ASSISTENTE
CONDENAÇÃO EM TAXA DE JUSTIÇA
ABSTENÇÃO INJUSTIFICADA DE ACUSAR
Sumário

I - A responsabilidade do assistente por taxa de justiça prevista no art. 515.º, n.º 1, al. d), do CPPenal tem em vista evitar a realização de actividade processual inútil e o infundado termo do processo, tendo por fundamento a desistência de queixa quando nos autos se tenham recolhido indícios suficientes da prática do crime ou a assunção de uma atitude de inércia, encapotando uma desistência da queixa que não é formalizada.
II - Nos termos do art. art. 515.º do CPPenal, o assistente só não pagará taxa de justiça se quanto a todos e cada um dos crimes relativamente aos quais apresentou queixa, deduziu acusação ou apresentou recurso alcançar a sua pretensão, bastando que não obtenha o resultado impulsionado no que respeita a um dos crimes para que seja responsabilizado pelo pagamento de taxa de justiça.

Texto Integral

Proc. n.º 562/21.9GAPRD-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 1




Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 562/21.9GAPRD, a correr termos no Juízo Local Criminal de Paredes, Juiz 1, por despacho de 17-05-2023, na sequência de promoção nesse sentido, a Senhora Juiz do Juízo Local Criminal de Paredes decidiu, com fundamento na abstenção injustificada de acusar, condenar a assistente AA em 1 (uma) UC de taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 515.º, n.º 1, al. d), do CPPenal, 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.

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Inconformada, a assistente AA interpôs recurso, solicitando que se reconheça a ilegitimidade da Senhora Juiz que proferiu o despacho para esse efeito e, assim não se entendendo, a revogação do despacho recorrido, apresentando em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. Vem o presente recurso interposto do despacho de condenação da assistente em pagamento de taxa de justiça, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 515º nº 1 d) do CPP e artigo 8º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
2. A assistente argui a ilegitimidade da Meritíssima Juiz de Direito para a prolação do referido despacho porquanto o mesmo resulta da remessa por parte do Ilustre Procurador da fase de inquérito ao juiz de instrução criminal.
3. Era o Juiz de Instrução Criminal que tinha a legitimidade para proferir este despacho porquanto o processo ainda nem distribuído foi.
4. O despacho recorrido é motivado pela não dedução de acusação particular nos autos.
5. Os presentes autos iniciaram-se com apresentação de queixa crime por parte da assistente contra as arguidas BB e CC, pelo cometimento de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de ameaça, respetivamente.
6. Factos que conduziram à dedução de acusação das arguidas nos termos requeridos.
7. Durante o inquérito resultou também indiciado que a assistente tivesse ainda sido vítima de um crime de injúrias, porquanto foi chamada de “vaca” por uma das arguidas.
8. Tendo sido notificada para deduzir a respetiva acusação particular, dada a natureza particular do crime em questão.
9. O Ministério Público conclui pela existência de indícios suficientes da prática do crime de injúrias contra a assistente.
10. A assistente pretendia procedimento criminal pelos outros dois crimes (ofensa à integridade física e ameaça), mais gravosos.
11. “É devida taxa de justiça pelo assistente se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar” (art. 515º, nº 1 al. d) do CPP)
12. O processo continuou os seus trâmites legais por crimes com uma moldura penal abstratamente mais elevada e pelos crimes que realmente afetaram a assistente.
13. Com o devido respeito, a assistente pode discordar da existência de indícios suficientes do cometimento de crime de injúrias.
14. A atividade processual desenvolvida em sede de inquérito não foi inutilizada.
15. A assistente manteve um comportamento processual coerente, não retirou eficácia à queixa apresentada, queixa esta que se mostrou fundada pois até deu lugar à dedução de acusação pública.
16. Face ao exposto, não deve a assistente ser condenada ao pagamento de qualquer taxa de justiça pela não dedução da acusação particular»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, considerando que o recurso deve ser rejeitado por falta de indicação das menções referidas no art. 412.º, n.º 2, al. a), do CPPenal, afirmando, não obstante, que o despacho foi proferido por Juiz de Direito com competência para o acto com base no Despacho n.º 51/2022, de 15-09-2022, da Sra. Juiz Presidente, homologado pelo CSM em 19-09-2022 e, quanto ao demais, que o recurso não merecia provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acompanhou a argumentação do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo igualmente a rejeição ou, assim não se entendendo, o não provimento do recurso.
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Notificada nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente não apresentou resposta.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Ilegitimidade da Juiz de Direito que proferiu o despacho recorrido;
- Ausência de pressupostos para que a assistente fosse condenada em taxa de justiça por desistência ou abstenção injustificada de acusar;
- A assistente apenas pretendia procedimento criminal pelos crimes de ofensa à integridade física e ameaça.

Para análise das questões que importa apreciar releva o teor integral do despacho recorrido, que é o seguinte:
«A assistente AA foi notificada com a menção da existência de indícios do cometimento do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não tendo a mesma deduzido acusação particular dentro do prazo legal.
Nessa sequência, após determinar o arquivamento dos presentes autos, nessa parte, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a condenação da assistente em custas nos termos do disposto do artigo 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (cfr. folhas 166).
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Cumpre apreciar e decidir:
Estabelece o artigo 515.º, do Código de Processo Penal o seguinte: “1 – É devida taxa de justiça pelo assistente nos seguintes casos: a) Se o arguido for absolvido ou não for pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido; b) Se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição; c) (Revogada pelo DL 34/2008, 26/2.); d) Se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar; e) (Revogada pelo DL 34/2008, 26/2.); f) Se for rejeitada, total ou parcialmente, acusação que houver deduzido. 2 – Havendo vários assistentes, cada um paga a respectiva taxa de justiça. 3 - (Revogado pelo DL 34/2008, 26/2.)”.
Já vimos que o Ministério Público promoveu a condenação da assistente no pagamento da taxa de justiça atenta a não dedução de acusação particular.
Pois bem.
Como é consabido, nos crimes de natureza particular, como é o caso dos autos, é exigível, como condição de procedibilidade, a apresentação de queixa pelo respetivo titular, para além da respetiva constituição como assistente – cfr. artigos 48.º a 50.º, todos do Código de Processo Penal e 113.º, do Código Penal.
Desta forma, estando na sua disponibilidade iniciar o competente procedimento criminal, com a apresentação da respetiva queixa e constituição como assistente, também está na sua disponibilidade pôr termo a esse procedimento, declarando expressamente não pretender mais o prosseguimento criminal contra o arguido, através da desistência de queixa ou, então, implicitamente, não deduzindo acusação particular, não obstante notificado para o efeito nos termos do disposto no artigo 285.º, do Código de Processo Penal.
Assim, a desistência de queixa e/ou a abstenção de deduzir acusação nos crimes particulares é um meio de que o titular do interesse juridicamente protegido se pode servir para obstar ao prosseguimento do processo e, desse modo, tornar inútil toda a atividade processual desenvolvida.
Caso esse titular se tiver constituído como assistente no decurso do processo, então, nesses casos, entendeu o legislador penalizar, por via de condenação em taxa de justiça, esse assistente que, por ato (desistência) ou omissão próprios (abstenção injustificada de acusar), ponha termo ao processo.
Deste modo, o assistente é responsabilizado por não manter, ao longo do procedimento, um comportamento processual intrinsecamente coerente que passaria por não retirar eficácia à queixa, quer o faça por ação (dela desistindo) quer o faça por omissão (através da abstenção de deduzir acusação, nos crimes particulares).
Com o que também, e por outro lado, se alcança a responsabilização do assistente por exercer o direito de queixa de forma temerária, leviana ou infundada. O que ocorre nos casos em que a desistência de queixa ou a abstenção de acusar mais não são do que meios processuais de que o assistente se serve com a exclusiva finalidade de evitar uma rejeição da acusação ou uma absolvição do arguido.
Seja qual for a situação, o que é certo é que a responsabilidade do assistente por taxa de justiça decorre sempre de, por sua iniciativa, inutilizar toda a atividade processual que foi desenvolvida até ao momento em que desiste da queixa ou até ao momento em que deveria deduzir acusação particular e não o faz injustificadamente.
No que especialmente se refere à condenação no pagamento da taxa de justiça por abstenção de acusar, o legislador faz depender tal condenação do facto de tal omissão não se apresentar fundada, precisamente porque, a contrario, o legislador não podia razoavelmente exigir que o assistente deduzisse acusação só pelo simples facto de ter apresentado queixa quando no inquérito não se recolheram indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente.
Ou, dito de outro modo, o legislador não poderia querer responsabilizar o assistente pelo pagamento de taxa de justiça por não deduzir acusação para depois o poder responsabilizar pelo pagamento de taxa de justiça pela rejeição da acusação ou pela absolvição do arguido (respetivamente, alíneas f) e a), do n.º 1 do artigo 515.º).
Por isso, a responsabilidade do assistente por taxa de justiça só se verifica no caso de abstenção infundada de acusar.
Isto posto, no vertente caso, constata-se que a assistente foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º, do Código de Processo Penal, com a menção expressa de que tinham sido recolhidos indícios suficientes do cometimento do crime de injúria previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal – cfr. folhas 141 e 142.
O que significa que, findo o inquérito, o Ministério Público considerou que, das diligências probatórias efetuadas no decurso daquele, foram carreadas provas suficientes para sustentar a dedução de uma acusação particular por parte da assistente contra a(s) arguida(s), incumbindo aquela deduzir tal libelo acusatório, ante a natureza particular do crime indiciado.
Destarte, decorrido o prazo para a dedução de tal acusação particular, e sem qualquer justificação, a assistente não veio deduzir a acusação particular em referência.
Logo, se o Ministério Público considerou estarem reunidos indícios suficientes do cometimento do aludido crime de natureza particular, estando por isso reunidas as condições para a dedução da respetiva acusação particular por parte da assistente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º, do Código de Processo Civil e esta não a deduziu dentro do prazo legal, então, é inequívoco que a mesma se absteve injustificadamente de acusar.
Assim sendo e porque a assistente AA se absteve injustificadamente de deduzir acusação particular contra a(s) arguida(s), decide-se condenar a mesma em 1 (uma) UC de taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 515.º, n.º 1, alínea d), 8.º, n.º 5 e tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.»

Vejamos então.
Antes do mais, relativamente à pretendida rejeição do recurso por ausência de indicação das normas legais violadas, reconhece-se que apenas vem invocada a errada interpretação do art. 515.º, n.º 1, al. d), do CPPenal relativamente às segunda e terceira questões identificadas, nada sendo dito quanto ao enquadramento legal da invocada ilegitimidade da Senhora Juiz que proferiu o despacho recorrido para o fazer.
Porém, esta questão, a ser reconhecida razão à recorrente, integra a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. e), do CPPenal – violação das regras de competência do tribunal –, que é de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo até ao respectivo trânsito em julgado.
Por isso, a ausência de indicação de disposições legais pela recorrente quanto a esta específica questão nunca seria causa de rejeição do recurso, por dever oficioso de conhecimento das nulidades insanáveis por parte deste Tribunal, mostrando-se minimamente cumpridas as formalidades previstas no art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPPenal quanto às demais questões suscitadas, sendo, pois, de prosseguir com a apreciação do recurso
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Ilegitimidade da Juiz de Direito que proferiu o despacho recorrido
Invoca a recorrente que «[o] despacho foi proferido pela Meritíssima Juiz de Direito, que não é juiz de instrução criminal.
Ora, nesta fase processual, s.m.o, era o Meritíssimo Juiz de Instrução que teria legitimidade para proferir despacho nos termos do que ora se recorre.
Aliás, a própria Procuradora do Ministério Público, em fase de inquérito, remete no seu despacho de 15-05-2023, expressamente, para o juiz de instrução criminal a prolação de despacho.»
Tal como já adiantámos, a questão colocada, a ser demonstrada, integra a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. e), do CPPenal, por “apropriação” de juiz do julgamento das competências materiais do juiz de instrução criminal, posto que está em causa acto jurisdicional a praticar por juiz de instrução, nos termos dos arts. 17.º, 68.º, n.º 4, e 268.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPPenal.
Integra a Comarca do Porto Este o Juízo de Instrução Criminal de Penafiel, sediado actualmente em Penafiel, cuja área de competência territorial abrange toda a Comarca, onde se inclui o Município de Paredes[2].
De acordo com o art. 119.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), de 26-08, respeitante à competência dos juízos de instrução criminal, compete aos juízos de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações, previstas na lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelos juízos locais criminais ou pelos juízos de competência genérica.
Todavia, o art. 130.º do mesmo diploma legal, que versa sobre a competência dos Juízos locais cíveis, locais criminais, locais de pequena criminalidade, de competência genérica e de proximidade, estabelece que:
«1 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.
2 - Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem ainda competência para:
a) Proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, onde não houver juízo de instrução criminal ou juiz de instrução criminal;
b) Fora dos municípios onde estejam instalados juízos de instrução criminal, exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos penais, ainda que a respetiva área territorial se mostre abrangida por esse juízo especializado;
(…)
3 - Nas situações a que se reporta a alínea b) do número anterior, o Conselho Superior da Magistratura define, detalhadamente, os atos jurisdicionais a praticar por cada um dos juízos locais e juízos de competência genérica.»

Significa, então, que os Juízos locais criminais, como é o Tribunal a quo, podem, fora dos municípios onde estejam instalados juízos de instrução criminal, exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos penais, ainda que a respetiva área territorial se mostre abrangida por esse juízo especializado, desde que o Conselho Superior da Magistratura defina, detalhadamente, os atos jurisdicionais a praticar.
No caso em apreço, o Juízo de Instrução Criminal da Comarca do Porto Este está sediado em Penafiel, nada obstando, por isso, a que o Juízo Local Criminal de Paredes pratique acto jurisdicional em inquérito, se tal se mostrar autorizado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Ora, como bem elucidou o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, a Senhora Juiz Presidente da Comarca do Porto Este, através do Despacho n.º 51/2022, de 15-09, posteriormente homologado pelo CMS, definiu o seguinte[3]:
«A nova redação do artigo 40º do Código Processo Penal introduzida pela Lei 13/2022, de 01 de agosto, veio restringir os impedimentos dos juízes por participação em processo, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento, limitando estes às situações em que a) tenha aplicado medida de coação prevista nos artigos 200º a 202º; b) presidido a debate instrutório; c) participado em julgamento anterior; d) proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior; e) recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta. Em face da situação legal atual, cremos não se justificar a manutenção da medida adotada em 18 de março de 2022 - atribuição em exclusivo aos juízes de instrução criminal da quase totalidade dos atos jurisdicionais de inquérito a praticar na Comarca, já que esta teve como principal intuito evitar sucessivos impedimentos dos diversos juízes afetos à jurisdição criminal (Central, Local e Instrução Criminal). Tendo deixado de subsistir o circunstancialismo supra citado e considerando a sobrecarga de serviço que representa para a Instrução Criminal a afetação da maior parte dos atos jurisdicionais de toda a Comarca, entendo que a situação deverá ser revertida ao que anteriormente estava estabelecido [despacho de Juiz Presidente de 03 de março de 2017, homologado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador, Vogal do Conselho Superior da Magistratura, Dr. Jorge Raposo, (por delegação e subdelegação do Sr. Vice-Presidente) em 08 de outubro de 2014]. Assim, os Juízos Locais Criminais de Amarante, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira, Paredes bem como o Juízo de Competência Genérica de Baião passarão, de imediato, a tramitar todos os atos jurisdicionais a praticar nos inquéritos penais que correm na respetiva área do seu município relativos à perda de objetos, de tudo relacionado com o pedido de constituição de assistente, condenações de intervenientes processuais em multas e/ou taxas de justiça, bem como a emissão de mandados de detenção por falta a diligências. Assim sendo, nos termos do artigo 130º, nº 2, al. b) e nº 3 da LOSJ, para vigorar de imediato, propõe-se ao Conselho Superior da Magistratura a homologação da medida proposta.»[4]

Mostra-se, pois, incorrecta a alegação da recorrente de que a Senhora Juiz de Direito em funções no Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 1 – não tinha competência para prolatar o despacho recorrido, posto que a mesma se encontrava autorizada a tramitar actos jurisdicionais a praticar nos inquéritos penais que correm na respetiva área do seu município respeitantes, para além do mais, a condenações de intervenientes processuais em multas e/ou taxas de justiça, onde se enquadra o caso em apreço.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
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De seguida, invoca a recorrente a ausência de pressupostos para que fosse condenada em taxa de justiça por desistência ou abstenção injustificada de acusar, uma vez que a actividade processual desenvolvida em sede de inquérito não foi inútil, pois o processo prosseguiu os seus trâmites e por crimes mais graves do que o crime de injúria, sendo certo que, acrescenta, apenas pretendia procedimento criminal pelos crimes de ofensa à integridade física e ameaça.
Compulsados os autos verificamos que a assistente no dia 03-08-2021 dirigiu-se ao posto da GNR da Paredes e apresentou queixa, alegando que as denunciadas a injuriaram com vários nomes, que não mencionou, descrevendo depois algumas agressões físicas que as mesmas perpetraram sobre a sua pessoa. Informou que desejava procedimento criminal contra as denunciadas.
Mais se apura dos autos que no dia 05-08-2021 a assistente dirigiu-se novamente ao mesmo posto da GNR com o propósito de denunciar factos a aditar à queixa inicial, referindo que uma das denunciadas (CC), na ocasião do dia 03-08-2021, ao retirar-se do local dirigiu-lhe em voz alta e agressiva as expressões, sua vaca e sua puta e ainda lhe disse que quando de apanhar na rua vou-te desfazer.
No dia 11-11-2021, no posto da GNR de Paredes, a assistente foi ouvida na qualidade de arguida, tendo reafirmado os factos que denunciou e também que a denunciada CC foi a única que a injuriou, utilizando os termos vaca e puta por diversas vezes.
No final declarou a intenção de deduzir pedido de indemnização civil.
No dia 15-11-2021 requereu a sua constituição como assistente, tendo a mesma sido deferida por despacho de 17-01-2022.
As diligências de investigação tiveram por objecto, para além dos imputados pela arguida BB à assistente, aí como arguida, o conjunto dos factos por esta relatados, incluindo aqueles que se apresentam como susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúria.
O despacho de acusação pública foi proferido a 20-02-2023, sem que, entretanto, a assistente tivesse alterado ou complementado as suas declarações em inquérito.
Nessa peça o Ministério Público imputa:
- às arguidas BB e CC, em co-autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CPenal;
- ainda à arguida CC, em concurso efetivo, 1 (um) crime de ameaça simples, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1, do CPenal; e
- à arguida AA, também assistente e aqui recorrente, em autoria material e na forma consumada, 1 (um) crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CPenal.
E no final do despacho de acusação o Ministério Público fez consignar as seguintes menções, com os realces que seguem (transcrição):
«Notifique a assistente AA para vir aos autos, querendo, deduzir acusação particular relativamente ao (s) crime (s) de natureza particular denunciado (s), concretamente o crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º do C.P., ocorrido no passado dia 03.08.21, sob pena de o processo ser, nesta parte, arquivado, por falta de legitimidade superveniente do Ministério Público para introduzir os autos em juízo quanto a crimes de natureza particular - cfr. art. 188º, nº 1, alínea b) do Código Penal e art. 50º e 285º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
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Nos termos do disposto no artigo 285º, nº 2, do Código de Processo Penal, consigno que foram recolhidos indícios suficientes da verificação do (s) crime (s) denunciado (s).»

Deste despacho foi remetida notificação à assistente e sua Ilustre Mandatária no dia 21-03-2023, nela constando, para além do mais, a seguinte menção, com o realce que segue (transcrição):
«Fica V. Exª notificado, na qualidade de Assistente, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
Nos termos e para os efeitos no disposto no art.º 285º, n.º 1 do C. P. Penal, para, querendo, no prazo de 10 dias, deduzir ACUSAÇÃO PARTICULAR nos presentes autos, em relação ao crime de natureza particular do qual apresentou queixa.»

Daqui resulta que a assistente, aqui recorrente, impulsionou parte da investigação, respeitante às expressões que lhe foram dirigidas e que entendeu integrarem a prática de um crime de injúria, permitindo que os actos praticados ao longo do inquérito também incidissem sobre essa matéria, sobre a qual foi desenvolvida actividade, não tendo sido apresentada qualquer justificação para não ser deduzida acusação particular que a abarcasse.
Note-se que o Ministério Público, em cumprimento do estatuído no art. 285.º, n.º 2, do CPPenal, comunicou que entendia haver indícios suficientes do cometimento do crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º do CPenal.
Apesar de a assistente ter apresentado queixa e ter prestado declarações no decurso do inquérito sobre a matéria respeitante ao invocado crime de injúria e de o Ministério Público ter assumido posição favorável à demonstração da prática deste crime de natureza particular, consignando no processo esse entendimento e notificando a assistente para dar continuidade à respectiva tramitação processual nos termos supratranscritos, a assistente nada fez ou disse, nunca invocando em momento algum até à prolação do despacho recorrido que no decurso da investigação não foram recolhidos indícios suficientes da prática do crime de injúria de que se queixou.
Essa atitude integra a conduta prevista no art. 515.º, n.º 1, al. d), do CPPenal, consistente na abstenção injustificada de acusar que determina o termo do processo.
Nos casos em que a investigação incide sobre vários crimes, o termo do processo a que se refere o preceito, através da utilização da expressão se fizer terminar o processo, deve ser entendido com referência a cada um dos crimes em que o assistente optou injustificadamente por não acusar, sob pena de se retirar o efeito pretendido à norma.
Com efeito, a responsabilidade do assistente por taxa de justiça verifica-se para evitar que o seu comportamento omissivo (quando nos autos se tenham recolhido indícios suficientes da prática do crime) constitua uma forma encapotada de desistência da queixa.[5]
Repara-se que, de acordo com o estatuído no art. 515.º do CPPenal, o assistente só não pagará taxa de justiça se relativamente a todos e cada um dos crimes imputados na acusação deduzida ou objecto do recurso que tiver apresentado alcançar a sua pretensão, bastando que não obtenha o resultado impulsionado relativamente a um dos crimes para que pague taxa de justiça.
Este é igualmente o sentido da previsão da al. d) do n.º 1 do referido preceito, só assim se atingindo o objectivo de evitar uma desistência de queixa encapotada, desistência que, a ser formulada, tem uma incidência individual relativamente a cada um dos crimes identificados sempre que assim for apresentada.
Nenhuma razão se encontra, pois, para se proceder à revogação do despacho recorrido, o qual fundamenta de forma completa e sólida a posição também aqui acolhida.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto pela assistente AA e em confirmar o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Porto, 10 de Janeiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Castela Rio
Lígia Trovão
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Cf. art. 95.º do DL n.º 49/2014, de 27-03, que regulamenta a LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26-08), art. 14.º e anexo I do DL n.º 86/2016, de 27-12, que altera a regulamentação da Lei da Organização do Sistema Judiciário e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, e art. 47.º e anexo II do DL n.º 38/2019, de 18-03, que altera o mapa judiciário, reforçando a especialização dos tribunais judiciais.
[3] Realce da aqui relatora.
[4] Cf. Despacho n.º 51/2022, de 15-09, em: https://servicos.tribunais.org.pt/servicos/distribuicao-de-processos/condicionamento/00038/documento; Relatório anual da comarca do Porto Este em 2022 em:
https://comarcas.tribunais.org.pt/comarcas/pdf2/portoeste/pdf/Relat%C3%B3rio%20anual%202022%20-%20com%20adenda%20-%20enviado%20para%20o%20CSM.pdf; e Relatório do CSM relativo ao conjunto de relatórios anuais de 2022 das comarcas do país em:
https://www.csm.org.pt/wp-content/uploads/2023/05/Anexo-II-Relatorio-Anual-Comarcas-2022-sintese.pdf.
[5] Cf. acórdão do TRP de 20-05-2015, relatado por Eduardo Lobo no âmbito do Proc. n.º 2028/14.4TAVNG-A.P1, embora em contexto diverso, conduzindo, por isso, a diferente solução, acessível in www.dgsi.pt.