OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I - Os títulos executivos negociais tipificados no artigo 703º alínea b) do Código de Processo Civil são apenas aqueles que formalizam a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.
II - Neste último caso, encontram-se a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida (artigo 458º do Código Civil), ou, mais amplamente, a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (artigos 352º e 358º, nº 2 do Código Civil.
III - Não se pode considerar que um contrato resolvido pela parte que alega o incumprimento da outra, mesmo com comunicações efetuadas pela credora aos devedores intimando-os ao cumprimento, possam ser determinantes para a qualificação de título a que faltam os requisitos mencionados, como executivo.
IV - A falta de título executivo é de conhecimento oficioso até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigo 726º, nº 2 a) e c) e 734º, ambos do Código de Processo Civil).

Texto Integral

Processo: 21236/21.5T8PRT-B.P1

SUMÁRIO (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

Por apenso à execução comum que A..., LDA, lhes, moveu, vieram os executados B..., LDA, e outros, todos com os sinais nos autos, apresentar oposição à execução mediante os presentes embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos com a consequente extinção da execução.
Invocam, em suma:
A ilegitimidade da exequente fundada na não notificação às executadas da cessão da posição contratual;
e de que a cláusula terceira do contrato objeto dos presentes autos diz apenas respeito à Primeira e a Segunda outorgantes e não a todos os executados;
As cartas não foram recebidas pelos Executados AA, seja em seu nome pessoal, seja na sua qualidade de legal representante da sociedade aqui executada;
(…)
Nunca a Executada AA concedeu o seu consentimento à cessão da posição contratual – não, enquanto parte autónoma do contrato – nem nunca a cessão teve o seu consentimento posterior;
Que a Exequente e a sociedade Executada celebraram entre si um contrato de mútuo oneroso, uma vez que a Exequente contratualizou, na verdade, um juro de cerca de 42,85% do valor investimento pelo empréstimo do montante entregue à Executada pelo período de 2 anos;
Tendo por força da adenda ao contrato, a pedido da Executada – o valor mutuado em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), passado a ser de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros);
O valor a pagar pela Executada passou a ser de, no mínimo, € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), isto é, o mesmo valor de juro de cerca de 42,85%;
Nunca, em momento algum, se preocupou a Exequente com os trabalhos realizados pela Executada tendo apenas ocorrido uma tentativa de cobrança e a procura do ressarcimento;
Não se preocupou a Exequente em perceber se os montantes entregues à Executada estavam, ou não, a ser empregues no aludido investimento;
A sociedade que, originariamente, celebrou contrato com a Executada não tinha, sequer, a possibilidade de “mútuo” no seu objeto social, e nenhuma destas sociedades obteve prévia autorização do Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 16.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, aplicável às sociedades financeiras e às empresas de investimento por remissão, respetivamente, dos artigos 174.º-A e 199.º-C d mesmo Regime;
Deve o contrato de mútuo ser declarado nulo, com as devidas e legais consequências;
O contrato de cessão da posição contratual é nulo, por vicio de forma.
Invoca ainda a natureza usuária da cláusula penal estipulada no n.º 8 da cláusula segunda.
Os exequentes vieram a apresentar contestação, propugnando pela improcedência dos embargos de executado deduzidos.
O processo seguiu termos legais tendo sido proferida sentença que decretou parcialmente procedentes os embargos de executado, absolvendo-se parcialmente os executados do pagamento da quantia exequenda referente ao montante de € 92.160,00 - acionamento da cláusula penal prevista n.º 8 da cláusula segunda do acordo dos autos -, contando-se tal acionamento a partir do dia 21-9-2020, e prosseguindo no mais quanto ao restante peticionado.

É a seguinte a fundamentação de facto:
Factos Provados:
1. A Exequente é uma sociedade comercial que tem por objeto a “(…) compra, venda e revenda de imóveis e dos adquiridos para esse fim. Mediação e gestão imobiliária. Exploração turística, agropecuária e florestal. Consultoria e mútuo. Produção de energia elétrica. Investimentos mobiliários e imobiliários”.
2. No âmbito da sua atividade, a aqui Exequente celebrou, no dia 02 de junho de 2020, um acordo denominado “Contrato de Cessão de Posição Contratual” com a sociedade C..., Lda. (doravante “C...”), por referência ao acordo denominado “Contrato de Parceria e Investimento” de 02 de maio de 2018 (doravante “CONTRATO”) e à Adenda ao “Contrato de Parceria e Investimento” de 13 de novembro de 2018 (doravante “Adenda”), estes últimos celebrados entre esta sociedade C... e a aqui sociedade Executada e os Executados singulares – Senhores AA E BB
3. Na Cláusula Terceira do Contrato e da Adenda ficou convencionado que: “As partes aceitam desde já que a posição contratual da Primeira Outorgante C..., LDA, possa ser transmitida, total ou parcialmente, à sociedade denominada A... Lda, NIPC ..., bastando para o efeito, uma comunicação escrita da Primeira Outorgante à Segunda outorgante.”
4. A C... remeteu à sociedade Executada e aos Executados singulares - Senhores AA E BB - uma carta ao abrigo da qual comunicou a cessão da posição contratual à aqui Exequente (cifrando carta e talões juntos como documento n.º 5 com o requerimento executivo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
5. Tendo a C... igualmente remetido aquela mesma comunicação por correio eletrónico (cifrando e-mail junto como documento n.º 6 com o requerimento executivo e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
6. No dia 02 de maio de 2018, a C... celebrou, com a sociedade Executada e com os Executados singulares - Senhores AA E BB -, o supra aludido acordo, nos termos do qual entregou, naquela data, à aqui Executada a quantia de EUR 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), mediante obrigação desta de “(…) investir tal montante na finalização do projeto imobiliário (…)” – cifrando Cláusula Primeira do acordo supra aludido.
7. Como contrapartida da prestação, a sociedade Executada obrigou-se perante a C..., à luz dos n.os 1 e 2, da Cláusula Segunda do Contrato, “[a] incrementar todos os esforços no sentido de ultimar o projeto de imobiliário (…), a conceder à Primeira Outorgante [C...] o valor correspondente a 4% do valor de venda do projeto de negócio a terceiros ou, em alternativa (…) a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos mil euros”,
8. A sociedade Executada obrigou-se à realização de tais contraprestações no prazo “(…) de dois anos, a contar da assinatura” do Contrato – cifrando junto como documento n.º 3 com o requerimento executivo.
9. Nos termos do n.º 3, da Cláusula Segunda, do Contrato foi convencionado que “[a] escolha da prestação da Segunda Outorgante [a aqui Executada] – 4% do valor da venda ou 200.000,00€ (duzentos mil euros), competirá sempre à Primeira Outorgante [C...], caso venha a ocorrer a venda do projeto”, tendo sido clausulado no n.º 5 do Contrato que “(…) não ocorrendo a venda, no prazo máximo de dois anos a contar da presente data, a Segunda Outorgante obriga-se a devolver à Primeira Outorgante a quantia de duzentos mil euros”.
10.A C..., a sociedade Executada e os Executados singulares – os Senhores AA E BB -, na qualidade de fiadores, celebraram uma Adenda ao Contrato.
11. Nos termos da Cláusula Primeira da referida Adenda, a C... entregou, naquela data, à sociedade Executada a quantia adicional de EUR 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), tendo esta se comprometido “(…) a investir tal montante na finalização do projeto imobiliário (…)” – cifrando Cláusula Primeira, n.º 1, da Adenda junta com o requerimento executivo como documento n.º 4.
12. Como contrapartida do aumento da prestação da C... (que então alcançou o total de EUR 175.000,00), a sociedade Executada obrigou-se perante a C..., à luz dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula Segunda da Adenda, “[a] incrementar todos os esforços no sentido de ultimar o projeto de imobiliário (…), a conceder à Primeira Outorgante [C...] o valor correspondente a 5% do valor de venda do projeto de negócio a terceiros ou, em alternativa (…) a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos e cinquenta mil euros”.
13. Mais tendo a sociedade Executada obrigado à realização de tais contraprestações no prazo “de um ano, a contar da assinatura” da Adenda – cifrando documento n.º 4 supra referido.
14. Nos termos do n.º 3, da Cláusula Segunda, da Adenda, foi convencionado que “[a] escolha da prestação da Segunda Outorgante [a aqui Executada] – 5% do valor da venda ou 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), competirá sempre à Primeira Outorgante [C...], caso venha a ocorrer a venda do projeto”,
15. Tendo sido clausulado no n.º 5, da Cláusula Segunda, da Adenda, que “(…) não ocorrendo a venda, no prazo máximo de um ano a contar da presente data [13.11.2018], a Segunda Outorgante [os aqui Executados] obriga-se a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos e cinquenta mil euros”.
