RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
Sumário


I. O objeto da prestação alimentar no caso de o credor ser ainda menor é mais amplo do que a que resulta do n.º 1 do art. 2003º do CC, em geral, para as prestações de alimentos, pois abrange também as despesas respeitantes à instrução e educação (art. 1885º), assim como as que decorrem do cumprimento dos deveres integrados nas responsabilidades parentais (art. 1878º)
II. Os elementos constitutivos da obrigação de alimentos são, por um lado, a necessidade de alimentos do alimentando (credor) e, por outro, a possibilidade de prestação por parte do alimentante (devedor) - art. 2004º do Cód. Civil.
III. Tais elementos desempenham uma dupla função, porquanto são, simultaneamente, pressupostos da constituição e da permanência da obrigação de alimentos e critérios de determinação do respetivo quantum.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA intentou – junto do Juízo de Família e Menores ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ... – a presente acção tutelar cível para regulação do exercício das responsabilidades parentais contra BB, em relação aos filhos menores de ambos CC, nascido a .../.../2009, e DD, nascida .../.../2013.

*
Designada data para realização da conferência de pais a que alude o art. 35.º do RGPTC foi fixado regime provisório quanto ao exercício das responsabilidades parentais tendo as crianças ficado a residir com o pai, fixando-se contactos telefónicos diários e uma pensão a cargo da progenitora no montante de € 100,00 para cada um dos filhos (ref.ª ...48).
*
As partes foram notificadas para alegar e para apresentarem o requerimento probatório - cfr. art.º 39.º, n.º 4 do RGPTC (ref.ª ...56).
*
Ambos os pais apresentaram alegações, tendo indicado os respetivos meios probatórios (ref.ªs ...50 e ...40).
*
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, no início da qual os progenitores acordaram quanto ao regime do exercício das responsabilidades dos seus filhos, à excepção do relativo aos alimentos (ref.ªs ...39, ...15, ...20 e ...10).
*
Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...84), nos termos da qual decidiu:
«A - Estabelecer o seguinte regime do exercício das responsabilidades parentais, quanto aos alimentos, em relação a CC, nascido a .../.../2009 e DD, nascida .../.../2013:
1. A progenitora pagará mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de € 150,00 para cada um dos filhos, através de transferência bancária.
2. A tal valor acrescerá a comparticipação, na proporção de metade, de todas as despesas médicas e medicamentosas (extraordinárias), bem como as escolares do início do ano.
3. Estas despesas serão pagas, em 30 dias, após comprovação (apresentação de recibo) a transmitir ao progenitor via email ou qualquer outra forma electrónica.
4. A pensão de alimentos será actualizada em € 5,00 anuais, na prestação de Janeiro de cada ano, a partir de 2025.
5. A progenitora pagará metade das despesas com a frequência escolar no Colégio... em relação a ambos os filhos.
B - Condenar a progenitora como litigante de má-fé, condenando-se em multa no montante de 2 UC’s.
C - A progenitora suportará as custas do processo.
(…)».
*
Inconformada, a requerida BB interpôs recurso dessa sentença (ref.ª ...99) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«a. Vem o presente recurso interposto da decisão que determinou que a Recorrente deverá pagar, para além de pensão alimentícia e comparticipação em outras despesas, “metade das despesas com a frequência escolar no Colégio... em relação a ambos os filhos”.
b. O Recorrente não se pode conformar com o teor de tal decisão.
c. Da decisão recorrida e dos próprios autos não ressalta qualquer facto palpável que ateste que a Recorrente aufere “pelo menos” € 3.800,00 (três mil e oitocentos euros).
d. A decisão recorrida caracteriza-se pela ausência da factualidade em que se estrutura, não se sustentando no texto da decisão recorrida, com a acuidade que se impõe, e com factos e circunstâncias concretas a razão de ser da ilação;
e. Não houve zelo pelo Tribunal a quo, no sentido de apurar e se inteirar, primordialmente, das condições financeiras reais da Recorrente;
f. A decisão recorrida se limitou a assumir que a Recorrente ganharia “pelo menos” € 900,00 (novecentos euros) todos os meses com novos processos.
g. Conclusão que se derivou da premissa de que a “situação fiscalmente declarada de profissionais liberais nem sempre corresponde à situação real”.
h. A decisão recorrida ignora por completo a verdadeira situação económica da Recorrente.
i. A Recorrente está em ..., a pleitear o futuro título de advogada stabilito – e a arcar com os custos de diversos cursos de formação (crediti informativi – há necessidade de fazer horas de estudo, horas de audiência e escola de advogados durante o período de 03 anos), momento em que não aufere rendimentos.
j. Os rendimentos comprovados da Recorrente são derivados de rendas e, subtraídos apenas os gastos fixos e o valor a ser pago a título de pensão e colégio dos menores, restam-lhe apenas € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) por mês.
k. É o valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) por mês que a Recorrente terá disponível para comparticipar em despesas dos filhos com urgências médicas, por exemplo, ou para visitar os filhos ou fazer férias com eles, para além de todas as outras despesas inesperadas e comuns da vida civil da própria Recorrente.
l. Toda essa factualidade foi ignorada pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida;
m. Está em causa o desrespeito ao critério das possibilidades do alimentante, cfr. Artigo 2004.º, n.º 1 do CC.
n. Nesse sentido, salvo o devido respeito por opinião mais douta, julga a Recorrente que deverá ser alterada a Sentença quanto ao “pagamento de metade das despesas com a frequência escolar no Colégio...”, caso o Tribunal assim o entenda.
Termos em que deverá o presente recurso proceder por provado, e em consequência ser alterada a decisão, para que o pagamento referente às propinas escolares dos menores sejam coerentes com as possibilidade socio-económicas da Recorrente (Mãe), nos termos do Artigo 2004.º, n.º 1 do CC.
Assim, requer:
a) que a Recorrente pague metade das despesas com a frequência escolar em outro colégio, menos dispendioso (mas garantindo aos menores o devido desenvolvimento psico-pedagógico, social e cívico); ou, alternativamente,
b) que a Recorrente pague 1/3 (um terço) das despesas com a frequência escolar no Colégio... e o Pai pague os restantes 2/3 (dois terços).
Termos em que Pede e Espera que seja feita a JUSTIÇA».
*
O requerente AA apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida (ref.ª ...99).
*
O Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais pugna pelo não provimento do recurso e confirmação do decidido (ref.ª ...31).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...89).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste unicamente em aferir do quantum da obrigação de alimentos devida aos menores.
*
III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
A) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. CC nasceu a .../.../2009 e é filho de AA e de BB.
2. DD nasceu a .../.../2013 e é filha de AA e de BB.
3. AA e BB casaram, civilmente, entre si a 8 de Março de 2002 em ... na ....
4. Tal casamento foi dissolvido por sentença proferida nos autos principais a 29 de Maio de 2023 e transitada em julgado a 3 de Julho de 2023.
5. A 15 de Maio de 2023 foi homologado o acordo quanto ao regime do exercício das responsabilidades parentais dos menores referidas em 1. e 2., com o seguinte teor:

I- RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
1) Residência da Criança e do Jovem e Atos da Vida Corrente:
A criança e o jovem residirão com o pai, a cuja guarda ficam confiadas, que fica incumbido de zelar e acautelar pelo respetivo bem-estar, a ele cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos filhos.
2) Questões de Particular Importância:
Todas as decisões de maior relevo para a vida das crianças, serão tomadas conjuntamente pelo pai e pela mãe, ressalvados os casos de urgência manifesta, em que qualquer deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível, nos termos do disposto no n.º 1 do artº. 1906º do Código Civil.

II – REGIME CONVIVIAL:
Videochamadas: A criança e o jovem poderão falar com a mãe diariamente, por videochamada, a combinar entre os progenitores.
Visitas/convívios: Quando a progenitora vier a Portugal, avisa o progenitor com a antecedência mínima de 24 horas, e estará com os filhos, sem prejuízo das atividades escolares e dos horários de descanso da criança e do jovem. Férias escolares: A criança e o jovem passarão metade do período de férias com cada um dos progenitores, sendo que, na falta de acordo até 31 de março de cada ano, nos anos pares escolherá a mãe e nos anos ímpares escolherá o progenitor.
Natal e Ano Novo:
A criança e o jovem passarão os dias 24 e 25/12 com um progenitor e os dias 31/01 e 01/01, com o outro progenitor;
No corrente ano de 2023, a criança e o jovem passarão: Os dias 24 e 25 de dezembro com a mãe;
Os dias 31de dezembro e 01 de janeiro com o pai; Alternando nos anos seguintes.
Aniversários:
- No dia de aniversário da mãe, no dia de aniversário do pai, bem como no dia da mãe e no dia do pai, a criança e o jovem pernoitam com o progenitor a que diz respeito a festividade.
Aniversários da criança e do jovem: no dia do seu aniversário, a criança e o jovem almoçam ou jantam com o progenitor com quem não pernoitam nesse dia.
6. Por decisão provisória de 12 de Julho de 2022 foi fixado o seguinte regime:
3- ALIMENTOS/DESPESAS:
3.1- A título de pensão de alimentos a mãe pagará ao pai-guardião a quantia de €100,00 mensais, para cada menor, até ao dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária.
3.2- As despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas e as despesas de educação serão comparticipadas na proporção de 1/5 para a mãe e 4/5 para o pai, atenta a diferença de rendimentos.
3.2.1- Nas despesas de educação acima referidas não estão incluídas as despesas com a frequência do Colégio..., que serão suportadas na totalidade pelo progenitor.
FACTOS PROVADOS.
7. Os menores vivem em ... com o pai.
8. Por acordo dos progenitores frequentam o Colégio... sendo a propina de CC no valor de € 610,00 mensais e a propina de DD no valor de € 484,50 mensais.
9. A tais valores acrescem despesas com alimentação escolar, actividades extracurriculares o que implicou em Janeiro de 2023 para DD um acréscimo de € 162,73 e para CC € 196,61.
10. Os menores, após a separação dos progenitores, passaram a frequentar a natação e o Jujitsu o que implica uma mensalidade de € 130,00.
11. Frequentam aulas de ténis com um custo mensal de € 20,00.
12. Frequentam o curso de alemão que importa um custo mensal de € 150,00.
13. CC tem consultas mensais de ortodontia, cujo tratamento implica consultas mensais no valor de € 17,00.
14. O progenitor está desempregado vivendo de rendimentos, prediais, mensais de cerca de € 30410,00 reais (cerca de € 5.700,00).
15. Vive, com os filhos, em casa arrendada com o custo mensal de € 700,00.
16. Em despesas domésticas para além dos custos com a alimentação e vestuário gasta cerca de € 280,00 com água, gás, electricidade e comunicações.
17. O progenitor tem um seguro de saúde com o qual despende € 215,55 mensais.
18. Os progenitores têm em comum o encargo com a aquisição de um apartamento em ... que não estão a suportar, sendo o valor em dívida de € 150.000,00.
19. A progenitora vive em ..., ....
20. Mora em casa arrendada pela qual paga € 387,00 mensais de renda.
21. Em água, electricidade, gás e comunicações gasta cerca de € 250,00 mensais.
22. Em alimentação despende cerca de € 280,00 mensais.
23. Nos transportes públicos despende € 3,40 por ada dia de utilização.
24. Frequenta o ginásio pelo qual paga € 50,00 mensais.
25. Despende 690,00 reais (cerca de € 129,00) com consultas de psiquiatria e respectiva medicação - cfr. declaração médica de 1.7.2022.
26. Paga cerca de € 100,00 mensais a título de prestação para amortização de dívida fiscal.
27. É advogada com inscrição activa nas Ordem de Advogados brasileira, portuguesa e italiana.
28. Está a iniciar o estágio na Ordem dos Advogados em ....
29. Mantém a actividade como advogada sendo que cada processo de obtenção de cidadania rende, pelo menos, € 300,00.
30. A progenitora recebe em rendas prediais 15750 reais mensais (cerca de € 2950,00).
31. A 2 de Fevereiro de 2021 a progenitora, a solicitação do progenitor em relação a fazer, ou não, a matrícula dos menores no Colégio..., respondeu:
“Como assim??? Lógico kkk”
32. Na diligência de 4 de Setembro de 2023 a progenitora/requerida declarou que “O grande problema para mim é essa escola britânica… que eu nunca anuí”.
*
2.2.) E deu como não provados os seguintes factos:
33.A progenitora viva em albergue e que com tal despenda € 20 a € 30 euros por mês.
34.Não receba remuneração por exercer funções no âmbito da legalização de estrangeiros.
35.A capacidade de gerar rendimentos da progenitora esteja prejudicada pelo quadro depressivo que lhe foi diagnosticado.
36.A situação económica e financeira da progenitora se tenha agudizado aquando da situação de pré-divórcio, o que colocou a requerida à míngua de rendimentos, uma vez que o requerente é que decide pagar-lhe o que quer e quanto quer.
*
V. Fundamentação de direito.
1. – Da fixação do montante da prestação alimentar devida aos menores a cargo da recorrente/progenitora.
1.1. O processo de regulação das responsabilidades parentais tem por objecto decidir quatro questões relativas aos filhos menores [nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento]: i) o destino dos filhos (com a inerente fixação da residência da criança); ii) o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem os menores a seu cargo; iii) a pensão de alimentos a pagar pelo progenitor não residente; iv) a atribuição do exercício das responsabilidades parentais[1].
O Tribunal “a quo”, por decisão final proferida em 10/10/2023, estabeleceu o seguinte regime do exercício das responsabilidades parentais, quanto aos alimentos, em relação a CC e DD, nascidos, respetivamente, a .../.../2009 e .../.../2013:
«1. A progenitora pagará mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de € 150,00 para cada um dos filhos, através de transferência bancária.
2. A tal valor acrescerá a comparticipação, na proporção de metade, de todas as despesas médicas e medicamentosas (extraordinárias), bem como as escolares do início do ano.
3. (…)
4. (…)
5. A progenitora pagará metade das despesas com a frequência escolar no Colégio... em relação a ambos os filhos».
No âmbito do presente recurso interposto no processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais a recorrente/progenitora peticiona a revogação dessa sentença, por não se conformar com tal decisão no tocante à sua condenação no pagamento de metade das despesas com a frequência do Colégio... pelos filhos.
Afirma estar em causa o desrespeito ao critério das possibilidades do alimentante (cfr. art. 2004.º, n.º 1, do CC).
Na procedência do recurso, pugna pela alteração da decisão, para que o pagamento referente às propinas escolares dos menores seja coerente com as possibilidades socioeconómicas da recorrente (mãe), requerendo:
a) que a Recorrente pague metade das despesas com a frequência escolar em outro colégio, menos dispendioso (mas garantindo aos menores o devido desenvolvimento psico-pedagógico, social e cívico); ou, alternativamente,
b) que a Recorrente pague 1/3 (um terço) das despesas com a frequência escolar no Colégio... e o Pai pague os restantes 2/3 (dois terços).
Por conseguinte, no âmbito do presente recurso, não questionando a apelante ser devida a prestação alimentar – nem as demais questões que integram o conteúdo das responsabilidades parentais, as quais foram acertadas por acordo – está apenas em causa aquilatar da adequação ou justeza do “quantum” da prestação alimentícia a pagar pela apelante no tocante ao segmento decisório atinente à sua condenação no pagamento de metade das despesas com a frequência pelos filhos de um estabelecimento de ensino privado (Colégio...).
*
1.2. Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária [arts. 12º e 3º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) – aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09].
A atividade de jurisdição voluntária carateriza-se fundamentalmente:
1) Pela consagração do princípio do inquisitório no plano da alegação de factos e da prova (art. 986º, n.º 2, do CPC).
Nessa medida, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes. A sua atividade inquisitória prevalece sobre a atividade dispositiva das partes.
2) Segundo o critério de julgamento, nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue “mais conveniente e oportuna” (art. 987º do CPC). Tem assim a liberdade de poder decidir de acordo com a equidade, procurando a solução que melhor serve os interesses em causa.
3) As decisões tomadas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, podem sempre ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária essa alteração (art. 988º, n.º 1, do CPC)[2].
4) Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 988º, n.º 2, do CPC).
*
1.3. A obrigação ou dever de alimentos estabelecido a favor dos filhos menores assume contornos particulares face à natureza dos direitos envolvidos, que encontram suporte no art. 36º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no qual se dispõe que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
Trata-se de um dever fundamental, constitucionalmente autonomizado, que tem por beneficiários imediatos os filhos, vinculando o progenitor que não tem a guarda do filho ao dever de lhe prestar alimentos[3].
A obrigação legal de alimentos é vista como expressão de um dever de solidariedade entre os membros da família[4] [5].
O fundamento dos alimentos devidos a menores enquanto alimentos legais assenta no vínculo sanguíneo ou biológico entre o beneficiário e obrigado[6].
Relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o art. 1877º do Código Civil (CC) que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cfr. o n.º 1 do art. 1878º do CC –, bem como, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, proporcionando-lhes adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um (cfr. art. 1885º, n.ºs 1 e 2, do CC). Os pais só ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que estes estejam em condições de suportar aqueles encargos, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos (art. 1879º do CC).
E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o art. 1874º do CC que «pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência» (n.º 1), compreendendo este dever de assistência «a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar” (n.º 2). 
Estipulando especificamente acerca dos alimentos em situações de ruptura (divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento), estabelece o art. 1905º, n.º 1, do CC que “os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”.
Na falta de acordo, haverá que requerer a fixação de alimentos, nos termos dos arts. 45.º a 47.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [(RGPTC) - aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09].
No que concerne ao progenitor que não tem o filho consigo, o seu contributo far-se-á mediante a prestação de alimentos, em regra traduzida numa prestação pecuniária mensal (art.  2005.º, n.º 1, do CC)[7].
Segundo o disposto no n.º 1 do art. 2003.º do CC (Noção) «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», compreendendo também o que é necessário à “instrução e educação do alimentado, no caso de este ser menor” – n.º 2 do mesmo artigo.
Interessa-nos a obrigação de alimentos que tem por fonte um facto não negocial, nomeadamente um vínculo familiar (art. 2009º do CC), conhecida por obrigação legal de alimentos.
Quanto à medida dos alimentos rege o art. 2004.º do CC nos termos seguintes:
«1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».
Os elementos constitutivos da obrigação de alimentos são, por um lado, a necessidade de alimentos do alimentando (credor) e, por outro, a possibilidade de prestação por parte do alimentante (devedor).
Tais elementos desempenham uma dupla função, na medida em que são, simultaneamente, pressupostos da constituição e da permanência da obrigação de alimentos e critérios de determinação do respetivo quantum[8].
Revestindo natureza assistencial ou alimentar, a obrigação legal alimentícia visa proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade[9].
Os alimentos decorrentes do exercício das responsabilidades parentais têm um conteúdo particular, destinando-se a suprir as carências do alimentando, compreendendo tudo o que é indispensável ao seu sustento, vestuário, habitação, segurança e saúde [conteúdo genérico da obrigação alimentar], e bem assim como à instrução e educação do alimentando menor [conteúdo específico da obrigação alimentar], face ao preceituado pelos arts. 2003°, n.°s 1 e 2, 1878º, 1879° e 1880°, todos do CC[10].
O objeto da prestação alimentar no caso de o credor ser ainda menor é, por conseguinte, mais amplo do que a que resulta do n.º 1 do art. 2003º do CC, em geral, para as prestações de alimentos, pois abrange também as despesas respeitantes à instrução e educação (art. 1885º), assim como as que decorrem do cumprimento dos deveres integrados nas responsabilidades parentais (art. 1878º)[11].
Deste modo, como refere Maria Aurora Oliveira[12], «os alimentos devidos a menores visam satisfazer as necessidades destes, não apenas as suas necessidades básicas, cuja satisfação é indispensável para a sua sobrevivência, mas tudo o que o menor precisa para usufruir de uma vida conforme à sua condição, às suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento intelectual, físico e emocional, em condições idênticas às que desfrutava antes da dissociação familiar».
No cumprimento do dever de sustento, os pais estão obrigados a proporcionar aos filhos um nível de vida idêntico aos seu[13].
Por força do princípio da igualdade jurídica dos progenitores, ambos estão obrigados a contribuírem para o sustento dos filhos, proporcionalmente aos seus rendimentos e proventos e à necessidade e capacidade de trabalho do alimentando, de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento dos filhos menores[14].
Ou seja, a medida da contribuição de cada progenitor depende da capacidade económica comparativa de cada um deles para prover às necessidades alimentícias do filho[15].
As necessidades do alimentando são a primeira medida da obrigação – os alimentos terão, como primeira medida, as necessidades deste. Estas necessidades, como resulta do n.º 1 do art. 2004º do CC, traçam o limite máximo da obrigação alimentar – esta não existe para lá das referidas necessidades (mesmo que as possibilidades do devedor sejam mais que suficientes para ir além de uma tal medida). 
Para definir a medida dos alimentos, nomeadamente a necessidade daquele que houver de os receber, atenderá o tribunal ao valor dos bens e dos rendimentos do alimentado, se os tiver, às necessidades específicas da sua saúde, à sua idade e condição social.
É geralmente aceite que os menores têm direito a qualidade de vida tanto quanto possível idêntica à que desfrutam os que quanto a eles se encontram obrigados à prestação de alimentos, maxime os progenitores (ou ascendentes)[16].
Na determinação das necessidades (atuais) do jovem ter-se-á de atender ao seu padrão de vida, ao custo de vida em geral (custo médio e normal de subsistência), à idade do menor (quanto mais velha é a criança mais avultados são os encargos com a sua educação, vestuário, alimentação, vida social, actividades extracurriculares etc.), à ambiência familiar, social, cultural e económica a que está habituado e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos[17].
Assim, “a prestação dos alimentos não se mede pelas estritas necessidades vitais do menor (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico-social idêntico ao dos pais, mesmo que estes já se encontrem divorciados – devendo, neste caso, atender-se ao nível de vida que os progenitores desfrutavam na sociedade conjugal, na constância do casamento – ou não unidos pelo matrimónio; e uma vez dissolvida a união de facto, deve o menor ser mantido o standard de vida de que desfrutava antes da rutura dos progenitores, visto que, parece claro, deverem os pais propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus[18].
Nas palavras de Helena Bolieiro e Paulo Guerra[19], está em causa “a satisfação das necessidades do alimentando, não apenas das básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional”.
O conceito de sustento é, pois, necessariamente mais amplo que o de simples alimentação do menor, englobando, também, a satisfação de outras necessidades vitais daquele, nomeadamente as decorrentes das despesas com a saúde, segurança, transportes e outros encargos permanentes ou ocasionais derivados das necessidades do menor.
As necessidades dos filhos devem ser calculadas para cada um (ou individualizadamente) de acordo com a sua idade, as suas condições físicas e mentais, as suas aspirações, etc[20].
Em suma, a obrigação de alimentos visa proteger não só os direitos das crianças à integridade física, ao desenvolvimento integral (art. 69º, n.º 1 da CRP) e a uma vida digna (art. 1º da CRP), mas também direito à manutenção do nível de vida que gozavam antes do divórcio[21].
Por sua vez, a medida das possibilidades assenta, basicamente, nos rendimentos que o obrigado aufira de forma reiterada (periodicamente ou não), designadamente os rendimentos de trabalho como são os salários, as gratificações, subsídios de natal e férias , os rendimentos de capital, as poupanças e rendas provenientes dos imóveis arrendados[22].
Ao fixar a medida dos alimentos devidos a menor não pode o tribunal limitar-se a atender ao valor atual dos rendimentos conjunturalmente auferidos pelo devedor, devendo valorar, de forma global e abrangente, a sua condição social, a sua capacidade laboral futura e todo o acervo de bens patrimoniais de que seja ou possa vir a ser detentor[23].
 A indeterminação dos critérios legais é suprida pelo papel criativo da jurisprudência que tem postulado os seguintes subcritérios: “a capacidade económica do devedor não se avalia apenas pelos rendimentos declarados [ao Fisco ou à Segurança Social], mas também pela sua idade, atividade profissional por conta própria, capacidade de gerar proventos e pelo padrão de consumo praticado[24].
Mas deverá ainda levar-se em linha de conta os encargos do obrigado. Isto porque o cumprimento da obrigação de alimentos não deverá privar o obrigado dos meios necessários à sua própria subsistência autónoma e digna[25], não devendo afetar a manutenção do próprio obrigado[26].
Na verdade, no que respeita às possibilidades do devedor, importa apurar a parcela do seu rendimento anual e subtrair o necessário para a satisfação das suas necessidades básicas, a chamada reserva mínima de auto-sobrevivência, uma espécie de rendimento livre ou isento, qual mínimo de auto-sobrevivência, onde se incluem as despesas de vestuário, calçado, custos atinentes à nova habitação, deslocação para o trabalho, tempos livres, etc., nelas não se incluindo as despesas supérfluas ou extravagantes, quantia essa a deduzir ao rendimento global desse progenitor[27].
O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que o respectivo progenitor esteja temporariamente desempregado ou se desconheça a concreta situação de vida desse progenitor obrigado a alimentos. De facto, o desemprego não é argumento para não fixar pensão de alimentos nos casos em que o devedor tem possibilidades de trabalhar[28].
Quer o conceito de necessidade do alimentando, quer o de meios do alimentante para prestar alimentos são conceitos jurídicos “indeterminados” ou relativos, que hão-de implementar-se à luz do princípio da solidariedade familiar, atendendo à pessoa do alimentando e do alimentante e às suas circunstâncias concretas[29].
Pelo exposto, a medida da prestação alimentar determina-se “pelo binómio: necessidade do alimentando - possibilidades do obrigado (art. 2004º): os alimentos destinam-se a prover ao que é indispensável á vida de uma pessoa que não tem bens suficientes nem consegue trabalhar o bastante para assegurar a sua própria subsistência; e hão-de ser proporcionados aos meios económicos do devedor. Há, por conseguinte, dois limites alternativos à fixação dos alimentos: a contribuição de alimentos não pode exceder nem o que é necessário ao credor nem o que é exigível, no contexto, em função da capacidade do devedor”[30].
Verificados os pressupostos da obrigação de alimentos (necessidade e recursos) a medida da prestação alimentar será determinada à luz de um princípio de proporcionalidade entre as necessidade do alimentando (credor) e as possibilidades do alimentante (devedor)[31].
Compete ao credor de alimentos, autor na ação de alimentos, a alegação e demonstração de todos os elementos constitutivos do direito (de alimentos) que invoca (art. 342º, n.º 1, do CC), o que determina um encargo probatório de natureza qualitativa, mas também quantitativa no que respeita aos factos suscetíveis e carecidos de mensuração (necessidades do credor e as possibilidades do devedor)[32].
O direito a alimentos devidos ao filho é um direito indisponível, irrenunciável, impenhorável e não pode ser objeto de compensação, ainda que se trate de prestações vencidas (art. 2008º do CC).
*
1.4. - Feito este exercício de índole teórica ou abstrata, é altura de particularizarmos o caso concreto.
 Dos autos resulta demonstrado – no que concerne ao critério base das necessidades dos alimentandos – que:
- CC tem presentemente 14 anos de idade e a DD tem 10 anos de idade;
- Frequentam (por acordo dos progenitores) o ensino privado - Colégio... -, sendo a propina de CC no valor de € 610,00 mensais e a propina de DD no valor de € 484,50 mensais;
- A tais valores acrescem despesas com alimentação escolar, actividades extracurriculares o que implicou em Janeiro de 2023 para DD um acréscimo de € 162,73 e para CC € 196,61;
- Os menores, após a separação dos progenitores, passaram a frequentar a natação e o Jujitsu o que implica uma mensalidade de € 130,00;
- Frequentam aulas de ténis com um custo mensal de € 20,00;
- Frequentam o curso de alemão que importa um custo mensal de € 150,00. CC tem consultas mensais de ortodontia, cujo tratamento implica consultas mensais no valor de € 17,00;
- Vivem em ..., com o pai.
No tocante à apreciação de tais factos na sentença recorrida considerou-se que:
- DD e CC sempre frequentaram o ensino privado;
- A progenitora em 2 de fevereiro de 2021 anuiu, expressamente, à renovação da matrícula no Colégio...;
- A situação da frequência de um estabelecimento de ensino privado é algo que já existia previamente à separação do casal;
- não tendo a progenitora providenciado pela alteração da situação – mediante a obtenção do acordo do progenitor ou recurso a juízo a fim de provocar uma decisão judicial, por recurso ao disposto no art. 44.º do RGPTC por versar sobre um diferendo de uma questão de particular importância –, a questão da propina inerente à frequência de estabelecimento de ensino privado (o Colégio...) é de entrar em linha de conta, quanto ao valor, na determinação do montante da pensão de alimentos a fixar;
- As despesas com a natação, o Jujitsu, as aulas de ténis e o curso de alemão não são relevantes para a determinação do valor da pensão de alimentos, por serem relativas a período posterior à separação e não obtiveram o acordo da progenitora;
- Afora a questão escolar, o Tribunal “a quo” considerou que o montante de € 150,00 mensais para cada um dos menores era o adequado a fim de satisfazer as suas necessidades;
- Mais entendeu que a cada progenitor caberá pagar cerca de € 1.025,00 mensais para ambos os filhos (150+150+400+325);
Dos autos resulta demonstrado – no que respeita ao critério das possibilidades da progenitora – que[33]:
- A progenitora vive em ..., ...;
- Tem despesas mensais no valor total de € 1.264,00 [€ 387,00 de renda; com água, electricidade, gás e comunicações gasta cerca de € 250,00 mensais; em alimentação despende € 280,00; em transportes gasta € 3,40 diários; com o ginásio despende € 50,00 mensais; com acompanhamento médico e medicação gasta cerca de € 129,00 mensais; amortiza dívida fiscal no valor de € 100,00 mensais];
- É advogada, com inscrição activa nas Ordem de Advogados brasileira, portuguesa e italiana;
- Está a iniciar o estágio na Ordem dos Advogados em ...;
- Mantém a actividade como advogada, sendo que cada processo de obtenção de cidadania rende, pelo menos, € 300,00;
- Recebe em rendas prediais 15750 reais mensais (cerca de € 2.950,00).
Em face dos factos apurados, concluiu o Mm.º Juiz “a quo” que a progenitora auferirá, pelo menos, € 3.800,00, considerando as rendas que recebe e o que lhe advém da sua actividade enquanto advogada.
Conforme resulta da motivação da sentença recorrida, em face dos factos apurados e das regras da experiência o Julgador da 1ª instância concluiu que “[b]astam três processos novos a cada mês para a requerida, enquanto advogada, retirar mais € 900,00 euros mensais, o que permite concluir - cfr. art. 349.º e art.º 351.º, ambos do C.Civil - que a requerida auferirá, mensalmente e em média, cerca de € 3800,00, pelo menos”.
Para extrair a referida ilação alicerçou-se na seguinte fundamentação:
i) - Atendendo às declarações da progenitora considerou que a mesma é advogada, inscrita nas Ordens brasileira, portuguesa e italiana (sendo que, quanto a Portugal, tal resulta da consulta feita na OA);
ii) - A actividade da progenitora saiu, ainda, corroborada considerando o seu perfil no ..., na qual se apresenta como “Sócia Fundadora da ..., Advogada especialista em questões imigratórias, Direito Tributário e Direito Constitucional”;
iii) - Mais tomou em consideração a impressão de email datada de 15.10.2022, da qual decorre que já em Outubro de 2022 a progenitora, advogada, continuava com a sua actividade de advocacia, necessitando de se deslocar, nos dias úteis, de carro para tal efeito;
iv) - A requerida é advogada e tem a sua inscrição activa em três países distintos, sendo que pelo teor dos aludidos documentos não teve dúvidas em considerar que a Sr.ª advogada continua a trabalhar enquanto tal; desde logo porque o afirmou expressamente em email, mas igualmente porque está a trabalhar em ... em escritório de advogada (como resulta das suas próprias declarações).
v) - Das suas «declarações resulta que tem um estilo de vida não propriamente indigente e não fica este Tribunal convencido que é o “namorado” que lhe permitirá toda uma vida de viagens e lazer como admitiu ter (em ..., em Portugal, em ...)».
vi) - Aduziu, por último, o seguinte argumento:
«Por fim importa referir que, como é do conhecimento deste Tribunal - e reportamo-nos a casos em concreto no foro - a situação fiscalmente declarada de profissionais liberais nem sempre corresponde à situação real (a título de exemplo referimo-nos a uma situação cuja realidade tributária não era coincidente com o facto de ter dezenas de processos, só na comarca de Braga1, e em pleno período pandémico).
Ou seja, tudo conjugado, o Tribunal entende que para além do valor das rendas prediais que a requerida recebe, a mesma tem como rendimentos o que lhe advém da sua actividade de advogada.
Actividade essa que lhe rende, por cada processo de nacionalidade cerca de € 300,00 - conforme a mesma admitiu.
Bastam três processos novos a cada mês para a requerida, enquanto advogada, retirar mais € 900,00 euros mensais, o que permite concluir - cfr. art. 349.º e art.º 351.º, ambos do C.Civil - que a requerida auferirá, mensalmente e em média, cerca de € 3800,00, pelo menos».
Insurge-se a recorrente contra esta conclusão – de que «ganharia “pelo menos” € 900,00 (novecentos euros) todos os meses com novos processos» –, posto que assente na (indevida) premissa de que a «situação fiscalmente declarada de profissionais liberais nem sempre corresponde à situação real», acrescentando que a «decisão recorrida ignora por completo a verdadeira situação económica da Recorrente».
Pois bem, embora haja por vezes notícia de casos em que a situação fiscalmente declarada de alguns profissionais liberais possa não corresponder à sua situação real, a verdade é que a formulação de um juízo dessa natureza – atenta a gravidade que lhe subjaz – deva ser ponderado, circunstanciado e casuístico, e não genérico. Com efeito, se nalguns casos tal possa efetivamente suceder, certo é que inexistem dados concretos e objetivos que permitam dar como segura, normal ou plausível essa imputação. Não podemos/devemos confundir a árvore com a floresta. 
Assim, atentas as fortes reservas que um juízo genérico desse cariz nos merece e o risco que o mesmo comporta de conduzir a ilações erradas (e injustas), e por não se mostrar de acordo com as regras da experiência comum, entendemos ser de excluir o mesmo da valoração na situação versada nos autos[34].
Ao invés, reputamos mais adequado e sensato valorar o facto da recorrente exercer a atividade profissional de advogada, tendo a sua inscrição activa em três países distintos (..., Portugal e ...).
Acresce resultar provado que mantém a actividade como advogada, sendo que cada processo de obtenção de cidadania (lhe) rende, pelo menos, € 300,00. Esta facticidade resultou provada em função do reconhecido pela progenitora em audiência de julgamento (como referido na motivação da sentença recorrida, sem contestação).
Como é sabido, a atividade dos profissionais de advocacia (prestada a terceiros) é, por regra, remunerada, sendo que se estiver em causa a prática de actos que o mandatário pratique por profissão – como é o caso típico do advogado – o mandato presume-se oneroso (art. 1158.º, n.º 1, 2ª parte, do Cód. Civil). O exercício dessa atividade dá, pois, lugar ao recebimento de honorários, os quais “devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa[35].
É, por outro lado, um facto notório o elevado número de processos de obtenção de cidadania/nacionalidade formulados– sobretudo cidadãos oriundos de EE, ... e ... –, o que se deve à forte tradição migratória de Portugal e devido ao fenómeno da globalização que marca os nossos dias.
É também consabido que vários advogados se têm especializado nessa área em virtude da forte procura registada nos últimos anos, o que, naturalmente, lhes aporta um maior benefício remuneratório em função dos serviços prestados.
Por fim, impõe-se ter também presente que, no ano de 2023, a retribuição mínima mensal garantida em Portugal ascendia ao valor de 760,00€ e, desde 1 de janeiro de 2024, corresponde a 820,00€ (cfr. Decreto-Lei n.º 85-A/2022, de 22/12 e Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17/11).
Serve isto para dizer que os factos concretamente apurados supra enunciados (pontos 27 e 29 dos factos provados), concatenados com as ditas regras da experiência ou da normalidade da vida, legitimam – ainda que com fundamentação ligeiramente distinta, por se ter excluído o argumento da inexatidão das declarações fiscais genericamente imputada a alguns profissionais liberais – a ilação firmada pelo Tribunal recorrido de que, do exercício da atividade de advocacia, a progenitora retirará mensalmente, pelo menos, 900,00€, bastando para tanto que instrua três processos de obtenção de cidadania.
Termos em que se corrobora a conclusão de que a requerida auferirá, mensalmente e em média, pelo menos cerca de € 3.800,00.
Consequentemente, por se mostrarem em conformidade com os factos apurados, são de secundar as demais considerações explanadas na sentença impugnada pelo Mmº Juiz “a quo”, tais como:
- Os proventos auferidos pela progenitora ascendem, pelo menos, a € 3.800,00/mês;
- As suas despesas mensais totalizam € 1.264,00;
- «Se às despesas se adicionar aquilo que é a metade do valor que é imputável à progenitora no que concerne às despesas com DD e CC (€ 1025,00) atinge-se um valor de € 2289,00.
Comparando este valor com aquilo que é o rendimento da progenitora verifica-se que a mesma ainda aufere mais de € 1500,00 sobre tal montante.
(…)
Só os valores das rendas que a mesma aufere são suficientes para fazer face às suas despesas e pagar a prestação de alimentos.
Conclui-se, assim, que nada obsta a que se fixe pela metade a razão da contribuição da progenitora na pensão de alimentos devida a cada um dos filhos», designadamente metade da propina escolar em colégio privado cuja inscrição foi feita por acordo dos progenitores, sendo que a renovação da matricula para o ano lectivo de 2021/2022 mereceu a expressa concordância da recorrente.
Subscrevem-se por inteiro tais considerações, cujos fundamentos têm-se por inteiramente exactos, não havendo a mínima razão para deles divergir e, portanto, para substituir tal decisão por uma outra de sinal contrário.
Na ponderação daqueles critérios, que a decisão impugnada explicitou e fundamentou, cremos que as prestações alimentares fixadas a favor de cada um dos menores configuram-se como valores adequados, equilibrados e consentâneos quer com as necessidades atuais de cada um dos menores, atenta a sua idade, quer com as possibilidades económicas da apelante/progenitora.
E, contrariamente ao propugnado pela apelante, é manifesto que as prestações alimentares fixadas de modo algum são suscetíveis de fazer perigar a sua própria manutenção ou subsistência de acordo com um mínimo de dignidade, posto os autos revelarem ser esta portadora de uma capacidade económica e de um nível patrimonial acima da média.
A sentença recorrida não desrespeitou, por conseguinte, o «critério das possibilidades do alimentante».
Refira-se, para terminar, que os alimentos taxados não são imutáveis, sendo suscetíveis de alteração quando as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podendo, então, ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos (art. 2012º do CC).
Pode assim o regime fixado ser (ulteriormente) alterado, contanto que as circunstâncias de facto supervenientes justifiquem ou tornem necessária essa alteração. 
Em suma, julgamos ser de manter o juízo formulado pela 1ª instância, pelo que improcede a apelação.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 25 de janeiro de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
António Figueiredo (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



[1] Cfr. Maria Clara Sottomayor, Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), Almedina, 2020, anotação ao artigo 1906º, p. 918.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 13/09/2016 (relator Alexandre Reis) e Ac. da RL de 28/03/2019 (relatora Gabriela Fátima Marques), in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2015 do Supremo Tribunal de Justiça de 19/03/2015, publicado no Diário da República n.º 85/2015, Série I de 2015-05-04.
[4] Cfr. J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, pp.  15 e ss., em especial p. 22.
[5] Nas palavras de Daniela Pinheiro da Silva, “o instituto jurídico dos alimentos radica num princípio de solidariedade familiar, de exigência de ajuda, socorro e conforto que recai sobre todos os membros da família e destina-se a tutelar o direito à dignidade humana, constitucionalmente protegido (cfr. art. 1º da Constituição da República Portuguesa)” - cfr. Alimentos a Filho Maior, Almedina, Junho/2019, p. 17.
[6] Cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, pp. 54 e 132.
[7] Quando os pais casados vivem em comum, o dever de sustento dilui-se na obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar (arts. 1675º e 1676º do CC); quando os pais vivem separados, o dever de sustento assume a forma da obrigação de prestação de alimentos aos filhos (cfr. Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, pp. 314 e 514).
[8] Cfr. Maria João Vaz Tomé, Código Civil Anotado, Livro IV - Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), Almedina, p. 1062.
[9] Cfr. Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 903 e Maria João Vaz Tomé, obra citada, p. 1057.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 12/07/2011 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 903 e Maria João Vaz Tomé, obra citada, p. 1057.
[12] Cfr. Alimentos Devidos a Menor, dissertação de mestrado, Universidade de Coimbra, pp. 8 e 53, in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28643/1/Alimentos%20devidos%20a%20menores.pdf
[13] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, 2020, p. 275.
[14] Como se explica no Ac. da RP de 27/03/2008 (relator Madeira Pinto), in www.dgsi.pt., “com tal princípio não pretende a lei que cada progenitor contribua com metade do necessário à manutenção dos filhos, antes se visa que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como a instrução e educação do menor (alimentos civis)”.
[15] Cfr. Ac. da RP de 25/09/2018 (relatora Lina Baptista), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Guilherme de Oliveira, obra citada, p. 318.
[17] Cfr. Tomé d`Almeida Ramião, Regime do Processo Tutelar Cível, (de acordo com a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio) Anotado e Comentado, Jurisprudência e Legislação Conexa, 2ª ed., Quid Iuris, 2017, p. 133 e Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma questão de direito(s), 2ª Edição, Coimbra Editora, pp. 232 e 233.
[18] Cfr. J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, Coimbra Editora, pp. 189/190.
[19] Cfr. obra citada, pp. 228 e 229.
[20] Cfr. Guilherme de Oliveira, obra citada, p. 322.
[21] Cfr. Maria Clara Sottomayor, Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família (Coord. Clara Sottomayor), Almedina, p. 909 e Ac. da RL 22/03/2007 (relator Vaz Gomes), in www.dgsi.pt.
[22] Excluindo-se as receitas esporádicas, temporárias e não renováveis.
[23] Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Clara Sottomayor, Código Civil Anotado, Livro IV (…), p. 911 e Ac. da  RP de 14/06/2010 (relator António Guerra), in www.dgsi.pt.
[25] Cfr. Maria João Vaz Tomé, obra citada, p. 1060.
[26] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 905.
[27] Cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, p. 196.
[28] Cfr. Acs. da RC de 12/03/2013 (relator Moreira do Carmo) e de 24/03/2015 (relator Jorge Arcanjo), Ac. da RL de 19/02/2013 (relator Rui Vouga), Acs. da RP de 21/10/2008 (relator José Bernardino de Carvalho) e de 03/10/2011 (relatora Ana Paula Amorim) e Ac. da RG de 12/11/2013 (relator Edgar Gouveia Valente), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; na doutrina, Remédio Marques, obra citada, p. 70, 194/195, Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais (…), p. 480 e Clara Sottomayor, Código Civil Anotado, Livro IV (…), p. 911.
[29] Cfr. Maria João Vaz Tomé, obra citada, pp. 1059/1060.
[30] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, obra citada, pp. 54/55; Ac. da RC de 05/11/2013 (relator Carvalho Martins) e Ac. da RL de 2/11/2017 (relator Arlindo Crua), in www.dgsi.pt
[31] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 906 e Maria João Vaz Tomé, obra citada, p. 1062.
[32] Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 906 e Vaz Serra, “Obrigação de Alimentos”, BMJ, n.º 108º, pp. 107-108.
[33] Relativamente ao progenitor, apurou-se que o mesmo está desempregado, vivendo de rendimentos, prediais, mensais de cerca de € 30410,00 reais (cerca de € 5.700,00).
Vive, com os filhos, em casa arrendada, com o custo mensal de € 700,00.
Em despesas domésticas para além dos custos com a alimentação e vestuário gasta cerca de € 280,00 com água, gás, electricidade e comunicações.
Tem um seguro de saúde, com o qual despende € 215,55 mensais.
Suporta as despesas que os menores têm com a frequência da natação e do Jujitsu, o que implica uma mensalidade de € 130,00; bem como com a frequência do curso de alemão, que importa um custo mensal de € 150,00.
[34] Prescreve o art. 607º, n.º 4, do CPC, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência» (sublinhado nosso).
[35] Art. 105º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9/09.