de Sousa “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências?”, in https://blogippc.blogspot.pt), estamos perante uma nulidade da própria Sentença: “O acórdão não aceita que a consequência da omissão do dever de convite ao aperfeiçoamento pelo tribunal constitua uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia; a dificuldade consiste em colocar o vício fora da decisão que omite o próprio convite ao aperfeiçoamento, dado que o que o juiz devia fazer era, em vez de proferir uma decisão de improcedência, dirigir um convite ao aperfeiçoamento do articulado; o problema não tem a ver com a decisão (como trâmite), mas antes com o conteúdo da decisão (como acto); a diferença entre a nulidade processual e a nulidade da decisão reflecte precisamente a diferença entre um vício respeitante ao trâmite e um vício relativo ao acto; ora, como não está em causa que o juiz possa proferir a decisão, mas sim que não o possa fazer com o conteúdo que lhe atribuiu, o vício respeita à própria decisão.”

Este entendimento é partilhado por Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, pág. 30: “É a solução que me parece mais conforme. A interposição de recurso, com fundamento na omissão causal do despacho de aperfeiçoamento a que o juiz estava obrigado, constitui a via mais segura e mais solene para apurar o relevo de tal omissão, com reflexos, se for o caso, na anulação da decisão, de modo a facultar à parte interessada a possibilidade de superar a situação, antes de suportar as consequências de falhas processuais menores”, tendo citando ainda jurisprudência nesse mesmo sentido a pág. 29.
Este é o entendimento que acolhemos que, aliás, resolve a questão da interposição imediata de recurso, não estando dependente de reclamação anterior junto do tribunal a quo, como estabelece a lei para o regime das nulidades processuais, com a eventual consequência de não se poder conhecer do objecto do recurso e de extemporaneidade dessa reclamação.
Efectivamente, se a nulidade resultante da omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento tem repercussão na decisão da causa, julgada improcedente, pode e deve ser conhecida em recurso, pois é a própria sentença que fica viciada e deve ser anulada. Só assim se assegura o respeito pelo dever de cooperação que vincula o juiz da causa e se dá concretização à garantia de uma tutela jurisdicional efectiva, à prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais (princípio pro actione).
Feitas estas considerações, há que apreciar o caso dos autos.
Antes de mais, não se deve olvidar que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, em que o julgador não está adstrito a critérios de legalidade estrita.
Essencial para a decisão da questão que agora nos ocupa é a natureza do processo, como vem consagrado no art.º 12º do RGPTC, processo de jurisdição voluntária.
Nestes processos o Tribunal tem todos os poderes investigatórios, não estando sujeito à iniciativa das partes, nem vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes.
Outra característica específica é a de que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso - cfr. art.os 986.º, n.º 2 e 987.º do Código de Processo Civil.

Como refere Cfr. Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do poder Paternal nos Casos de Divórcio, pag. 25, “O processo de regulação do poder paternal é, pois, um processo de jurisdição voluntária, o que significa que nele só há um interesse a regular, embora possa haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse” ou, como referido por Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 128, n.º 3854, págs. 131-133, os processos de jurisdição voluntária versam sobre temas “cujo julgamento não pede a decisão da lei, porque apela antes para o bom senso do julgador, para os critérios de razoabilidade das pessoas, para a capacidade inventiva ou o talento improvisador do homem, são questões a cuja decisão se não adapta a rigidez da justiça, mas antes a flexibilidade própria da equidade”. No entanto, é aos juízes que o ordenamento jurídico confia o julgamento dessas matérias “por uma dupla razão. Primeiro porque são os juízes as pessoas que, através do exercício da própria actividade jurisdicional contenciosa, maior experiência profissional têm do julgamento de dissídios dessa natureza ou da solução de conflitos nessa órbita judicativa”, e em segundo “a autoridade de que o juiz dispõe, como membro qualificado de um dos órgãos de soberania, e as garantias de imparcialidade que advêm do seu papel permanente de árbitro nas contendas entre as partes (…)”.

E relativamente aos processos de jurisdição voluntária que têm por objecto providências relativas aos cônjuges e aos filhos referiu ainda que “às razões de ordem geral justificativas do chamamento exclusivo dos tribunais judiciais (experiência, autoridade e prestígio social singular dos juízes, como classe profissional), se adita agora uma outra, fundada no conhecimento especializado e na sensibilidade particular de determinados juízes (os juízes titulares dos tribunais de família)”.

Mas tal não significa que em tais processos se deva dispensar as formalidades ou normas processuais em causa.
Lido o requerimento inicial, resulta que a requerente veio concretizar os factos no quais assenta a sua pretensão: a mudança de residência do requerido, invocando ainda que o regime de visitas tem vindo a ser alargado por acordo entre os progenitores.
Foi assim alegado o facto essencial pela requerente, sucintamente, como lhe competia e é exigido pelo art.º 42º, n.º 2 do RGPTC e, por se tratarem de factos respeitantes às vidas privadas de requerente e requerido, não se vê como podia o tribunal proferir, perante a alegação da requerente, qualquer despacho de aperfeiçoamento. O Tribunal não está, perante as circunstâncias alegadas, em condições de pressupor que existem outros factos da vida pessoal dos progenitores que a requerente não trouxe aos autos, como é evidente.
Assim, não padecendo o requerimento inicial de deficiências formais ou processuais, tendo sido alegado o facto essencial, não há lugar no caso à prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, não ocorrendo assim a invocada nulidade da decisão proferida como argumenta a requerente.
*

Vejamos agora se o tribunal decidiu acertadamente
Ora, como acima se referiu, o que norteia a decisão a proferir são os interesses dos menores.
E relativamente a estes, o contacto frequente com ambos os progenitores é essencial para o seu bom e equilibrado desenvolvimento pessoal.
A requerente, para além de referir que o requerido alterou as suas condições habitacionais, veio igualmente referir que se alterou o regime de visitas, passando os menores mais tempo com o progenitor, o que não é posto em causa por este.
Não resulta do acordo anteriormente fixado pelos pais que se tivesse tido em consideração a residência de qualquer um dos pais ou as suas respectivas actividades profissionais.
Assim sendo, argumentar que os horários que os pais previram no acordo anteriormente fixado levam a concluir que estes tiveram em consideração (ou pelo menos, que tiveram apenas em consideração) a actividade profissional do progenitor, que não lhe permitiria estar mais tempo com os filhos, e que esta circunstância se manteve inalterada, para assim concluir que a invocação da requerente não tem interesse no sentido de fundamentar o prosseguimento dos autos, não se afigura acertada.
O que resulta do que foi alegado pelas partes (requerendo inclusivamente o requerido uma alteração do valor da pensão de alimentos) é que ocorreu uma alteração de circunstâncias, em termos que levaram inclusivamente os progenitores a alterar por acordo o que havia ficado fixado.
A mudança de residência do progenitor, em termos de lhe permitir ter os menores mais tempo consigo, a circunstância por este invocada de poder contar com maior apoio da sua mãe, avó paterna dos menores, por esta se ter reformado, bem como já terem passado os menores a ficar com  maior frequência com o pai são circunstâncias que podem determinar uma alteração ao que ficou anteriormente fixado.
O que sucede é que a requerente pretender aprofundar os termos dessa alteração, fixando-se a residência alternada, para o que não obteve o acordo do requerido, pelo que recorreu a Tribunal, como lhe permite a Lei.
Entende-se assim que foram alegados factos que permitem concluir pela pertinência do que foi requerido, devendo proceder o recurso e devendo os autos prosseguir na primeira instância nos termos do art.º 42º, n.º 5 do RGPTC, podendo o Tribunal proceder às diligências que entender pertinentes (entre as quais por exemplo, a audição da avó paterna) a fim de apreciar o que foi requerido pela mãe e assim poder decidir fundamentadamente, de acordo com o superior interesse dos menores, caso não alcance um acordo entre os pais na Conferência de pais.
Em face do que se expôs, fica prejudicado fica o conhecimento da invocada nulidade por omissão de pronuncia.
*
Das Custas.
As custas devidas pela interposição do recurso são a suportar pelo Recorrido, conf.  art.º 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
***

Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente o Recurso interposto, devendo os autos prosseguir nos termos do art.º 42º, n.º 5 do RGPTC como alteração de RPP.
Custas do recurso pelo Recorrido.
Not. e reg.

Lisboa, 11-01-2024

Vera Antunes - (Relatora)
Teresa Soares - (1ª Adjunta)
Anabela Calafate - (2ª Adjunta)