16. As partes convencionaram no n.º 8, da Cláusula Segunda, da Adenda supra aludida, que “[e]m caso de mora ou incumprimentos dos prazos ora fixados, as partes estipulam desde já uma cláusula penal acessória, no valor de cento e vinte euros diários, por cada dia de mora, com o limite máximo igual ao valor da dívida.”
17. No dia 07 de novembro de 2019, a C..., enviou um e-mail para o endereço “...@gmail.com” para AA e BB, com o seguinte teor: “Apesar do contrato prever que a C... Lda. poderá, se assim o entender, permanecer no projeto, não é essa a nossa intenção de exercer esse direito, preferindo optar por receber o valor integral estipulad para o seu termo, nos termos do artigo 2°, pontos 1 c), 2 e 3 da adenda ao contrato. Nessa medida solicitamos que a B... Lda. transfira o valor de 250.000€ para a conta da C... Lda. com o IBAN ... até ao dia 13 de Novembro próximo.”
– cifrando documento n.º 7 junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
18. No dia 12-11-2019, a executada AA enviou mensagem à A C..., via Whatsapp, referindo que a resposta ao mail é “(…) o que o meu marido lhe transmitiu por telefone (…)”, tendo sido solicitado resposta em 13-11-2019, dando por reproduzido as mensagens trocadas para marcação de reunião (cifrando documento n.º 8 junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
19.A Exequente procedeu ao envio de carta para o cumprimento do estipulado no Contrato e Adenda e pagamento da quantia em dívida, o que ocorreu no dia 05 de junho de 2020 – cifrando documento junto com o requerimento executivo como n.º 9 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, enviado com registo e AR e que veio devolvido com a menção de “Não levantado”.
20. Comunicação que foi igualmente remetida por correio eletrónico no dia 18 de junho de 2020 (cifrando documento n.º 10 junto com o requerimento executivo e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
21.A 29 de junho de 2020, a aqui Exequente instaurou uma providência cautelar especificada de arresto contra os Executados, a qual correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, sob o n.º 4201/20.7T8VNG, tendo sido requerido o arresto dos seguintes bens imóveis, sobre os quais já se encontrava registada uma hipoteca: i. Prédio Rústico sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; ii. Prédio Rústico sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; iii. Prédio Rústico sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; iv. Prédio Rústico sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; v. Prédio Rústico sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; vi. Prédio Urbano sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; vii. Prédio Urbano sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12; e, viii. Prédio Urbano sito na ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, União das Freguesias ... e ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito a favor da B... sob a AP. ... de 2015/06/12.
22.O arresto foi ordenado por Sentença proferida em 13 de julho de 2020 e, nessa sequência, a Exequente procedeu ao seu registo.
23.As executadas foram citadas para os termos do supra identificado procedimento cautelar no dia 21-9-2020.
24.Por Sentença datada de 07.10.2021, transitada em julgado em 22.11.2021, foi declarada improcedente a oposição deduzida pelas Executadas e, em consequência, mantido os termos do arresto decretado.
25.A C... tem por objeto social o seguinte: “Investimentos mobiliários e imobiliários; compra, venda revenda de imoveis adquiridos para esse fim, arrendamento e administração de imóveis bem como gestão imobiliária; consultoria para negócios e gestão de outrem; relações-públicas e comunicação por conta de outrem”.
26.Em momento prévio à celebração do referido acordo, as partes enviaram as mensagens juntas na contestação como o documento n.º 4 e cujo teor se dá por reproduzido e referindo “projeto”.
27.Após a celebração do Contrato a 02.05.2018, a executada enviou a mensagem datada de 2-11-2018, referente ao “investment report”, junta com a contestação como documento n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido.
28.No dia 7-12-2018, a executada enviou a mensagem em comemoração da aprovação do PIM (Projeto de Interesse Municipal) – cifrando documento junto com a contestação como n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido.
29.Enviou ainda mensagem comunicação da reunião com a empresa municipal D..., no dia 28-2-2019 - cifrando documento junto com a contestação como n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido.
30.E para validação de minutas de emails, no dia 28-2-2019 – cifrando documento junto com a contestação como n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido.
31.Para o propósito da realização de um estudo económico / do projeto, a respeito do qual a Embargada propôs pagar diretamente à entidade que o realizaria o montante de EUR 15.000,00, por forma a captar o interesse de investidores e do Turismo de Portugal – mensagens datadas de 26-2-2020, 27-2-2020 e 29-2-2020 - cifrando documento junto com a contestação como n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido.
DESTA DECISÃO APELARAM OS EMBARGANTES B..., LDA. E AA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
3.1. Verifica-se a ilegitimidade da exequente uma vez que a cessão invocada em sede de requerimento executivo não foi comunicada aos devedores previamente à execução, o que viola o artigo 583.º n.º 1 do Código Civil;
3.2. A interpretação dada ao artigo 356.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e da respetiva conjugação com o artigo 583.º n.º 1 do Código Civil que é feita na Sentença, é inconstitucional por violação do direito a processo equitativo garantido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
3.4. O que está em causa é um contrato de empréstimo, um mútuo de dinheiro, que se mostra ferido de nulidade por não ter sido celebrado na forma legalmente exigida – escritura pública ou documento autenticado
3.5. Por ser manifestamente usurário – prevendo, como prevê, uma cláusula penal que significa materialmente ou substancialmente a fixação de taxa de juro de cerca de 42,85%;
3.6. E porque ambas as sociedades em causa não têm nem tinham, sequer, a possibilidade de “mútuo” no seu objeto social, nem obteve prévia autorização do Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 16.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, aplicável às sociedades financeiras e às empresas de investimento por remissão, respetivamente, dos artigos 174.º-A e 199.º-C do mesmo Regime.
3.7. Errou a Sentença, “face ao teor do acordo em causa” e aos factos provados, ao julgar que estamos perante um contrato atípico, realizado no âmbito da liberdade contratual das partes, legalmente consagrada no artigo 405.º do Código Civil. E a decidir que “Assim sendo, não seria necessária a formalidade invocada pela embargante quanto à cessão da posição ocorrido, pelo que se considera válido o acto”,
3.8. Uma vez que nenhuma das situações excepcionais previstas no artigo 806.º n.º 2 se verificou – como resulta dos factos provados que não podem nem foram considerados juros os valores diários e as percentagens de lucros ali consignadas.
3.9. Nessa interpretação as normas em causa também parecem mostrar-se inconstitucionais pelos motivos antes expostos.
3.10. Sempre deveria o Tribunal a quo ter reduzido de acordo com a equidade os efeitos da aplicação da cláusula usurária em causa, por ser manifestamente excessiva - como lhe impunha, no modo de ver das Apelantes, o artigo 812.º do Código Civil.
RESPONDEU A RECORRIDA A SUSTENTAR O ACERTO DA DECISÃO
A seu tempo foi proferido despacho prévio notificando as partes, em cumprimento do contraditório, quanto à questão da insuficiência ou falta de titulo executivo (de conhecimento oficioso) até ao ato de transmissão dos primeiros bens penhorados. (artigo 734º e 726º nº 2 alínea) a) e c) do Código de Processo Civil).
Respondeu a exequente a sustentar e em síntese que:
1.o título executivo em apreço i. prevê a constituição da obrigação dos Executados,
2. a Exequente fez prova (sindicada por 2decisões judiciais anteriores) do incumprimento da obrigação pelos Executados; e
3. tem por objeto o incumprimento de uma obrigação condicional, mas atual, uma vez que esta obrigação emerge na esfera jurídica dos Executados com a celebração do Contrato que corporiza o título executivo.
Que com efeito, resulta da adenda ao contrato de parceria junto que:
Os Executados estavam obrigados às seguintes 2 obrigações:
i. Incrementar todos os esforços no sentido de ultimar o projeto imobiliário no mais
curto espaço de tempo; e ii. Conceder à A... 5% do valor de venda do negócio imobiliário; ou Entregar à A... a quantia de EUR 250.000,00
Quer o Contrato de Parceria e Investimento e Adenda, foram objeto de autenticação, nos termos e para os efeitos do artigo 703.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Para prova do incumprimento da obrigação dos Executados, foram juntos com o Requerimento Executivo (para além do título executivo):
A interpelação para cumprimento dos Executados – cfr. Documentos n.os 9 e 10 do Requerimento Executivo; e as decisões, proferidas em sede do procedimento cautelar de arresto, de que esta ação executiva é ação principal, e que decretaram e confirmaram o arresto dos imóveis dos Executados;
Foram ainda juntos ao apenso de Embargos de Executado os comprovativos da receção interpelação por parte Executados e comprovativos da entrega dos montantes que constituem o crédito (de capital) da A...
Que em tais termos se demonstrou (…) os termos em que teve lugar o incumprimento por parte dos executados.
A A... produziu oportunamente toda a prova necessária para se verificar a exigibilidade da obrigação a que a Executada se vinculou i.e., a verificação da condição – o incumprimento do Contrato em razão de os Executados não terem procedido à venda do projeto imobiliário até 13.11.2019.
Não se descortinando, sequer, como pudesse a obrigação dos Executados ser considerada uma obrigação futura, pois que uma obrigação futura é toda aquela obrigação que ainda não existe à data da celebração do acordo, e a dos Executados existia nesse momento, apenas ainda não se encontrava vencida.
Nada obsta ao mérito.

DECIDINDO:

QUESTÃO PRÉVIA:
1.
A falta de título executivo (artigo 726º, nº 2 a) e c) e 734º, ambos do Código de Processo Civil:
O titulo exequendo é composto por um contrato mediante o qual: “No dia 02 de maio de 2018, a C... celebrou, com a sociedade Executada e com os Executados singulares - Senhores AA E BB -, o Contrato, nos termos do qual entregou, naquela data, à aqui Executada a quantia de EUR 140.000,00 (cento e quarenta mil euros), mediante obrigação desta de “(…) investir tal montante na finalização do projeto imobiliário (…)” – cfr. Cláusula Primeira do Contrato já junto como Documento n.º 3.
Adicionalmente, e como contrapartida da prestação, a sociedade Executada obrigou-se perante a C..., à luz dos n.os 1 e 2, da Cláusula Segunda do Contrato, “[a] incrementar todos os esforços no sentido de ultimar o projeto de imobiliário (…), a conceder à Primeira Outorgante [C...] o valor correspondente a 4% do valor de venda do projeto de negócio a terceiros ou, em alternativa (…) a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos mil euros”,
Mais se tendo a sociedade Executada obrigado à realização de tais contraprestações no prazo “(…) de dois anos, a contar da assinatura” do Contrato – cfr. Documento n.º 3, já junto.
Por sua vez, nos termos do n.º 3, da Cláusula Segunda, do Contrato foi convencionado que “[a] escolha da prestação da Segunda Outorgante [a aqui Executada] – 4% do valor da venda ou 200.000,00€ (duzentos mil euros), competirá sempre à Primeira Outorgante [C...], caso venha a ocorrer a venda do projeto”, tendo sido clausulado no n.º 5 do Contrato que “(…) não ocorrendo a venda, no prazo máximo de dois anos a contar da presente data [02.05.2018, data do Contrato], a Segunda Outorgante [a aqui Executada] obriga-se a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos mil euros”.
Posteriormente, a C..., a sociedade Executada e os Executados singulares - os Senhores AA E BB -, na qualidade de fiadores, celebraram uma Adenda ao Contrato.
Ora, nos termos da Cláusula Primeira da referida Adenda, a C... entregou, naquela data, à sociedade Executada a quantia adicional de EUR 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), tendo esta se comprometido, uma vez mais, “(…) a investir tal montante na finalização do projeto imobiliário (…)” – cfr. Cláusula Primeira, n.º 1, in fine, da Adenda junta como Documento n.º 4.
Como contrapartida do aumento da prestação da C... (que então alcançou o total de EUR 175.000,00), a sociedade Executada obrigou-se perante a C..., à luz dos n.os 1 e 2 da Cláusula Segunda da Adenda, “[a] incrementar todos os esforços no sentido de ultimar o projeto de imobiliário (…), a conceder à Primeira Outorgante [C...] o valor correspondente a 5% do valor de venda do projeto de negócio a terceiros ou, em alternativa (…) a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos e cinquenta mil euros”,
Mais se tendo a sociedade Executada obrigado à realização de tais contraprestações no prazo “de um ano, a contar da assinatura” da Adenda, portanto, até 13 de novembro de 2019 – cfr. Documento n.º 4, já junto.
Nos termos do n.º 3, da Cláusula Segunda, da Adenda, foi convencionado que “[a] escolha da prestação da Segunda Outorgante [a aqui Executada] – 5% do valor da venda ou 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), competirá sempre à Primeira Outorgante [C...], caso venha a ocorrer a venda do projeto”.
Tendo sido clausulado no n.º 5, da Cláusula Segunda, da Adenda, que “(…) não ocorrendo a venda, no prazo máximo de um ano a contar da presente data [13.11.2018], a Segunda Outorgante [os aqui Executados] obriga-se a devolver à Primeira Outorgante [C...] a quantia de duzentos e cinquenta mil euros”.
Por email datado de 07 de novembro de 2019 (portanto, cerca de 1 ano após a celebração da Adenda), a C..., interpelou a sociedade Executada e os Executados singulares - os Senhores AA E BB - para que procedessem à transferência da quantia de EUR 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) em cumprimento das obrigações contratuais (…)“Apesar do contrato prever que a C... Lda. poderá, se assim o entender, permanecer no projeto, não é essa a nossa intenção de exercer esse direito, preferindo optar por receber o valor integral estipulado para o seu termo, nos termos do artigo 2°, pontos 1 c), 2 e 3 da adenda ao contrato
Nessa medida solicitamos que a B... Lda. transfira o valor de 250.000€ para a conta da C... Lda. com o IBAN ... até ao dia 13 de Novembro próximo.”
Sucede que, os Executados não procederam ao pagamento da mencionada quantia de EUR 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), desse modo incumprindo com o estipulado no Contrato e na Adenda, volvido que foi o prazo de 8 (oito dias) concedido pela Exequente.
2.
A exequente articula que este contrato é título executivo nos termos do disposto no artigo 703º, nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, de cujo elenco se retira que podem servir de base à execução « Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação».
Sucede que para que estes documentos assumam a qualidade de títulos executivos é necessário que estejamos perante documentos constitutivos da obrigação, isto é, que neles seja indicado e concretizado o negócio jurídico, contrato ou negócio unilateral, que constitui a fonte ou causa da obrigação, ou perante documentos meramente recognitivos da obrigação, ou seja, que deles conste apenas uma declaração de reconhecimento ou confissão, expressa ou tácita, da obrigação, sem indicação da respetiva causa, a qual se presume juris tantum, por força do estatuído no artigo 458º, nº 1, do Código Civil.
São exemplo, daqueles, os documentos que especifiquem a relação contratual e descrevam as obrigações nela assumidas pelas partes (v.g. um contrato de compra e venda), servindo o documento para celebrar o negócio. São exemplo, destes, a promessa de cumprimento ou reconhecimento de uma dívida (artigo 458º CC), ou a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (artigos 352º e 358º, n.º 2, do Código Civil), servindo o documento para formalizar a declaração recognitiva.
3.
Das declarações insertas no titulo negocial exequendo se retira que a exequente pretende executar a obrigação de restituição/pagamento dos montantes entregues (…) acrescidos da cláusula penal.
Esta obrigação foi estabelecida para a eventualidade de uma ocorrência futura e incerta. (…) isto é estamos perante uma situação em que a circunstância de que depende constitui a fonte jurídica da obrigação (que decorre não do contrato – relação contratual – mas do incumprimento de um dever de prestação por ato do devedor – ato jurídico).
Como se refere no acórdão de 15 de setembro de 2022, processo 21669/20.4T8PRT-B.P1, deste Tribunal e Secção, consultável in dgsi, da pena do Exmo 2º Juiz, aqui adjunto, Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida: “A constituição de uma obrigação ocorre com o nascimento da respetiva fonte jurídica. Os negócios formalizados nos documentos juntos não são por si mesmos a fonte jurídica de tal obrigação, na medida em que a fonte destes será sim a situação (que é futura, eventual, meramente hipotética e não deseja pelas partes) do incumprimento do contrato, o qual apenas expressa por antecipação a vontade das partes que regulará as consequências do eventual incumprimento, mas não determina já o nascimento da obrigação correspondente”.
No mesmo sentido, o acórdão desta Secção, de 12 de Janeiro de 2023, processo relatado pelo Desembargador Paulo Dias da Silva, consultável in dgsi, afirma em relação ao anterior, artigo 45º, alínea c) do Código de Processo Civil, mas cuja jurisprudência é aqui aplicável mutatis mutandis, citando Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado” vol. I, 2003, pág. 89), que nos títulos executivos negociais como é o caso, como requisito substancial exige-se que: “(…) os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída”.
Neste último caso, encontram-se a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida (artigo 458º do Código Civil), ou, mais amplamente, a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (artigos 352º e 358º, nº 2 do Código Civil.
Mais adiante diz o mesmo acórdão, (entendimento aqui aplicável) que “não se pode considerar que um contrato resolvido pela parte que alega o incumprimento da outra, exprima, “a se”, a exequibilidade intrínseca do direito do credor, sobretudo, se a natureza do contrato em questão não implica a inerente exequibilidade do direito do credor, ao invés do que sucede com os negócios abstratos, ou as declarações confessórias”.
Nesta senda, as comunicações efetuadas pela credora aos devedores intimando-os ao cumprimento não possam ser determinantes nesta matéria de qualificação de titulo a que faltam os requisitos mencionados.
Tão pouco vale o argumento de que o incumprimento foi reconhecido por duas decisões anteriores porquanto uma se trata de decisão de procedimento cautelar pela sua natureza decisão provisória (ver artigo 373º) e a outra é a decisão recorrida que não apreciou expressamente a validade/exequibilidade do título.
Acresce que, como se fez constar no citado acórdão de 15 de setembro de 2022 “no tocante à cláusula penal e como nos dá conta o Acórdão da Relação de Lisboa de 16-11-2016, (4199/13.8T2SNT.L1.2), in www.dgsi.pt, «nunca se tem reconhecido exequibilidade ao montante da cláusula penal que a exequente também está a requerer (o que é extensível a outras parcelas surgidas na conta corrente junta a título de ‘penalidades de atraso’). Assim, por exemplo, Lebre de Freitas, obra citada, pág. 44, nota 2: “Não é tão pouco exequível o título que formalize o contrato em cujo incumprimento se funde o direito a indemnização, ainda que as partes tenham nele estabelecido uma cláusula penal.” Ou dito de outro modo “não é exequível, atenta a diversa natureza das obrigações em causa, o documento particular que formalize o contrato objeto de resolução, para o efeito de fazer valer as consequências do incumprimento das obrigações dele derivadas […].” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 33). O que aliás já era ensinado por Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 79, “O título exibido pelo exequente tem que constituir ou certificar a existência da obrigação, não bastando que preveja a constituição desta... Assim é que o documento particular no qual se fixe a cláusula penal correspondente ao não cumprimento de qualquer obrigação contratual não constitui título executivo em relação à quantia da indemnização ou da cláusula penal estabelecida, por não fornecer prova sobre a constituição da respetiva obrigação.” Ainda neste sentido, o ac. do STJ de 01/07/2004 (04B2118); o ac. do TRC de 25/01/2011 (906/10.9TBACB.C1) e o ac. do TRL 27/06/2007 (5194/2007-7).» Ver ainda, os Acórdão do STJ de 30-04-2015, (312-H/2002.P1.S1), de 12-07-2018, (309/16.1T8OVR-B.P1.S1), e de 12-11-2020, (1139/18.1T8CBR-A.C1.S1) , e o Acórdão da Relação de Lisboa de 18-01-2018, (2548/16.6T8SNT-A.L1), todos in www.dgsi.pt, (…).”
4.
Por outras palavras, se a obrigação exequenda decorre de uma série de factos constitutivos, entre elas a resolução/incumprimento do contrato, o título executivo para poder servir da presunção da constituição dessa obrigação, teria de ser suficiente para comprovar tudo isso, o que não sucede no caso vertente, conforme se expôs. - cf., neste sentido acórdãos da Relação de Lisboa de 29.01.2002 (processo nº 00114881) de 27.06.2007 (5194/2007-7), de 12.07.2012 (9595/10.0YYLSB.L1-7) e desta Relação do Porto, de 31.01.2005 (0457308), todos in dgsi, que aqui seguimos de mais perto.
“Os títulos executivos são apenas aqueles a que a lei atribui esse valor (artigo 703.º do Código de Processo Civil), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo (cf. Acórdão do STJ de 03-11-2011, in www.dgsi.pt)” ibidem.
A questão da insuficiência ou falta de título executivo é de conhecimento oficioso até ao ato de transmissão dos primeiros bens penhorados. (artigo 734º e 726º, nº 2 alínea a) e c) do Código de Processo Civil).
Consequentemente, são procedentes os embargos, embora com fundamento diverso estando por isso prejudicadas as demais questões suscitadas pelos recorrentes.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO. REVOGADA A SENTENÇA. DECLARA-SE EXTINTA A EXECUÇÃO.
Custas pelos embargados.

Porto, 11 de janeiro, de 2024
Isoleta de Almeida Costa
António Carneiro da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida