CRIME DE CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
Sumário

Mostra-se suscetível de correção a pena acessória de 10 meses de proibição de conduzir veículos a motor, aplicada a arguida condenada por crime de condução em estado de embriaguez que acusou uma TAS de 2,09 g/l, que confessou de forma integral e sem reservas os factos imputados, está sinceramente arrependida, não tem antecedentes criminais, tendo 51 anos de idade, e encontrando-se inserida em sociedade o facto constituiu um ato isolado no seu percurso de vida, revelando-se mais adequada e proporcional a fixação da pena acessória por um período de 6 (seis) meses.

Texto Integral

Proc. n.º 159/23.9GAVFR.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2


Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
No âmbito do Processo Sumário n.º 159/23.9GAVFR, a correr termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, por sentença de 05-05-2023 foi decidido:
«Face ao exposto, julga-se procedente a acusação pública e, consequentemente, condena-se a arguida AA, pela prática, no dia 15 de Abril de 2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de €5 (cinco euros), o que perfaz o montante legal de € 400 (quatrocentos euros).
Mais se condena o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses, devendo, para o efeito, fazer a entrega de todos os títulos de condução de que seja titular na Secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática do crime de desobediência.»

*

Inconformada com esta decisão, a arguida interpôs recurso, limitado à questão de direito da medida concreta das penas principal e acessória, solicitando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que a condene numa pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), num total de € 300 (trezentos euros), substituída por trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 (cinco) meses.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1.
Foi a arguida condenada pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido, pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 (sessenta) dias de multa, à taxa legal diária de 5 € (cinco euros), num total de 400€ (quatrocentos euros).
2.
Mais foi condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.
3.
Ora, a arguida não tem antecedentes criminais.
4.
A arguida nas suas condições sociais e económicas, declarou em sede de audiência de julgamento que é psicóloga clínica padecendo de depressão crónica há vários anos o que a impossibilita de exercer a sua atividade profissional.
5.
A arguida encontra-se desempregada, auferindo um rendimento mínimo de inserção de 207,00€ estando a aguardar a eventual concessão de reforma por invalidez.
6.
A pena de multa deve ser adequada e ajustada ao caso ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração a concreta taxa apresentada.
7.
Ora, quanto à matéria de direito e as penas aplicadas nomeadamente a pena de 80 dias de multa mostra-se desadequada e desajustada face ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração a concreta taxa apresentada pelo arguido – 2,20 g/L.
8. A pena de multa mais adequada e ajustada ao caso concreto será de 60 dias de multa, devendo a taxa diária ser mantida nos 5€ (cinco euros), o que perfaz o montante de 300€ (trezentos euros) com substituição de trabalho a favor da comunidade, atentas as condições socioeconómicas do condenado sendo substituída por trabalho a favor da comunidade.
9. Por seu turno, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve ser proporcional à pena principal e responder de modo eficaz às exigências de prevenção especial que se fizerem sentir no caso concreto.
10. Ora, atento o grau de culpa manifestada pela arguida, a taxa de alcoolemia que apresentava e, bem assim, as exigências de prevenção geral, entendemos que a pena de 10 meses de inibição de conduzir veículos motorizados é manifestamente excessiva a responder a tais exigências.
11. Entendemos, na verdade, que a pena acessória aplicada é exagerada na resposta cabal às aludidas necessidades.
12. Razão pela qual, em nosso entendimento, a arguido deverá ser proibida de conduzir veículos motorizados por um período situado nos 5 meses.
13. Ao não decidir do modo descrito, violou o Tribunal a quo as disposições legais previstas nos artigos 40º, nº1, 47º, 71º, nºs 1 e 2 e 292º, nº1, todos do Código Penal.»
*

