DEPOIMENTO DO OFENDIDO
OUVI DIZER AO ARGUIDO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
Sumário

I – É válido como meio de prova o depoimento de uma testemunha no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos, ou de relatar aquilo que ouviu o mesmo dizer na ocasião dos mesmos (ou posteriormente).
II - Se a testemunha - e considere-se maxime o ofendido – não tiver dúvidas sobre a pessoa que viu e aquilo que ouviu ser dito pela mesma, justificando tal conhecimento em motivos que se revelem coerentes e razoáveis, esse depoimento pode ser avaliado (apreciado livremente) pelo tribunal de acordo com as regras gerais de apreciação da prova testemunhal.

Texto Integral

Proc. nº 206/21.9GAPRD.P1
Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Paredes, Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto




Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 206/21.9GAPRD que corre termos no Juízo Local Criminal de Paredes – Juiz 2, em 30/05/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo, na parte aqui relevante, é do seguinte teor :
«VII – Decisão
Assim, em face do exposto, de facto e de direito, decide-se, julgar a acusação do Ministério Público totalmente procedente, por provada e, em consequência:
1 - Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
2 - Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.
3 - Condenar a arguida AA, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa.
4 - Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no art. 77.º, do Código Penal, condenar a arguida na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 13,00 (treze euros), o que perfaz o montante global de € 3.640,00 (três mil, seiscentos e quarenta euros).
5 - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil BB, condenado a demandada civil AA, a pagar-lhe o valor global de € 1.677,82 (mil, seiscentos e setenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos) – € 677,82 (seiscentos e setenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização dos danos patrimoniais, e € 1.000,00 (mil euros), como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros moratórios que se vençam a partir da presente decisão, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a de demais peticionado. »

Inconformada com a decisão, dela recorreu, em 04/07/2023, a arguida AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1. A arguida não prestou declarações.
2. Dos depoimentos das testemunhas da acusação supra transcritos resulta à saciedade que a testemunha CC, a 00h.1m.02s do seu depoimento de 23.03.2023, disse não ter assistido a nada e as testemunhas DD, EE e FF afirmaram ter estado no local apenas no dia 9.04 e não já no dia 24.03.2023 e não terem visto a pessoa que brandiu a vassoura que atingiu o vidro e o sistema de exaustão da assistente, a primeira a 00h.06m.50s e 00h.15m.31s e o terceiro a 00h.01m.39s da gravação dos respectivos depoimentos de 18.05.023 e 23.03.2023,
3. Donde, inverídica a conclusão do Tribunal a quo inserta na motivação da decisão da matéria de facto de que de modo claro e esclarecedor, a assistente BB, contou como os factos tiveram lugar, designadamente que viu a arguida, sua vizinha, a praticar os factos e que a confirmar integralmente a sua versão, porque também presenciaram os factos/, o depoimento das testemunhas DD, técnico inspector de gás, EE, técnico de …
4. Ao contrário, pois, do escrito na douta motivação da decisão da matéria de facto as testemunhas não têm conhecimento directo dos factos integrantes do crime ; o seu conhecimento é indirecto porque nenhuma delas esteve no local no dia 24.03.2021 e , logo, nada viu e , quando ali estiveram em 9.04.2021, nenhuma delas viu a arguida a brandir a vassoura que partiu o vidro e a pinha da caldeira
5. Dizer , como a testemunha FF a propósito de quem brandiu a vassoura : “Era o vizinho de cima , só o vizinho de cima tem acesso a isso“ – a 00h.02m.08s da gravação de 18.05.2023 do seu depoimento – , quando tão pouco conhecia a arguida e muito menos sabia onde esta residia – a 00h.00m.11s da mesma gravação , demais quando a testemunha DD, tendo visto o mesmo - a vassoura a bater no vidro e na pinha – afirmou não pode garantir de que sitio da vertical era brandida a vassoura - a 00h.04m.52s, 00h.05m.42s e 00h.23m.34s da gravação do seu depoimento de 18.05.2023 - é, é absolutamente inócuo , não produz , não pode, o efeito pretendido pelo Tribunal a quo .
6. Responder sim, à pergunta do Ilustre Mandatário da assistente :
Ela confessou que partiu tudo 999999? – a e afirmar que a arguida lhe disse “ quantas vezes vier reparar quantas vem aqui meter novo que eu vou parti-las todas “ - como o fez a testemunha FF a 00h.07m.25s e 00h23m.34s da gravação de 18.05 - não se mostra suficiente para concluir que a arguida foi a autora dos factos imputados.
7. Note-se que a testemunha DD nada disse nesse sentido, a testemunha EE situou na rua esse descrito monólogo e a testemunha FF na escada , acrescentando esta que estavam todos juntos , o FF, o EE e o DD, aquando dessa afirmação – v. transcrição da gravação de 18.05 do depoimento da testemunha DD , a gravação a 00h.14m.40 do depoimento da testemunha EE e a 00h.02m.24s , 00h.11m.17s e a 00h.13m.02s da gravação do depoimento da testemunha EE , estas de 23.03.2023.
8. A verdade é , pois, que nem a assistente , nem as testemunhas viram quem brandiu a vassoura , todas estavam no interior do apartamento da assistente todas foram surpreendidas pelo barulho e viram apenas o vidro e a pinha a partirem.
9. Reconhecer em julgamento a arguida como a pessoa que dirigiu insultos a todos e disse que voltaria a partir a caldeira, quantas vezes fosse reparada, não exclui qualquer tipo de dúvida sobre a veracidade da afirmação; não é difícil reconhecer a arguida, todos sabem onde se senta na sala de audiências; de resto, não cumpriu esse reconhecimento com o previsto no art. 147º do C.P.P..
10. Não é, assim, possível a afirmação constante da douta sentença recorrida de que a arguida assumiu os factos no local, pois ao dizer que vai repetir, subentende-se que tenha praticado o anterior
11. Na verdade, tendo -se a arguida remetido ao silêncio na audiência de julgamento, não pode ser valorada a sua (eventual) confissão do crime nas circunstâncias descritas, não o poderia ser sequer se prestada perante orgão de polícia criminal..., não permitindo , por isso, esse facto a inferência de que a arguida praticou os factos típicos dos crimes de dano imputados.
12. A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível apenas se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), forem de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
13. Nada do que sucede no caso e por isso ilegítima a dedução efectuada a propósito pelo Tribunal a quo.
14. Ao contrário do que se afirma na motivação da decisão da matéria de facto , não existe prova directa , nem indirecta da autoria pela arguida dos crimes de dano em causa, os depoimentos transcritos estão em completa contradição com aquela decisão, não permitindo por isso as conclusões nela insertas e impõem a decisão de não provados dos factos provados 1 ) a 10 ) e 12) da douta sentença recorrida,
15. O que se justifica a absolvição da arguida dos crimes de dano pelos quais foi condenada.
16 Da transcrição acima efectuada dos depoimentos das testemunhas que estavam no local no dia 9 de Abril de 2021 em que se imputa à arguida os factos substanciadores do crime de injurias por que foi condenada, resulta que a testemunha DD, afirmou : A 00h.06m.08s : Ouvi tratar mal as pessoas lá dentro ; A 00h.16m.15s : dizia “ seus filhos da “ ; A 00h.25m.40s : Dirigia-se a todos ( os seus filhos da ) , a testemunha EE , afirmou :A 00h.25m.06s e a 00h.25m.39s : Desceu as escadas (a arguida), esteve a discutir com a cliente (assistente) ; Chamou-lhe muitos nomes directamente - puta, vaca, badalhoca - , disse que lhe batia e a testemunha FF afirmou: A 00h.02m.24s a 00h.02m.42s e a 00h.03m.04s : A pessoa em questão estava exaltada na escada , sítio em que chamou nomes ; – puta,vaca - ; Não me recordo da D. BB aí ; A 00h.08m.19s : Quando chamou puta , vaca , badalhoca ; A 00h.08m.40s : estávamos eu e os dois técnicos ; De 00h.11m.17s a 00h.13m.02s : Durante todo o episódio em que a arguida proferiu as expressões já referidas , a Srª ( assistente ) não estava presente , só estavam os três, a testemunha , o DD e o EE.
16. Estes depoimentos , os únicos que versaram sobre os factos agora em causa, resulta uma evidente discrepância, divergência , falta de coerência quanto às circunstâncias de lugar e modo em que as expressões imputadas à arguida terão sido proferidas, a quem foram dirigidas e perante quem ; neste particular, enquanto a testemunha DD diz que na presença de ninguém, a testemunha EE diz que na presença da assistente e dirigidas a esta, com quem a arguida discutia, e a testemunha FF afirma que na sua presença e daqueloutras testemunhas, na ausência da assistente ,
17. Não se vislumbra assim qualquer tipo de consonância nos depoimentos das testemunhas no concernente à descrição das circunstâncias de modo e local em que a arguida terá proferido os insultos e, aliás, dito que voltaria a fazer igual, sempre que reparassem a caldeira.
18. Forçoso é, pois, concluir que, a ter proferido as expressões que lhe são imputadas, a arguida fê-lo na ausência da visada que não presenciou a conduta da arguida, nem no mesmo espaço físico, nem em qualquer outro.
19. Logo, não se apurou a factualidade susceptível de ser subsumida ao crime de injúrias, mas outrossim ao crime de difamação, crime como aquele de natureza particular, dependente de acusação particular que não existe, razão por que deve a arguida ser absolvida também do crime de injurias.
SEM PRESCINDIR:
20. O Tribunal a quo entende que: 1. a arguida agiu com dolo directo, as necessidades de prevenção geral especial revelam-se médias no o caso, 3 .o grau de ilicitude é médio, 4 .as consequências do crime revestem-se de gravidade média.
21. Importa acrescentar que se apurou que: 1.do CRC da arguida nada consta, 2. é socialmente bem considerada, 3. aufere o salário líquido no valor de € 1.600,00, como professora do 1º ciclo em ....
22. Em face disso ,entende-se que factualidade que antecede demanda a fixação de penas de multa parcelares inferiores de não mais de cem dias por cada dos crimes de dano e oitenta dias pelo crime de injurias o que conduziria a que os limites mínimo e máximo da pena a aplicar fossem de oitenta dias e duzentos e oitenta dias , a justificar a pena unitária de nunca mais de cento e oitenta dias , a uma taxa diária de oito euros , posto que não sendo a arguida indigente , não é abastada.
23. O Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto distorcendo a realidade factual e errou na aplicação do direito , em violação designadamente dos arts. 124 e ss do C.P.P. e 41º, 47º, 181º e 212º do C.P..
24. Razões por que a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituida .

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando pela improcedência do recurso, e concluindo da seguinte forma:
«Por todo o exposto, consideramos que não existiu qualquer erro ou vício na apreciação da prova produzida em juízo por parte do Tribunal a quo, tendo as declarações da assistente e das testemunhas sido analisadas à luz das regras da experiência comum, sem que houvesse a violação de qualquer norma».

Ao recurso respondeu também a assistente BB, propugnando igualmente pela respectiva improcedência, e concluindo da seguinte forma:
I – A prova assente nos autos está em perfeita consonância com a matéria alegada, os documentos juntos e depoimentos prestados, constantes das gravações efectuadas;
II – A recorrente para ver alterada a factualidade assente teria que demonstrar, através dos depoimentos prestados e prova documental, que o tribunal errou ao fixá-la, o que não fez, seguramente por saber que nenhuma razão existe para tal;
III – Na verdade, nem um facto alegou, nem podia fundamentar, dado a prova produzida, quer documental, quer testemunhal;
IV – Deste modo, tendo a douta sentença recorrida feito correcta aplicação do direito aos factos, não é passível de qualquer censura.
V – Desta forma, conclui-se pela total falta de razão da recorrente no recurso interposto, pelo que deverá manter-se na totalidade todo o correctamente decidido pelo tribunal “a quo”, não tendo a douta sentença recorrida violado qualquer preceito legal ou princípio fundamental de direito.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu propugna pela improcedência do recurso, concluindo o seguinte:
«Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais, acompanhamos a posição da Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à correta e bem fundamentada argumentação oferecida, que se subscreve e aqui se dá por transcrita, na sua resposta à Motivação e Conclusões do Recurso apresentado pela Recorrente.
Pelo exposto, somos de parecer de que o Recurso interposto pela Recorrente arguida deve ser julgado improcedente e, consequentemente, deve manter-se integralmente a sentença recorrida.»

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, vindo, nessa sequência, a arguida/recorrente AA em resposta dar por reafirmado e reproduzido tudo o que deixou invocado nas suas alegações de recurso.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.

*

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.
São só as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[1], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se a recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre :
1. se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal;
2. se se mostram reunidos os pressupostos típicos dos crimes de dano e de injúria pelos quais a arguida vem condenada.
3. se a medida concreta das penas parcelares e da pena única de multa aplicadas à arguida, e bem assim o quantitativo diário fixado para a mesma, são desadequadas por excessivas.
*

Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:
«A. Factos Provados:
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 24 de março de 2021, pelas 07:15 horas, a arguida, que vive na fração por cima da fração da assistente, aproveitando-se desse facto, debruçou-se na sua varanda, e fazendo uso de uma vassoura, partiu a saída do tubo de extração de vapores da canalização da caldeira de condensação, pertencente à assistente, que se encontrava na janela da varanda da habitação desta, sita na Avenida ..., Fracção AK, área desta comarca,
2) Com essa conduta, a arguida ainda partiu o vidro da janela que se encontrava junto à tubagem, no canto superior esquerdo.
3) Com a conduta descrita em 1) e 2), a arguida causou estragos nos objectos ali referidos, ascendendo o custo da reparação a €338,91.
4) No dia 09 de abril de 2021, entre as 17:00 e as 18:00 horas, a arguida, debruçou-se na sua varanda, e fazendo uso de uma vassoura, voltou a atingir o sistema de exaustão da condensação da caldeira, pertencente à assistente, partindo-o novamente.
5) Com a conduta descrita em 4), a arguida causou estragos ascendendo o custo da reparação, pelo menos, ao mesmo valor referido em 3).
6) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4), a arguida de viva voz, e em tom elevado, dirigiu as seguintes expressões à assistente: “és uma porca, és uma puta, és uma vaca, não te aproximes, tenho nojo de ti”.
7) A arguida agiu da forma descrita, querendo causar estragos em bens que sabia não lhe pertencerem e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
8) Ao proferir as expressões referidas, agiu com intenção de ofender a honra e consideração da ofendida.
9) Agiu a arguida de modo livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
10) Em consequência das supra referidas condutas da arguida, a assistente sentiu-se triste, vexada, humilhada, enxovalhada, perturbada, nervosa e sentiu, também, receio e medo que a arguida voltasse a repetir a sua conduta, e incómodos.
11) A assistente é professora do Ensino Básico, na Escola 1..., encontrando-se a leccionar na escola 2....
12) Em consequência das condutas da arguida supra referidas, a assistente não tinha água quente na habitação onde residia, em virtude da destruição da caldeira pela arguida.
13) A arguida é professora do 1.º ciclo, a exercer funções no Centro Escolar ....
14) Aufere salário líquido no valor de € 1.600,00.
15) Vive sozinha em casa própria.
16) É socialmente bem considerada.
17) Do CRC da arguida nada consta.
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B. Factos Não Provados
Não se apurou que:
a) Em consequência das condutas da arguida supra referidas, a assistente teve passar a residir numa habitação de uns amigos que se situa em Vila Real.
b) Por causa disso, teve de efectuar 120 km a mais, todos os dias, o que importou no valor acrescido de €36,00 diários, e lhe causou o incómodo de ter de realizar uma viagem mais longa, tendo de acordar mais cedo cerca de uma hora e meia, chegando mais tarde, ao fim do dia.
c) A assistente lecionou presencialmente 91 dias, no ano lectivo de 2020/2021.
d) No ano de 2023, a assistente deslocou-se à escola, para leccionar 199 dias.»

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
«C. Motivação da matéria de facto
No que toca à data, ao local e ao objecto do processo, o Tribunal fundou a sua convicção com base na prova produzida em audiência, designadamente nas declarações da assistente, no depoimento das testemunhas ouvidas, conjugado com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente:
- Auto de notícia, fls. 4 verso a 6.
- Aditamento de fls. 14 verso a 16.
- Orçamento e faturas de fls. 16 verso a 18.
- Documento de fls. 19 a 20.
- Suporte fotográfico, fls. 20 verso a 23 verso.
- Informação prestada pela Câmara Municipal ..., fls. 58 a 59 e fls. 96.
- Anexo apensado por linha – Cópia do processo nº 5/..., que correu termos na Câmara Municipal ...; tudo devidamente valorado e conjugado com as regras da experiência comum.
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A arguida não prestou declarações em julgamento.
Por sua vez, de modo claro e esclarecedor, a assistente BB, contou como os factos tiveram lugar, designadamente que viu a arguida, sua vizinha, praticar os factos, do apartamento que se situa no piso imediatamente superior ao seu, bem como descreveu os estragos causados, que também são visíveis no suporte fotográfico, fls. 20 verso a 23 verso.
Explicou que a mesma já havia feito queixa na Câmara Municipal, devido à emissão de gases, o que é suportado pelos documentos juntos no Anexo apensado por linha – Cópia do processo nº 5/..., que correu termos na Câmara Municipal ....
A confirmar integramente a sua versão, porque também presenciaram os factos, o depoimento das testemunhas DD, técnico inspector de gás, EE, técnico de gás e FF, técnico de refrigeração e climatização, que ali se deslocaram para efectuar os testes de estanquidade e reparação da caldeira, respectivamente, quando os factos referidos em 4) ocorreram.
Não obstante nenhuma das testemunhas ter visto quem é que brandiu a vassoura que causou os danos, todos reconheceram que foi a pessoa que se encontrava no andar imediatamente superior ao da assistente, ou seja a vizinha de cima, que momentos depois veio na direcção do apartamento da assistente, pelo que nesse momento puderam ver de quem se tratava.
Todas as testemunhas a reconheceram em julgamento, sem margem para quaisquer dúvidas, tendo-a visto quando esta veio ao exterior do seu apartamento. Nessa altura, a mesma dirigiu insultos a todos, tendo dito que voltaria a partir a caldeira, quantas vezes a mesma fosse reparada.
Ora, nem se diga que nem a assistente, nem as testemunhas viram a arguida a danificar a caldeira, o que não pode colher, já que a arguida era a única pessoa que residia naquele apartamento, por isso, com total acesso ao mesmo, de onde os golpes de vassoura foram dirigidos, e estes foram presenciados por todos, acompanhados de insultos, com ”voz de mulher”, que todos ouviram.
Ademais, de seguida, como todos confirmaram de modo consonante, a mesma veio cá fora e assumiu os factos, tendo dito que voltaria a fazer igual, sempre que reparassem a caldeira, bem como dirigiu à ofendida os insultos que melhor descreveram. Ora, também não se diga que daqui não resulta a assumpção dos factos, no local, pela arguida, pois ao dizer que vai repetir um acto, subentende-se que o tenha praticado o anterior!
Todas as referidas testemunhas descreveram os estragos resultantes da referida acção.
A testemunha GG, trata-se da vizinha do 2.º andar esquerdo, que mora no mesmo piso da assistente, e que se dirigiu ao local, já depois dos factos, atestou os estragos que visualizou na primeira situação descrita.
Na segunda vez, chamaram-na porque “a arguida não deixava compor a caldeira”, mas não viu os estragos causados nesse dia, nem a assistente no local. A testemunha esclareceu que foi chamada ao local já depois dos factos terem sido praticados, por isso não pode atestar se a assistente assistiu aos mesmos.
Confirmou que, numa reunião de condomínio, a arguida se queixou de cheiros emitidos pela caldeira, questão que se encontra por resolver em tribunal.
Não obstante a testemunha FF não se recordar de ver a assistente no local, na altura referida em 4), o tribunal não teve qualquer dúvida em dar o dito facto por assente, já que, quer a assistente, quer as testemunhas DD e EE, confirmaram a sua presença. Deste modo, concluímos que a mesma ouviu os insultos que lhe foram dirigidos.
Por último, tendo em conta os documentos constantes no apenso, anexo aos presentes autos - Cópia do processo nº 5/..., que correu termos na Câmara Municipal ..., a arguida manifestou-se contra a colocação da dita caldeira pela assistente, tendo até feito uma participação à Câmara Municipal, o que revela que, a mesma, ficou, com isso, incomodada, aliás como de resto resulta das exposições que remeteu à Câmara Municipal. De acordo com as regras da experiência, resulta claro que foi por causa disso que a mesma incorreu na prática dos factos, por se sentir incomodada com os cheiros e gases libertados pela caldeira, e mais ainda, face ao desfecho do referido processo, onde se concluiu que não se verificou existência de quaisquer focos de más condições de salubridade, tendo o processo, que correu termos na Câmara Municipal, sido arquivado.
Assim, por tudo o que se disse, nenhuma dúvida restou, de que foi a arguida a praticar os factos.
Todas as testemunhas depuseram com isenção, credibilidade e objectividade, logrando, deste modo, convencer o Tribunal, tendo conhecimento directo dos factos em questão, como supra se explanou, razão pela qual se deram os factos constantes na acusação por assentes.
Quanto ao elemento subjectivo do crime em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu a arguida, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente fez.
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A assistente, além do mais, alegou os seguintes factos, que foram dados por não provados, em que se substanciam os danos de natureza patrimonial que sofreu:
- Em consequência das condutas da arguida supra referidas, a assistente teve passar a residir numa habitação de uns amigos que se situa em Vila Real.
- Por causa disso, teve de efectuar 120 km a mais, todos os dias, o que importou no valor acrescido de €36,00 diários, e lhe causou o incómodo de ter de realizar uma viagem mais longa, tendo de acordar mais cedo cerca de uma hora e meia, chegando mais tarde, ao fim do dia.
- A assistente lecionou presencialmente 91 dias, no ano lectivo de 2020/2021.
- No ano de 2023, a assistente deslocou-se à escola, para leccionar 199 dias.
Em sede de declarações, a assistente disse que ficou com receio que a arguida persistisse na sua conduta, voltando a partir a pinha da caldeira, sempre que a mesma fosse reparada, como a mesma anunciou às testemunhas, razão pela qual decidiu não a reparar e, porque não dispunha de água quente, terá ido residir para Vila Real, onde tem um amigo que a acolheu.
Os factos em que se consubstancia a dita “ameaça” por parte da arguida, e reflexamente ancoram a sua pretensão, não foram sujeitos a inquérito, estando vedado a este tribunal pronunciar-se sobre eles, caso contrário extravasaria o objecto do processo, incorrendo na nulidade insanável, prevista no artigo 119º, al. c) do C.P.P., conforme claramente resulta da análise do Auto de notícia, fls. 4 verso a 6 e do Aditamento de fls. 14 verso a 16.
Dispõe o artigo 48.º do Código de Processo Penal que: ”O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º”
Nos termos do art. 49.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.”.
“Mesmo nos crimes particulares a titularidade da acção penal pertence ao Estado (…) a promoção do andamento do processo compete ao Ministério Público, a quem o assistente terá de solicitar quaisquer diligências na fase de inquérito” (C.P.P., Manuel Maia Gonçalves, pág. 174).
Menciona o artigo 284º, nº1, do C.P.P. que: ”Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.”.
Nos crimes semi-públicos o Ministério Público ainda é o titular da acção penal. O crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153.º, n.º1, é um crime de natureza semi-pública, conforme o n.º2 do mesmo preceito.
Assim, está vedado a este tribunal sobre eles pronunciar-se, e em consequência, deles tirar conclusões, sendo certo que, a assistente também não tinha legitimidade para deduzir acusação particular pelos referidos factos, dado que o nem sequer houve queixa e inquérito que recaísse sobre eles, o que era necessário para despoletar o procedimento criminal, por tratar-se de crime de natureza semi-pública, nos termos do art. 153.º, n.º2 do C.P., como se disse.
*
Mesmo que assim não se entenda, não obstante a assistente ter confirmado todos os factos que alegou, o que foi corroborado pela testemunha CC, sua amiga, não se fez prova segura da existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano total peticionado, como se explicará, pelo que sempre faleceria a prova deste nexo, e com isso, da possibilidade de responsabilização da arguida.
Desde logo, relativamente aos períodos em que a mesma se encontrou a exercer funções - aos factos não provados c) e d), permanece a dúvida sobre se esteve presencialmente ou virtualmente na escola, já que a assistente não o referiu, abstendo-se de distinguir em quais desses períodos é que as aulas foram presenciais, e em quais é que não foram. Sempre poderia ter juntado documento, que facilmente obteria junto dos estabelecimentos de ensino onde lecionou, ou outros meios de prova, o que não ocorreu.
Assim, não se sabe se as deslocações ocorreram e quando, o que também deveria ter sido concretizado cabalmente a fim de habilitar o tribunal a poder quantificar os valores peticionados, o que não aconteceu, não restando senão dar estes fatos por não assentes.
Depois, porque apesar de ter resultado mais do que claro que sem a pinha colocada, a caldeira não funcionava em condições de segurança, o que foi atestado pelos três técnicos que foram ouvidos, e nesse ponto unânimes, a verdade é que a assistente teve sempre a opção de repará-la (ou substituí-la), o que não fez, por sua opção, mudando-se para o local onde nasceu e onde tinha pessoas amigas, aumentando em muito os custos em que incorreu, mercê das deslocações para um local mais distante.
Ora, neste caso, parece-nos que os danos peticionados extravasam em muito os fins e interesses que a norma visou acautelar. É que o facto de ter ficado com uma peça da caldeira danificada, não obstante a mesma ter ficado inutilizada e sem poder funcionar, confere-lhe o direito de ver-se reintegrada, logo ressarcida do valor da reparação do bem, e dos custos inerentes que daí possam advir. No círculo de protecção da norma não podem abarcar-se todas as deslocações que foram peticionadas, em virtude de uma mudança de residência e todos os custos inerentes, pois não foi isso que a norma pretendeu acautelar e proteger.
Sem a peça partida, a caldeira não funciona, e sem funcionar, a ofendida não tinha água quente, mas poderia ter optado por insistir na reparação, ou por outras alternativas, antes de ter assumido uma posição mais radical, como fez.
Nem a título de lucros cessantes, a mesma pode ser ressarcida, pois a norma protege a integridade do objecto em si, os custos e despesas de reparação, mas já não as deslocações que teve pela mudança de residência, que não se encontram abarcadas pela protecção que a norma visa conferir.
A ordem jurídica portuguesa consagra a teoria da causalidade adequada no art. 563º, do Código Civil, ao prescrever que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Quer dizer: de acordo com a teoria da causalidade adequada, nem todos os acontecimentos que precedem um dano (sendo, por assim dizer, as causas da sua produção) têm a mesma relevância. O dano tem que ser associado ao facto antecedente que, segundo o curso normal dos acontecimentos, foi a sua causa; todos os demais são periféricos e, portanto, irrelevantes para efeitos de responsabilidade civil. Por isso, uma pessoa só responde pelo dano produzido no caso de a sua conduta culposa ter esse carácter de causa adequada ou normalmente geradora do resultado (cfr. Ricardo Angel Yaguez, La Responsabilidad Civil, 1989, p. 244).
Este princípio geral da causalidade adequada concretiza-se em duas formulações, tendo em vista a delimitação dos danos indemnizáveis “causados” por determinado facto.
Segundo uma dessas formulações – a positiva - um facto é causa de um efeito danoso quando é previsível que ele o provoque, atendendo às circunstâncias concretas em que o agente actuou, quer às conhecidas deste, quer às cognoscíveis, à data da produção do facto, por uma pessoa normal.
Esta formulação positiva da causa adequada baseada na previsibilidade do resultado pelo agente aproxima o juízo sobre o nexo de causalidade do conceito ético de culpa e restringe o âmbito dos danos ressarcíveis, uma vez que assenta a indemnização na previsibilidade do facto.
Por isso, se propôs um alargamento da noção de causalidade, através do que se designou formulação negativa do nexo de causalidade e que prescinde da noção de previsibilidade: segundo esta, um facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.
Como se vê, a formulação negativa da causa adequada aproxima-se da teoria da equivalência das condições, na medida em que um facto é causal de um dano sempre que é uma das várias condições da sua produção, sem a qual o dano não teria ocorrido.
E, segundo ela, por um lado, o agente é sempre responsável quando previu ou devia prever o facto, mas já não os seus efeitos (que ficam de fora do âmbito de previsibilidade) e, por outro, o facto-condição só não é causa do dano se era totalmente indiferente para a sua produção segundo as regras de experiência comum ou se só o produziu mercê de circunstâncias anómalas e excepcionais (que, por isso, escapavam à previsibilidade do agente).
A ideia de probabilidade do dano vive, paredes-meias, com a de adequação, segundo o curso normal das coisas e a experiência da vida: o dano é provável sempre que a sua ocorrência, segundo a ordem das coisas e a experiência da vida se apresente como normal e típica (adequada); como escreve Menezes Leitão, “a introdução do advérbio “provavelmente” faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da condição para o desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo com um juízo de probabilidade, seja idónea a produzir um dano,…” (cfr.Direito das Obrigações, vol. I, 2000, p. 305-306).
Sintetizando, porque a arguida, no momento da prática dos factos, nem sequer podia prever como causa possível do seu comportamento que a ofendida mudaria de casa, e lhe imputaria todas essas despesas, falece a prova de que a mesma tenha sequer equacionado que a sua conduta pudesse causar essas despesas, razão pela qual não se pode dar os ditos factos por assentes, nem a demandante, a quem cabe o onús da prova dos referidos factos, os logrou provar.
Assim, não restaria senão dar por não provados os referidos factos, o que por cautela se fará.
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Já no que respeita ao valor da reparação, ancorado no orçamento e faturas de fls. 16 verso a 18, e nos documentos de fls. 19 e 20, confirmado pelos técnicos que ali se deslocaram para tanto, mais não se pode senão dá-lo por assente. Quanto a este ponto, o valor da reparação será de, pelo menos, o dobro do valor orçamentado, pois a caldeira foi danificada por duas vezes, razão pela qual se repetiu este valor.
No que respeita aos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida em consequência das condutas da arguida, baseou-se este Tribunal nas declarações da própria ofendida, que descreveu o seu estado de espírito; bem como no depoimento da testemunha CC, amiga da assistente há cerca de 40 anos, que também o descreveram.
De resto, os mesmos já resultavam das regras da experiência pois quem sofre os factos de que foi vítima, sente-se do modo dado por assente.
Em sede de condições de vida, designadamente no que concerne à situação económica, social e familiar da arguida, o Tribunal fez fé nas declarações pela mesma proferidas, uma vez que as mesmas pareceram credíveis no que concerne a tais aspectos. Ponderou-se também, não só quanto estas, mas relativamente à personalidade da arguida, os depoimentos das testemunhas HH, amiga, e II, antiga colega de profissão e amiga, que por essa razão a conhecem bem.
Os antecedentes criminais da arguida resultaram provados com base na análise do respectivo Certificados de Registo Criminal junto aos autos.
Todos os elementos probatórios constantes dos autos foram analisados de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, tendo sido todos articulados e concatenados entre si.»

