RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO
RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário

I–A inobservância da consequência processual prevista no art. 131º, nº 3 do CIRE para a ausência de resposta à impugnação não consubstancia vício de omissão de pronúncia previsto pelo art. 615º, nº 1, al. d) do CPC porque aquela não constitui questão (de facto ou de direito) objeto do processo que ao tribunal cumpra dirimir, solucionar ou resolver; antes constitui uma imposição legal da regular tramitação do processo que se reflete na elaboração e no conteúdo da sentença e, eventualmente, no sentido da decisão por ela proferida, mas, em si mesmo, não se confunde com as questões dela objeto.

II–As especificidades processuais do procedimento de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência coexistem com os efeitos preclusivos do princípio do dispositivo, dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que cada um dos credores se arroga e da contra prova de factos suscetíveis de os infirmar, ónus que se devem ter plenamente em funcionamento na fase dos articulados de impugnação à lista de créditos e resposta à impugnação, e na subsequente atividade de instrução para produção das provas apresentadas caso aqueles assim o determinem e que, sem prejuízo da consideração oficiosa de tudo o que nos termos dos arts. 5º, 411º e 412º do CPC seja relevante para a sua apreciação, impedem o tribunal de julgar como provados factos essenciais não alegados pelas partes.

III–Na interpretação do art. 131º, nº 3 do CIRE a doutrina e a jurisprudência confluíram na compatibilização do âmbito por ele previsto com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à admissão dos factos por acordo e já não à procedência do pedido, solução que encontra arrimo no regime regra previsto pelo art. 574º, nº 1 e 2 do CPC e cujo efeito opera em sede de decisão de facto nos termos determinados pelo art. 607º, nº 4 do CPC, ao prever que Na fundamentação da sentença, (…) o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…) e que, assim, por efeito processual, não têm a natureza de factos controvertidos.

IV–Com o que se conclui que a nulidade produzida pela inobservância do art. 131º, nº 3 do CIRE em sede de elaboração da sentença ocorre, ou não, em função do sentido da própria decisão, se esta for de improcedência da impugnação determinada pelo julgamento negativo dos fundamentos de facto nela alegados. Nesse caso a desconformidade legal da sentença é de conteúdo, mas tem como causa, não um erro de julgamento, mas vício de procedimento em sede de elaboração da decisão de facto na medida em que considera como não provados factos que a lei (art. 131º, nº 3) impõe sejam considerados admitidos por acordo e que, por isso, estão excluídos do thema probandum e, consequentemente, do julgamento do tribunal realizado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e a convicção do julgador.

V–Julgamento que, nesse contexto processual, corresponde a atividade processual indevida, cujo resultado pode e deve ser conhecido e suprimido em sede de recurso nos termos e por força do art. 662º, nº 1 do CPC, sempre que determine ou corresponda a decisão de facto distinta da que resultaria do escrupuloso cumprimento daquelas normas, procedendo a Relação à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto de acordo com os factos que se imponham considerar assentes por imperativo dos arts. 574º, nº 2 e 607º, nº 4 do CPC.

VI–Sempre sem prejuízo da ressalva de erro manifesto nos mesmos termos previstos pelo art. 130º, nº 3 do CIRE nos casos em que, ainda que a impugnação não seja objeto de resposta, os elementos que resultem do processado na insolvência (lato senso) e que se imponham como assentes, e/ou os termos da impugnação e/ou os elementos probatórios por ela juntos, evidenciem inconsistências e/ou contradições na matéria de facto alegada, e/ou erro na aplicação do direito aos factos, e culminem na formulação de pedido que se traduz em resultado/efeito jurídico não consentido pela lei.

VII–À produção do efeito previsto pelo art. 131º, nº 3 do CIRE - admissão dos factos por acordo - não obsta a contestação ao pedido deduzido em ação comum anteriormente instaurada pelos credores impugnantes contra a devedora pedindo a execução específica do contrato promessa e, subsidiariamente, o reconhecimento dos direitos de crédito e de retenção que, na sequência da posterior declaração da insolvência da ali ré, vieram reclamar no processo de insolvência desta.

VIII–Não existe fundamento legal que permita equiparar e reconhecer os efeitos processuais dos requerimentos de reclamação de créditos, de impugnação à lista de créditos, e de resposta a impugnação, à mera apensação ao processo de insolvência de ações (declarativas ou executivas) que tenham por objeto crédito sobre a insolvência.

IX–Na definição e apuramento do direito de crédito a reconhecer à contra-parte de contrato promessa no âmbito do processo de insolvência, do art. 104º, nº 5 do CIRE, ex vi art. 106º, nº 2, resulta patente que, optando o administrador da insolvência pela recusa de cumprimento do contrato, o legislador quis afastar como efeito indemnizatório a restituição do sinal em dobro prevista pelo art. 442º do CC, remetendo nessa matéria expressamente e apenas para o art. 104º, nº 5 do CIRE (e já não para o nº 1 ou 2 desta norma) a determinação dos efeitos da reusa de cumprimento do contrato pelo AI e, por via indireta, para o art. 102º, nº 3 do CIRE.

X–Na ausência de alegação e de elementos que permitam o apuramento do valor de mercado do imóvel à data da recusa de cumprimento do contrato promessa pelo administrador da insolvência, o promitente comprador não faltoso tem direito e ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, conforme AUJ do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2021 de 27.04.2021.

XI–A convenção do sinal tem natureza real quanto à constituição, pelo que o direito de crédito a que o promitente comprador não faltoso se arrogue sobre a insolvência tem em primeira linha como fundamento jurídico a convenção de sinal no âmbito da celebração do contrato promessa, e pelo montante concretamente cumprido/entregue a esse título.

Texto Integral

Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório


1.–No âmbito do processo de insolvência de P…– Compra e venda de Imóveis, Unipessoal, Ldª, declarada por sentença de 20.08.2012, em 19.10.2012 o Sr. administrador da insolvência nomeado apresentou lista de créditos reconhecidos a que alude o art. 129º do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), nela identificando os seguintes créditos e nos seguintes termos:
- crédito hipotecário da Caixa Económica do Montepio Geral (Montepio) no montante de €142.090,00 com fundamento em contrato de crédito garantido por hipoteca sobre prédio sito na Quinta …, Rua …, nºs 14 e 14-A;
- crédito comum de LC pelo montante de €229.452,56 a título de “preço pago a título de sinal em contrato promessa”.
2.– Notificado por carta datada de 27.11.2012 do reconhecimento parcial do seu crédito, em 11.12.2012 o credor LC , por si e em nome da sua mulher, HC, deduziu impugnação à lista requerendo o reconhecimento do seu crédito pelo valor reclamado de €550.000,00, garantido por direito de retenção sobre o prédio urbano nº … da freguesia do F____, e graduado antes de todos os demais.
Reproduzindo o teor da reclamação de créditos que endereçou ao Sr. administrador da insolvência, alegou que em 15.05.2006 a insolvente prometeu vender-lhes e eles prometerem comprar lote de terreno com moradia em construção sito em Quinta… designado por lote 13, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o nº …/9....3, pelo preço de €275.000,00, do qual e a título de sinal pagaram o valor de €155.000,00 conforme consta da cláusula 3ª do contrato, pagamento que foi feito por via do pagamento do lote de terreno onde foi construída a moradia, e o remanescente do preço através de reforços de sinal no valor mensal de €15.000,00 com início em 30.05.200, tendo assim procedido ao pagamento integral do preço acordado, através do qual financiaram a construção da moradia, que já estava praticamente concluída desde princípios do ano de 2008 e quando a hipoteca em benefício do Montepio foi constituída, em 30.03.2007; a escritura não foi celebrada no prazo previsto, que terminou em 31.03.2007; em setembro de 2008 a insolvente, através do seu sócio gerente, disponibilizou-se para realizar a escritura nos 60 dias seguintes e a entregar as chaves do imóvel aos reclamantes, entrega que foi feita no prédio em finais de setembro 2008, sem que desde então a insolvente tenha outorgado a escritura publica; os reclamantes instauraram ação de execução específica que corre termos no Juízo de competência cível da Almada e mantêm interesse no cumprimento da prestação por parte da insolvente; em 2011 tomaram conhecimento que sobre o prédio foi constituída hipoteca a favor do Montepio Geral registada em 30.03.2007.
Arrolou testemunhas e remeteu para a prova documental junta com a reclamação de créditos.

3.–Não foi apresentada resposta à impugnação.
4.–Concluídos os autos, o tribunal designou tentativa de conciliação, que foi realizada em 13.02.2013, no âmbito da qual o credor Montepio suscitou questão atinente com a falta de correspondência entre a identificação matricial e predial do prédio referido no contrato promessa e a identificação do imóvel apreendido nos autos e hipotecado ao credor Montepio, para esclarecimento da qual o AI juntou requerimento em 28.02.2013, tendo os autos permanecido sem qualquer tramitação até 06.02.2017, data em que o reclamante fez juntar nova procuração nos autos, e novamente até 15.03.2021, data em que foi proferido despacho a ordenar a digitalização dos atos não disponíveis no processo eletrónico.
5.–Em 26.07.2021 o reclamante requereu a junção dos documentos apresentados nos autos em apenso C e alegou que existe erro de escrita na identificação do prédio que consta do contrato promessa, que não existe nenhum lote 13 na planta de localização da Câmara Municipal de A____, mas que corresponde ao prédio apreendido nos autos, como resulta da morada indicada e da área e conforme foi confirmado pela informação prestada pela Conservatória do Registo Predial de A_____ no âmbito dos referidos autos em apenso C. Mais alegou que reside e está na posse do imóvel desde que ficou concluído por lhes ter sido entregues as chaves pela devedora, em 2010, e reiterou o pedido objeto da impugnação que deduziu à lista.
6.–O credor Montepio e a insolvente requereram o desentranhamento daquele requerimento de 26.07.2021 por falta de fundamento legal para a sua prática, ao que o credor impugnante respondeu alegando que justificou a junção dos documentos que por ele apresentou nos autos, que já constavam no apenso C, mas que sempre poderiam ser apresentados até 20 dias antes da audiência nos termos do art. 423º, nº 2 do CPC ex vi aart 17º do CIRE. Concluiu pela manutenção do requerimento e dos documentos por ele juntos, e mais requereu a condenação da insolvente como litigante de má fé e no pagamento de multa alegando em fundamento que esta e os seus atuais sócios sabem perfeitamente que o imóvel que lhe foi prometido vender corresponde ao que está na sua posse, e que omite factos relevantes para a decisão da causa.
7.–Seguidamente, em 09.01.2023 foi proferida sentença de verificação e graduação provisória do crédito reclamado pelos credores impugnantes LC e HC, nos termos do art. 136º, nº 7, e homologada a lista de credores reconhecidos, julgando-se verificados os créditos ali constantes nos seus precisos termos. Sucessivamente mais foi consignado cumprir proferir despacho a que alude o art. 136º, nº 3 quanto ao crédito reclamado por LC e HC e, nesse seguimento, para além da admissão da prova junta aos autos, incluindo a apresentada pelo impugnante em 26.07.2021, e da designação de data para audiência de julgamento, foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova nos seguintes termos:
Objeto do litígio:
Verificação do crédito reclamado por LC e HC 550.000.
Temas da prova:
a)-Saber se entre a insolvente e LC e HC  foi ajustado contrato de promessa de compra e venda tendo por objeto o imóvel apreendido para a massa insolvente como verba nº1 (prédio urbano sito na Rua …, nºs 14 e 14 A, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de A____ sob o nº … da freguesia do F____ e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …);
b)-Sendo o caso, saber se em cumprimento do acordo referido em a), LC e HC  entregaram à insolvente, a título de sinal e pagamento, uma quantia no valor total €275.000;
c)-Sendo o caso, saber se a insolvente, em execução do acordo referido em a), entregou o imóvel referido em a) a LC e HC ;
d)-Sendo o caso, aferir do incumprimento pela insolvente do acordo referido em a) e, sendo caso, respetivas consequências;
e)-Saber se a insolvente litiga de má fé;

8.–Notificados daqueles despachos, os credores impugnantes vieram requerer a substituição de uma testemunha, que foi admitida.
9.–Em 23.01.2023 a insolvente veio requerer a junção a estes autos da contestação e requerimentos probatórios que apresentou e constam do processo principal, e mais requereu a audição das testemunhas ali indicadas, alegando serem essenciais para a determinação do valor do crédito impugnado e, por req. de 01.02.23, veio requerer a substituição de uma das testemunhas ali indicadas.
10.–Notificada do requerimento de 23.01.2023, os credores impugnantes requereram o seu desentranhamento por falta de fundamento legal, alegando em fundamento que a insolvente e o credor não exerceram o contraditório relativamente à impugnação que apresentaram nos termos do art. 131º e, invocando o art. 134º, que precludiu o direito de o fazer e de oferecer meios de prova, e que, não tendo a insolvente apresentado rol de testemunhas nos articulados que o incidente comporta, não pode usar da prorrogativa da 2ª parte do nº 2 do art. 598º do CPC (req. de 07.02.23).
11.–Por despacho de 22.02.23 foram admitidos os requerimentos probatórios em questão com fundamento no art. 411º do CPC.
12.–Em 23.02.23 os credores impugnantes requereram as suas declarações de parte com indicação do respetivo objeto por referência ao por eles alegado no requerimento de impugnação.
13.–Em sede de audiência, na sessão de 23.02.23 foi admitida a prestação de declarações de parte do credor impugnante, requerida a prestação de declarações de parte do representante legal da insolvente, que foi igualmente deferida, ouvidos a AI e o credor impugnante, determinada a junção dos originais dos documentos 7 e 8 juntos com a contestação apresentada na ação em apenso C e, nas sessões de 08 e 29.03.2023, ouvidos o sócio da insolvente JS e as testemunhas.

14.–Seguidamente foi proferida sentença com a seguinte decisão:
I–Julgo verificados os seguintes créditos sobre a insolvente P..., LDª – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda.:
1.- Caixa Económica Montepio Geral, S.A. - €142.090;
2.- LC e HC  - €229.452,56;
II–Graduo os créditos sobre a insolvente P..., LDª – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. para serem pagos da seguinte forma:
a)-verba n.º1
Em primeiro lugar:
- Caixa Económica Montepio Geral, S.A. - €142.090;
Em segundo lugar:
- LC e HC  - €229.452,56;
b)- verba n.º2
Em primeiro lugar, rateadamente:
- Caixa Económica Montepio Geral, S.A. - €142.090;
- LC e HC  - €229.452,56.
Julgo improcedente o pedido de condenação da insolvente como litigante de má-fé.

15.–Inconformados, os credores impugnantes apresentaram o presente recurso pedindo a revogação da sentença.
Formularam as seguintes conclusões:  
A.-Os Recorrentes requerem que o recurso tenha efeito suspensivo nos termos do art. 647º n.º 3 al. b) CPC, aplicável ex vi art. 17º n.º 1 CIRE, pois está em causa a posse da casa de morada de família dos Recorrentes (ponto 11 provado).
B.-Se assim não se entender, sempre se dirá que a execução da decisão recorrida irá causar prejuízo considerável aos Recorrentes, que terão de entregar a casa onde residem à Administradora de Insolvência (doravante AI) para ser colocada à venda nos autos – não têm outra casa para viver - e perderão a garantia do seu crédito, pelo que requerem efeito suspensivo ao recurso nos termos do art. 647º n.º 4 CCPC, aplicável ex vi art. 17º n.º 1 CIRE, tanto mais que não têm em Portugal outra casa morada de família e presentemente não têm condições financeiras.
C.-O recurso tem por objecto a sentença proferida no apenso B, que julgou verificado e graduou o crédito dos Recorrentes em 229.452,46 € (duzentos e vinte e nove mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos) como comum e improcedente o pedido de condenação da Insolvente como litigante de má-fé, impugnando-se a decisão relativa à matéria de direito e versando o recurso sobre matéria de direito.
D.- O AI reconheceu um crédito aos Recorrentes de 229.452,46 € (duzentos e vinte e nove mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos) de natureza comum, e estes, não concordando, impugnaram a lista de credores reconhecidos, requerendo que o seu crédito, previamente reclamado, fosse reconhecido por 550.000,00 € de natureza garantida por direito de retenção sob a Verba n.º 1 do auto de apreensão.
E.Não foi apresentada resposta à impugnação dos Recorrentes.
F.O n.º 3 do art. 131º CIRE estabelece que a resposta à impugnação deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objeto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente. O preâmbulo do DL nº 200/2004 é claro quanto ao efeito cominatório pleno da ausência de resposta - «todas as impugnações das reclamações de créditos serão imediatamente consideradas procedentes quando às mesmas não seja oposta qualquer resposta, assim obviando a eventuais dúvidas que a anterior redação pudesse suscitar»
G.O artº 131º nº3 atribui efeito cominatório pleno à falta de respostas (vide, neste sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 26/11/2013, Proc. n.º 710/11.7TJPRT-C.P1, e Tribunal da Relação de Évora, de 03-05-2012, Proc. n.º 733/09.6TBABT-R.E1, em www.dgsi.pt), pelo que o Tribunal deveria ter considerado a impugnação à lista totalmente procedente e reconhecido e graduado o crédito dos Recorrentes conforme a impugnação.
H.Caso assim não se considere, deve-se recorrer às regras do processo ordinário de declaração, por via dos arts. 17º CIRE e 549º n.º 1 CPC, devendo aplicar-se o art. 574º, nºs 1 e 2 CPC e, por conseguinte, considerar-se os factos alegados na impugnação, não contraditados na resposta, admitidos e constantes na matéria de facto provada (cfr. Acórdãos do STJ, de 05/04/2022, Proc. n.º 2115/19.2T8STS-E.P1.S1 e do TR de Coimbra, de 28/04/2015, Proc. n.º 1642/10.1TBVIS-D.C1), em www.dgsi.pt,
I.Pois a falta de resposta à impugnação implica a admissão (por acordo) dos factos nela alegados, por confissão ficta decorrente da não contestação, e a apreciação judicial do crédito à luz desses factos. Sucede que o Tribunal, além de não ter julgado a impugnação à lista de credores procedente, nem sequer conheceu esta questão e não se pronunciou sobre o efeito cominatório da falta de resposta à impugnação, o que constitui omissão de pronúncia e determina a nulidade da sentença.
J.Salienta-se que os Recorrentes só não reagiram contra o despacho saneador por o mesmo ser irrecorrível (artigo 595º n.º 4 CPC) e por terem sido suscitadas dúvidas se o imóvel do contrato-promessa correspondia à Verba 1 do Auto de Apreensão (cfr. Acta da Tentativa de Conciliação, a fls. ),
K.Mas na sentença o Tribunal deu como provado que o imóvel da referida Verba 1 corresponde ao imóvel do contrato-promessa (ponto 3 provado), pelo que devia ter dado como provados todos os factos alegados na impugnação à lista - os quais versavam sobre o prédio apreendido - uma vez que não foram impugnados.
L.A sentença recorrida é totalmente omissa quanto ao efeito cominatório da ausência de resposta à impugnação, quanto ao facto de não ter sido apresentada resposta à impugnação e aos efeitos que essa falta de resposta acarretava, ou não, em termos jurídicos-processuais e de mérito.
M.É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 615º n.º 1 al. d) CPC).
N.As questões de conhecimento oficioso são questões de que o Tribunal deve conhecer independentemente de alegação e do conteúdo da questão controvertida, quer digam respeito à relação material ou à relação processual.
O.No caso concreto, o Tribunal recorrido não conheceu de questões que oficiosamente devia conhecer, como os efeitos/consequências jurídicas da falta de resposta à impugnação, o que isso acarretava em termos factuais e de direito, existindo uma clara falta de pronúncia sobre uma questão que lhe competia oficiosamente conhecer.
P. Acresce que a sentença é completamente omissa quanto ao motivo pelo qual o Recorrente reside no imóvel. O Tribunal considera provado que o Recorrente vive no imóvel em causa (facto 11 provado), que isto não decorre da entrega das chaves por parte da P..., LDª (al. f) não provada) e, perante isto, não apura, nem indaga os motivos pelos quais aquele vivia no imóvel, sendo certo que se os Recorrentes vivem na casa é porque a Insolvente lhe entregou as chaves. O Tribunal não fundamenta a razão/motivos de a insolvente nada ter feito para recuperar o imóvel que alegadamente refere que não entregou.
Q.O Tribunal também não retira daquele facto provado quaisquer considerações sobre o negócio celebrado entre as partes, sendo a sentença omissa quanto ao negócio que entende ter sido celebrado entre elas, suas características, normas aplicáveis, quanto ao cumprimento ou não dos requisitos de forma do contrato que considera ter sido celebrado entre as partes, e cálculo do valor do crédito dos Recorrentes que reconheceu e graduou a final.
R.Assim, deve a presente sentença ser considerada nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º 1 al. d) CPC, o que se requer.
S.Por outro lado, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615º n.º 1 al. b) CPC).
T.No caso concreto, o Tribunal considerou, erroneamente, que da factualidade provada não resultou que entre a P..., LDª e o Recorrente LC, tenha sido ajustado um contrato-promessa de compra e venda, nem que a Insolvente tenha entregue as chaves do imóvel aos Reclamantes para que o pudessem usar, antecipando os efeitos do contrato-prometido,
U.O Tribunal desconsidera totalmente o contrato-promessa, mas não fundamenta, não explica o motivo de tal desconsideração, cálculos, prazo do alegado financiamento e os valores contidos nestes documentos, nem fundamenta o valor que foi reconhecido aos Recorrentes, quando temos o recorrente e o representante legal da insolvente afirmar que foi entregue a quantia de €250.000,00 ( duzentos e cinquenta mil euros)
V.A sentença é omissa do ponto de vista de fundamentação de direito e portanto nula, o que se argui, pois o Tribunal apenas enunciou o regime do contrato-promessa de compra e venda, mas nada diz quanto ao contrato que entende estar em causa, se eventualmente considera que foi um negócio simulado ou de reserva mental e o porquê da não aplicação das regras do contrato-promessa.
W.O Tribunal também não fundamenta a que título os Recorrentes vivem no imóvel, a razão pela qual têm a posse – a traditio - quando este facto é relevante para determinar o desfecho da acção, não fundamenta o motivo pelo qual não retira desse facto ilações para o negócio celebrado entre as partes, sendo evidente que se os Recorrentes vivem na imóvel da Insolvente há mais de 15 (quinze) anos é porque a esta lhes entregou as chaves, antecipou os efeitos do contrato prometido, caso contrário teria agido judicialmente contra aqueles.
X.Sem prejuízo, o Tribunal recorrido fez uma errónea avaliação da prova testemunhal e documental, proferindo uma errónea decisão da matéria de facto e de direito.
Y.Sem condescender, e com o devido respeito, o Tribunal a quo não agiu com imparcialidade e a isenção perante a prova produzida em julgamento, o que se pode verificar ouvindo as gravações de julgamento, designadamente das declarações do Recorrente pois, por diversas vezes, a Meritíssima Juiz, em vez de o deixar falar, respondia por ele, transmitia expressões, levou-o a dizer e a fazer afirmações que não era isso que o declarante queria dizer.
Z.O depoimento da testemunha EG foi totalmente desconsiderado pelo Tribunal – ouvidas as gravações verifica-se que a Meritíssima Juiz não o ouvia, interrompia-o, questionou-o se sabia que estava sob juramente e que mentir em tribunal era crime - quando este acompanhou a situação aqui em causa e procurou explicar o que se tinha passado – tinha e tem conhecimento directo dos factos.
AA.O Tribunal seguiu o entendimento da actual AI (que estava em causa um empréstimo feito pelos Recorrentes à P…., Ldª), ouvida em primeiro lugar, e tentou que as partes e testemunhas narrassem os factos de acordo com esta versão, e não como efectivamente ocorreram, quando aquela nada sabia quanto aos factos, nem a intenção das partes ao celebrarem o contrato-promessa.
BB.Relativamente às alíneas a), b) e c) dos factos não provados, cumpre dizer que estes factos foram alegados sob os artigos 8º e 10º [al. a)], 11º [al.b)] e 12º [al. c)] da impugnação à lista de credores, tendo sido ainda alegado na impugnação que os Recorrentes cumpriram a cláusula 7ª do contrato-promessa e entregaram à Insolvente oito reforços de sinal, liquidando integralmente o valor constante no contrato-promessa (cfr. artigo 13º da Impugnação).
CC.Reitera-se que a impugnação à lista de credores devia ter sido julgada procedente – art. 131º n.º 3 CIRE, ou pelo menos, face à posição da jurisprudência acima indicada, o Tribunal devia ter aplicado as regras do processo ordinário de declaração - art. 574º, nºs 1 e 2 CPC e, em consequência, considerado os factos alegados na impugnação, não contraditados por qualquer resposta, como admitidos e provados, o que ora se requer.
DD.Caso o exposto não seja procedente, salienta-se que o documento “Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal” - fls. 82 a 84, não foi impugnado.
EE.Um documento particular cuja autoria (assinatura) não se encontra impugnada faz prova plena quanto às declarações atribuídas a o seu autor (art. 376.º n.º 1 C.C.), não sendo admitida prova testemunhal se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, ou se o facto estiver plenamente provado por documento (art. 393º n.º 1 e 2 CC).
FF.As afirmações constantes no contrato-promessa de compra e venda não impugnado, da promitente-vendedora de que prometeu vender, e do promitente-comprador que declarou prometer comprar o imóvel fazem prova plena destes factos,
GG.Assim, como a declaração, no referido contrato, do promitente-vendedor de que recebeu, nesse mesmo dia de assinatura, a quantia de 155.000,00 € a título de sinal e princípio de pagamento, sendo esta declaração de recebimento do preço uma confissão extrajudicial que faz prova plena daquele facto (arts. 352º e 358º do C.C.).
HH.A força probatória das declarações das partes no contrato não impugnado só podem ser contrariadas por meio de prova que mostre não ser verdadeiro aqueles factos, não sendo admissível prova testemunhal relativamente aos mesmos (arts.347º, 351º, 393º n.º 1 e 2 e 395º C.C.), pelo que não devia ter sido produzida prova testemunhal quanto ao conteúdo do contrato-promessa na medida em que o mesmo tinha força probatória plena.
II.Acresce que o AI não colocou em causa o contrato-promessa em si mesmo, mas invocou uma divergência de matriz e descrição predial entre o imóvel apreendido nos autos e o identificado no contrato-promessa (requerimento do AI de 20/02/2013).
JJ.Assim, devem as alíneas a), b) e c) ser consideradas como provados com a seguinte redação: “a) no dia 15 de Maio de 2006, pelo instrumento referido no ponto 1 dos factos provados, a P..., LDª – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. prometeu vender, e LC  e HC , casados entre si, prometeram comprar o imóvel identificado no ponto 3 dos factos provados, pelo preço de €275.000,00; b) no mesmo dia, a P..., LDª – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. recebeu de LC e HC, casados entre si, a título de sinal e princípio de pagamento uma quantia no valor de €155.000,00; c) obrigando-se estes últimos a entregar o remanescente no preço de €120.000,00 em 8 reforços de sinal mensais de €15.000,00, com início a 30/05/2006”
KK.Acrescenta-se que não faz sentido que o Tribunal considere provado a subscrição do documento e o dê como reproduzido (facto 1 provado) e, depois, não dê como provado o restante clausulado do contrato.
LL.Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal considerou, erroneamente, a entrega do sinal e seus reforços como um empréstimo dos Recorrentes à P..., LDª, a ser pago quando a moradia fosse vendida a terceiros, quando decorre da prova que se tratou de financiamento à P..., LDª para a aquisição de um terreno e construção da moradia, que os primeiros iam adquirir aquando da celebração do contrato definitivo de compra e venda.
MM.Normalmente, as empresas de construção, ao comprarem terrenos para construção de casas e posterior venda, recorrem, ou a capitais próprios, ou a capitais de terceiros, sendo que estes últimos correspondem, muitas vezes, aos futuros adquirentes das casas, que através da celebração dos contratos-promessa e do respectivo sinal e seus reforços, financiam a aquisição dos terrenos e das moradias neles edificadas.
NN.O Recorrente pretendia ficar com a casa que ia ser construída para si, para nela residir, e daí ter outorgado um contrato-promessa de compra e venda com a P…., Ldª com um sinal de € 155.000,00 €, a qual, por seu lado adquiriu o terreno a terceiros nesse mesmo dia (vide ponto 5 da factualidade provada) e fez posteriormente a construção da moradia.
OO.Contrariamente ao vertido na Sentença, dos documentos de fls. 82 a 84 e dos documentos assinados pelo Sr. JB, juntos a fls. 97v a 101 – não impugnados, bem como das declarações do Recorrente, da testemunha EG  e das declarações do legal representante da Insolvente acima transcritas, resulta que o negócio celebrado entre o Recorrente e a P..., LDª corresponde efectivamente ao escrito referido sob o ponto 1 dos factos provados, em que o Recorrente prometeu comprar, e a P..., LDª prometeu vender, o imóvel acima identificado pelo preço global de 275.000,00 €, tendo sido previsto um sinal inicial de 155.000,00 € e reforços de sinal de 120.000,00 € a pagar em oito prestações mensais de 15.000,00 €.
PP.Decorre da prova testemunhal transcrita (declarações do Recorrente e testemunha EG ), que o valor do sinal inicial serviu para financiar a aquisição do terreno, feita pela P..., LDª no mesmo dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda.
QQ.Tratou-se de um financiamento para a aquisição do terreno e para a construção da moradia, moradia essa que seria adquirida pelos Recorrentes até 31/03/2007, data até à qual deveria ser celebrado o contrato definitivo (isso mesmo é dito pelo Recorrente e testemunha EG , que a casa era para o Recorrente viver, tendo sido o acordado pelas partes aquando do contrato-promessa).
RR.Por outro lado, foram suscitadas questões relativamente aos documentos 7 e 8 a fls. 140 e 142, decorrendo dos depoimentos acima transcritos designadamente do Recorrente, que estes documentos foram feitos por este em data muito anterior à celebração do contrato-promessa de compra e venda, e que o valor do sinal inicial de 155.000,00 € correspondia à soma de 10.000,00 € (correspondente a um empréstimo ao Sr. JB), 10.000,00 € (ao valor do sinal entregue pela P..., LDª pelo sinal do terreno), 110.000,00 € (aquisição do terreno) e 25.000,00 € de penalização em caso de incumprimento, que o Recorrente admite não terem sido pagos.
SS.E, bem assim, que os restantes 120.000,00 € se destinaram à construção da moradia e consubstanciaram reforços do sinal inicial – valores esses que foram pagos e que o legal representante admitiu ter recebido quer mediante o seu depoimento, quer admitindo a assinatura nos documentos de fls. 97v a 101 – Recibos de Entrega de Sinal (facto 7 provado) onde consta em cada um deles que a P..., LDª recebeu “reforço de sinal de € 15.000,00”, quer através do doc. 1 junto ao requerimento do Sr. Administrador de Insolvência com carimbo de entrada de 19/10/2012 a fls. dos autos.
TT.Foi admitido pelo Recorrente que o valor de 25.000,00 € (dos 155.000,00 € iniciais) não foi entregue e era uma espécie de penalização caso a data do cumprimento do contrato definitivo não fosse cumprida,
UU.Pelo que no total foi entregue pelo Recorrente à P..., LDª a quantia global de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros) por conta do contrato-promessa sobre o imóvel no qual iria ser edificada a sua moradia. É isto que o Recorrente e o legal representante dizem nas suas declarações.
VV.O Tribunal a quo considerou que o valor do alegado empréstimo seria pago ao Recorrente com a venda da moradia a terceiro, mas faz sentido o Recorrente colocar-se nesta posição de risco de ter de aguardar 2, 3, 4, 5 ou mais anos por uma moradia que podia não ser vendida e não ser vendida pelo valor que lhe permitisse recuperar o que lá gastou? Porque é que o Recorrente ia celebrar um contrato-promessa de compra e venda quando podia fazer um contrato de mútuo com cláusulas pormenorizadas sobre o pagamento do investimento, respectivo prazo, fixação de juros e com hipoteca associada?
WW.Salienta-se que, de acordo com as declarações do Recorrente, este queria ir ao Notário reconhecer as assinaturas e que o contrato registado na Conservatória, mas o legal representante da Insolvente disse que não valia a pena.
XX.E mais, o que foi acordado é que o Recorrente queria ficar com a moradia, queria celebrar o contrato definitivo, por isso é que teve de avançar com uma acção de execução especifica para cumprimento do contrato, acção essa apensa aos autos como apenso C.
YY.O Tribunal a quo fez uma errónea avaliação dos factos, pois não quis ouvir o Recorrente – que tentou falar a verdade, sendo sempre interrompido - nem as suas testemunhas, desconsiderando tudo o que foi dito pelas mesmas.
ZZ.Acresce que se o Recorrente está familiarizado com o ramo da construção – como se refere na sentença -, mais um motivo para este ter subscrito um contrato que correspondia às suas pretensões e às da Insolvente – que também o subscreveu, através do seu gerente, de livre vontade, sem coação e sem qualquer reserva.
AAA.Ora, perante todo o exposto e perante a prova documental e testemunhal produzida nos autos, devem os factos a), b) e c) serem considerados como provados, sendo que as referidas alíneas devem ter a seguinte redação: “a) no dia 15 de Maio de 2006, pelo instrumento referido no ponto 1 dos factos provados, a P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. prometeu vender, e LC   e HC , casados entre si, prometeram comprar o imóvel identificado no ponto 3 dos factos provados, pelo preço de €275.000,00”,”b) no mesmo dia, a P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. recebeu de LC e HC, casados entre si, a título de sinal e princípio de pagamento uma quantia no valor de €155.000,00;” “c) obrigando-se estes últimos a entregar o remanescente no preço de €120.000,00 em 8 reforços de sinal mensais de €15.000,00, com início a 30/05/2006”
BBB.Caso se entenda e se considere, porém, que de acordo com as declarações de parte do Recorrente que este e a sua esposa não entregaram 155.000,00 €, mas 130.000,00 € (diferença de 25.000,00 €), requer-se então que que as alíneas a), b) e c) tenham a seguinte redação: “a) no dia 15 de Maio de 2006, pelo instrumento referido no ponto 1 dos factos provados, a P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. prometeu vender, e LC  e HC, casados entre si, prometeram comprar o imóvel identificado no ponto 3 dos factos provados, pelo preço de €250.000,00”; “b) no mesmo dia, a P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. recebeu de LC  e HC, casados entre si, a título de sinal e princípio de pagamento uma quantia no valor de €130.000,00;” “c) obrigando-se estes últimos a entregar o remanescente no preço de €120.000,00 em 8 reforços de sinal mensais de €15.000,00, com início a 30/05/2006;”
CCC.Relativamente às alíneas d), e) e f) dos factos não provados, os referidos factos d), e) e f) foram alegados na impugnação à lista de credores - artigos 21º, 22º, 26º, 27º, 28º e 29º da impugnação. Reitera-se que a impugnação devia ter sido totalmente procedente – art. 131º n.º 3 CPC; assim não tendo sido considerado, o Tribunal devia ter aplicado as regras do processo ordinário de declaração - art. 574º, nºs 1 e 2 CPC e considerar os factos alegados na impugnação, e não contraditados, como admitidos e provados, o que ora se requer.
DDD.Sem condescender, as declarações de parte do Recorrente e o depoimento da testemunha EG  comprovam as tentativas do Recorrente de contactar o Sr. JB para este lhe entregar a casa e formalizar o contrato de compra e venda, a reunião no escritório da mandatária da Insolvente, bem como a entrega das chaves – dada a posse, onde esteve presente também JC, cujo depoimento é relevante para a impugnação da al. f) dos factos não provados e para esclarecer a forma como a entrega da casa foi feita.
EEE.EG  ainda esclareceu que o Recorrente mudou a fechadura da porta dias depois de ter recebido a chave e que a colocação do placard da Remax foi em 2011– depois de uma interpelação à Insolvente para cumprimento do contrato-promessa - e a data de entrada da ação de execução específica em Tribunal – Proc. n.º 6348/11.1TBALM, apenso C dos autos.
FFF.A versão apresentada por JB nada tem de coerente, não fazendo sentido que a hipoteca à CMEG tenha servido para obter verba para finalizar a construção da casa, quando a obra já estava concluída à data da hipoteca, cfr. depoimento de EG .
GGG.Mais, é coerente que a Insolvente só em meados de Outubro de 2011 coloque a casa à venda numa imobiliária? Que pessoa singular/colectiva tem uma casa desocupada e espera obter retorno do trabalho, tempo e dinheiro investido na construção da mesma, não faz nada durante cerca de quatro anos e só a coloca à venda numa imobiliária passado quatro anos?
HHH.Então a Insolvente sabe que o Recorrente está a viver na casa e não toma medidas para recuperar a posse da casa? Há coerência nisto? Porque não agiu judicialmente contra o Recorrente? Se o objectivo era vender a casa a terceiro, como alega, porque permitiu o Recorrente viver na casa? Permitiu, porque a Insolvente sabia que tinha celebrado com o Recorrente o contrato-promessa de compra e venda, que a casa era para este, e que lhe tinha entregue a chave da casa.
III.E nem se coloque a questão da Insolvente e do seu gerente, não terem conhecimento que o Recorrente vivia na casa. Este residia na casa desde finais de Setembro de 2008, tendo mudado as fechaduras poucos dias depois de ter sido recebido as chaves, e a Insolvente não se apercebe disto? Em três anos (de 2008 a 2011), o gerente da Insolvente não foi à casa e não verificou que o Recorrente lá se encontrava, ou que a casa estava mobiliada?
JJJ.O Tribunal recorrido dá relevância ao depoimento de MJM quando este não tem conhecimento directo dos factos - testemunhou o que ouviu JB dizer.
KKK.O depoimento de CC não releva para os factos, pois a testemunha foi ver a casa meses depois de ser concluída - ou seja, antes do Recorrente receber do Sr. JB as chaves do imóvel – eventualmente porque a Insolvente estava a tentar vender a casa sem o conhecimento dos Recorrentes, a fim de fazer um negócio que lhe permitisse pagar o empréstimo à CEMG e chegar a um acordo com os Recorrentes para revogar o contrato-promessa.
LLL.Não deviam ter merecido credibilidade as declarações de JB, que não conseguiu justificar o motivo pelo qual nada fez perante a presença do Recorrente na casa quando a casa era da P..., LDª, não sendo coerente que, apesar da alegada recessão do mercado, JB tenha preferido continuar com a propriedade de uma casa que, em bom rigor, não lhe dava qualquer retorno financeiro.
MMM. Não existiram contradições entre o depoimento de EG  e as declarações de LC, pois ambos depuseram de forma coerente e honesta, sendo que EG  não tem qualquer interesse pessoal ou profissional no desfecho do caso, nem resulta sequer do seu depoimento ganho pessoal/profissional com esta causa.
NNN.Decorre dos depoimentos transcritos de EG  e JC e das declarações do Recorrente a entrega das chaves, que o Recorrente vive na casa desde finais de 2008 e, bem assim, que, entre 2008 e 2010, este vivia entre Portugal e a Suécia, umas semanas em Portugal, outras na Suécia e que quando vinha para Portugal era nesse imóvel que residia.
OOO.Mas tudo foi, incompreensivelmente, desconsiderado pelo Tribunal, inclusivamente o documento da Junta de Freguesia (fls. 111) que atesta que o Recorrente reside na área das freguesias de Laranjeiro e Feijó desde 1 de Março de 2010.
PPP.Face ao exposto e atenta a prova testemunhal acima transcrita, devem os factos vertidos nas d), e) e f) dos factos provados ser considerados como factos provados.
QQQ.Relativamente ao ponto 8 provado, salienta-se que deve constar deste facto o desconhecimento dos Recorrentes quanto à outorga do contrato de mútuo com hipoteca.
RRR.Ainda que assim não se considere, sempre se dirá que, quer o Recorrente LC, quer a testemunha EG, afirmaram em Tribunal que o Recorrente não teve conhecimento do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a Insolvente e a CEMG e que este só veio a saber da mesma em 2011, quando contratou uma advogada para o efeito.
SSS.Acresce que o registo da hipoteca foi feito um dia antes da antes da data-limite para a outorga da escritura pública de compra e venda do imóvel, o que nos dá desde logo a percepção de que os Recorrentes nada sabiam quanto à existência do mútuo e da hipoteca e, bem assim, de que a Insolvente agiu de má-fé.
TTT.Assim, face ao exposto nos artigos 131º nº 3 do CIRE e 574º n.º 1 e 2 do CPC e, ainda, perante a prova produzida em sede de julgamento e indicada supra, deve assim o facto 8. dado como provado ser alterado no sentido de ser o mesmo passar a ter a seguinte redação: “No dia 18 de Abril de 2007, por escritura pública, a insolvente, P..., Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., ajustou com a Caixa Económica Montepio Geral, sem conhecimento de LC  e HC, um acordo de mútuo, nos termos do qual a segunda emprestou à primeira uma quantia no valor de €130.000, que se obrigou a restituí-la nos termos ajustados, e que resultam de fls. 12 a 28, cujo teor se dá por reproduzido, para garantia de cujo efetivo pagamento constituiu hipoteca voluntária sobre o imóvel identificado no ponto 3.” (negrito nosso). Em relação ao facto 10 provado, importa considerar que o valor do crédito reclamado e depois indicado pelos Recorrentes na impugnação à lista foi de 275.000,00 €, pelo que nos termos do artigo 131º n.º 3 do CIRE e 574º n.º 1 e 2 do CPC, devia ter sido este o valor do crédito reconhecido e graduado.
UUU.Assim, o ponto 10 dos factos provados deve ter a seguinte redacção: “A insolvente, P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., deve a LC e HC, casados entre si, a quantia de €275.000,00, correspondente ao valor total do sinal no contrato-promessa de compra e venda”
VVV.Caso assim não se entenda, e se considere que, como referido pelo Recorrente e pelo representante legal da Insolvente – declarações acima transcritas -, foi pago por conta do contrato-promessa o montante total de 250.000,00 €, resultante de um ajuste de contas entre as partes, prévio ao contrato, correspondente a: i) 130.000,00 € de sinal inicial entregue, em que 10.000,00 € diz respeito a um empréstimo ao Sr. JS, outros 10.000,00 € ao valor do sinal entregue pela P..., LDª pelo sinal do terreno e 110.000,00 € à aquisição do terreno; e ii) 120.000,00 € previstos no contrato-promessa como reforços de sinal, pagos em 8 prestações mensais no montante de 15.000,00 € cada, deve o facto 10 provado ser alterado com a seguinte redação: “A insolvente, P...– Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., deve a LC e HC, casados entre si, uma quantia no valor de €250.000,00, correspondente ao valor total do sinal e reforços de sinal entregues no contrato-promessa de compra e venda.
WWW.Relativamente ao facto 11 provado, deve ser adicionado a partir de que data o Recorrente começou a viver na casa, sendo que dos factos apurados em sede de julgamento decorre que o Recorrente vive na casa desde Setembro de 2008.
XXX.Sem prejuízo, sempre se dirá que das declarações do Recorrente e dos depoimentos de EG  e JC decorre que o Recorrente reside no imóvel desde Setembro de 2008, sendo que até 2010 o Recorrente não vivia de forma permanente em Portugal, mas entre Portugal e a Suécia.
YYY.Acresce ainda o Atestado da Junta de Freguesia (fls. 111) que comprova que o Requerente vive naquela freguesia desde 01/03/2010, tendo sido juntos comprovativos de consumos de água em nome daquele, de 2015, 2016 e 2017, referentes àquele imóvel (Doc. 9 do requerimento de 26/07/2021).
ZZZ.Assim, face à prova testemunhal e documental, deve o facto 11 provado ser alterado no sentido de o mesmo ter a seguinte redação “LC encontra-se a viver no imóvel identificado no ponto 3 desde finais de Setembro de 2008, por lhe terem sido entregues às chaves pela insolvente, antecipando os efeitos do contrato prometido.”.
AAAA.Face à prova produzida, não há margem para dúvida de que os Recorrentes celebraram com a insolvente um verdadeiro contrato-promessa de compra e venda, através do qual a Insolvente prometeu vender, e os Recorrentes prometeram comprar, a verba 1 do auto de apreensão pelo preço de 275.000,00 € (o documento de fls. 82 a 84, intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal”, os documentos de de fls. 97v a 101- recibos de reforço de sinal, e os depoimentos acima transcritos demonstram esta factualidade).
BBBB. A P..., LDª e o Sr. JS queriam construir, o Recorrente queria uma moradia para si e num acordo entre as partes celebraram o referido contrato-promessa, sendo que a data aprazada para o contrato definitivo era 31/03/2007.
CCCC. Como a P..., LDª não tinha capitais próprios, o valor do sinal inicial foi utilizado pela P..., LDª para financiar a aquisição do terreno, que ocorreu no mesmo dia da outorga do contrato-promessa de compra e venda .
DDDD.
EEEE.De acordo com o contrato-promessa, os Recorrentes entregaram à Insolvente a quantia de 275.000,00 € (ou caso assim se considere 250.000,00 €) a título de sinal e (princípio de) pagamento.
FFFF.Os Recorrentes queriam ficar com a moradia para si, para viverem, querem o cumprimento do contrato-promessa e por isso instauraram uma acção de execução especifica para cumprimento do contrato, apenso C.
GGGG.Mais, a Insolvente constituiu ainda, sem conhecimento dos Recorrentes, hipoteca sobre o imóvel.
HHHH.Acresce, por outro lado, que face à insistência do Recorrente LC em concretizar o negócio, foi agendada uma reunião no escritório da mandatária da Insolvente, em que o Sr. JS informou estar a ultimar os pormenores para a outorga da escritura, disponibilizando-se para a realizar em 60 dias e comprometendo-se a entregar as chaves do imóvel, o que veio a suceder dias depois na presença do Srs. EG, JC e JU.
IIII.Decorre da prova que, desde Setembro de 2008 que os Recorrentes residem na casa, pois o legal representante da Insolvente, Sr. JS, entregou ao Recorrente as chaves, antecipando os efeitos do contrato-promessa.
JJJJ.Assim, perante o exposto, verificou-se um incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da promitente-vendedora Insolvente, sendo que os promitentes-compradores receberam as chaves do imóvel do representante da promitente-compradora e aí residem sem que a Insolvente alguma vez se tenha oposto a tal.
KKKK.O artigo 410º do CC define o contrato-promessa como a “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.
LLLL.A traditio, consubstanciada como o poder de facto sobre a coisa que o promitente-vendedor confere ao promitente-comprador, traduz-se na antecipação de um dos efeitos do contrato definitivo no pressuposto de realização desse contrato.
MMMM.No caso concreto, e conforme jurisprudência citada, os Recorrentes pagaram a totalidade do preço e receberam a chave, o que se traduz numa antecipação dos efeitos do contrato prometido.
NNNN.Os arts. 441º e 442º n.º 2 do C.C. estabelecem que nos contratos-promessa de compra e venda, qualquer quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação e princípio de pagamento, se presume que tem carácter de sinal e que se o incumprimento do contrato for devido ao promitente-vendedor, o promitente-comprador tem a faculdade de exigir daquele o dobro do que prestou.
OOOO.Por outro lado, o direito de retenção é forma de autotutela de direitos, com uma função de garantia e compulsória, e encontra-se previsto, com carácter genérico, no artigo 754º do C.C.
PPPP.P..., LDª O artigo 755º n.º 1 al. f) do C.C. prevê o caso especial de direito de retenção do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º do C.C.
QQQQ.Vertificam-se em concreto todos os pressupostos do direito de retenção, pelo que assiste aos Recorrentes o direito de retenção, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 775º do C.C. a exercer sobre o prédio em causa, prevalecendo sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente, conforme o n.º 2 do artigo 759º do C.C.
RRRR.Este direito de retenção garante o crédito dos Reclamantes por via do incumprimento da Insolvente, devendo assim ser reconhecido como garantido.
SSSS.O crédito dos Recorrentes corresponde à devolução do sinal em dobro (artigo 442º n.º 2 do C.C.), uma vez que a Insolvente incumpriu definitivamente a sua obrigação no contrato e tem desde há muito revelado o seu interesse em não cumprir.
TTTT.Como resulta ao Contrato-Promessa, às quantias entregues a título de princípio e reforço de sinal foi atribuído o carácter de sinal, pelo que os Recorrentes têm direito à devolução do sinal em dobro (artigo 442º n.º 2 do C.C.) no valor de 550.000,00 € [caso o valor total do sinal seja considerado de 275.000,00 € (155.000,00 € + 120.000,00 €)] ou, caso assim não se entenda, no valor de 500.000,00 € [caso o valor total do sinal seja considerado de 250.000,00 € (130.000,00 € + 120.000,00 €)], sendo este crédito garantido por direito de retenção sobre a verba 1 do auto de apreensão de bens para a massa insolvente
UUUU.Relativamente a uma eventual divergência não intencional entre a vontade das partes e as respectivas declarações no contrato e considerando que não houve qualquer coação na emissão das declarações, poderia suscitar-se a questão de eventual erro sobre o objecto do negócio, mas tal não foi alegado ou suscitado em Tribunal em julgamento, nem fundamentado na douta sentença.
VVVV.Mesmo, colocando-se a hipótese de o Tribunal ter considerado uma estipulação acessória verbal anterior ao documento – o que não deve proceder, esta sempre seria nula nos termos do artigo 221º do C.C. e, portanto, não produzia qualquer influência sobre o contrato celebrado mantendo-o incólume
WWWW.Acresce que mal andou o Tribunal recorrido ao não condenar a Insolvente como litigante de má-fé e de acordo com o artigo 547º CPC.
XXXX.A Insolvente bem sabe que o contrato assinado consubstanciou um contrato-promessa de compra e venda - foi esse o objectivo e a intenção das partes - falando agora num alegado empréstimo para a aquisição e a construção de uma moradia para terceiro que sabe bem não ter sido o pretendido e acordado pelas partes.
YYYY.Assim, no caso concreto, a Insolvente em sede de julgamento, alterado a verdade dos factos, pelo que deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Insolvente como litigante de má-fé e ao pagamento de uma indemnização aos Recorrentes numa quantia a arbitrar segundo o prudente arbítrio de V. Exa.
ZZZZ.Foram violados os artigos 131 n.º 3 do CIRE, 549º e 574º n.º 1 e 2 e 607º do CPC e 376º n.º 1 e 2, 393º n.º 1 e 2, 441º, 442º, 754º e 755º al. f) do C.C.

12.–A insolvente respondeu ao recurso apresentado alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:
1º-Não existe reparo a fazer na decisão tomada pelo tribunal a quo, que aplicou as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do julgador, fazendo apelo a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, assim ponderando e entendendo como justa e adequada a decisão final. Confrontada com um processo com mais de onze anos, em que vários juízes e mandatários se sucederam, foi capaz de ir para além do literal e descobriu o real.
2º-O recorrente entregou à insolvente 250 mil euros que foram em parte devolvidos e ficou por restituir a quantia de €229.452,46. Quantia que deve ser a que o recorrente receberá depois de liquidado o património da insolvente.
3º-O documento denominado de “contrato - promessa de compra e venda”, não é mais do que um escrito genérico do negócio detalhado e constante do manuscrito elaborado pelo recorrente, que reconheceu perante o tribunal que o que aí se encontrava era um esquema de financiamento que visava um retorno de €25.000,00.
4º-Não podia a insolvente impugnar uma lista de credores e um crédito reconhecido pelo AI, com o qual concordava, sendo aquele que ela própria indicou na sua petição inicial e que se encontrava justificado em face da documentação apresentada para fundamento.
5º-A matéria relativa à validade do alegado contrato-promessa que foi em tempo e no meio próprio impugnado, sendo no processo declarativo que é junto aos autos de insolvência como apenso C, encontrava-se a ser discutida nessa sede e não seria ajustado repetir num apenso o que já era em decisão noutro.
Tanto mais que, o tribunal pode em aplicação do princípio do inquisitório aproveitar qualquer facto de que tenha conhecimento independentemente da sua alegação pelas partes, para a tomada de decisão.
6º-O AI reconheceu o crédito e recusou o cumprimento do alegado contrato promessa. Já foi proferida variada jurisprudência sobre estas matérias, sendo sempre decidido em favor da restituição ao reclamante de apenas a quantia que foi efectivamente entregue pelo credor, sem acréscimos ou remunerações.
7º-O denominado contrato-promessa não possui a forma legal e a falta de cuidado na sua realização, incapaz de dar-lhe qualquer efeito legal, é demonstrado pela errada indicação do imóvel.
8º-A falta de forma do contrato-promessa foi invocada pela insolvente no apenso declarativo, constando da sua contestação e assim se manteve a posição assumida no processo de insolvência ao indicar como crédito o que efectivamente foi emprestado e não pago ao credor, aqui recorrente.
9º-Por aplicação do vertido nos Assentos nº 15/94 de 28/6/1994 e 3/95 de 1/2/1995 do STJ, a invocação da falta de forma pelas próprias partes de um contrato promessa, em incumprimento do disposto no artº 410º, nº 3 do C.C. e que se traduz numa nulidade atípica, que se transmite ao próprio negócio jurídico que lhe é subjacente, torna-o nulo.
10º-Foi firmada Jurisprudência no Acórdão do STJ de 30/11/2021, no Proc. nº 1012/15.5 T8VRL, no sentido de determinar a aplicação do constante no CIRE e não o artº 442º do C. C., quando um processo de insolvência se confronte com a existência de um contrato-promessa e o AI recusa o seu cumprimento. Por aplicação conjugada do disposto nos artºs 106º, nº 2, 104º, nº 5 e 102º, nº 3, alínea c) do CIRE o credor só tem direito a receber o valor da prestação que efectuou, na parte incumprida. No mesmo sentido foi proferido outro Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, com o nº 3/2021 publicado a 16/8/2021, decidindo que o credor não tem direito a reclamar mais do que prestou.
11º-O recorrente não deve nem pode em processo de insolvência reclamar qualquer outro valor seja a título de compensação ou remuneração que não seja a que efectivamente prestou. Qualquer expectativa de ganho deverá ser recusada. Ganho que aqui se demonstrou, seria em pouco tempo superior ao que caberia ao investimento do mesmo capital numa entidade bancária. Daí o interesse em manter a posição irredutível, do recorrente.
12º-Que em arrepio ao que confessou em julgamento, recorre pedindo aquilo que reconheceu não ter prestado. Confessou só ter entregue à insolvente a quantia de 250 mil euros e arroga-se ainda e agora, o direito a receber o valor de 550 mil.
13º-A alegada tomada de posse do imóvel por acto voluntário da insolvente, com a entrega das chaves, serve ao recorrente para invocar um direito de retenção que conferiria ao negócio pretendido um efeito que não lhe pode ser reconhecido.
14º-Para provar a entrega das chaves do imóvel apareceram testemunhas que não eram sequer conhecidas na data do pedido de cumprimento do contrato que deu início ao processo declarativo porque nesse foi indicada apenas uma testemunha e as outras apareceram anos depois, dias antes da realização da audiência de julgamento do presente apenso e que se lembravam de dia certo, hora e dia da semana! Passados mais de vinte anos! Providência !!
15º-A insolvente nunca acordou na entrega das chaves ao credor e muito menos lhe fez a entrega. Não existe uma posse pacífica, mas antes uma posse violenta com o arrombamento da porta de entrada da moradia.
16º-Questão que será, no entanto, ultrapassada pela recusa fundamentada do AI em negar o cumprimento do alegado contrato-promessa.
17º-Em aplicação do direito e da Jurisprudência a sentença recorrida deve ser confirmada, assim se fazendo JUSTIÇA!

13.–O tribunal recorrido admitiu o recurso e, cumprindo o art. 617º, nº 1 do CPC consignou, sem fundamentar, que a sentença recorrida não padece de nulidade, nada havendo, portanto, a suprir.

II–Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto do processo, tal qual como o mesmo surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reponderar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, não estando o tribunal de recurso adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, não estando cobertas pela força do caso julgado, se apresentem relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC).

Em conformidade, considerando o teor da decisão recorrida e as questões suscitadas pelas alegações de recurso, cumpre apreciar:

1.–Da nulidade da sentença,
1.1.-com fundamento legal no art. 615º, nº 2, al. d), por omissão de pronúncia sobre os efeitos/consequências jurídicas da ausência de resposta à impugnação à lista de credores deduzida pelos recorrentes e, neste âmbito, apreciar se a ausência de resposta à impugnação impõe que esta seja julgada procedente ou, assim não se entendendo, impõe considerar admitidos os factos por ela alegados;
1.2.-com fundamento legal no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, por não especificar os fundamentos de facto e de direito atinentes com o contrato promessa de compra e venda invocado pelos recorrentes, a razão pela qual os recorrentes detêm a chave e vivem no imóvel, e o fundamento de facto e de direito do valor do crédito que lhes foi reconhecido pela sentença recorrida;
Caso não resulte prejudicado pelo resultado da questão precedente,
2.–Da impugnação à decisão de facto, tendo como objeto a reapreciação da prova para inversão do sentido do julgamento dos factos descritos sob as als. a) a f) dos factos não provados, e para ampliação do teor dos pontos 8, 10 e 11 dos factos provados.
Em qualquer caso,
3.–Dos pressupostos constitutivos do direito de crédito sobre a insolvência e do direito de retenção dos recorrentes sobre imóvel apreendido para a massa insolvente com fundamento em contrato promessa de compra e venda por eles celebrado com a insolvente.
4.–Da verificação dos pressupostos da litigância de má fé pela insolvente no âmbito destes autos.

III–Da nulidade da sentença
As causas de nulidade da sentença constam taxativamente previstas no art. 615º do CPC, nos termos do qual É nula a sentença quando:
a)- Não contenha a assinatura do juiz;
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)- O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Vícios que, com exceção da falta de assinatura do juiz (al. a), reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, e consubstanciam defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação e decisão[1]. Vícios que não contendem com o mérito da decisão e, por isso, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na atividade silogística de aplicação do direito. Os primeiros – vícios formais ou de limites da sentença - dão lugar à anulação da sentença. Os segundos – vícios materiais ou erro de julgamento - são passíveis de censura apenas por via de recurso, e determinam a revogação da decisão. Sendo o recurso admissível, as nulidades da sentença devem ser arguidas no âmbito das alegações de recurso, através das quais são submetidas à liminar apreciação e decisão do juiz ‘a quo’ aquando da apreciação do requerimento de recurso (cfr. art. 617º, nº 1 do CPC), e, sendo ali desatendidas, submetidas à apreciação do tribunal ad quem que, se entender que o recorrente tem razão, ou supre o vício que afeta a sentença, ou anula-a total ou parcialmente para permitir que seja novamente proferida pela 1ª instância despojada desse vício. 
A nulidade da sentença distingue-se das nulidades processuais, designadamente, das que enquadram no art. 195º, nº 1 do CPC. As nulidades processuais respeitam a atos de tramitação ou sequência processual (por omissão de ato devido praticar, ou pela prática de ato indevido ou, sendo devido, sem observância das respetivas formalidades) e devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas no prazo legal de dez dias subsequentes ao conhecimento da sua prática (arts. 197º, 199º, nº 1 e 149º, nº 1 do CPC). Por princípio, a arguição de nulidade processual em sede de recurso e para além do prazo de dez dias subsequentes ao conhecimento da sua prática surge processualmente deslocada e extemporânea, pela impossibilidade legal de ser arguida como fundamento de recurso. Esse o sentido do velho brocardo judiciário ‘das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se’, do qual decorre que a ocorrência de nulidade processual deve ser arguida perante o juiz do processo, e só da decisão que vier a ser proferida pode ser deduzido recurso que, ainda assim, é limitado aos casos em que a desconformidade processual fundamento da nulidade contende com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (cfr. arts. 627º, nº 1 e 630º, nº 2 do CPC).
Ocorre que a distinção entre nulidades processuais e vícios da sentença nem sempre se manifesta evidente, como sucede nos casos em que a prática de ato processual indevido ou a omissão de determinada formalidade obrigatória é imediatamente acobertada pelo juiz na prolação da sentença, refletindo-se em vício de conteúdo da própria sentença que, por via do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º, nº 1 do CPC), só pode ser impugnada através de recurso sustentado na nulidade da própria decisão[2], e já não pela reclamação incidental da nulidade procedimental. Nestes casos, a irregularidade processual, se relevante por apta a influir na apreciação da causa, consubstancia vício intrínseco da própria decisão, porque nela se reflete enquanto produto da prática de ato indevido ou omissão de um ato prévio devido praticar. Nesses casos, o recurso deduzido apenas pode ter como objeto a decisão e não a nulidade de tramitação processual, ainda que nesta encontre a origem da nulidade daquela. Nas palavras de Teixeira de Sousa, “Todo e qualquer recurso tem por objecto uma decisão; (…). Sendo assim, o objecto do recurso nunca pode ser uma nulidade processual cometida na instância recorrida, mas apenas o reflexo dessa nulidade na decisão impugnada; aliás, cabe recordar que a nulidade processual pressupõe que a mesma influa no exame ou decisão da causa (art. 195.º, n.º 1, CPC), pelo que não há nulidade processual sem haver reflexo nesse exame ou nessa decisão; (…).
Com pertinência ao caso, salienta-se que a reforma do direito processual de 2013 abandonou a cisão processual do julgamento de facto e do julgamento de direito que até aí sucedia através da prolação e consolidação do julgamento de facto em sede de audiência previamente à prolação da sentença. Como se prevê no art. 607º do CPC, a fundamentação da sentença passou a incluir a prolação, nesse ato, de dois julgamentos: o de facto e o de direito. Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], por força dessa alteração os vícios da sentença não se autonomizam dos vícios da decisão sobre a matéria de facto mas, [s]e não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615º à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto – desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.º’ 2 e 3 do art. 662º) -, obriga, menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação.  Assim, em princípio, os vícios da decisão de facto suscetíveis de gerar nulidade da sentença serão apenas os da prolação de decisão de direito sem fundamentos de facto que suportem ou integrem os respetivos pressupostos legais – cfr. art. 607º, nº 3 -, e, no que agora releva, omissão de pronúncia sobre questão de facto alegada pelas partes ou, no inverso, excesso de pronúncia se abranger factos não alegados pelas partes nem passíveis de serem considerados nos termos do art. 5º, nº 2[4] do CPC – cfr. art. 608º nº2 do CPC.
1.1.-O vício de omissão de pronúncia corresponde a vício de limite – a sentença não contém o que devia conter por referência à instância, ao caso delineado na ação, e às regras de estrutura atinente com a construção do ato jurídico que a sentença (ou o despacho) consubstancia, nos termos previstos pelo art. 608º do CPC[5]. Sob a epígrafe “Questões a resolver - Ordem do julgamento”, dita o nº 2 do art. 608º que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…). A referência legal a questões assume aqui um sentido amplo, no sentido de abranger a resolução, conclusão ou solução do concreto pedido deduzido pelas partes por referência à causa de pedir que o suporta, sem que se confundam com os argumentos jurídicos esgrimidos pelas partes para convencer da bondade da sua pretensão (ou exceção), que o tribunal não está adstrito a apreciar (conforme já referido, apenas das questões de facto ou de direito suscitadas), pelo que não integra aquele vício [a] omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.[6] Premissa que encontra suporte no art. 5º, nº 1 e 3 do CPC, nos termos do qual o juiz não está sujeito/limitado às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, pelo que, enveredando fundamentadamente por uma orientação, as restantes, ainda que alegadas, não têm de ser analisadas como questões jurídicas autónomas se tratassem, que o não são[7].
i)-Revertendo ao caso, os recorrentes começam por imputar à sentença recorrida o vício da omissão de pronúncia de ‘questões que oficiosamente devia conhecer’, apontando como tal a consequência jurídica da ausência de resposta à impugnação, avançando que o tribunal a deveria ter apreciado nos termos do art. 131º, nº 3 ou nos termos dos arts. 549º nº 1 e 574º nº 1 e 2 do CPC, julgado procedente a impugnação ou, assim não se entendendo, considerando admitidos por acordo os factos alegados na impugnação. Nestes termos, a omissão que imputam ao tribunal recorrido é, antes de mais, um vício de tramitação ou de procedimento – a inobservância do art. 131º, nº 3 do CIRE.
Sob a epígrafe Resposta à impugnação, prevê-se aqui que A resposta [à impugnação da lista de credores reconhecidos] deve ser apresentada dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no artigo anterior ou à notificação ao titular do crédito objecto da impugnação, consoante o caso, sob pena de a impugnação ser julgada procedente. Pela natureza da cominação, facilmente se antevê que a desconsideração do art. 131º, nº 3 produz-se e/ou reflete-se no conteúdo da sentença e, eventualmente, no sentido da decisão por ela proferida, mas, em si mesmo, não consubstancia vício de omissão de pronúncia nem é apta a gerar o desvalor da nulidade da sentença com esse fundamento. A produção e extração da consequência processual legalmente prevista para a ausência de resposta à impugnação – procedência – não constitui questão (de facto ou de direito) objeto do processo que ao tribunal cumpra dirimir, solucionar, resolver; trata-se de uma imposição legal da regular tramitação do processo que se reflete na elaboração da sentença, mas que não se confunde com as questões dela objeto.
Isso mesmo é confirmado pelo teor da sentença recorrida: não obstante tenha desconsiderado a produção do efeito legal previsto pelo art. 131º, nº 3, não omitiu a apreciação de qualquer uma das questões suscitadas pela impugnação à lista de créditos apresentadas pelos recorrentes - os factos que alegaram constam do conjunto dos factos provados e dos factos não provados elencados na decisão de facto da sentença recorrida e, ainda que tenha concluído pela negativa, em sede de enquadramento jurídico o tribunal a quo pronunciou-se sobre o facto e fundamento jurídico invocado pelos recorrentes - contrato promessa de compra e venda -, e, ainda que tenha concluído pela sua improcedência, proferiu decisão sobre a pretensão por eles deduzida – reconhecimento de crédito sobre a insolvência no montante de €550.000,00 garantido por direito de retenção sobre imóvel apreendido para a massa insolvente. O que vale por dizer que a sentença recorrida não omitiu qualquer uma das questões de facto ou de direito invocadas pelos recorrentes, pelo que do que se trata não é de nulidade de sentença por omissão de pronúncia.

ii)-A questão subjacente à arguição dos recorrentes prende-se com a latitude ou âmbito da cominação prevista pelo art. 131º, nº 3 do CIRE que, por sua vez chama à colação a questão da sindicância do erro manifesto ressalvada pelo art. 130º, nº 3, uma e outra objeto de várias decisões dos tribunais superiores. Questões que emergem das especificidades processuais do processo de insolvência e do correspetivo apenso de verificação e graduação de créditos que, no declarado intuito de reduzir entropias e lhe conferir maior celeridade, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas conduziram à simplificação desse mesmo processado, sendo que em determinadas matérias o foi através da manutenção e alargamento da desjudicialização de atos ou atividade subjacente ao processo. Propósito que com maior expressividade foi concretizado em sede de incidente de verificação do passivo, desde logo, com o ato processual que instaura o apenso de verificação e graduação de créditos, correspondente à lista de créditos reconhecidos devida elaborar e apresentar pelo administrador da insolvência, a quem, conforme prevê o art. 128º, os credores devem endereçar os seus requerimentos de reclamações de créditos para que, conforme estabelece o art. 129º, nº 1, Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento. E prevê o art. 130º, nº 3 que, Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista. Nestes termos, os créditos, respetivos montantes, e qualificação que aos mesmos seja reconhecida pelo administrador da insolvência e que não sejam objeto de impugnação, são declarados verificados, salvo caso de erro manifesto, de facto ou de direito, no que se incluem lapsos, omissões ou deficiências detetadas na lista face às menções que deveria conter e não contém, designadamente, na indicação de elementos imprescindíveis à subsequente graduação dos créditos de acordo com a lei material aplicável.
Por referência ao papel, constitucionalmente inderrogável, do exercício da atividade jurisdicional enquanto garante da legalidade das matérias acobertadas pelas decisões e da composição dos conflitos de interesses em conformidade com o direito aplicável (cfr. arts. 20º, nº 1 e 202º, nº 2 da CRP), a sindicância do erro manifesto previsto pelo art. 130º, nº 3 do CIRE deve interpretar-se em termos amplos, encarando-a como o exercício de um poder-dever do Juiz para, no confronto com o que consta da própria lista ou com os elementos disponíveis nos autos de insolvência (lato senso), verificar a conformidade substancial e formal dos créditos inscritos na lista que vai homologar, se necessário for, solicitando ao administrador da insolvência todos os esclarecimentos e elementos que para o efeito se revelem necessários, e, em qualquer caso, sem prejuízo do cumprimento do pertinente contraditório se da referida oficiosidade resultar alteração ao teor da lista de créditos tal qual como a mesma foi por aquela apresentada. Corresponde esse ao entendimento que tem sido perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, desde o icónico acórdão de 25.11.2008 até aos mais recentes acórdãos , conforme trecho que se transcreve do proferido em 17.04.2018: Mesmo que não haja impugnação por banda de qualquer interessado, o juiz pode e deve filtrar a menção do crédito constante da lista apresentada pelo administrador da insolvência, apreciando as suas características, procedendo à sua qualificação jurídica e aferindo se as garantias referidas pelo administrador se mostram conformes com as regras de Direito aplicável.//É este, de facto, o entendimento que predomina na doutrina e na jurisprudência e que rebate a ideia de um efeito cominatório pleno decorrente da falta de impugnação da lista apresentada pelo administrador da insolvência, impondo ao juiz, nesse caso, uma decisão meramente homologatória. Não é a inexistência de impugnações da lista que dita a inexistência de erros na sua elaboração.

iii)-Prosseguindo na legal tramitação do apenso de verificação e graduação de créditos, sendo apresentada impugnação (contestação) à lista de créditos, prevê o já citado art. 131º, nº 3 do CIRE que no prazo de dez dias deve ser apresentada resposta, sob pena de a impugnação ser julgada procedente. Salienta-se que o acionamento e aplicação do efeito cominatório pressupõe precisamente a possibilidade legal de contraditar a impugnação pelos interessados por esta afetados, pelo que as consequências que a lei prevê para a ausência de resposta apenas à inércia daqueles pode imputar-se. Com efeito, as assinaladas especificidades processuais do procedimento de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência coexistem com os efeitos preclusivos do princípio do dispositivo, dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que cada um dos credores se arroga e da contra prova de factos suscetíveis de os infirmar, ónus que se devem ter plenamente em funcionamento na fase dos articulados de impugnação à lista de créditos e de resposta à impugnação, na subsequente atividade de instrução para produção das provas apresentadas caso os termos do litígio com aqueles gerado assim o determinem, sem prejuízo da consideração oficiosa de tudo o que, nos termos dos arts. 5º, 411º e 412º do CPC, seja relevante para a sua apreciação.
Sempre sem prejuízo da ressalva de erro manifesto prevista pelo art. 130º, nº 3 por força do princípio constitucional da reserva jurisdicional que lhe subjaz e que, como tal, se impõe extensível ao art. 131º, nº 3 do CIRE, no sentido de limitar o efeito cominatório por este previsto e julgar improcedentes, total ou parcialmente, as pretensões deduzidas em sede de impugnação à lista que correspondam ou conduzam a erros manifestos, de facto ou de direito, sob pena de violação do princípio da reserva jurisdicional e do papel de controlo da legalidade em que por ele é institucionalmente investido o magistrado judicial. Disso mesmo o legislador falimentar deu nota na exposição dos motivos do Decreto Lei nº 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE - Tal indispensabilidade [da intervenção do juiz no processo concursal] é compatível, todavia, com a redução da intervenção do juiz ao que estritamente releva do exercício da função jurisdicional, permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colida aos demais sujeitos processuais. –, a par com a assumida e coexistente opção de intensificação da desjudicialização e da simplificação de caráter administrativo do processo (conforme notas 10 e 37).
A salvaguarda do princípio da reserva jurisdicional na realização do direito e da justiça - através da composição dos conflitos de interesses de harmonia com o direito vigente -, não se compatibiliza com decisões judiciais cujo sentido seja exclusiva e positivamente determinado por efeito de osmose com a pretensão plasmada no dispositivo do petitório de um dos sujeitos do litigio. Essa corresponde à figura do efeito cominatório pleno ou condenação de preceito, traduzido na imediata condenação no pedido com suporte na ficcionada ‘aceitação’ por ausência de oposição da parte contrária, abandonada pelo legislador processual civil na reforma de 1995. Nas palavras de Catarina Serra, “[n]ão basta aos credores, para serem satisfeitos, manifestarem a sua pretensão, é preciso que esta seja uma pretensão juridicamente protegida.” No mesmo sentido, de uma tutela jurisdicional efetiva dos interesses em confronto no processo de insolvência (desta feita, pela confirmação dos poderes-deveres do juiz na sindicância da legalidade do procedimento de venda realizada pelo administrador da insolvência), acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.02.2018: Não é de aceitar a interpretação segundo a qual a celeridade, a desburocratização, a desjudicialização e os amplos poderes do administrador da insolvência, no incidente de liquidação da massa, conduzem à exclusão do papel imparcial e soberano do juiz, relegando-o para um papel secundário de mero controlo, sob pena de se desistir do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva para o direito infringido, desconsiderando a possibilidade de imediata actuação do julgador. Foi nesse sentido que a jurisprudência também confluiu na interpretação do art. 131º, nº 3, através da compatibilização do âmbito por ele previsto com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à admissão dos factos por acordo e já não à procedência do pedido, solução que encontra arrimo no regime regra previsto pelo art. 574º, nº 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 17º do CIRE. Assim, para além dos factos invocados na impugnação que, por ausência de resposta, se imponham considerar confessados (sem prejuízo dos que apenas pela via documental possam ser julgados demonstrados), nos casos em que os termos da impugnação e elementos probatórios que acompanham evidenciam inconsistências e/ou contradições na matéria de facto alegada, e/ou erro na aplicação do direito aos factos, e culminam na formulação de pedido que se traduz em resultado/efeito jurídico não consentido pela lei, ainda que tal impugnação não seja objeto de resposta, impõe-se o exercício do poder-dever de sindicância judicial, à laia do que sucede com a sindicância do erro manifesto na lista de créditos ressalvado pelo art. 130º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que, em obediência ao princípio da coerência lógico-normativa do sistema jurídico, se deverá estender ao art. 131º, nº 3. Da mesma forma que, citando Acórdão da Relação do Porto de 19.05.2009, “[a] salvaguarda do “erro manifesto” (expressão que possui potencial para ser interpretada de forma mais ou menos lata) confere ao julgador poderes bastantes para fazer improceder as reclamações manifestamente desprovidas de fundamento (ainda que não impugnadas)., por maioria de razão se deverá estender tal poder ao dever de sindicar a impugnação sempre que, por referência aos termos que suportam a pretensão por ela deduzida (ou no confronto com outros dados que resultem do processo de insolvência, lato senso), a sua procedência conduza a resultado que os factos invocados não sustentam, continuando o juiz a ter de julgar a causa “conforme for de direito”, do mesmo modo que “não pode o julgador aceitar passivamente afirmações inverosímeis, nem deve desprezar elementos probatórios contrários aos fatos deduzidos na inicial.
Com o que se conclui que a nulidade produzida pela inobservância do art. 131º, nº 3 do CIRE em sede de elaboração da sentença ocorre em função do sentido da própria decisão, se esta for de improcedência da impugnação determinada pelo julgamento negativo dos fundamentos de facto nela alegados. Nesse caso a desconformidade legal da sentença é de conteúdo, mas tem como causa, não um erro de julgamento, mas vício de procedimento em sede de elaboração da decisão de facto na medida em que considera como não provados factos que a lei (art. 131º, nº 3) impõe sejam considerados admitidos por acordo e que, por isso, estão excluídos do thema probandum e, consequentemente, do julgamento do tribunal realizado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e a convicção do julgador; julgamento que, nesse contexto processual, corresponde a atividade processual indevida.
Sem prejuízo, reitera-se, da sindicância do erro manifesto revelado pelos termos do alegado na impugnação ou no confronto com o por ela documentado e/ou com elementos que resultem do processado na insolvência e que se tenham que ter como assentes. Sindicância - e subsequente atividade processual e apreciação judicial - que a reclamação e impugnação dos recorrentes sempre imporia, como impôs e foi cumprida, perante a ausência de correspondência entre a identificação registal e matricial do imóvel constante do contrato promessa de compra e venda invocado pelos recorrentes e a identificação registal e matricial de qualquer um dos imóveis apreendidos para a massa insolvente, e que conduziu ao resultado probatório plasmado sob o ponto 3 da decisão de facto da sentença recorrida, que se impõe manter e considerar em sede de enquadramento jurídico dos factos - O imóvel apreendido nos autos sob a verba n.º1, sito na Rua, na Quinta…, corresponde ao imóvel sito na Rua…, lote 13, na Quinta…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .... e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº.... da freguesia do … (fls. 117, cujo teor se dá por reproduzido).

iv)-Assim perspetivado, o art. 131º, nº 3 do CIRE conduz a resultado equivalente ao produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação nos termos expressamente previstos pelo art. 574º, nº 2 do CPC, no sentido de considerar como admitidos por acordo os factos que não forem impugnados. “Como se vê, o ónus de impugnação tem associada a seguinte cominação: a falta de impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta), o que conduzirá a que, em regra, os mesmos sejam tidos como assentes e provados nos autos.[8] Efeito que opera em sede de decisão de facto, nos termos do art. 607º, nº 4 do CPC, ao determinar que Na fundamentação da sentença, (…) o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…). Novamente nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, “Determinados meios de prova não consentem qualquer margem de apreciação, gozando de força probatória plena: confissão (arts. 354º e 358º do CC), documentos autênticos, autenticados e mesmo particulares, nos termos que estão regulados nos arts. 371º, nº 1 e 376º, nº 1, do CC, e acordo expresso ou tácito das partes (arts. 574º, nº 2 e 3 e 587, nº 1).[9] Por isso, “[a] enunciação dos temas da prova só deve contemplar a hipótese de a instrução recair sobre factos que ainda não possam ter-se como demonstrados na fase intermédia do processo (excluídos estão os factos admitidos por acordo, em virtude de falta de impugnação, os confessados, e os provados por documentos).[10]
Nestes termos, os temas de prova que incluam ou reportem a factos admitidos por acordo e que, por isso, configuram factos não controvertidos, padecem de vício por excesso de seleção na enunciação da matéria a submeter a instrução, posto que o objeto da prova restringe-se aos factos controvertidos. Como tal, o julgamento que sobre aqueles factos venha a incidir corresponde a ato processual indevido, cujo resultado pode e deve ser conhecido e suprimido em sede de recurso nos termos e por força do art. 662º, nº 1 do CPC, sempre que determine ou corresponda a decisão de facto distinta da que resultaria do escrupuloso cumprimento daquelas normas, procedendo a Relação à alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto de acordo com os factos que se imponha considerar assentes por imperativo dos arts. 574º, nº 2 e 607º[11], nº 4 do CPC[12] [13].

v)-Finalmente, contrariamente ao que parece ser a tese da insolvente-recorrida, à produção do efeito previsto pelo art. 131º, nº 3 do CIRE não obsta a contestação deduzida à ação comum que os reclamantes contra ela (e o credor Montepio) instauraram pedindo a execução específica do contrato promessa e, subsidiariamente, o reconhecimento dos direitos de crédito e de retenção que aqui reclamaram na sequência da posterior declaração da insolvência daquela. Os articulados apresentados pelas partes constituem atos processuais (cfr. arts. 144º e ss. do CPC). Nas palavras de J. Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, “[o] acto processual é o acto do tribunal ou das partes cujo efeito se traduz na constituição de uma situação processual, ou seja, é todo o ato que determina o início, influencia o decurso ou implica a extinção do processo. Noutros termos: são actos processuais aqueles que produzem efeitos em processo.”; e, “[e]struturalmente, o processo é uma sequência de actos. A sequência processual institui um formalismo que regula a actividade do juiz e das partes.[14] Nessa medida, salvo exceções/situações expressamente previstas (vg. suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial, litispendência, caso julgado, valor extra-processual das provas), os efeitos ex lege característicos dos atos processuais – designadamente, da apresentação de um articulado ou da junção de documento - restringem-se aos processos nos quais aqueles são praticados ou cumpridos, inexistindo fundamento legal que imponha ou sequer legitime o conhecimento, no âmbito de uma ação, de vicissitudes processuais ocorridas na tramitação de outras ações judiciais.
De resto, é o próprio CIRE que, sob a epígrafe Exercício dos créditos sobre a insolvência, expressamente estabelece que Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código durante o processo de insolvência. (art. 90º). Assim, da mesma forma que os credores que pretendam concorrer ao produto da liquidação (ou exercer todos os direitos processuais que o CIRE lhes atribui) estão onerados com a apresentação de reclamação de créditos ou, se for o caso, com a dedução de impugnação à lista de créditos reconhecidos pelo AI, os interessados no não reconhecimento de crédito reconhecido pelo AI ou na manutenção dos termos em que foi por este reconhecido ou não reconhecido, estão onerados com o ónus de impugnação da lista ou o ónus de resposta às impugnações que à mesma sejam deduzidas, nos termos e prazo especialmente previstos pelo CIRE. Com efeito, não existe fundamento legal que permita equiparar e reconhecer tais efeitos – de apresentação de reclamação, de impugnação à lista, e de resposta a impugnação – à mera apensação, ao processo de insolvência, de ações (declarativas ou executivas) que tenham por objeto crédito sobre a insolvência[15]. Nesta senda, a vingar a tese da recorrida – no sentido de reconhecer valor e efeito de resposta à impugnação à lista de créditos à contestação apresentada em ação anteriormente instaurada contra a insolvente e apensada ao processo de insolvência - o princípio da igualdade de armas processuais imporia aceitar como reclamação de créditos relevante em sede de processo de insolvência todas as petições das ações que se encontrassem naquela situação à data da declaração da insolvência, efeito que a jurisprudência é unânime em recusar, sendo certo que, de contrário, introduziria o caos na ordenação legal da tramitação processual que, como se sabe, visa tutelar o valor da segurança no exercício processual dos direitos, através da definição e estabilidade jurídica das situações processuais de acordo com a tramitação legal geral ou especificamente prevista de cada procedimento.
Concluindo, com fundamento nas normas citadas (arts. 131º, nº 3 do CIRE, 574º, nº 2, 607º, nº 4 e 662º, nº 1 do CPC), e sendo facto assente que a impugnação à lista deduzida pelos recorrentes não foi objeto de resposta pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado na improcedência da impugnação nos termos previstos pelos nº 1 e 3 do art. 131º do CIRE[16], cumpre proceder à alteração da decisão de facto, dando como provados por acordo os factos alegados na impugnação dos recorrentes.

vi)-Nesta tarefa, de definição do conteúdo da decisão de facto, mais se procede a outras modificações da decisão de facto para eliminar vícios ou erros de direito na sua elaboração, patologias que não correspondem a erros de apreciação ou de julgamento de facto, que não têm diretamente a ver com a formação de uma convicção própria assente no material probatório obtido, mas que devem ser oficiosamente sindicadas e solucionadas de imediato pela Relação[17]. No caso, o suprimento das lacunas que resultam da remissão para teor de documento, e a eliminação de juízo conclusivo de direito correspondente ao objeto do litígio.
A elaboração da decisão de facto por remissão para documento não potencia o seu cabal desempenho na função da realização da justiça do caso concreto, prejudicando o que deveria ser o princípio da suficiência da peça processual sentença para imediato conhecimento e compreensão dos seus fundamentos, que deveria bastar-se com a leitura do respetivo teor, incluindo a descrição de toda a matéria de facto considerada na sua fundamentação, sem necessidade de apelar à consulta e leitura de outras peças processuais para integração da materialidade fáctica por ela considerada relevante. Enquadra nessa incorreção o ponto 1 da decisão de facto que, dando por assente que a insolvente e o recorrente subscreveram documento epigrafado de contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal, limita-se a remeter para o mesmo e a dá-lo por reproduzido quando se impunha a descrição das declarações que o integram na qualidade de facto jurídico constitutivo da causa de pedir invocada pelos recorrentes.
A afirmação contida no ponto 10 dos factos provados – “A insolvente, P..., LDª – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., deve a LC   e HC, casados entre si, pelo menos uma quantia no valor de €229.452,56 ((€110.000+€120.000+€625+€1.410)-€2.582,44). – corresponde a “pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto[18].Com efeito, o aqui descrito corresponde a assumir como matéria de facto juízo jurídico-normativo que, além do mais, coincide com a resolução de questão de direito que o tribunal foi chamado a apreciar no âmbito da verificação e graduação de créditos, e ao qual o julgador não pode pretender dar resposta em sede de matéria de facto, mas ‘apenas’ assentar os factos que, na valoração jurídica que deles faz, sejam aptos a enquadrar aquela previsão legal. O julgamento e a decisão de facto não são o momento processualmente próprio para a resolução de questões de direito, máxime das que integram o objeto da ação e se impõe resolver em sede de apreciação do mérito do pedido por recurso às normas legais aplicáveis. Termos em que se impõe a eliminação do ponto 10 dos factos provados, sem prejuízo do valor jurídico-processual que em sede de enquadramento jurídico sempre se imporia extrair do reconhecimento do crédito naquele valor pelo AI e da ausência de impugnação do mesmo com fundamento em indevida inclusão ou incorreção do respetivo montante. 

vii)-Finalmente, o que vem declarado pelos recorrentes em sede de alegações impõe ressalvar da regra do art. 574º, nº 2 do CPC o alegado pagamento à insolvente da quantia inicial de €155.000,00 prevista no contrato promessa na medida em que os recorrentes expressa e claramente alegaram que, desse montante, apenas pagaram a quantia de €130.000,00, formulando pedido recursivo em conformidade com a redução de valor que resulta da confissão daquele facto (ausência de entrega/pagamento à insolvente da quantia de €25.000,00).

viii)-Em conformidade com todo o exposto, por referência ao alegado na reclamação e impugnação dos recorrentes, procede-se às seguintes alterações à decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido:
a)-adita-se ao ponto 2 o clausulado contido no documento a que reporta;
b)-consideram-se assentes por acordo os factos alegados pelos impugnantes e com relevância para o mérito do pedido mas que, por força do vício procedimental supra analisado, foram considerados não provados, descrevendo-os sob os pontos 3a), 9a), 9b) e 9c) dos factos provados, com consequente eliminação dos mesmos dos factos não provados;
c)-elimina-se o ponto 10, bem como os pontos 6 e 7 dos factos provados, estes, novamente, por se limitarem à remissão para documentos sem a mínima reprodução do seu teor e que, por si só, não descrevem factos relevantes para a apreciação e decisão da causa nem permitem afastar os alegados pelos recorrentes[19].

IV–Questões prejudicadas (1.2. e 2.)
Por via da solução dada à questão da falta de cumprimento do art. 131º, nº 3 do CIRE, que culminou com o suprimento da imputada omissão através do acolhimento dos factos alegados pelos recorrentes e consequente alteração da decisão de facto nos termos do art. 662º do CPC, resulta prejudicada a apreciação da nulidade da sentença com fundamento no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC (por não especificar os fundamentos de facto e de direito atinentes com o contrato promessa de compra e venda invocado pelos recorrentes, a razão pela qual os recorrentes detêm a chave e vivem no imóvel, e o fundamento de facto e de direito do valor do crédito que lhes foi reconhecido pela sentença recorrida), e igualmente prejudicada a impugnação da decisão de facto para inversão do sentido dos factos descritos sob as als. a) a f) dos factos não provados, e ampliação do teor dos pontos 8, 10 e 11 dos factos provados.

V–Fundamentação de Facto

i)-Transcreve-se a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido contendo as alterações supra enunciadas[20]:
1.- No dia 15 de Maio de 2006, a insolvente, P...– Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., na qualidade de primeira contratante, e LC, na qualidade de segundo contratante, subscreveram documento intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal”,
2.- Desse documento consta o seguinte clausulado:
Artigo 1º
A primeira contratante é dona e legítima possuidora de um terreno com moradia em construção, sita na Rua…, Quinta…, lote 13, …,  inscrito sob o artigo … da 3ª Repartição de Finanças de … e com a descrição predial nº …./9....3 da 2ª Conservatória de Registo Predial de ….
Artigo 2º
A primeira contratante promete vender aos segundos, que prometem comprar o terreno e a moradia descritos no Artº 1º pelo preço de 275 000,00 € (duzentos e setenta e cinco mil euros).
Artigo 3º
A primeira contratante, recebe neste acto dos segundos a quantia de 155 000 € (cento e cinquenta e cinco mil euros) como sinal e princípio de pagamento, dando-lhe a correspondente quitação.
Artigo 4º
O terreno e moradia referidos no Artº 1, são vendidos livres de ónus e encargos ou quaisquer responsabilidades na data da Escritura Pública.
Artigo 5º
A moradia em causa deverá ser completamente construída e pronta a habitar na data da escritura pública que deverá ser celebrada até ao dia 31/03/2007.
Artigo 6º
(…)
Artigo 7º
A restante parte do preço de 120 000€ (cento e vinte mil euros) será liquidada com 8 (oito) reforços de sinal mensais de €15 000,00 (quinze mil euros) com início em 30/05/2006.
Artigo 8º
As despesas com a compra, nomeadamente o IMT registos e escritura de compra e venda são da conta dos Promitentes Compradores.

3.–O imóvel apreendido nos autos sob a verba n.º1, sito na Rua…, na Quinta…, corresponde ao imóvel sito na Rua…, lote 13, na Quinta…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº… da freguesia do … (fls. 117, cujo teor se dá por reproduzido).
3a)- Os impugnantes procederam aos pagamentos inicial e subsequentes estabelecidos no contrato promessa, com exceção do montante inicial de €155.000,00, do qual apenas pagaram €130.000,00, destinado ao pagamento do terreno que a insolvente adquiriu para construção do prédio prometido vender aos recorrentes.

4.–No dia 1 de agosto de 2005, a insolvente, representada por LC, à data seu sócio gerente, prometeu comprar, pelo preço de €105.000, o imóvel identificado no ponto 3, à data um terreno para construção, tendo entregue aos promitentes vendedores, a título de sinal e princípio de pagamento, uma quantia no valor de €10.000 (doc. 3 junto com o requerimento de 23 de janeiro de 2023, cujo teor se dá por reproduzido).

5.–No dia 15 de maio de 2006, por escritura pública, em cumprimento do acordo referido no ponto 4, a insolvente, representada por JS, comprou, pelo preço de €95.000,00, o imóvel identificado no ponto 3, à data um terreno para construção (doc.4 junto com o requerimento de 23 de janeiro de 2023).

6. eliminado

7.eliminado

8.–No dia 18 de abril de 2007, por escritura pública, a insolvente, P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., ajustou com a Caixa Económica Montepio Geral um acordo de mútuo, nos termos do qual a segunda emprestou à primeira uma quantia no valor de €130.000, que se obrigou a restituí-la nos termos ajustados, e que resultam de fls. 12 a 28, cujo teor se dá por reproduzido, para garantia de cujo efetivo pagamento constituiu hipoteca voluntária sobre o imóvel identificado no ponto 3.
9.–A licença de utilização do imóvel referido no ponto 3 foi emitida no dia 11 de Março de 2008.
9a)- A obra estava praticamente concluída desde princípios do ano de 2008.
9b)- Perante as insistências dos impugnantes para celebração da escritura publica de compra e venda junto da insolvente, em virtude de os reclamantes terem efetuado o pagamento integral do preço acordado, em finais de setembro de 2008 o sócio e gerente desta entregou-lhes as chaves do prédio para que dele ficassem já possuidores.
9c)- Os reclamantes passaram a usar o imóvel, dele usufruindo convictos de que era seu.

10. eliminado.

11.–LC encontra-se a viver no imóvel identificado no ponto 3.

ii)-Do relatório da sentença recorrida mais constam descritos os seguintes factos:
12.–Foram apreendidos para a massa insolvente seguintes bens imóveis:
a)-(verba n.º1) prédio urbano sito na Rua…, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº… da freguesia do … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….;
b)-(verba n.º2) prédio urbano sito em A…, parcela A, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … da freguesia da … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …;

13.–Sobre a verba n.º1 incide hipoteca voluntária inscrita pela AP..., LDª 5 de 2007/03/30, constituída para garantia da satisfação efetiva de créditos da Caixa Económica Montepio Geral até ao montante máximo de €199.225.

iii)-Do apenso de liquidação e da declaração apresentada pelo AI no âmbito da ação em apenso C resultam os seguintes factos:
14.–Notificado para o efeito em 27.05.2015 no âmbito dos autos em apenso C, o AI declarou recusar o cumprimento do contrato promessa aludido em 1 e 2 nos termos do art. 102º, nº 1 do CIRE e, interpelado para relatar o estado da liquidação, declarou aguardar a resolução da discussão judicial atinente com aquele contrato para proceder à venda do imóvel (por ele declarado prometer vender e comprar).

VI–Fundamentação de Direito

1.–Arrogam-se os recorrentes a direito de crédito sobre a insolvência no montante de € 550.000,00, correspondente ao dobro dos pagamentos a que procederam no âmbito de contrato promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente, esta na qualidade de promitente vendedora e aqueles na qualidade de promitentes compradores, tendo por objeto imóvel que veio a ser apreendido para a massa insolvente, sobre o qual mais reclamam direito de retenção para garantia de pagamento do seu crédito com preferência sobre os demais credores.
A sentença recorrida, apesar de sob o ponto 1 dos factos provados ter assentado que “No dia 15 de Maio de 2006, a insolvente, P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., e LC  subscreveram o documento junto aos autos a fls. 82 a 84, intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal”, documento do qual constam declarações negociais emitidas pela insolvente e pelos recorrentes - de promessa de compra e de venda do imóvel pelo preço de €275.000,00 - que o tribunal a quo ali deu por reproduzidas, em perfeita e diametral contradição com esse mesmo facto,, sob a al. a) dos factos não provados julgou como não provado que “[n]o dia 15 de Maio de 2006, pelo instrumento referido no ponto 1 dos factos provados, a P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda. e LC  e HC , casados entre si, declararam, respetivamente, prometer vender e prometer comprar o imóvel identificado no ponto 3 dos factos provados, pelo preço de €275.000,00.” Contradição e impossibilidade ontológica – por traduzir a afirmação e a negação da mesma realidade empiricamente observável - que não é juridicamente sanada pelo teor da motivação do julgamento de facto, no âmbito da qual, para justificar os factos não provados, o tribunal a quo consignou que “[d]a conjugação das declarações de LC  com as declarações de JS, das quais resulta ser o negócio entre ambos ajustado diverso do que resulta do escrito referido no ponto 1 dos factos provados.”, conjugando-as ainda com a apreciação crítica do teor dos documentos 7 e 8 apresentados na ação em apenso C e que, a requerimento da insolvente, parcialmente deferido pelo tribunal, foram juntos a estes autos. Com efeito, não obstante a relevância jurídica da factualidade exposta em sede de motivação – por abstratamente suscetível de modificar os efeitos jurídicos que decorrem da subscrição de documento contendo recíprocas declarações de promessa de compra e de venda, pressupondo uma divergência entre a declaração negocial formalizada no documento e a vontade ou efeito real visado pelos declarantes e, assim, configurar matéria de exceção ao facto jurídico que constitui a causa de pedir do crédito reclamado pelos recorrentes -, para além do que supra se expôs a respeito dos efeitos legais da ausência de resposta à impugnação nos termos do art. 131º, nº 3, em sede de decisão de facto o tribunal sempre se depararia, como se deparou, com as limitações que resultam do princípio do dispositivo que, cumprindo o estabelecido no art. 5º, nº 1 do CPC, o impediu de, em sede de apreciação da impugnação apresentada à lista de créditos, julgar como provados factos essenciais não alegados pelas partes. Contradição que refletiu em sede de apreciação de direito ao consignar que “[d]a realidade demonstrada não resulta que entre a insolvente, P...– Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., e os credores reclamantes LC e HC  tenha sido ajustado um contrato nos termos do qual a primeira declarou prometer vender e os segundos declararam prometer comprar o imóvel identificado no ponto 3 dos factos provados, pelo preço de €275.000” e que, como resulta de todo o antes exposto, não pode manter-se, impondo-se seja igualmente sanada pela consideração, em sede de enquadramento jurídico, do sentido objetivo das declarações negociais emitidas e formalizadas pela insolvente e pelos recorrentes no documento descrito nos pontos 1 e 2 da decisão de facto.
2.–As referidas declarações negociais - documentadas e assentes nos autos -  revelam a celebração de um contrato promessa de compra e venda de imóvel formalizado em documento particular subscrito pela insolvente e pelos recorrentes, nos termos e com os efeitos previstos pelo art. 410º, nº 1 e 2 do Código Civil (CC). Embora sem reconhecimento presencial de assinaturas ou sem menção a licença de habitabilidade nos termos previstos pelo art. 410º, nº 3 do CC, a inobservância das referidas formalidades consagra um regime de invalidade mista, não sendo invocável por terceiros nem oficiosamente cognoscível ou sanável pelo tempo - só a parte não culpada pela preterição do reconhecimento notarial das assinaturas e da certificação da licença de utilização do imóvel tem legitimidade para invocar a nulidade formal ali prevista, estando por isso vedado o respetivo conhecimento oficioso[21].
Temos então a existência válida e/ou eficaz de um contrato promessa de compra e venda cujo objeto principal não foi cumprido na medida em que cada uma das partes não chegou a emitir as declarações negociais prometidas que permitissem o encontro de vontades capaz de formalizar o prometido contrato de compra e venda, obrigações de facere que se mantinham plenamente em vigor e em tempo à data da declaração da insolvência por não existirem elementos que permitam concluir que o mesmo foi resolvido por falta de interesse dos recorrentes ou por uma qualquer impossibilidade física ou jurídica do imóvel prometido vender e comprar, que é afastada pela apreensão do imóvel para a massa insolvente através do registo definitivo da sentença de declaração da insolvência na respetiva ficha predial.
Para uma breve contextualização do regime geral legal das consequências do incumprimento (lato senso) do contrato promessa, deste decorre que a situação de mora no seu cumprimento gera para o promitente não faltoso a possibilidade de optar: ou pelo seu cumprimento coercivo, através da ação declarativa comum (constitutiva) para execução específica do contrato promessa a que alude o art. 830º do CC, com a qual obtém a produção dos efeitos positivos do contrato promessa, que pressupõe a manutenção do interesse do promitente não faltoso na celebração do contrato definitivo; ou pela resolução do contrato nos termos dos arts. 432º e ss. do CC, através da convolação da mora em incumprimento definitivo, o que pressupõe, ou a impossibilidade de celebrar o contrato prometido, nos termos do art. 801º do CC, ou a perda de interesse do promitente não faltoso na sua celebração que, nos termos do art. 808º do CC, é apreciada objetivamente. O cumprimento coercivo do contrato promessa (a execução específica) pressupõe, em regra, uma situação de mora, conforme prevista pelo art. 804º, nº 2 do CC, e a manutenção do interesse contratual positivo do promitente cumpridor[22]. No contexto oposto, do interesse contratual negativo, o direito à restituição das quantias pagas e/ou à indemnização corresponde a direito de crédito que, ante de mais, pressupõe o efetivo pagamento de quantias pelo promitente não faltoso, e só tem lugar com o incumprimento definitivo do contrato promessa, designadamente, através do exercício do direito potestativo de resolução do contrato[23] ou em caso de recusa ou de impossibilidade de celebração do contrato pelo promitente faltoso.
Nos termos dos arts. 433º, 434º, 289º, nº 1, 801º, nº 2 e 808º do CC, só o incumprimento definitivo do contrato investe o promitente adimplente no direito à repetição do que prestou, e na medida em que o prestou, e/ou à indemnização circunscrita ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, assistindo-lhe o direito de se ver colocado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado[24]. De acordo com o regime legal geral, o efeito típico da resolução do contrato é a restituição de tudo o que foi prestado. Desta regra excetuam-se as situações em que existe sinal, por força do estatuído pelo art. 442º, nº 2 do Cód. Civil. Estabelece o art. 441º que No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. A constituição de sinal acarreta importantes consequências ao nível do incumprimento da promessa, como decorre do estatuído pelo nº 2 do art. 442º do Código Civil. Assim, nos termos deste preceito legal, se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, sendo isso mesmo que vem peticionado pelo credor.
3.–Com a declaração da insolvência de pelo menos uma das partes no contrato decorrem efeitos sobre os negócios bilaterais do insolvente que a essa data se encontrem em situação de mora no cumprimento total ou parcial das prestações que do mesmo emerge para cada uma das partes (e já não sobre os contratos já resolvidos/extintos à data da declaração[25]), os quais passam a ficar sob a alçada de regime legal especial falimentar previsto nos arts. 102º e ss., designadamente, do princípio geral da suspensão do cumprimento dos negócios em curso até que o AI declare optar pela execução ou pela recusa do seu cumprimento (nº 1 do art. 102º), faculdade unilateral e potestativa que o legislador atribuiu expressamente ao AI. Exceto na situação prevista pelo art. 106º, nº 1 do CIRE – contrato promessa com eficácia real, que não se verifica no caso – à contraparte a lei concedeu apenas a faculdade de [f]ixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento (cfr. nº 2 do art 102º). Na ausência de interpelação do AI pelo promitente não faltoso, a recusa de cumprimento pode ser por aquele manifestada, quer expressamente (como sucedeu nestes autos), quer tacitamente, como sucede quando prossegue e/ou consuma a venda dos bens a terceiro no âmbito da liquidação da massa insolvente, assim como quando reconhece o crédito emergente desse contrato sem o sujeitar à condição do seu cumprimento, na medida em que o reconhecimento do direito de crédito não é compatível/cumulável com o cumprimento do contrato posto aquele pressupor o seu incumprimento definitivo. Condutas “em que se torna certo que o administrador da insolvência não cumprirá o contrato (…)[26], como ocorre no caso, e que determinam a extinção do contrato e a constituição do direito de crédito que do mesmo decorra.
4.–Na definição e apuramento do direito de crédito a reconhecer à contra-parte de contrato promessa no âmbito do processo de insolvência, o art. 106º do CIRE remete para o disposto no nº 5 do art. 104º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente vendedor. Dispõe o art. 104º, nº 5 que Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no nº 3 do artigo 102º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objeto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, atualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no nº 2 do artigo 91º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário.
Resulta patente que, optando o AI pela recusa de cumprimento do contrato, o legislador quis afastar como efeitos indemnizatórios os previsto pelo art. 442º do CC, remetendo nessa matéria expressamente e apenas para o art. 104º, nº 5 do CIRE (e já não para o nº 1 ou 2 desta norma) a determinação dos efeitos da reusa de cumprimento do contrato pelo AI e, por via indireta, para o art. 102º, nº 3 do CIRE[27]. Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 18.09.2018, assim sumariado: I- A opção do administrador da insolvência pelo não cumprimento da promessa de venda feita pelo insolvente, dotada de eficácia meramente obrigacional, constituiu um ato lícito e não culposo.//II- Sendo assim, não é adequado trazer à discussão o n.º 2 do art. 442.º do CC (seja por aplicação direta seja por analogia), pois que a atuação do regime do sinal ali prevista pressupõe um incumprimento definitivo, ilícito e culposo dos próprios contratantes (anteriormente à declaração da insolvência), não se podendo fazer equivaler a opção lícita de não cumprimento do administrador da insolvência a esse incumprimento ilícito e culposo.//III-O direito do credor promissário deve ser encontrado exclusivamente no CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos respetivos arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, al. c).[28] Assim, da conjugação das normas citadas resulta que em caso de recusa de cumprimento do contrato de promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência, a outra parte, sendo o promitente comprador, tem direito, como crédito sobre a insolvência, à diferença entre o valor da coisa na data da recusa e o montante do preço acordado mas ainda não pago, atualizado para a data da declaração de insolvência nos termos do nº 2 do art. 91º.
No caso não existem elementos que permitam o apuramento do valor de mercado do imóvel à data da recusa pelo AI – que, tacitamente, coincide com a apresentação da lista de créditos reconhecidos, da qual consta reconhecido crédito dos recorrentes com fundamento no contrato promessa em questão e sem a sujeição a qualquer condição. Porém, nesta matéria, por acórdão nº 3/2021 de 27.04.2021 o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou a seguinte jurisprudência: “Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º2, 104.º, n.º5, e 102.º, n.º3, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março.”
Do contrato promessa fundamento do direito de crédito em discussão consta declarado que, até à celebração da compra e venda prometida, os promitentes compradores se obrigam a entregar à promitente vendedora, aqui insolvente, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, a quantia total de € 275.000,00.
Não sendo elemento essencial do contrato, e sem que com ele se confunda, a constituição de sinal corresponde a elemento contratual acessório usual no âmbito dos contratos promessa de compra e venda, máxime, dos que têm por objeto a celebração de contrato de compra e venda de imóvel. A convenção do sinal tem natureza real quanto à constituição, isto é só se considera convencionado quando houver entrega da coisa que constitui o seu objeto, traduzindo-se assim na entrega de uma coisa por um dos contraentes ao outro, desde que a essa entrega seja atribuído o carácter de sinal. Tipicamente é constituído em dinheiro ou coisas fungíveis, mas nada obsta a que seja constituído em coisa diversa de coisa fungível.
Assim, o direito de crédito a que os recorrentes se arrogam tem em primeira linha como fundamento jurídico a convenção de sinal e de pagamento de preço prevista no âmbito da celebração do contrato promessa, que foi por eles parcialmente cumprida mediante a entrega de €250.000,00. Assente que está a entrega de sinal pelos recorrentes no referido montante, resta extrair as assinaladas consequências da declaração de insolvência e da recusa de cumprimento do contrato promessa na determinação do montante do crédito que dela emerge, que não pode exceder o correspondente ao montante entregue a título de sinal, afastada que está pelos arts. 102º e ss. do CIRE a restituição do sinal em dobro prevista pelos arts. 441º e 442º do Código Civil, e na medida em que não vem alegado o valor, à data da recusa de cumprimento, do imóvel prometido vender.   
6.–Os recorrentes mais reclamam o reconhecimento de direito de retenção sobre o imóvel prometido vender pela insolvente, direito que a sentença recorrida negou “atenta a realidade demonstrada”, que terá pretendido reportar à ausência de demonstração da celebração do contrato promessa de compra e venda e da entrega das chaves do imóvel pela insolvente nos termos alegados pelos recorrentes. Pressupostos factuais que aqui foram considerados assentes, a par com o facto de o recorrente residir naquele imóvel, e que alteram os pressupostos em que assentou o sentido da decisão recorrida.
Estabelece o art. 755º, al. f) do Código Civil que o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa prometida vender goza de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, direito que lhe confere preferência de pagamento sobre outros créditos, incluindo os garantidos por hipoteca constituída sobre o imóvel dele objeto, independentemente da data da constituição do direito de retenção e do registo da hipoteca (cfr. art. 759º, nº 2 do Cód. Civil). A tradição da coisa, na lição do Prof. Calvão da Silva, “é entrega ou transmissão da detenção material ou simbólica, v. g. entrega das chaves (artigo 1263, al. b)), prática de actos materiais que estabeleçam uma relação de facto do promitente-comprador com a coisa (art. 1263, al. a)), numa palavra, «abandono» da coisa pelo promitente-vendedor e correspondente «apprehensio» ou tomada de poder sobre ela pelo promitente-comprador.”[29]
Como se referiu, o contrato promessa de compra e venda em questão é gerador de efeitos meramente obrigacionais e dele também não decorre a transmissão da posse, que apenas tem lugar quando o proprietário entrega efetivamente ao promitente comprador a coisa por ele prometida vender, mais se exigindo que essa transmissão corresponda à vontade das partes, a valorar com acuidade em função da motivação, circunstâncias ou alcance do acordo relativo à entrega[30]. Conforme acórdão do STJ de 04.12.2007[31], “A entrega antecipada do imóvel, traditio, na vigência do contrato-promessa, não é um efeito do contrato, resulta apenas de uma convenção de natureza obrigacional entre o promitente-vendedor [dono da coisa] e o promitente-comprador.” A designada traditio que, perante o incumprimento do contrato pelo promitente vendedor, e nas condições e termos previstos pelo art. 754º do CC, é constitutivo do direito de retenção que a lei reconhece ao promitente comprador para garantia de pagamento do seu crédito, conforme finalidade que lhe é legalmente reconhecida e tipificada.
Revertendo ao caso, a natureza do imóvel – moradia -, conjugada com os factos dados como provados sob os pontos 9. a 9c), impõem concluir pela existência de tradição do imóvel juridicamente relevante por correspondente a ato voluntário da insolvente no contexto da prestação já cumprida pelos recorrentes, correspondente à quase totalidade do preço acordado para pagamento do imóvel, no qual o recorrente se encontra a residir. Elementos que permitem concluir pela utilização particular/não profissional do imóvel e, assim, pela qualidade de consumidor dos recorrentes nos termos restritos adotados por acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2014, e, assim, pela verificação dos pressupostos do direito de retenção.
Resumindo com os termos magistralmente sintetizados por acórdão desta secção de 26.04.2022[32]:
- O crédito reclamado pelo promitente comprador consumidor, goza do direito de retenção (art. 755º nº 1 alínea f) do Cód. Civil), o que significa, no âmbito da insolvência, que deve ser graduado antes do crédito garantido por hipoteca, conforme fixado no acórdão de 20-03-2014 (AUJ nº 4/2014); este AUJ (apenas) refletiu sobre o confronto entre o direito de retenção e a hipoteca, e razões da atribuição de prevalência;
- Promitente comprador consumidor é aquele que destina a coisa, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa, conforme fixado no acórdão de 12-02-2019 (AUJ nº 4/2019); este AUJ limitou-se a fixar o conceito juridicamente relevante, para o efeito em apreço, da qualidade de promitente comprador consumidor;
- O valor do crédito a que o promitente comprador consumidor tem direito a ser ressarcido é o valor correspondente à prestação que efetuou (arts. 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do CIRE), conforme fixado pelo acórdão de 27-04-2021 (AUJ nº 3/2021); este AUJ, partindo da uniformização de jurisprudência feita pelos acórdãos anteriores, apreciou exclusivamente sobre o montante do crédito devido ao promitente comprador (crédito sobre a insolvência).

De todo o exposto resulta que, na procedência parcial da apelação, impõe-se revogar a sentença recorrida e substitui-la por decisão de reconhecimento do direito de crédito dos recorrentes sobre a insolvência no montante de €250.000,00, garantido por direito de retenção sobre o imóvel apreendido nos autos, com preferência de pagamento sobre o crédito do credor Montepio garantido por hipoteca constituída sobre o mesmo imóvel.
 
VII–Do incidente de litigância de má fé:

B2)- Dos pressupostos da litigância de má fé

De harmonia com o disposto no art. 542º, nº 2 do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)- Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)- Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)- Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)- Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A litigância de má fé corresponde a conduta processual ilícita por assunção de condutas ou uso indevido de procedimentos judiciais, abrange condutas praticadas com dolo ou negligência grave, e pressupõe a responsabilidade subjetiva da parte, isto é, um juízo de culpa. Coloca-se em duas vertentes: a má fé material ou substancial, que respeita ao conteúdo da relação jurídica material e ao mérito da causa, à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. a) e b), e a má fé instrumental, que concerne à relação jurídica processual, e à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. c) e d).
A tutela do instituto da litigância de má fé incide sobre a atuação processual da parte, isto é, sobre atos praticados ou omitidos no processo. Nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta, e L. Sousa, “Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios.[33] No essencial na base da má fé está um requisito essencial: a consciente ou, no mínimo, a exigível consciência de ausência de razão ou desconformidade do procedimento/atuação adotada com a lei (processual e/ou material). A sua forma mais empírica ocorre quando se “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.”.[34]
Os recorrentes alegam que a insolvente, através do seu legal representante, sabe que os factos por eles alegados na reclamação e na impugnação correspondem à verdade e que, não obstante, em sede de julgamento apresentou uma versão desconforme com essa realidade, atinente com a natureza do contrato celebrado, os montantes entregues, e a entrega das chaves do imóvel.
O tribunal recorrido teceu considerações jurídicas atinentes com os pressupostos da litigância de má fé e, sem mais, concluiu que atento o supra decidido e a realidade demonstrada e não demonstrada, nada permite concluir que a insolvente, com dolo ou negligência grave, tenha, deduzido oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterado a verdade dos factos ou omitidos quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
Apreciando, adianta-se o acerto da decisão recorrida, no sentido de os autos não conterem elementos suscetíveis de, por si só, concretizar os pressupostos da litigância de má fé, designadamente e o que cumpre aferir, os previstos pelas als. a) e b) do preceito acima citado invocados pelos recorrentes, “pretensão que bem sabe não corresponder à verdade dos factos e “não podendo ignorar a falta de fundamento da acção que interpôs”.
Antes de mais, e o que se nos afigura imediatamente decisivo, a insolvente não deduziu resposta à impugnação à lista de créditos apresentada pelos recorrentes pelo que, logicamente, nestes autos de reclamação e graduação de créditos – os únicos em que se move a apreciação que ora se faz -, não opôs, de forma juridicamente relevante, uma versão contrária à versão alegada pelos recorrentes e que a lei processual impusesse considerar e valorar em função do resultado da prova. Sem prejuízo, acresce que, para além das patologias processuais de que enfermava, a decisão de facto da sentença recorrida reflete a valoração (processualmente indevida) do tribunal a quo sobre os meios de prova produzidos em sede de instrução (também processualmente indevida) relativamente aos elementos de facto referidos pelos recorrentes, sem que corresponda a resultado imposto pela verificação de elemento probatório contundente e incontornável de acordo com as regras probatórias de direito material – como o será, por exemplo, a objetividade do teor das declarações negociais formalizadas por escrito subscrito pelas partes, cuja autoria, nada sendo alegado em contrário, a elas se impõe imputar. A convicção formada no âmbito da livre apreciação da prova constitui a valoração da prova produzida feita pelo julgador e conduz à verdade processual a considerar em sede de enquadramento jurídico; mas daí não resulta que esta corresponda à verdade real e insofismável da descrição factual atingida – apenas que a prova que desta foi feita foi mais convincente que a produzida em sentido diverso.
Acresce que a falta de coincidência entre os elementos de identificação do imóvel descritos no contrato e os que constam da matriz e do registo do imóvel apreendido é uma questão de facto que, conforme supra se expôs, se impõe por ela própria, pelo mero confronto objetivo de uns e outros elementos de identificação e que ao tribunal sempre competiria averiguar, sendo certo que essa questão foi suscitada nos autos pelo credor Montepio e não pela insolvente.
Não releva igualmente para preencher o pressuposto da consciência da falta de fundamento da sua pretensão a oposição que a insolvente anteriormente apresentou na ação que os recorrentes instauraram anteriormente à instauração do processo de insolvência, não só porque essa atividade foi produzida noutro processo e era neste que se impunha valorar, mas também porque ali não se chegou a conhecer do mérito de facto e de direito das pretensões dos recorrentes e da oposição que às mesmas foi deduzida.
Com o que se conclui reiterando o acerto da decisão recorrida, de não verificação de conduta suscetível de enquadrar a má fé pressuposta pelo instituto sanção em apreço, o que nesta parte impõe a confirmação da sentença recorrida.

IV–Das custas
Nos termos dos arts. 527º, nº 1 e 539º, nº 1 do CPC e 7º, nº 2 e 4 do RCP, cabe alterar a condenação em custas a cargo dos recorrentes proferida pela sentença recorrida e, nos termos do art. 303º do CIRE, condenar apenas nas custas da apelação o que, de acordo com a regra do decaimento e por referência ao valor do crédito reclamado e ao valor aqui julgado verificado, são a cargo dos recorrentes e da insolvente na proporção do respetivo decaimento.
Aos recorrentes mais se imputam as custas do incidente de litigância de má fé por nele ter decaído, com taxa de justiça no mínimo legal em cada uma das instâncias.

VDECISÃO:

Por todo o exposto, as juízas desta secção acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, em revogar a sentença nos segmentos recorridos, que se substitui por outra a julgar verificado o crédito dos recorrentes pelo montante de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) garantido por direito de retenção sobre o imóvel descrito sob a verba nº 1 do auto de apreensão, a graduar em 1º lugar pelo produto da venda deste imóvel e, em 2º lugar, o crédito da Caixa Económica do Montepio Geral, mantendo-se no demais a sentença recorrida, incluindo a absolvição da insolvente do incidente de litigância de má fé deduzido pelos recorrentes.
Sem custas da reclamação/impugnação na 1ª instância.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes e da insolvente na proporção do respetivo decaimento, considerando para o efeito o valor do crédito por aqueles reclamado e o aqui julgado verificado.
Custas do incidente de litigância de má fé a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça no mínimo legal em cada uma das instâncias.


Lisboa, 16.01.2024



Amélia Sofia Rebelo
Teresa Henriques
Rosário Gonçalves


[1]Vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss.
[2]A. Geraldes, ob. cit. p. 25.
[3]CPC Anotado, vol. 2º, 4ª ed., p. 734.
[4]Factos instrumentais, factos complementares e/ou concretizadores de factos essenciais alegados pelas partes, e factos notórios e outros do conhecimento oficioso do tribunal.
[5]Vd. João Castro Mendes, In Direito Processual Civil, IIº vol., Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, p 802.
[6]Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 4ª ed., p. 737.
[7]Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03/10/2017: II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. // III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. // IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. // V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.
[8]A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. cit., p. 672.
[9]Ob. cit., p. 742.
[10]Ob. cit., p.  726.
[11]Conforme defende Abrantes Geraldes, Com efeito, nos termos do art. 663º, nº 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre os quais se insere o art. 607º, nº 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (que agora integra também a decisão sobre os “temas de prova”) os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito (ob. cit. p. 234).
[12]Nesse sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 250: Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma objectiva omissão de factos relevantes.; e acórdão desta Relação de 21.10.2014 proferido no processo nº 700/13.5TVLSB.L1-1: Se nos autos existir prova documental que imponha decisão diversa, é possível, ao abrigo do estatuído no n.º 1 do art.º 662º do CPC 2013, ao Tribunal da Relação alterar a decisão proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto ainda que tal não tenha sido peticionado pelo recorrente.(disponível na página da dgsi).
[13]No sentido de que “a não dedução de reclamação não preclude a possibilidade de vir a ser interposto recurso da seleção da matéria de facto.”, J. Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, p. 100.
[14]Ob. cit., Vol. I, p. 22.
[15]Ao invés, dos nºs 1 e 2 do art. 85º e do art. 88º resulta que a apensação de ações ao processo de insolvência tem como único objetivo a definição do ativo, dos bens que devam integrar a massa insolvente, restringindo-se a este âmbito os efeitos por aquela produzidos.
[16]Cabendo aqui a discussão sobre a legitimidade ou, pelo menos, o interesse em agir do devedor insolvente na discussão de cada um dos créditos inscritos nas listas elaboradas pelo administrador da insolvência.
[17]Vd. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., p. 333-334, e 348.
[18]A. Geraldes, ob. cit. p. 350-351.
[19]Os pontos 6 e 7 têm o seguinte teor: Os documentos 7 e 8 juntos a fls. 140 a 142, cujo teor se dá por reproduzido, foram escritos pelo punho e letra de LC ;//JS subscreveu, em representação da P... – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., os documentos que resultam de fls. 97v a 101, cujo teor se dá por reproduzido.
[20]Inserem-se a italico as alterações introduzidas à decisão de facto da sentença recorrida para cabal e imediata perceção das mesmas.
[21]Vd., entre outros, Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, Almedina, 1990, p 46 e ss.
[22]Nesse sentido, entre outros, Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, ed. Almedina, 2000, p.  223, e Calvão da Silva, Sinal e Contrato promessa, ed. Almedina, 2010, p. 161-163.
[23]Vd., por todos, Calvão da Silva, ob. cit., p. 82 e ss., e em especial a resenha do problema na doutrina e na jurisprudência a p. 87 e ss.
[24]Vd. Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed. p. 104 e ss. e Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed. p. 420
[25]Nesse sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 08.02.2022 e de 05.04.2022, proc. nº 1559/12.5TBBRG-R.G1.S1 e 2949/15.7T8VFX-B.L1.S1, disponíveis na página da dgsi.
[26]Acórdão do STJ de 12.02.2019.
[27]Vd. Catarina Serra, ob. cit. p. 235, e Gisela César, ob. cit. p. 226 e ss.
[28]Proferido no processo nº1210/11.0TYVNG-D.P1.S1. No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 09.04.2019, proferido no processo nº 872/10.0TYVNG-8P1.S1, ambos disponíveis na página da dgsi e que naquela questão se distanciaram da posição contrária adotada pelo STJ no acórdão de 20.10.2011, proferido no processo nº 273/05.2TBVGA.C1.S. No mesmo sentido, acórdão da RP de 07.02.2022, proc. nº 4183/16.0T8VNG-E.P1.
[29]Ob. cit., 11ª ed., pág. 108.
[30]Vd. Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 650.
[31]Proc. 07A4070, dgsi.
[32]Proferido no proc. nº 801/12.7TYLSB-F, relatado por Isabel Fonseca e subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, disponível na página da dgsi.
[33]CPC Anotado, I Vol., 2ª ed., p. 617.
[34]Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, páginas 355 a 358.