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, considerando não assistir qualquer razão à recorrente e pugnando pela manutenção da decisão recorrida, aduzindo em apoio da sua posição as seguintes conclusões (transcrição):
«1.
A sentença proferida nos autos ponderou adequadamente a prova dos factos imputados e por que foi condenada a arguida, bem ainda, se mostra fundamentada a escolha e medida da pena aplicada tendo em conta o juízo de prognose social, a sua personalidade revelada na prática da conduta a que foi condenada tendo em vista a advertência para prática de futuras infrações.
2.
Em face da incidência de TAS de 2,20g/l, através do ar expirado, que à arguida foi registada, desde logo, se nos afigura que os argumentos aduzidos pela recorrente carecem de qualquer pertinência in casu, uma vez que não têm em conta, designadamente, a gravidade da culpa plasmada na sua conduta.
3.
A pugnada revogação e substituição do período determinado de dez meses de proibição de condução de veículos a motor da pena acessória que em sede de sentença e na determinação da medida concreta da pena acessória, a fixou dentro da moldura penal abstracta, revela-se infundado de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (artigo 71° do Código Penal), sendo que da sentença decorre quanto a esta, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal, inexistindo fundamento que importe a sua alteração.
4.
Ponderou a decisão posta em causa pela recorrente as circunstâncias referentes à personalidade da arguida, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível, e, atendeu ainda às razões da prevenção especial que se revelam acentuadas, sendo a prova apreciada em estrita obediência aos pressupostos valorativos moldados na experiência comum e na lógica do homem médio, inexistindo, assim, e, ao contrário do que sugere a arguida, qualquer violação dos termos do art.º 70º e 71° do Código Penal que afete a sentença.
5.
A determinação da medida da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a pena acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr. entre outros Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
6.
Por seu lado, a norma do artigo 40° condensa em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: proteção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não seu fundamento, sendo que, neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
7.
Ora, sendo o crime perpetrado de perigo abstrato, impõe-se ponderar o efeito e expressão numérica da taxa de alcoolemia - 2,20g/l, que corresponde necessariamente a maior potenciação do perigo, pois mais comprometer a segurança na condução, tal como, consignado no Ac. da RL de 17.06.2004, proc. 4316/2004-9, disponível in www.dgsi.pt, bem ainda, no Ac. da RL de 12.09.2007, proc. 4743/2007-3, disponível in www.dgsi.pt, que aplicou ao arguido uma inibição de conduzir pelo período de 10 (dez) meses, sendo ele primário, e apresentando uma TAS de 1,95 g/l.
8.
O grau da taxa de álcool no sangue, que a recorrente apresentava, já sancionado como crime, traduz falha de sensibilidade da arguida aos valores tutelados pela norma, importando que a medida da pena principal como da pena acessória assegure o efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa, sendo que, desta pena acessória, deve esperar-se que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.
9.
A medida concreta da pena que a recorrente invoca como desproporcional e excessiva tal como determinada na decisão “sub judicie”, entende-se como justa e equilibrada quer na sua espécie, duração e moldes em que foi aplicada a pena à arguida, por adequada às circunstâncias apuradas no caso concreto, tendo em conta que a finalidade das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade não podendo a pena ultrapassar, nunca, a medida da culpa - art. 40º, nº 1 e 2, do Código Penal e ponderadas que foram as exigências de prevenção geral, que se apresentam elevadas, dada a proliferação de ilícitos desta natureza, bem como, das nefastas repercussões que tem na comunidade, a natureza dos interesses em causa, qual seja, a própria perigosidade da condução sob influência do álcool, visando-se, com a sua incriminação, tutelar o perigo de lesão da ordem, da segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação na via pública em tais circunstâncias para os demais utilizadores da via, impondo uma punição rigorosa, cumprindo os termos do artigo 71.º do Cód. Penal.
10.
A sentença proferida nos autos ponderou adequadamente a prova dos factos imputados e por que foi condenado a arguida tendo em conta o juízo de prognose social, a sua personalidade revelada na prática da conduta a que foi condenada tendo em vista a advertência para prática de futuras infrações.
Não se vislumbrando que da sentença resulte qualquer violação às normas que invoca a recorrente, afigura-se-nos que,
In casu, da análise do específico contexto em que se desenvolveu o comportamento da arguida, não se vislumbra ser atendível qualquer das razões apresentadas pela recorrente para impugnar a sentença proferida nos autos.
Nos termos expostos e no demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso, ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, na integra e nos seus precisos termos, assim se fazendo justiça.
Contudo, decidindo V. Ex.ªs, farão
JUSTIÇA»
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que aderiu à resposta do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pugnando, assim, pela improcedência do recurso.
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Notificada nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente apresentou resposta, corroborando a posição assumida no recurso.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a medida concreta das penas principal e acessória aplicadas é excessiva, devendo ser reduzida nos termos propostos.

Para análise da questão que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente.
Após audição da leitura da sentença para a acta, verifica-se ser do seguinte teor o elenco dos factos que o Tribunal a quo deu por provados na sentença recorrida:
- No dia 15-04-2023, pelas 20h30, na Rua ..., ..., Santa Maria da Feira, a arguida tripulava o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-VJ, sua propriedade, quando foi interveniente num acidente de viação, por despiste;
- Realizado à mesma teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, pelo alcoolímetro de marca Drager, Modelo 7110 MKIIIP, n.º ARNA - 0007, foi acusada uma TAS de, pelo menos, 2,090 g/l, correspondente à TAS de 2,20 g/l registada deduzida do erro máximo admissível;
- Em momento anterior ao acto de condução, a arguida ingeriu bebidas alcoólicas que determinaram a mencionada taxa de alcoolémia, não obstante estar ciente de que no estado etilizado em que se encontrava não podia conduzir qualquer veículo na via pública;
- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
- A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos imputados, revelando arrependimento sincero;
- À data da prática dos factos a arguida não tinha antecedentes criminais;
- A arguida é licenciada em psicologia clínica, mas encontra-se desempregada há cerca de sete anos, posto que padece há largos anos de depressão crónica que a impede de trabalhar, estando a aguardar eventual concessão de reforma por invalidez;
- Beneficia do RSI no valor aproximado de €207 mensais;
- Reside em casa própria.

Vejamos, então, se a medida concreta das penas principal e acessória aplicadas é excessiva, devendo ser reduzidas nos termos propostos.
*
Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha presente o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal.
Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que:
«1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»

Tendo presente estas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, ter em atenção a regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Por fim, especifica o terceiro dos indicados preceitos (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»

Nas palavras sempre actuais de Figueiredo Dias[2], «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»

Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «[a] necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental»[3]

A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.

São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na sentença, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[4]

No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[5]que:
«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»

Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.

Nesta operação de detalhe das opções levadas a cabo pelo Tribunal na escolha e determinação da medida concreta da pena, após audição da leitura da decisão para a acta, apurou-se que o Tribunal a quo optou pela aplicação de uma pena de multa, face à ausência de antecedentes criminais da arguida à data dos factos.
Ponderou em favor da arguida a confissão dos factos, embora salientando que não era especialmente relevante visto o tipo de crime em causa e o modo de intercepção, em quase flagrante delito. Entendeu que a mesma demonstrou um certo grau de arrependimento jurídico que foi tido por sincero.
O Tribunal a quo ponderou ainda a favor da arguida a ausência de antecedentes criminais e a sua aparente inserção social, sem embargo da inactividade profissional, que não se afigurou lhe fosse imputável.
Em desfavor da arguida foi ponderada a actuação com dolo directo, a concreta taxa de alcoolémia detectada, de, pelo menos, 2,090 g/l, correspondendo a quase o dobro do limite para que a condução com álcool seja considerada crime e ao quadruplo no limite tolerado por lei e a partir do qual a conduta começa a ser relevante em termos contra-ordenacionais.
No mesmo sentido foi ponderada a hora e local em que a condução se realizou, dada a existência de alguma movimentação automóvel nas estradas e tratar-se de veículo ligeiro de mercadorias, posto que o crime pode ser cometido por veículos menos perigosos como por ciclomotores ou velocípedes.
O Tribunal a quo considerou ainda que o facto de a arguida ter sido interveniente em acidente de viação, por despiste, agravava a imagem global do facto, ainda que tenha sido a única a sofrer danos ou lesões.
O Tribunal a quo identificou como elevadíssimas as exigências de prevenção geral, atentos os níveis de sinistralidade no nosso país e as nefastas consequências que daí advêm, estando perfeitamente identificadas como causas cimeiras dessa sinistralidade o excesso de velocidade e a condução de veículos sob o feito do álcool.

Tendo presentes os critérios apontados e a argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo para aplicação das penas não detectamos qualquer falha formal ou substancial a imputar à decisão recorrida quanto à pena de multa.
O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual foi a arguida condenada, optou pela aplicação de pena não privativa da liberdade e concretizou de forma completa e fundamentada, em face dos factos dados como provados e dos preceitos referidos, os factores relevantes que militaram a favor e contra a arguida, supramencionados, decidindo depois pela aplicação da pena de 80 (oitenta) dias de multa que considerou adequada.
A opção por uma pena de multa e não uma pena de prisão já representa um juízo de ponderação que reflecte uma valoração de menor censura sobre a conduta.
A recorrente apenas aponta a excessividade da fixação da pena em 80 e não 60 dias de multa, mas não invoca qualquer erro de julgamento que julgamento que possa sustentar essa avaliação.
Encontramo-nos, pois, no puro campo da fixação do quantum da pena de multa, que não nos merece qualquer censura, por se encontrar dentro dos limites perfeitamente admissível de liberdade do julgador em face da gravidade da situação, bem identificada pelo Tribunal a quo, apesar de todos os factores que militam a favor da arguida.
Estando a taxa diária da pena de multa fixada pelo mínimo não foi suscitada qualquer alteração.
Por outro lado, a pretensão de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade não merece acolhimento, dada a incapacidade, que se conhece à partida, da arguida para aquele cumprir, uma vez que foi dado como provado que a arguida é licenciada em psicologia clínica, mas encontra-se desempregada há cerca de sete anos, posto que padece há largos anos de depressão crónica que a impede de trabalhar, estando a aguardar eventual concessão de reforma por invalidez.
A arguida não se encontra apenas desempregada, como se alega no recurso.
Ela encontra-se impossibilitada de trabalhar por razões de saúde, há, pelo menos, sete anos, estando a aguardar a reforma por invalidez, razão pela qual não tem perfil para a aplicação da medida de trabalho a favor da comunidade, que não pode cumprir, o que impede que se possa concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 48.º, n.º 1, do CPenal).
Atente-se que a pena de multa fixada à recorrente pode ainda beneficiar de mecanismos de adequação à sua concreta situação, conforme resulta do disposto nos arts. 47.º, n.ºs 3 e 4, e 49.º, n.º 3, do CPenal.
Já quanto à pena acessória consideramos que se verifica alguma desproporção da quantificação efectuada, que pode, e deve, ser corrigida.
Como se firmou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-01-20188[6], «A determinação da medida concreta da pena acessória é efetuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do Código Penal, uma vez que depende da gravidade do ilícito e da culpa do agente do crime.»
Contudo, a finalidade da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor «reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal)»[7].
É «uma função preventiva adjuvante da pena principal, que se dirige, ao menos nalguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação»[8].
Por tal razão, a medida a encontrar na fixação da pena acessória «não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos»[9].
Considerando tal desiderato, bem como a moldura penal abstracta de 3 (três) meses a 3 (três) anos de proibição de conduzir, em conjugação com os factos dados como assentes na sentença recorrida, não podemos deixar de concordar em parte com a pretensão da recorrente.
Com efeito, a recorrente confessou de forma integral e sem reservas os factos imputados, mostrando-se sinceramente arrependida, nas palavras do Tribunal a quo, não tem antecedentes criminais, apesar de já ter 51 anos de idade, e encontra-se, aparentemente, inserida em sociedade, ressaltando dos autos ter sido este um facto isolado no seu percurso de vida.
O grau de perigosidade da recorrente não é, pois, expressivo, assim como o não são as exigências de prevenção especial, como se viu, pelo que a pena acessória deve ser reduzida, revelando-se mais adequada e proporcional a fixação da pena acessória por um período de 6 (seis) meses, cumprindo-se ainda assim as finalidades da punição.
*

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:
a) - Reduzir a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor para o período de 6 (seis) meses;
b) - No mais, negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e confirmar a sentença recorrida.

Recurso sem tributação (art. 513.º, n.º 1, do CPPenal).



Porto, 10 de Janeiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Maria do Rosário Martins
Pedro Vaz Pato
___________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[3] Acórdão do STJ de 22-11-2017, Proc. n.º 731/15.0JABRG.G1.S1 - 3.ª secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[6] Proc. n.º 149/17.0PFVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[7] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2015, Proc. n.º 167/15.3GBBCL.G1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Proc. n.º 149/17.0PFVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2015, Proc. n.º 167/15.3GBBCL.G1, acessível in www.dgsi.pt.