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância :
«III – Fundamentação de Direito

Do crime de Dano
A arguida vem acusada pela prática de dois crimes de dano, previstos e punidos pelo art. 212.º, n.º1, do Código Penal.
No que respeita ao crime de dano temos que atentar no disposto no artigo 212.º, n.º1 do Código Penal, de onde decorre que “Quem destruir no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”.
De acordo com o teor do artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, as condutas típicas podem assumir quatro modalidades: destruir, danificar, desfigurar e tornar não utilizável a coisa, sendo que é irrelevante o processo que conduz à produção do dano.
Destruir, no todo ou em parte, determina a perda total da utilidade da coisa e implica, normalmente, o sacrifício da sua substância.
A danificação verifica-se quando a coisa, “sem perder totalmente a sua integridade, sofre um estrago substancial com a consequente diminuição do seu valor económico ou da sua utilidade específica” (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, vol. II, pág. 799).
Desfigurar significa alterar a imagem exterior da coisa; ofender irremediavelmente a estética da coisa.
Por último, “Tornar não utilizável uma coisa é torná-la, mesmo temporariamente, inadequada ao fim a que estava destinada, sem que perca a sua individualidade (por ex. desarranjar as peças de um mecanismo)” - cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, vol. II, pág. 799.
O objecto da acção é uma coisa corpórea alheia.
Relativamente ao elemento subjectivo deste crime é necessária a existência de dolo, sendo que “Para haver dolo, o agente tem, nos termos gerais, de representar que a sua acção sacrifica coisa alheia”. (cfr. Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. II, pág. 225).
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Face ao exposto, tendo em conta a matéria dada como provada, percute-se estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime, com a sua conduta de destruir a pinha da caldeira da ofendida, o que fez por duas vezes, em momentos temporais distintos, bem sabendo que o objecto não era seu e actuava contra a vontade do dono, o que quis e conseguiu.
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Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, face ao exposto, deverá a arguida ser condenada pela prática, em autoria material na forma consumada, e em concurso efectivo de dois crimes de dano, previstos e punidos pelo art. 212.º, n.º1, do Código Penal, pelos quais vem acusada.
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Do crime de Injúria
A arguida vem, ainda, acusada da prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.º, do Código Penal, que prescreve, no seu nº 1, “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
O bem jurídico protegido por este normativo legal é a honra.
Como refere o Prof. José de Faria Costa, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 602 e segs., a concepção de honra que se coaduna com a legislação portuguesa, mais precisamente com o aludido art.º 181º do Código Penal, consiste numa concepção dual, em que a concepção normativa de honra (cujo ponto de partida é “um momento da personalidade do indivíduo (…), um bem que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa” - cfr. obra supra citada, pág. 605, que cita Musco) é temperada com uma dimensão fáctica (que será uma alteração empiricamente comprovável de certos elementos de factos, de ordem psicológica ou social).
Assim, a honra será vista como “um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior” (cfr. obra supra citada, pág. 607).
Se considerarmos que, como entendem Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, no Código Penal Anotado, 2º vol., 3ª edição, Edit. Rei dos Livros, a pág. 469, “honra é a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui” e que “consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão”, verificamos que no artigo 181º do Código Penal protege-se ambos os valores e que, em conjunto, serão entendidos como honra em sentido amplo, pois a honra “objectivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso mérito; subjectivamente… o nosso receio diante dessa opinião” (citação de Shoppenhauer feita por Nelson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, VI, p. 39/40, e referido por Leal-Henriques e Simas Santos, na obra supra citada, pág. 469).
Ora, para estarmos perante uma conduta punível pelo art.º 181º nº 1 do Código Penal é necessário a verificação de vários pressupostos, quais sejam:
a) Que o agente impute factos a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita; ou dirija palavras a outra pessoa;
b) Que a imputação de tais factos ou as palavras dirigidas ofendam a honra ou consideração da outra pessoa;
c) Que tal conduta seja praticada a título doloso.
Assim, e no que se refere ao elemento objectivo deste ilícito, o agente terá de imputar factos a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, que ofendam a honra ou consideração desta.
No entanto, o crime de injúrias pode também ser enquadrado mediante a direcção a outra pessoa, por parte do agente, de palavras; palavras essas que têm, necessariamente, de ser ofensivas da honra e consideração daquela.
Sendo certo que “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado” (cfr. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 630).
Saliente-se que, ao contrário do que sucede no crime de difamação, previsto e punido pelo art.º 180º do Código Penal, para haver lugar à punição do agente pelo crime de injúrias, é ainda necessário que a imputação de factos ou as palavras proferidas sejam feita de forma directa, no sentido da conduta ser endereçada ao próprio ofendido e na presença dele.
Por último, será ainda necessário que os factos imputados, ou as palavras dirigidas ao ofendido, ofendam a sua honra e consideração (na noção supra explicitada), no sentido de constituir uma injúria.
Entendendo-se injúria como “a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje ou vilipêndio contra alguém” (cfr. Nélson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, VI, 90/91, citado por Leal-Henriques e Simas Santos, no Código Penal Anotado, 2º vol., pág. 494).
Pois neste crime, “não se protege, pois, a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas” (cfr. obra citada, pág. 494).
Assim, não basta a pronúncia de palavras ou expressões que constituam falta de educação, ou indelicadeza para estarmos perante um crime de injúrias; é necessário mais do que isso: que tais palavras ou expressões ofendam a honra e consideração do seu destinatário.
Convém ainda referir que a injúria tem um carácter relativo, no sentido de só poder ser apreciada caso a caso, pois como foi já mencionado, o carácter injurioso de uma palavra, varia consoante as condições de tempo, lugar ou circunstâncias de cada caso concreto.
No que se refere ao seu elemento subjectivo, o crime de injúrias é um crime essencialmente doloso, bastando, para uma plena imputação subjectiva, o mero dolo eventual, como resulta da conjugação do art.º 13º do Código Penal com o art.º 181º nº 1 do mesmo diploma legal.
Sendo que, dolo eventual verifica-se quando o agente prevê, como consequência possível da sua conduta, o preenchimento de um tipo legal de crime, punível, e se conforma com essa possibilidade, embora não querendo directamente o resultado dessa acção (cfr. art.º 14º do Código Penal).
Saliente-se ainda que, como vem sendo entendido pela jurisprudência, este crime basta-se, para a sua consumação, com a verificação de dolo genérico (traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são susceptíveis de produzir ofensa da honra e consideração do destinatário), não sendo necessário a existência de dolo específico (no sentido de haver uma especial intenção de injuriar).
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 01/07/1987, in BMJ 369-593; Acórdão da RL de 18/05/1988, in CJ XIII, 3, 180; Acórdão da RP de 30/11/1988, in CJ XIII, 5, 221.
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Face ao exposto, tendo em conta a matéria dada como provada, percute-se estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos deste tipo de crime, porquanto com a sua conduta de insultar a assistente, a arguida quis e conseguiu ofendê-la na sua honra e consideração.
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Inexistem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, face ao exposto, deverá a arguida ser condenada, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, p. e p. nos termos do artigo 181.º, nº1, do Código Penal»

d. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:
«IV - Escolha e Determinação da Medida da Pena
Estando o comportamento devidamente enquadrado, importa agora graduar, dentro da medida abstracta da pena que a estes crimes compete, a pena concreta.
A determinação da medida da pena obedece a 3 fases, que consistem: na determinação da moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso, na escolha da espécie de pena que efectivamente deve ser imposta, e na determinação da medida judicial ou concreta da pena (vide Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 198).
“A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (artigo 71º nº1 Código Penal), sendo certo que não se pode ignorar que a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº2 Código Penal) nem a medida da pena poderá descer a um nível inferior às exigências de prevenção evidenciadas no caso concreto.
“Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto comunitariamente suportável da medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, págs 230 e 231).
Estando perante tipos legais que estatuem penas compósitas alternativas, cumpre escolher a natureza da pena a aplicar.
O crime de dano é punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa, estando em causa uma moldura abstracta de um 1 (um) mês até 3 (três) anos ou, de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, nos termos dos artigos 212.º, n.º1 e 41.º, n.º1, 47.º, n.º1 do Código Penal.
O crime de injúria é punível com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) meses ou, com pena de multa, de 10 (dez) até 120 (cento e vinte) dias, nos termos dos artigos 181.º, n.º 1, 41.º, n.º1 e 47.º, n.º1 do Código Penal.
A primeira consideração a fazer na escolha da medida da pena deve ser a da sua finalidade. O artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, dispõe que “a aplicação das penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.”
A aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (finalidades de prevenção geral e especial), não podendo a medida da pena ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, que fixará o seu limite máximo; a culpa representa o limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade essencial do indivíduo (“nulla poena sine culpa”).
As penas são medidas dissuasoras e socializadoras que pressupõem a imputabilidade e culpa do agente do crime.
A prevenção geral terá um perfil de dissuasor (na publicação – prevenção geral negativa ou de intimidação: toda a pena abstracta serve finalidades de prevenção geral de intimidação (ou negativa); a ameaça da pena, como tal, constitui um elemento dissuasor da prática do correspondente crime) e de estabilizador da confiança no sistema jurídico, de confirmação da validade e actualidade da norma incriminatória e consequente tutela confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime (na aplicação – prevenção geral positiva ou de integração).
A reintegração social ou prevenção especial será o resultado da execução da pena (prevenção especial positiva ou de integração e, excepcionalmente, prevenção especial negativa, de intimidação ou de segurança).
Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Da conjugação deste preceito com a norma constante do artigo 40.º, supra referida, extrai-se que, quando a pena de multa seja suficiente para alcançar a protecção dos bens jurídicos postos em causa com a prática do crime e a reintegração do agente na sociedade, deve ser esta a pena a aplicar.
Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral se revelam médias, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos assistido ao aumento do tipo de crimes em que o agente pretende “fazer justiça pelas próprias mãos” e atentos os bens jurídicos pessoais em causa.
Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que a arguida não tem antecedentes e encontra-se socialmente inserida, no entanto não revelou arrependimento.
Não obstante, entende o tribunal que uma pena não privativa da liberdade é, ainda, no que concerne aos crimes em análise, suficiente para acautelar os bens jurídicos violados, pelo que será aplicada uma pena de multa.
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Para a determinação da concreta medida da pena o tribunal tem que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida.
Assim, no caso vertente atender-se-á a que (art. 71.º, n.º2):
– O grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade dos factos praticados pela arguida, ao sentimento de indiferença pelas normas penais revelado aquando da prática dos factos e atento o bem jurídico pessoal em causa.
– O modo de execução, sendo que a arguida insultou a ofendida no prédio onde esta residia, onde várias pessoas puderam/podiam ouvir; na sequência de partir a pinha da caldeira da assistente, desde o andar de cima, do lado de fora do prédio; com uma vassoura; o que fez por duas vezes.
– A arguida agiu com dolo directo, manifestando intenção de praticar os factos como fez.
– As consequências do crime revestem-se de gravidade média, tendo em atenção o valor da reparação da caldeira, e o estado de espírito da assistente em consequência dos mesmos.
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Tudo ponderado, dentro dos limites balizados pela medida da culpa e tendo em conta a moldura abstracta actualmente prevista para os crimes em questão, afigura-se adequado às exigências de prevenção geral e especial aplicar à arguida:
- uma pena de 100 (cem) dias de multa, pela prática do crime de injúria; e
- uma pena de 120 (cento e vinte dias) de multa, pela prática de cada um dos dois crimes de dano, pelos quais vem acusada.
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V - Do Cúmulo Jurídico
No caso dos autos é agora necessário fixar a moldura penal do concurso, para ser aplicada uma pena única à arguida, pois praticou vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal).
Nesta fase o tribunal tem que encontrar a moldura penal do concurso, sendo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. (artigo 77.º, n.º2 Código Penal).
Assim sendo, no caso concreto temos como limite máximo da pena 340 dias de multa, e como limite mínimo 120 dias de multa.
Estabelecida a moldura penal do concurso, cumpre agora determinar a medida da pena dentro destes limites.
Diz o artigo 77.º n.º1 “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
“Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, pág. 291).
No acórdão do STJ de 06/05/2004, in CJSTJ, T2, pág. 191 diz-se: “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que, nesta, o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade da arguida”.
Face ao exposto e tento em conta os factos acima descritos e já subsumidos, bem como, que se trata da prática de vários crimes, punidos com sanção da mesma natureza, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, resta concluir que os mesmos estão interligados, conexionados, formando uma ilicitude global.
Essa conclusão é reforçada em razão de os factos terem sido praticados no mesmo período de tempo, assumindo o conjunto dos mesmos uma gravidade média.
As necessidades de prevenção geral se revelam médias, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos assistido ao aumento deste tipo de crimes, em que o agente pretende “fazer justiça pelas próprias mãos”.
Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral se revelam médias, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos assistido ao aumento do tipo de crimes em que o agente pretende “fazer justiça pelas próprias mãos” e atentos os bens jurídicos pessoais em causa.
Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que a arguida não tem antecedentes e encontra-se socialmente inserida, no entanto não revelou arrependimento.
Além disso, na determinação da medida concreta da pena, é sempre necessário ter em atenção o previsível efeito que a pena terá no comportamento da arguida.
Por todo o exposto, entende-se ser adequado fixar a pena única em 280 (duzentos e oitenta) dias de multa.
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No que respeita à pena de multa, o quantitativo diário da pena de multa é fixado pelo Tribunal em função da situação económica e financeira da arguida e dos seus encargos pessoais, único critério que a lei impõe na fixação deste montante diário.
O artigo 47.º, n.º2, do Código Penal dispõe que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00.
Assim, tudo ponderado, tendo em conta as condições sócio económicas da arguida, dadas por provadas, entende-se fixar o quantitativo diário da pena de multa em € 13,00 (treze euros).»


Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.



1. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

No segmento inicial do seu recurso, vem a arguida suscitar a usualmente designada impugnação ampla da matéria de facto, invocando haver o tribunal a quo incorrido em erro no julgamento da mesma desde logo no que tange a terem–se por demonstrados os pressupostos necessários ao preenchimento dos crimes pelos qual vem condenada.

Esta via de sindicância da decisão da matéria de facto em sede de recurso mostra–se em especial regulada no artigo 412º/3/4/6 do Cód. de Processo Penal.
Neste caso, a apreciação suscitada não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) valorada em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pela recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pela recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que a recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente deve especificar :
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas.
A assim exigida tríplice especificação traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal exercício recursivo com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõem decisão diversa da recorrida, com a explicitação da razão pela qual assim se entende.
Sendo que, com relação às duas últimas especificações, recai ainda sobre a recorrente uma outra exigência : sendo invocada prova que haja sido objecto de gravação, tais especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo a recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação – é o que resulta do nº4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal, que exactamente exige que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo a recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Retomando quanto se vinha dizendo, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta imposto pelo texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Quando, no artigo 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas. Assim, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguida/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesma arguida/arguida), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo, não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
O que aqui se mostra necessário é que a recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido, em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada, à solução por si (recorrente) defendida, e não àquela consignada pelo Tribunal.
Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar–se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 09/03/2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06)[3], onde se escreve que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» ; ou ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2011 (proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1)[4], onde se consigna o seguinte :
«IV – Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que a recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pela recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido. ».
É que, como se refere por exemplo no acórdão da Relação do Porto de 26/11/2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e segs.), e citado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022 (proc. 299/20.6GAVGS.P1)[5], «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância».
A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2003, proc. nº 024324)[6], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2003, proc. nº 3100/02)[7].
Como se escreve no supramencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022, «o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário».

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.

No caso, a recorrente vem invocar o incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do tribunal de primeira instância, reportando a sua impugnação à consideração como incorrectamente dados como provados dos factos constantes nos pontos 2. a 10., e 12. da matéria de facto provada, «impondo–se a decisão de não provados» relativamente aos mesmos.

Ora, a liminar nota que desde logo cumpre efectuar é a de que resulta claro dos termos recursórios que o exercício de impugnação efectuado neste caso passa no essencial pela crítica à convicção adquirida pelo tribunal recorrido, pretendendo a recorrente ver o seu próprio juízo pessoal prevalecer sobre a livre apreciação que serviu de base àquela e ao resultante juízo de condenação formulado.
Revertendo à materialidade da impugnação recursória, no essencial discorda a recorrente da circunstância de a convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto provada assentar desde logo na valoração das declarações prestadas nos autos pela própria assistente/ofendida e pelas testemunhas ouvidas, e contra essa valoração remete para a sua própria valoração desses depoimentos.
Ora, é certo que todo o julgador deve ter presente que, por mais honesta e por mais prudente que seja uma pessoa, pode estar enganada ou errar ela própria sobre o assunto sobre o qual fala. Por isso mesmo, tendo em conta a extrema relatividade que tem a prova testemunhal em face da certeza judiciária, particularmente estando em causa um objecto processual com a natureza daquele dos presentes autos, há que ter muita ponderação na sua apreciação.
Porém, nada obsta a que uma testemunha possa ser suficiente para convencer o juiz, tudo se resumindo à credibilidade que merecem para o julgador aqueles que surgem à sua frente, e desde que o caminho de convicção trilhado pelo tribunal no âmbito da utilização das ferramentas da imediação e da oralidade de que dispõe, não ofenda patentemente as regras da experiência comum, antes resultando fundamentados racionalmente os factos dados como provados com base nas respectivas declarações, muito em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas directas ou indirectas, devidamente conjugadas entre si.
Como expressivamente se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/02/2023 (proc. 446/19.0T9CTB.C1)[8], «I - O único limite que o princípio da livre apreciação da prova impõe à discricionariedade de apreciação da prova oral por parte do julgador resulta das regras da experiência comum e da lógica supostas pela ordem jurídica. II - A livre apreciação da prova oral é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, porque é a 1ª instância que vê e ouve a arguida e testemunhas, que aprecia os seus gestos, hesitações, espontaneidade ou a falta dela, em suma, os seus comportamentos não verbais, é a 1ª instância que formula as perguntas que entende pertinentes, que encaminha o interrogatório e/ou a inquirição da forma que considera ser a mais conveniente, tudo faculdades de que o tribunal da relação não pode lançar mão e que impõem severas limitações à reapreciação da prova».

Pois bem, desde já se adianta que foi exactamente aquilo que o tribunal a quo fez – sendo ademais certo não estarmos aqui, e no que à produção de prova em julgamento diz respeito, sequer em presença de versões contraditórias do pedaço de vida em causa na acusação, mas antes tão só no âmbito da demanda de comprovação probatória para a versão trazida pela mesma acusação.
Pois bem, esse exercício foi pelo tribunal a quo resolvido por via de um (adianta–se que criterioso) exercício de indagação incidente sobre os vários elementos probatórios produzidos, traduzido num exame crítico e conjugado dos mesmos – remetendo–se nesta parte desde já quanto se expressa em sede de motivação da decisão da matéria de facto.
Como facilmente se pode comprovar pelo teor da decisão recorrida – e se comprova pela audição da produção de prova em audiência – o tribunal recorrido não se limitou a ser um mero espectador apático, ou receptor passivo da informação e prova que se produziu em imediação e oralidade na audiência de discussão e julgamento. Com efeito, no estrito cumprimento e observância das prerrogativas legais que lhe então funcionalmente atribuídas, interveio activamente, pois questionou a assistente e as testemunhas e interpretou os diversos documentos e depoimentos, sopesando-os a todos, procurando descobrir a verdade material por meios processualmente válidos, articulando–os a todos de uma forma cuidadosa, racional e coerente, de acordo com as regras de normalidade, experiência comum e razoabilidade.
In casu, o tribunal a quo explicou por referência às razões de ciência, à forma mais desassombrada ou mais comprometida, ao grau de verosimilhança, ao conteúdo e consistência intrínseca dos depoimentos, porque atribuiu credibilidade ao relato da assistente/ofendida.
Resulta também claro da análise da motivação da decisão da matéria de facto que para o tribunal a quo a imagem global dos factos resultou da correlação e conjugação entre vários elementos de prova, e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmos.
Também constatamos, nesta ordem de ideias, que o julgador não emitiu nenhum dado de raciocínio que pudesse sugerir arbitrariedade ou preconceito na decisão, nem tão pouco subverteu, ocultou ou extrapolou o significado de nenhum dado probatório. Aliás, o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de forma irrepreensível e fê-lo apoiado em considerações que teceu de forma consistente, abordando inclusive os aspectos que a recorrente invoca terem sido desconsiderados.
A explicação do tribunal a quo é lógica, assenta em critérios de senso comum, está respaldada nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório que são característicos da audiência, revelando absoluto respeito do princípio de livre apreciação da prova previsto no art. 127º do Cód. de Processo Penal.
E terá assim de prevalecer, sobre a divergente convicção da arguida acerca do sentido global da prova.

Na verdade, a argumentação expendida, quer nas motivações, quer nas conclusões do recurso, não é de todo eficiente para produzir qualquer alteração da matéria de facto, porque tudo quanto vem invocado como putativas fontes do erro de julgamento, são elementos de prova ponderados e analisados pelo tribunal recorrido.
E, na verdade, o que não deixa desde logo de se revelar elucidativo é que a recorrente não é, de todo, eficaz na concatenação dos meios de prova produzidos nos autos, propondo inclusive em certa medida, e por isso, que se extraia de meros fragmentos de parte da prova testemunhal produzida, uma interpretação que, muito ao contrário do por si propalado, se revela, ela sim, contrária às regras de lógica.

Assim, e designadamente, não é a circunstância de a assistente/ofendida e as testemunhas invocadas pela arguida no seu recurso não terem visto directamente a pessoa desta última a segurar com as suas mãos a vassoura – que, contudo, viram ser manobrada de maneira a causar a destruição dos bens propriedade da assistente, nos termos objectivamente descritos na matéria de facto provada e que, nessa estrita materialidade objectiva, não se mostram impugnados por via da invocação recursória de qualquer trecho ou meio de prova – que invalida a conclusão de que foi efectivamente a arguida a pessoa que pessoalmente manobrou aquele instrumento de destruição (no caso) nos termos presenciados quer pela assistente no primeiro momento (em 24/03/2021), quer por esta e pelas aludidas testemunhas no segundo (em 09/04/2021, e por ocasião da tentativa de arranjo dos estragos antes provocados).
E assim inevitavelmente se deve concluir – como o fez o tribunal recorrido de forma absolutamente coerente com elementares regras de lógica e experiência comum – quando mais se constata resultar desde logo do depoimento da mesma assistente (o que não se mostra também contrariado por qualquer elemento probatório dos autos) que é a arguida a única pessoa a habitar na casa situada por cima da sua (da assistente), tendo claro acesso, desde a sua janela e com o uso daquele aludido instrumento, ao sítio onde estavam colocados os bens que repetidamente destruiu, tendo ademais (como refere cerca do minuto 0.30’20” em diante das suas declarações gravadas no ficheiro citius refª 20230207145150_) no primeiro dos dias visto, através da janela da sua sala, que era efectivamente a arguida a pessoa que, a partir da janela da cozinha, tinha acabado de efectuar a aludida manobra destrutiva – sendo objectivamente perceptível por via do visionamento das imagens do local recolhidas nas fotografias juntas a fls. 21 a 23 dos autos, igualmente (e bem) consideradas em sede de motivação pelo tribunal recorrido, a corroboração física da descrição da assistente e das testemunhas.
Assim como era também com a arguida que existia o conflito de vizinhança relativo à instalação do tubo de extracção de vapores da canalização da caldeira de condensação propriedade da assistente/ofendida, o que se mostra amplamente atestado pelas queixas produzidas pela mesma arguida junto do condomínio e da Câmara Municipal ..., como o tribunal a quo dá nota decorrer da prova documental e testemunhal produzida, em termos para que se remete.
E quanto às testemunhas presentes no dia 09/04/2021, mais atestaram que aqueles golpes de vassoura que directamente viram, eram acompanhados de uma voz feminina proferindo vários insultos, e que momentos depois a arguida surgiu no exterior do seu apartamento e junto ao apartamento da assistente, podendo então ver de quem se tratava, altura em que disse – além do mais – que voltaria a partir a caldeira, quantas vezes a mesma fosse reparada.

Neste conspecto, e bem ciente de todo este conjunto de circunstâncias, alega a recorrente, por um lado, não poder ser considerado probatoriamente o reconhecimento que as testemunhas fizeram em audiência da pessoa da arguida como aquela que viram adoptar aquela actuação naquele dia, e, por outro lado, não poderem também ser atendidas como uma confissão da prática dos factos aquelas expressões então proferidas pela arguida.
Ora, mesmo ignorando – o que a recorrente faz de forma olímpica – a circunstância de a arguida ser pessoa bem conhecida da assistente, o que, só por si, seria mais que suficiente para a sua identificação objectiva como a pessoa em causa, a verdade é que o que os depoimento das testemunhas DD, EE, e FF nesta parte traduzem é, tão apenas, quer uma identificação presencial que foi efectuada pelas mesmas testemunhas, quer o relato daquilo que ouviram, sempre e em qualquer caso no âmbito e nos limites do seu depoimento testemunhal, assentando essas circunstâncias no conhecimento directo que invocam e justificam possuir por força da sua presença pessoalmente no local onde os factos ocorreram.
Ou seja, o facto de não se estar no caso perante uma prova por reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal, nem de umas declarações (confessórias) recolhidas por um órgão judiciário ou de polícia criminal, não impede que o depoimento de uma testemunha no sentido de identificar um arguido como sendo o agente dos factos, ou de relatar aquilo que ouviu o mesmo dizer na ocasião dos mesmos (ou posteriormente), possa valer como meio de prova.
Se a testemunha - e considere-se máxime o ofendido – não tiver dúvidas sobre a pessoa que viu e aquilo que ouviu ser dito pela mesma, justificando tal conhecimento em motivos que se revelem coerentes e razoáveis, esse depoimento pode ser avaliado (apreciado livremente) pelo tribunal de acordo com as regras gerais de apreciação da prova testemunhal. A inexistência de reconhecimento nos termos do art. 147º do Cód. de Processo Penal ou de prestação de declarações do arguido em sede investigatória ou já em julgamento, apenas afasta a consideração da autonomia própria desses especiais meios de prova – mas não vicia algo que lhes é anterior, como a percepção física sensorial que as testemunhas hajam captado daquela pessoa maxime no momento dos factos.
As diligências probatórias em causa – isto é, as ditas identificação e relato das expressões da arguida através dos depoimentos das referenciadas testemunhas (nos termos consignados e especificamente tratados, diga–se, em sede de sentença recorrida) – foram realizadas durante a prestação de tais depoimentos em audiência de julgamento, e com o sustento que de forma circunstanciada as testemunhas adiantaram para esse seu conhecimento, como já se viu.
Os depoimentos testemunhais em causa foram, como se impunha, apreciados no âmbito de um exercício de avaliação probatória global, sustentando com firme segurança uma convicção positiva sobre a identidade do agente dos factos em causa como a pessoa da arguida.
Temos, portanto, que aquilo que as testemunhas em causa fizeram, não configurando um reconhecimento tipificado no art. 147º do Cód. de Processo Penal, nem uma recolha processual de declarações de arguido, foi antes uma identificação da arguida e relato do que a mesma na altura verbalizou livremente, o que se insere no âmbito dos seus depoimentos como relatos globais e indivisíveis sobre os factos e sobre a interveniente nos mesmos, assim resultando cimentada a credibilidade do seu relato.
Donde, atentas as circunstâncias que rodearam a sua efectivação, os relatos das testemunhas podem e devem ser valorados enquanto integrando os respectivos depoimentos, e, assim, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova estabelecido no artigo 127º do Cód. de Processo Penal.

Finalmente, e quanto em especial diz respeito à invectiva dirigida à consideração de a arguida haver dirigido expressões injuriosas directamente à pessoa da assistente/ofendida, em resumo se dirá que a arguida/recorrente sustenta a sua alegação nesta parte na circunstância de detectar contradições entre os depoimentos das seguintes testemunhas, e nos seguintes termos:
- no da testemunha DD, que disse que a arguida, quando proferiu os insultos, se dirigiu a todos ali presentes,
- no da testemunha EE, que afirmou que a arguida chamou muitos nomes insultuosos directamente à pessoa da assistente (como “puta” e “vaca”),
– e no da testemunha FF, que disse que que quando a arguida, exaltada, na escada chamou nomes como “puta, vaca”, não se recordava de a assistente aí se encontrar.
Ora, nesta parte integralmente se subscreve quanto consta da resposta ao recurso por parte do Ministério Público, e que de perto se passa a seguir pelo seu a–propósito.
Assim, e como ali se refere, também esta instância não vislumbra a existência de quaisquer contradições – muito menos adequadas a impor uma alteração do teor da matéria de facto provada nesta matéria.
Na verdade, o facto de a testemunha FF dizer que não se lembra de ver a assistente no local e no momento em que foram proferidos os insultos, não significa que ela ali não estivesse.
Do que deflui que tal depoimento não contradiz, e muito menos nulifica, o depoimento da testemunha EE que disse, sem qualquer dúvida, que a arguida desceu as escadas, esteve a discutir com a assistente e lhe chamou directamente muitos nomes, entre os quais “puta, badalhoca” ; nem o depoimento da testemunha DD, quando afirma que aquela dirigiu os insultos a todos.
Nem prejudica, adita–se, o teor das declarações da própria assistente BB (as quais são em absoluto olvidadas pela recorrente), que isso mesmo relata na primeira pessoa, referindo (cerca dos minutos 0.5’43” em diante e 0.9’30” em diante das suas declarações gravadas no supra aludido ficheiro citius) que a mesma proferiu tais expressões quer enquanto praticava os actos, quer momentos depois, quando desceu as escadas e as dirigiu designadamente a si (ofendida) na presença de todos quantos ali se encontravam.
Também se dirá que, contrariamente ao propugnado pela recorrente, ainda que as expressões injuriosas, ou parte delas, houvessem sido dirigidas a todos quantos ali se encontravam, tal não lhes retira a potencialidade de ofenderem a assistente na sua honra e consideração – sendo que se afigura, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta, que só o facto de os demais ali presentes não terem apresentado queixa, impede que a arguida haja incorrido em tantos crimes de injúrias quantas essas demais pessoas visadas pelos seus insultos.

Em suma, não se julga que os elementos de prova que vêm referenciados pela recorrente permitam inquinar a leitura que o tribunal a quo fez da prova produzida, isto é, não se demonstra, como seria necessário, a existência de prova que imponha decisão diversa.
O que decorre dos termos do recurso, nesta parte, é que não agrada aa recorrente a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação feita pelo mesmo efectuada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
Ora, a recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador, mas em momento algum a sua própria apreciação alternativa permite contrapor a decisão que foi adoptada e os alicerces da mesma, tendo–se já verificado que, nos aspectos essenciais assinalados, inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, não se considera verificado qualquer erro de julgamento da matéria de facto dada por assente na decisão recorrida.

E em conformidade improcede esta parte do recurso.


2. De saber se se mostram reunidos os pressupostos típicos dos crimes de dano e de injúria pelos quais a arguida vem condenada.

Propugnava a arguida/recorrente pelo não preenchimento dos pressupostos típicos dos crimes de dano e de injúrias pelos quais vem condenada.

Não pode, porém, ter sucesso esta pretensão da ora recorrente.
Sucintamente se dirá que tal pretensão recursória assentava em pressupostos que, como resulta da análise já acima efectuada, não se verificam.
Tais pressupostos passavam, naturalmente, pela procedência das alterações pelas quais pugnava em sede de matéria de facto assente, por via da invocação de erros de julgamento que, nos termos do disposto no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, vinha efectuada.
Era, pois, a inversão do sentido pelo qual os pontos da matéria de facto ali impugnados se mostram considerados na sentença recorrida – no rumo da sua não demonstração –, que sustentaria, a jusante, a ruína do preenchimento dos pressupostos de tipicidade, ilicitude e culpa dos crimes em causa por parte da arguida.
Ora, com relação a tais factos vimos já não merecer censura a sentença recorrida, devendo assim ser mantida integralmente a sua decisão quanto a tal matéria.
Donde, naturalmente, daí decorre, e tal como decidido pelo tribunal a quo, mostrarem–se ainda e sempre preenchidos pela arguida os pressupostos típicos objectivos dos crimes em causa.

Pelo que não merece censura a decisão de condenação da recorrente pelos dois crimes de dano e pelo crime de injúrias, devendo manter–se a mesma decisão condenatória, e improcedendo assim o recurso interposto.


3. De saber se a medida concreta das penas parcelares e da pena única de multa aplicadas à arguida, e bem assim o quantitativo diário fixado para a mesma, são desadequadas por excessivas.

Vem finalmente a recorrente propugnar deverem, e no caso de ser mantida a sua condenação, ser alteradas as medidas das penas parcelares e única de multa em que vem condenada, bem assim o quantitativo diário fixado para a mesma.
Alega que a factualidade dos autos demanda a fixação de penas de multa parcelares inferiores de não mais de cem dias por cada um dos crimes de dano, e de oitenta dias pelo crime de injúria, o que conduziria a que os limites mínimo e máximo da pena a aplicar fossem de oitenta dias e duzentos e oitenta dias, a justificar a pena unitária de nunca mais de cento e oitenta dias.
Tudo, adita, a uma taxa diária de oito euros, posto que não sendo a arguida indigente, não é abastada.

Pese embora a singeleza da forma como a recorrente assim configura a sua pretensão nesta parte, certo é que a mesma se decompõe em vários segmentos, que cumprirá apreciar sucessivamente.
Vejamos, pois.

Começa por recordar–se que nos autos vem a arguida/recorrente condenada, pela prática, como autora material e na forma consumada, dos seguintes crimes:
– de dois crimes de dano (cada um previsto e punível pelo artigo 212º/1 do Código Penal com pena de prisão até 3 anos, ou com pena de multa – a fixar entre 10 e 360 dias, conforme disposto no art. 47º/1 do mesmo código), na pena de 120 dias de multa, por cada um deles,
– e de um crime de injúria (previsto e punível pelo artigo 181º/1 do Código Penal com pena de prisão até 3 anos, ou com pena de multa até 120 dias), na pena de 100 dias de multa,
– sendo condenada a final, e em cúmulo jurídico das aludidas três penas parcelares, na pena única de 280 dias de multa, à taxa diária de €13,00.

Antes de prosseguir, cumpre fazer notar que, como resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Neste sentido, citem–se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013 (proc. 180/11.0GAVLP.P1)[9] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso», o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2017 (proc. 17/16.3PAAMD.L1-9)[10], ou o recente Acórdão do S.T.J. de 18/05/2022 (proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1)[11], que consigna que «A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”».

Comecemos por analisar a pretensão recursória no que tange à adequação das concretas penas parcelares de multa fixadas.
De acordo com o art. 40º do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se que a culpa constitui o seu limite.
Como factores de escolha e graduação da pena concreta há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
A primeira dessas disposições, determina que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No caso, temos que na decisão recorrida o tribunal a quo optou, para qualquer das parcelares punições a determinar em concreto, pela alternativa da punição não privativa da liberdade da arguida, aplicando–lhe – nos termos que ali fundamenta – pena de multa.
É tema (o da alternativa punitiva) que aqui não nos ocupa, estando apenas em causa a graduação da medida concreta das duas penas de multa que vêm aplicadas.
Precisamente, estabelece por sua vez o art. 71º do Cód. Penal que a aludida determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra a arguida.
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar ; ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.
Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente
Ora, na sentença recorrida mostram–se elencados se elementos com relevo na determinação da medida concreta da pena, e que não se devem considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição.
Assim, ali se consignou em especial nos seguintes termos:
« In casu, [que] as necessidades de prevenção geral se revelam médias, sendo necessário reforçar a validade da norma violada na comunidade, uma vez que temos assistido ao aumento do tipo de crimes em que o agente pretende “fazer justiça pelas próprias mãos” e atentos os bens jurídicos pessoais em causa.
Acresce que, no presente caso, as necessidades de prevenção especial são médias, uma vez que a arguida não tem antecedentes e encontra-se socialmente inserida, no entanto não revelou arrependimento. (…)
– O grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade dos factos praticados pela arguida, ao sentimento de indiferença pelas normas penais revelado aquando da prática dos factos e atento o bem jurídico pessoal em causa.
– O modo de execução, sendo que a arguida insultou a ofendida no prédio onde esta residia, onde várias pessoas puderam/podiam ouvir; na sequência de partir a pinha da caldeira da assistente, desde o andar de cima, do lado de fora do prédio; com uma vassoura; o que fez por duas vezes.
– A arguida agiu com dolo directo, manifestando intenção de praticar os factos como fez.
– As consequências do crime revestem-se de gravidade média, tendo em atenção o valor da reparação da caldeira, e o estado de espírito da assistente em consequência dos mesmos.».
Assinala–se, pois, que, desta leitura da decisão recorrida se conclui que o tribunal a quo teve em atenção as essenciais circunstâncias pertinentes na presente situação.
Muito em especial foram–no aquelas que se mostram invocadas pela recorrente.
A decisão recorrida teve ademais em consideração as exigências de protecção dos bens jurídicos aqui invectivados pelo comportamento da arguida, e que determinam a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes (através da intimidação dos membros da comunidade face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente – prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de tais bens jurídicos (e assim, no ordenamento jurídico-penal –prevenção geral positiva ou de integração).
Crê–se, pois, que o exercício de ponderação do tribunal a quo se mostra, apesar da opinião divergente do recorrente, absolutamente razoável e adequado à culpa do arguido (enquanto expressão de uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem, perante as exigências do dever-ser que reprovam tal comportamento, de responder penalmente) e à necessidade de salvaguardar a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas no caso.
Assim sendo, e tudo ponderado, as medidas das penas de multa concretamente aplicadas de modo algum se podem considerar excessivas ou desajustadas – não olvidando que a qualquer dos crimes em causa era ademais aplicável, em alternativa, pena de prisão.
Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso da arguida efectua dos fundamentos em que se estriba a concretização das suas penas parcelares, confirmando–se assim as mesmas tal como fixadas na decisão recorrida.

Vejamos agora no que tange à pena única de multa fixada em cúmulo jurídico à arguida.
Decidida a adequação das concretas penas parcelares a aplicar à arguida, cumpre agora apreciar da pretensão de que, por via do presente recurso, seja alterada a pena unitária de 280 dias de multa fixada em cúmulo, por a considerar excessiva e desproporcionada.
O concurso de crimes (e penas) relevante para efeitos de cúmulo jurídico vem regulado no art. 77º do Cód. Penal, que no seu nº1 dispõe "quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
O sistema do concurso de penas por cúmulo jurídico numa pena conjunta foi adoptado para evitar a eventual ultrapassagem do limite da culpa do agente criminoso, e que poderia decorrer de um sistema de acumulação material onde ocorresse a mera soma das penas em que o arguido tivesse sido condenado. Por isso que o sistema da pena conjunta implica uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, nomeadamente, através da combinação das penas parcelares que não perdem a natureza de fundamentos da pena do concurso.
No caso, verifica-se, pois, uma situação de concurso efectivo de crimes e assim o preenchimento dos pressupostos determinantes da efectivação de cúmulo jurídico, impondo-se a aplicação de uma pena única que englobe as penas das respectivas condenações.
De acordo com o determinado no nº2 do art. 77º do Cód. Penal, deverá, por um lado, ter–se como limite mínimo da pena única a aplicar, aquele correspondente à pena parcelar mais elevada de entre aquelas em concurso ; por outro lado, proceder–se à soma de todas as aludidas penas parcelares, obtendo-se assim o limite máximo da moldura abstracta aplicável – sendo todavia que, nos termos da regra do mesmo art. 77º/2 do Cód. Penal, a pena única aplicável, tendo “como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, não pode ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de multa ".
Finalmente, assim determinados os limites máximo e mínimo da moldura punitiva aplicável, cumprirá então fixar a medida concreta da pena única dentro dessa moldura penal.
Nesta fixação da medida concreta da pena conjunta, deverá atender-se, por um lado, aos critérios gerais de determinação da pena, e, por outro, ao critério especial dos casos de concurso de penas, previstos pelo art. 77°/1 do Cód. Penal – critérios que entre si se conjugam.
No caso, a apreciação do conjunto dos factos fornece uma visão dos actos praticados pela arguida (uma imagem global do ilícito) que permite de forma evidente constatar uma evidente ligação ou conexão entre os mesmos, e no que às correspectivas circunstâncias de tempo, lugar e modo diz respeito, e inclusive às da respectiva motivação – constatando–se que todos os actos da arguida se mostram motivados pela sua rejeição da instalação pela assistente de um tubo de extracção de vapores da canalização de uma caldeira de condensação.
No que tange à avaliação da personalidade do agente, o presente caso revela, atenta a matéria de facto demonstrada nos autos, uma especial determinação da arguida em levar a cabo os seus actos, e de forma reiterada no que ao crime de dano diz respeito, impondo–se que a pena a aplicar contribua para a necessária e efectiva interiorização do desvalor de condutas como a dos autos, e que o tribunal a quo bem caracteriza como um tipo de actuação em que «o agente pretende “fazer justiça pelas próprias mãos”». Trata–se, não obstante, de uma actuação global que, como se disse, se mostra perfeitamente circunscrita nos seus contornos espácio–temporais, e inclusive motivacionais, de todo se crendo tratar–se da expressão de uma personalidade mal preparada para o regular respeito de padrões de licitude.
De acordo com as regras inicialmente enunciadas de determinação da moldura penal aplicável no caso, e a ter em conta na fixação da pena única, esta pena unitária terá por limite mínimo o de 120 dias de multa, e como limite máximo o de 340 dias de multa (soma das três penas em concurso).
Sopesando os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas tendo em atenção a globalidade dos factos, avaliando a evidente interconexão entre os crimes do concurso e a personalidade da arguida entende–se que a pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa se revela mais adequada e ajustada no caso, assim se determinando a alteração daquela decidida pelo tribunal de primeira instância.
Procede, assim, parcialmente este segmento da petição recursória.

Cumpre apreciar, finalmente, no que respeita a saber se o quantitativo diário fixado para a pena de multa é excessivo.
Nos termos do disposto no art. 47º/2 do Cód. Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00, «que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».
Ou seja, não são já critérios de graduação de ilicitude ou culpa que devem presidir na fixação do quantitativo diário da pena de multa.
É verdade ainda que a pena de multa deve traduzir-se num processo que vise o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, garantindo-se a validade e vigência da norma violada perante a comunidade, sendo, nesta perspectiva, correcto afirmar que a punição por tal via não deixará de representar para o arguido um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável na satisfação das suas próprias necessidades mais elementares e dos restantes elementos do seu agregado familiar.
No que em especial respeita ao quantitativo diário da multa, o mesmo deve ser graduado "em atenção às determinantes legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver" – cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português Anotado”, 15.ª ed., pág.. 190.
In casu, e como já vimos, a decisão recorrida fixou a taxa diária da multa aplicada em €13,00, o que, tendo em conta os dias de multa que vinham fixados em pena unitária, se traduziria num encargo de €3.640,00 – ou no de €3.250,00 tomando entretanto já em consideração aquela que é a pena única que agora vai firmada.
Pois bem, da sentença resulta provada a seguinte factualidade – e apenas à mesma se pode atender nesta sede – com relevo para a ponderação da capacidade financeira da arguida:
«13) A arguida é professora do 1.º ciclo, a exercer funções no Centro Escolar ....
14) Aufere salário líquido no valor de € 1.600,00.
15) Vive sozinha em casa própria.»
Ou seja, é com o seu (único) rendimento mensal, proveniente de ocupação laboral por conta de outrem, que a arguida faz face a todas as suas despesas quotidianas.
É certo que não se demonstra ter a recorrente a seu cargo outras despesas que não aquelas inerentes ao seu próprio sustento, habitando ademais em casa própria – o que tudo indicia uma situação que não é de carência económica.
Todavia, perante o circunstancialismo que fica supra assinalado, notar–se–á que, à luz daquele que é o único rendimento da arguida e ponderadas as suas, apesar de tudo, inevitáveis despesas, o valor total correspondente à multa aplicada – mesmo na consideração da alteração dos dias que lhe correspondem, como acima determinada –, consumiria o correspondente a duas vezes a integralidade daquele seu rendimento laboral mensal.
E, em tais circunstâncias, julga–se efectivamente mais adequado, nos termos do disposto no art. 47º/2 do Cód. Penal, fixar o quantitativo diário da pena de multa aplicada no valor de €8,00 (oito euros), o que corresponderá a um valor total de €2.000,00 – o que não deixará de representar para a arguida um sacrifício, sem, contudo, se repercutir de forma intolerável na satisfação das suas próprias necessidades mais elementares.

Merece, assim, provimento este segmento do recurso interposto.
*



III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto, e alterar a decisão recorrida, condenando agora a arguida AA, pela prática de dois crimes de dano e de um crime de injúria, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito euros).

Sem custas.
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Porto, 10 de Janeiro de 2023
Pedro Afonso Lucas
José Quaresma
Paula Guerreiro

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
__________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatados ambos por Simas Santos, e acedidos em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[4] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[5] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[6] Relatado por Afonso Correia, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[7] Relatado por Leal Henriques, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[8] Relatado por Luís Ramos, disponível em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[9] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[10] Relatado por Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf
[11] Relatado por Ana Barata de Brito, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf