PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - Só há nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil) quando a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes, não relevando, portanto, para este efeito, as argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos por aquelas em abono da sua posição.
II - Como tal, destinando-se as nulidades da decisão a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não é a arguição das mesmas adequada para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, designadamente no que se reporta aos factos provados e não provados.
III - O princípio do inquisitório, de que é expressão a regra do artigo 411.º do Código de Processo Civil, não compreende um dever, para o tribunal, de acolher qualquer pretensão instrutória de uma das partes, sob a mera invocação da relevância dos meios que aponta, facultando-lhe a produção de prova que tempestivamente deixou de requerer, obliterando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes.
IV - Só em concreto, isto é, perante concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida ou a desenvolver conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários “ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:67185/22.0YIPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A..., S.A., com sede na Rua ..., ... Esposende, instaurou procedimento de injunção contra AA, residente na Praça ..., ... Póvoa de Varzim, onde concluiu pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 8.015,81, acrescida de juros de mora vencidos até à data da entrada do requerimento injuntivo, no valor de € 3.274,84, bem como da quantia de € 102,00, correspondente ao valor da taxa de justiça por si suportada no âmbito do procedimento e € 40,00 a título de outras quantias.
Alega, em síntese, que, no âmbito da sua actividade de comercialização, importação, exportação, representação, transformação e montagem de caixilharias em alumínio, PVC, madeira, serralharias diversas de ferro, aço inox, aço corten, alumínio, portas seccionadas, grades de segurança, estruturas metálicas, estores, vidro e todo o tipo de trabalhos de serralharia inerentes à construção civil, a solicitação da Requerida, forneceu a esta, os bens e serviços constantes da factura n.º 20120047, datada de 05.05.2012 e vencida na mesma data, no valor de € 18.015,81.
Acrescenta que estando a empreitada concluída a 4.05.2012, a Requerente, no dia 05.05.2012, emitiu a factura n.º 20120047, no valor de € 18.015,81 e enviou-a à Requerida que, porém, apenas pagou a quantia de € 10.000,00.

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Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 12.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, a requerida deduziu oposição, na qual alega ter pago integralmente o valor da factura, nada devendo à Requerente e impugnando a matéria de facto alegada pela Requerente.
Invoca, ainda, a prescrição presuntiva do capital em causa, nos termos do disposto no artigo 317º, alínea b), do Código Civil, considerando que a Requerente exerce o comércio e a Requerida é um particular, tendo decorrido um prazo muito superior a dois anos conforme dispõe a alínea b), do artigo 317.º, do Código Civil.
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Face à oposição deduzida, os autos foram remetidos à distribuição, de acordo com o disposto no artigo 16.º do diploma legal supra citado, prosseguindo como acção especial para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato.
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Notificada, a Autora pronunciou-se sobre as excepções da prescrição e de pagamento aduzidas pela Ré.
Alegou, para tanto, que o fornecimento de bens e serviços descriminados na factura cujo valor peticiona se relacionam com obras de execução típicas de uma empreitada, no bem imóvel da Ré, sendo que as empreitadas não são passíveis de se enquadrarem na previsão da invocada prescrição presuntiva, pelo que a mesma não pode ser declarada.
Mais alegou, não corresponder à realidade ter a Ré procedido ao pagamento da totalidade do valor da factura, razão pela qual a mesma não esclarece onde e quando pagou ou junta qualquer documento comprovativo.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, nos termos do artigo 4.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, foi admitida a prova da Autora e da Ré, nos termos do artigo 3º, nºs 1 e 4 do referido Regime Anexo, observando-se as formalidades legais, tendo a Autora, aquando do exercício do contraditório de documento junto pela Ré e impugnação do mesmo e da veracidade da assinatura e carimbo neste aposta, requerido a litigância de má fé da Ré.
Foi, ainda, indeferida a perícia requerida pela Autora.
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Após a audiência de julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedente a acção.
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Não se conformando com despacho datado de 02.06.2023, proferido em sede de audiência de julgamento que indeferiu a realização da perícia, bem como com a decisão que julgou improcedente a acção, veio a autora “A..., S.A.”, interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:
I. No início da audiência de julgamento a Autora procedeu à junção de um documento, requereu a tomada de declarações de parte do legal representante e apresentou uma testemunha.

II. A Ré apresentou uma testemunha e procedeu à junção de um documento consistente em “Recibo de Quitação Total e Final”, o qual alegadamente o legal representante da Autora daí quitação total e final para pagamento integral, o qual a A. impugnou de imediato a assinatura e o carimbo da empresa apostos no mesmo.

III. Considerando as declarações de parte prestadas, absolutamente contraditórias com o depoimento da testemunha BB e independentemente de sobre quem recaía o ónus da prova, a A. requereu a realização de perícia à assinatura aposta no recibo de quitação junto pela R. na audiência, por considerar absolutamente essencial e imprescindível ao apuramento da verdade dos factos.

IV. O Tribunal a quo indeferiu a perícia por extemporânea, ao abrigo do disposto no artigo 444.º do CPC.

V. O pedido de realização de perícia apenas foi feito pela A. depois de toda a prova produzida porquanto o Tribunal a quo, sem qualquer justificação, delegou para último as declarações de parte do legal representante da A., ou seja, alterou a ordem de prova e sem qualquer justificação, em violação do disposto no artigo 604.º n.º 3 e 8 do CPC.

VI. O Tribunal a quo indeferiu a realização da perícia por considerar a mesma extemporânea com base no artigo 444.º do CPC, no entanto, tal preceito aplica-se à impugnação propriamente dita e não ao pedido de realização de perícia. E quanto à impugnação, a A. fez-lho de imediato.

VII. Tratando-se de uma AECOP cuja prova é junta em audiência final e somente após as declarações de parte do legal representante é que verificou a A. a indubitável falsidade da assinatura no documento e nada impede a realização de perícia após a produção de prova.

VIII. Pelas leituras dos artigos 445.º n.º 3 do CPC e artigo 4.º n.º 5 do anexo ao Decreto-Lei 269/98, resulta claro que a suspensão para a realização de qualquer diligência, incluindo prova pericial, pode ocorrer a qualquer momento da diligência.

IX. O pedido de realização de perícia não é extemporâneo, e a A. impugnou a assinatura do dito documento oportunamente e após a prestação das declarações de parte, em que o legal representante foi efetivamente confrontado com o documento, analisou o mesmo e concluiu pela impossibilidade de o ter assinado, solicitou a realização de perícia, não lhe podendo ser imputado o facto de tal ter ocorrido após a produção de toda a prova, pois foi o próprio Tribunal a quo que alterou a ordem de produção de prova.

X. Ainda que se entenda que o pedido de realização de perícia pela Autora é extemporâneo, sempre poderia e deveria o Tribunal a quo ter suspendido a diligência para se proceder à realização de prova pericial, independentemente da altura da diligência, ao abrigo do princípio do inquisitório.

XI. A prova tem por função a demonstração da realidade dos factos, destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes.

XII. Nos termos do disposto no artigo 411.º do CPC “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”

XIII. O juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia suscitada no processo.

XIV. O princípio do inquisitório onera o juiz com um poder vinculado ou um poder-dever, que não um poder discricionário.

XV. A partir do momento em que se aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o juiz não tem o poder discricionário de a ordenar ou não; está sim, vinculado á prática do ato.

XVI. É certo que tal princípio não afasta a auto-responsabilidade das partes quanto á obrigação de indicarem os meios de prova, no entanto, o juiz deverá exercitar o poder-dever conferido pelo artigo 411.º do CPC quando resultar patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos ou da produção de outras provas a necessidade da produção de um outro meio de prova, manifestando-se tal necessidade em termos tais que permitam concluir que a inevitabilidade da produção desse meio de prova ocorreria mesmo que a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório.

XVII. Nos presentes autos, era absolutamente crucial e pertinente a realização da prova pericial com vista a aferir a assinatura do documento junto pela R. e consequentemente apurar o pagamento integral alegado pela Ré, ou seja, objetivamente necessária ao esclarecimento da verdade, dado mesmo as contradições entre a prova testemunhal e declarações de parte.

XVIII. O artigo 4.º n.º 5 do anexo ao Decreto-Lei 269/98 refere que o juiz pode suspender a audiência na altura que reputar mais conveniente, quando parecer indispensável para a boa decisão da causa que se proceda a alguma diligência.

XIX. Concluiu o Tribunal a quo que não era aplicável ao caso o regime da prescrição presuntiva de cumprimento e que a Autora não tinha que ilidir essa presunção, o que se concorda e nada se tem apontar, dado que, tal como o próprio Tribunal a quo refere, á dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime de prescrição presuntiva de cumprimento.

XX. O Tribunal a quo conclui que se a Ré não conseguiu demonstrar que é aplicável o instituto da prescrição presuntiva, então também não beneficia da presunção que inverte o ónus da prova do pagamento, ou seja, o próprio Tribunal a quo conclui que esse ónus continua a pertencer á Ré.

XXI. No entanto, parece não aplicar tal, pois conclui “a Autora nem sequer logrou provar o que alegou, designadamente o pagamento parcial que diz ter sido efetuado pela Ré no valor de € 10.000,00 e estar em dívida o peticionado valor referido como remanescente em dívida da fatura identificada” e isto serviu para erradamente fundamentar a decisão.

XXII. Era sobre a Ré (devedora) que incumbia o ónus de prova do cumprimento (total ou parcial) e não sobre a Autora.

XXIII. Mal andou o Tribunal a quo ao concluir que a Autora não logrou fazer provar do pagamento parcial, o que nunca poderia ocorrer, pois no limite a Autora teria de fazer prova dos valores não pagos e nunca dos valores pagos e que não está a reclamar.

XXIV. A Autora logrou demonstrar, através da prova testemunhal e das declarações de parte do legal representante, que confirmaram que estar em dívida o valor de € 8.015,00, lançado devidamente no programa contabilístico.

XXV. Impendia sobre a Ré devedora o ónus da prova do não cumprimento e não á Autora, não podendo a decisão ser fundamentada com o facto de “a Autora nem sequer logrou provar o que alegou, designadamente o pagamento parcial que diz ter sido efetuado pela Ré no valor de € 10.000,00 e estar em dívida o peticionado valor referido como remanescente em dívida na fatura identificada”.

XXVI. Assim que notificada do documento, no início da audiência, a Autora impugnou de imediato a sua assinatura.

XXVII. Nos termos do disposto no artigo 445.º n.º 2 do CPC e de toda a jurisprudência, havendo impugnação da assinatura será ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada.

XXVIII. É precisamente isto que o Tribunal a quo não considerou, concluindo apenas e tão só que a Ré logrou provar o pagamento integral com a mera junção do documento (recibo de quitação), descurando em absoluto que a Autora havia impugnado a assinatura constante no mesmo, violando o disposto no artigo 615.º n.º 1 al. D), o que gera a nulidade da sentença que aqui se requer.

XXIX. A Ré não logrou provar a veracidade da assinatura, conforme declarações de parte do legal representante da Autora acima transcritas.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização, importação, exportação, representação, transformação e montagem de caixilharias em alumínio, PVC, madeira, serralharias diversas de ferro, aço inox, aço corten, alumínio, portas seccionadas, grades de segurança, estruturas metálicas, estores, vidro e todo o tipo de trabalhos de serralharia inerentes à construção civil.
2. A solicitação da Requerida, forneceu à Requerida, os bens e serviços que se relacionam com obras de execução típicas de uma empreitada, no imóvel da Ré, melhor descriminados na fatura n.º 20120047, datada de 05.05.2012 e vencida na mesma data, no valor de € 18.015,81.
3. Estando a empreitada concluída a 4.05.2012, a Requerente, no dia 05.05.2012 emitiu a fatura n.º 20120047, com data de vencimento na mesma data, no valor de € 18.015,81 que enviou à Requerida.
4. A requerida pagou total e integralmente o valor da fatura referida em 3).
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2.2 Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provado o seguinte facto:
a) A Requerida apenas pagou a quantia de €10.000,00.
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2.3 Convicção Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“O Tribunal formou a sua convicção através de um juízo crítico que fez de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, tendo como critério fundamental o previsto no artigo 607º, n.º 1, ex vi artigo 549º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, no qual se consagram as regras que devem nortear o juiz do julgamento na apreciação da prova.
Ao abrigo destas regras concede-se ao tribunal “apreciar livremente as provas, decidindo de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Nestes termos, para dar como provados e não provados os factos supra referidos, atendeu o tribunal à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a qual se reconduziu à apreciação critica e conjugada da prova documental junta aos autos - fatura de fls. 15 e 15 verso e documento de fls. 33, da prova por declarações de parte do administrador único da Autora, CC e do depoimento das testemunhas DD, EE, empresário do ramo da construção civil, que realizou a empreitada da construção da casa de habitação da Ré, da qual ficou excluída a empreitada da Autora, a que é alheio, tendo apenas procedido à indicação da Autora à Ré e BB.
De referir antes de mais que, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, quem invoca um direito tem de fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo e assim cabia à Autora não só fazer prova de que forneceu à Ré, os bens e serviços constantes da fatura n.º 20120047, datada de 05.05.2012 e vencida na mesma data, no valor de € 18.015,81 como que a empreitada que realizou ficou concluída a 4.05.2012, emitiu a fatura no dia subsequente dia 05.05.2012 e enviou-a à Requerida e que esta, do valor da fatura de € 18.015,81 apenas pagou a quantia de €10.000,00.
Por sua vez, considerando a exceção de prescrição presuntiva invocada pela Ré, operou-se a inversão do ónus da prova, que caberia em regra geral à Ré, na qualidade de alegada devedora, ou seja, presumido o cumprimento, recairia sobre a Autora o ónus de ilidir essa presunção, o que desde já não logrou a Autora fazer. Na verdade, a Autora nem sequer logrou provar de forma indubitável e existência da divida que reclama.
A testemunha DD, contabilista da sociedade Autora e a trabalhar para esta como trabalhador subordinado desta desde há seis anos, referiu conhecer apenas o extrato contabilístico de onde consta por liquidar o valor peticionado como estando em divida, que referiu ser de €8.015,00. Porém, como disse, nesse extrato contabilístico apenas se encontra lançado esse valor e não a fatura e respetivo valor e nem qualquer pagamento que tanha sido efetuado por conta da fatura, afirmando mesmo desconhecer a fatura identificada no requerimento injuntivo, desconhecer se o valor por liquidar, constante do extrato que visualizou, respeita a esta fatura e desconhecer se foi feito por conta dessa fatura o pagamento da quantia de €10.000,00 que a Ré alega ter sido paga pela Ré. Justifica que a empresa Autora mudou a aplicação informativa de gestão de contabilidade em 2014 e não tem essas informações no novo programa contabilístico. Quanto à documentação de suporte, referiu que está na empresa mas como se passaram 10 anos no arquivo, existe alguma dificuldade em encontra-la. Pese tudo isso, indagado sobre se existia a possibilidade de este estar pago mas não estar retratado na contabilidade, referiu que seria difícil devido ao aperto fiscal e necessidade de conciliação bancária. Porém, não teve o cuidado de verificar a existência do alegado pagamento parcial em termos de conciliação bancária que, segundo disse é obrigatória.
De referir ainda que, administrador único da Autora, ouvido em declarações de parte, CC, sendo certo que confirmou o valor total da fatura identificada, indagado sobre se esta fatura estava integralmente paga, de forma contraditória com o que alegou no requerimento injuntivo (em que afirmou ter a Ré pago a quantia de € 10.000,00), disse que, foram pagos pela Ré apenas cerca de cinco mil e tal euros. Disse porém, desconhecer quando é que esse valor foi pago porque mudaram de sistema e com a migração informação foi-se perdendo e como não foi pago por transferência bancária não tentou pedir ao banco, até porque a empresa tem vários bancos com quem trabalha. Disse ainda não ter um exercito de pessoas a trabalhar na empresa e a pagar para procurar a documentação de suporte à contabilidade para procurar esse pagamento parcial. De referir a contradição dessas declarações com o depoimento desta testemunha DD, que justificou a fiabilidade do extrato com base no aperto fiscal e na conciliação bancária, que é avessa a pagamentos em dinheiro ou não documentada por recibos. Disse ainda que, o então marido da Ré – referindo-se ao senhor que tinha acabado de testemunha antes dele – tentava pagar tudo em dinheiro e que não faturasse. Mas a verdade é que, não faz sentido, o administrador da Autora, depois de dizer o que disse sobre a pretensão do então marido da Ré de pagar sempre em dinheiro e da perca de dados com a migração para o novo programa contabilístico, responder de forma tão perentória e sem mais qualquer justificação, como o fez, sobre a impossibilidade de a Ré ter pago e não sido registado tal pagamento na empresa. Na verdade, referiu ainda que a empresa cresceu e ocupado com o crescimento da empresa, o valor em causa (que não disse qual era) “foi ficando” e quando confrontado, por pessoas que agora na sua empresa que se ocupam especificamente disso, “com os valores que foram ficando”, resolveu acionar judicialmente o valor.
Esclareceu que foram concluídos os serviços na casa da Ré, o que teria ocorrido em meados de Abril de 2012 e indagado sobre se a emissão da fatura coincidiu com a conclusão dos trabalhos, referiu de forma um pouco exaltada que o então marido da Ré levantava sempre dificuldades para pagar e qualquer coisa (referindo-se a qualquer problema da obra) era motivo para adiar o pagamento.
De referir que a testemunha BB, advogado, atualmente divorciado da Ré, mas à data dos fatos casado com esta, afirmou coincidentemente com o declarante, que era ele quem tratava de tudo o que respeitava à construção da casa da Ré e acompanhava todas as empreitadas, assim com quem fazia todos os pagamentos, reconhecendo que tentava não pagar de imediato o preço e atrasava os pagamentos para verificar se a obra estava bem feita, por exemplo, atrasou o pagamento até ter a certeza de que o portão colocado pela Autora funcionava em condições. Por esse motivo, o socio gerente da Autora ligava-lhe a pressionar para pagar.
Não obstante a invocada presunção de cumprimento por parte da Ré ora invocada, a verdade é que a Ré optou por não se ficar pela invocação da prescrição e nem pela alegação de que procedera ao pagamento integral da fatura referida no requerimento injuntivo, mas igualmente provou esse pagamento pela junção de um documento designado por “recibo de quitação total e final” com data de 31 de outubro de 2012, com a assinatura de CC e com carimbo da Autora por cima dessa assinatura- cfr. documento junto a fls. 33.
De referir que esse carimbo tem os dizeres “ A..., Lda. e compulsada a certidão comercial junta pela Autora e as declarações iniciais do declarante CC, à data dessa declaração, a sociedade Autora era uma sociedade por quotas, cuja transformação para sociedade anónima aparece registada pela ap. ... de 2015/11.26 com o nome A..., SA. – cfr. certidão comercial junta a fls. 23 a 32.
Nesse documento, o então sócio gerente CC, na qualidade de representante legal da Autora, declara que recebeu da Ré, na referida data de 31.12.2012, a quantia de € 5.767,65 e que dá quitação total e final para pagamento dos serviço e materiais aplicados na habitação da Ré sita na Praça ... e Rua ..., da cidade da Póvoa de Varzim. Mais declara aquele que todos os materiais aplicados e serviços efetuados pela A..., Lda. na habitação da Ré estão integralmente liquidados, nada tendo mais a receber ou a reclamar.
A testemunha BB explicou ter sido ele quem elaborou o documento e fez isso porque, o ultimo pagamento que fez ao socio gerente da Autora respeitante à obra que lhe foi contratada – fornecimento e colocação de um portão de garagem com 2 portas seccionadas, fornecimento e colocação de duas claraboias Velux e umas guardas em vidro - foi em dinheiro, e como advogado, não podia deixar de elaborar o competente documento de quitação desse valor entregue em dinheiro e consequentemente, por ser o ultimo pagamento, de quitação do valor/preço total da obra/empreitada e exigir que o socio gerente da Autora a quem entregou diretamente o dinheiro na garagem da casa, o assinasse e carimbasse. Refere que combinou com este na referida garagem, à noite, e neste local porque tinha sido no portão dessa garagem – quer era uma construção/corpo diferenciado da casa que tinham sido efetuados os últimos trabalhos da Autora - para lhe efetuar o pagamento em dinheiro e depois de o fazer entregou-lhe o documento para que este assinasse como assinou e carimbou à sua frente.
Explicou que, apenas esse último pagamento de cerca de €5.000,00 foi efetuado em dinheiro e pela simples circunstancia de ter vendido o veiculo Ford ... da sua esposa, a ora Ré, por €7.000,00 a um particular que lhe pagou em dinheiro, tendo-o feito depois das férias de verão, na data que consta da referida declaração e a quitação era da totalidade do preço acordado com a Autora para a realização da obra porque era o pagamento final e não havia nada mais a pagar. Explicou que este foi o único pagamento em dinheiro que fez, tendo feito o pagamento da totalidade do preço da obra em 3 vezes tendo das outras vezes pago por meio de transferência bancária, explicando que a obra de construção da casa estava a ser efetuada através de financiamento bancário e a Banco 1... desbloqueava os pagamentos por tranches. Referiu não ter tido a preocupação de ir buscar os extratos ou comprovativos das transferências bancárias porque apenas estava a ser pedido um valor remanescente.
O declarante, confrontado com esse documento junto a fls. 33, negou que a assinatura fosse a sua. E antes mesmo de ser finalizada a pergunta sobre se se recordava de ter ido ter com o marido da Ré à garagem para este lhe pagar, já o declarante respondia que não, tendo prosseguido com uma explicação sem sentido. Disse que quando terminou os serviços, a casa já não era da Ré por a ter vendido a alguém que ganhara o Euromilhões e o marido da Ré não tinha pago porque foi fazer uma afinação ao portão da garagem porque a compradora da casa tinha reclamado isso. Ou seja, o declarante acabou por reconhecer ter estado na garagem a fazer um ultimo trabalho de afinação do portão numa altura em que a Ré já não era a proprietária da casa, tornando plausível, que ali se tivesse encontrado com a testemunha BB, e como referido por este, para receber o ultimo pagamento após a referida afinação - atrasado esse pagamento por esse motivo.
A verdade é que, coincidentemente, o único valor de que o declarante CC se recorda ter sido pago é o valor de cinco mil e tal euros, correspondente ao valor que lhe foi pago em dinheiro na referida garagem.
Tudo tornando credível o depoimento da testemunha BB de que este foi o ultimo pagamento parcial, pago em dinheiro, e que tal resulta comprovado pelo recibo de quitação desse valor e do valor integral do preço da obra contratada á Autora - serviços e materiais descriminados na fatura de fls.15.
Acresce referir que, não podemos deixar de atender à similitude da grafia da assinatura e de muitas letras da assinatura do declarante aposta no recibo de quitação de fls. 33 com a que consta da procuração emitida a favor do seu mandatário junta a fls.11, com carimbos apostos diferentes atendendo à referida transformação societária.
Por outro lado, tendo em conta que Autora nem sequer logrou provar o que alegou, designadamente o pagamento parcial que diz ter sido efetuado pela Ré no valor de €10,000,00, prova essencial para se aferir do valor da fatura remanescente em divida, pondo em causa o valor remanescente peticionado. Aliás, a considerar-se o pagamento do valor dos cinco mil e tal euros, referidos pelo declarante, teríamos até o valor remanescente em divida de 13.000,00 e tal euros e não o valor peticionado. De qualquer modo, não podemos deixar de reforçar que, a prova produzida pela Autora suscita-nos desde logo duvidas sobre se é devido algum pagamento atendendo à evidenciada mudança de programa contabilístico, crescimento desorganizado da empresa e falta de pessoal que procure os elementos documentais de suporte aos lançamentos contabilísticos e de conciliação bancária ou mesmo falta desse suporte documental. Acresce referir que, atendendo às regras da experiência comum, não é normal perderem-se dados contabilísticos importantes como seja os relativos a créditos da empresa sobre os seus devedores, com a instalação de um novo programa contabilístico e migração de dados do antigo programa para o novo, e, ainda que tal ocorresse, que, não fosse efetuada uma copia de segurança do antigo programa antes da migração dos dados. Ainda, não pode deixar de se aferir como um fato inverosímil ou no mínimo estranho que, 10 anos depois, pessoas que se ocupam disso – o declarante não indica que pessoas, mas acreditamos que seja o contabilista da empresa, a testemunha DD - o confrontaram com o valor que “foi ficando” e resolveu acionar judicialmente o valor, mas não se preocupando em apurar do documentos de suporte à divida/valor reclamado. De referir que o crescimento da empresa com a transformação em sociedade anónima já ocorreu em 2015.
A testemunha EE, empresário do ramo da construção civil, que realizou a empreitada da construção da casa de habitação da Ré, explicou que da sua empreitada ficou excluída a empreitada de caixilharia realizada pela Autora, a que é alheio, tendo apenas procedido à indicação da Autora à Ré para a realização de trabalhos específicos, não orçamentados na sua obra e a Autora tinha tratado diretamente com a Ré. Esta testemunha explicou que à sua empresa a Ré pagou tudo e que quanto e desconhecia a fatura emitida pela Autora, o seu valor e se esta tinha ou não sido paga, ou se havia algum valor que estava por pagar. Refere tão só que a Autora realizou os trabalhos que contratou com a Ré na mesma altura em que realizou a sua.
A testemunha BB explicou que, a obra contratada á Ré não se consubstanciou numa obra de fornecimento e instalação de caixilharia, mas uma empreitada especifica contratada á parte da empreitada geral pois que, no final pretenderam certos pormenores específicos, designadamente não incluíram o portão na empreitada geral porque queriam um portão especial, queriam ainda claraboias da Velux que eram mais caras e guardas de vidro mais grosso e para isso e por isso pediram orçamento à Autora.
De referir que, o tribunal não pode deixar de notar o objetivo pretendido alcançar pelas perguntas sobre o tempo que demorou a empreitada da Autora - atendendo á jurisprudência maioritária de que à dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, quando a execução de trabalhos se traduz na execução de obras de construção de imóveis, destas excluindo as resultantes de prestação de serviços de execução rápida - mas cremos que não se logrou obter a prova de que a empreitada em causa era um empreitada de curta duração. A testemunha BB indagada sobre se os serviços tinha demorado um mês a realizar respondeu não se recordar, explicando que o tempo que demorou em obra foi o da colocação/instalação pois veio tudo pronto e indagado sobre se demorou 2 a 3 dias respondeu não poder ser mais do que isso. No entanto, haveria sempre que considerar não apenas o tempo da instalação em obra mas também o tempo da encomenda dos materiais, o tempo de fornecimento dos materiais - janelas velux, vidros para as guardas, etc, ou a execução do referido portão especifico e especial e ter em conta que a jurisprudência não refere apenas o tempo de duração dos serviços, mas associa ao fato de se tratar de dívidas de montante não muito elevado, cujo pagamento é suposto ser efetivado imediatamente ou a breve trecho e para as quais nem sequer é usual emitir fatura/recibo, o que vimos não é o caso.
De referir que, entendendo-se não ser aplicável ao caso, o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, e assim não ter a Autora que ilidir essa presunção, e ter de ser a Ré a fazer a prova de pagamento, a verdade é que, entendemos que a Ré logrou provar com suficiência a exceção de pagamento por si invocada nos termos supra expostos. Em contraponto, a Autora nem sequer logrou provar o que alegou, designadamente o pagamento parcial que diz ter sido efetuado pela Ré no valor de €10,000,00 e estar em divida o peticionado valor referido como remanescente em divida da fatura identificada.”.*
3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da tempestividade, da necessidade e admissibilidade da prova pericial;
- Da nulidade da decisão;
- Do mérito da decisão.
*
4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da prova pericial
A primeira questão a resolver no âmbito do recurso prende-se em saber da tempestividade, da necessidade e da admissibilidade da perícia requerida, sendo certo que quanto à questão prévia da tempestividade do recurso interposto relativamente à referida decisão é indubitável ser o mesmo tempestivo conforme dimana do despacho proferido pelo Tribunal a quo a 27.09.2023.
Vejamos, então.
A actividade processual consistente nos procedimentos de proposição, admissão, produção e assunção da prova integra a chamada fase instrutória, cuja função se destina a carrear para os autos os meios de prova, a facultar o exercício do contraditório sobre a sua admissibilidade e força probatória, bem como a actuar no processo os meios probatórios assim admitidos.
Ao tribunal não é imposta, nomeadamente, a obrigação de deferir as diligências de prova que não foram requeridas em devido tempo pelas partes, não obstante o juiz tenha a possibilidade de determinar a realização das diligências probatórias que considere necessárias para o apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa, designadamente a requisição de documentos ou a inquirição de testemunhas, o que se insere nos seus poderes de investigação oficiosa, não deixando de constituir um poder-dever, que deve ser exercido quando, no decurso do processo o juiz se aperceba que há determinadas pessoas que têm conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa ou de documentos relevantes para o apuramento da verdade dos factos.
É, porém, certo que se deve privilegiar o andamento célere do processo, e arredar, por questões de economia processual, as diligências e actos inúteis.
Ora, a prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artigo 341.º, do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artigo 388.º, do Código Civil).
Ademais, não podemos olvidar que os presentes autos se traduzem numa Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, prevista e regulada no Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, superior à alçada da 1ª instância, que teve a sua origem num procedimento de injunção intentado pela Recorrente.
Ora, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 4 daquele supra citado diploma legal, ex vi artigo 17º, nº 1, do mesmo diploma, “as provas são oferecidas na audiência”.
No caso vertente, no início da audiência de discussão e julgamento, foi concedida a palavra à Mandatária da Autora, que, no seu uso, fez o seu requerimento de prova, onde requereu: a junção de um documento (certidão permanente actualizada da Autora); a prestação de declarações de parte do legal representante da Autora e a inquirição de duas testemunhas.
De seguida, o Mandatário da Ré, fez o seu requerimento de prova, onde requereu a junção de um documento intitulado “recibo de quitação total e final”, datado de 31/10/2012, assinado e carimbado pelo Legal Representante da Autora, Sr. CC, e no qual é dito, nomeadamente, que os serviços efectuados na habitação da Ré estão integralmente pagos, nada mais tendo a receber ou a reclamar. Indicou, ainda, como testemunha BB.
Junto o referido documento, foi, pela Sr.ª Juiz a quo, concedida a palavra à Ilustre Mandatária da Autora para se pronunciar sobre o mesmo.
Nesta sequência, a Ilustre Mandatária da Autora ausentou-se da sala para, segundo a mesma “falar como o cliente”, ou seja, o legal representante da Autora, certamente para o confrontar com o documento junto pela Ré intitulado “recibo de quitação total e final”.
Regressada à sala, a Ilustre Mandatária da Autora limitou-se a impugnar a veracidade do documento junto pela Ré, dado que segunda a mesma a mesma não é a assinatura do Legal Representante da Autora, nem tão pouco o carimbo, por não ser usado na empresa. Requereu, ainda, que o referido facto seja tido em atenção para efeitos de litigância de má-fé pela Ré.
Do atrás transcrito resulta que, no início da audiência e após a Ré ter requerido a junção do documento “recibo de quitação total e final”, o Tribunal a quo deu oportunidade à Autora de se pronunciar sobre o referido documento, bem como requerer as diligências probatórias que entendesse.
A Autora optou, todavia, por “apenas” impugnar a veracidade do referido documento, limitando-se a dizer que a assinatura aposta no mesmo não era do seu legal representante, nem tão pouco o carimbo, e dizendo que o documento era falso.
Sucede, ainda, que, só depois de concluída toda a produção de prova, é que a Autora, através da sua Ilustre Mandatária, requereu a perícia com vista a averiguar da genuinidade da assinatura, perícia que foi indeferida, e bem, pela Sr.ª Juiz a quo.
Com efeito, aquando da apresentação e junção aos autos do documento “recibo de quitação total e final” pela Ré, foi concedida a oportunidade à Autora para se pronunciar sobre o mesmo, tendo esta se limitado a impugnar a veracidade do documento, por a assinatura não ser a do seu legal representante, nem o carimbo.
E, note-se, que a referida impugnação foi feita pela Ilustre Mandatária da Recorrente após “conferenciar” com o seu legal representante – que, naturalmente, lhe terá dito que aquela não era a sua assinatura, caso contrário não faria qualquer sentido a sua impugnação.
Ou seja, a Apelante podia e deveria, aquando da impugnação do documento, ter requerido a realização da prova pericial. Optou, todavia, por não requerer a realização da prova pericial quando teve oportunidade de o fazer - no início da audiência - só pretendendo fazê-lo no final da audiência, após produção de toda a prova, nomeadamente das declarações de parte do legal representante da Autora.
No entanto, o seu depoimento não veio trazer qualquer nova ou adicional informação ao que a Ilustre Mandatária da Autora já sabia desde o início da audiência, uma vez que, nessa fase, “conferenciou” com aquele legal representante e, nessa sequência, impugnou a veracidade do dito documento, mas sem requerer qualquer meio de prova quanto ao mesmo.
Por isso, não acompanhamos o argumento invocado pela Recorrente de que “somente após as declarações de parte do legal representante é que verificou a A. a indubitável falsidade da assinatura no documento”, o que não corresponde à realidade, uma vez que a Autora já o sabia desde o início da audiência, optando por “apenas” impugnar a veracidade de tal documento e não requerer, logo nesse momento, a realização da perícia.
Ora, era nesse momento - no início da audiência - que a perícia deveria ter sido requerida, e não foi.
Por isso, bem decidiu a Sr.ª Juiz a quo ao indeferi-la, por ser extemporânea.
E o argumento utilizado pela Autora, em sede de recurso de que o Tribunal a quo “sem qualquer justificação, delegou para último as declarações de parte do legal representante da A., ou seja, alterou a ordem de prova e sem qualquer justificação, em violação do disposto no artigo 604º nº 3 e 8 do CPC”, não merece acolhimento.
Com efeito, das disposições legais citadas não resulta, em lado algum, que as declarações de parte devam ser feitas, obrigatoriamente, no início da audiência, antes da audição de qualquer testemunha.
No caso vertente, estamos perante declarações de parte do legal representante da Autora, por esta requeridas, e não perante depoimento de parte (que teria que ser requerido pela Ré - e não foi).
Assim, se é verdade que, nos termos do disposto no artigo 604º, nº 3, alínea a) do Código de Processo Civil, a audiência inicia-se pela prestação dos depoimentos de parte, o que é certo é que, quanto às declarações de parte nada é dito.
Ora, nos termos do disposto no artigo 466º, nº 1, do Código de Processo Civil, as declarações de parte podem ser requeridas até ao início das declarações orais em 1ª instância e, nos termos do disposto no nº 3 do mesmo preceito legal, o tribunal aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Portanto, não há qualquer disposição legal que obrigue a que as declarações de parte sejam prestadas no início da audiência, precedendo a inquirição das testemunhas.
Aliás, é prática comum e corrente nos tribunais as declarações de parte serem ouvidas após a audição das testemunhas.
Por outro lado, também não acompanhamos o argumento invocado pela Recorrente de que o Tribunal a quo podia e deveria ter ordenado oficiosamente a realização da perícia.
Com efeito, é regra essencial, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova. Tendo a perícia sido requerida pela Autora após a produção de toda a prova testemunhal e declarações de parte, o Tribunal a quo, naturalmente, já havia formulado a sua convicção.
Ou seja, o Tribunal a quo convenceu-se e bem da veracidade do documento pela análise dos depoimentos e declarações de parte prestados em julgamento, como resulta da análise rigorosa e exaustiva feita na sentença recorrida.
Como bem é dito pela Sr.ª Juiz a quo, a perícia nada traria de novo ou nada acrescentaria relativamente à prova produzida nessa sede.
Ora, nos termos previstos nos artigos 444º e 445º do Código de Processo Civil, não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui um meio de prova livremente apreciado pelo julgador.
Que foi o que o Tribunal a quo fez, tendo concluído pela veracidade do referido documento pelo confronto e análise crítica das declarações prestadas pela testemunha BB e das declarações de parte do legal representante da Autora e mesmo pela semelhança com a assinatura aposta na procuração forense junta aos autos.
Como resulta claro da leitura da sentença recorrida, o Tribunal a quo fez uma extensiva, minuciosa e clara análise da prova testemunhal, do depoimento de parte e da prova documental existente nos autos, confrontando os vários depoimentos prestados, nomeadamente o do legal representante da Autora e o da testemunha BB, daí resultando, à saciedade, que a Ré/Apelda nada deve à Autora/Apelante.
Pelo que, não estava o Tribunal a quo obrigado a requerer, oficiosamente, a pretendida perícia.
Com efeito, o princípio do inquisitório, de que é expressão a regra do artigo 411.º do Código de Processo Civil, não compreende um dever, para o tribunal, de acolher qualquer pretensão instrutória de uma das partes, sob a mera invocação da relevância dos meios que aponta, facultando-lhe a produção de prova que tempestivamente deixou de requerer, obliterando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes.
Só em concreto, isto é, perante concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida ou a desenvolver conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários “ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”. E isso, poderá acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou mesmo antes, logo que, na situação concreta, o tribunal entenda ser essencial à realização desses objectivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requererem oportuna e regularmente.
Resulta assim dos autos que não se absteve o Tribunal a quo de promover os actos requeridos que contribuiriam para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa.
Assim, o despacho que indeferiu a perícia requerida pela Autora não merece qualquer reparo ou censura.
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4.2 Da nulidade da decisão
Invoca, ainda, a Apelante que a decisão recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Alega, para o efeito, que o Tribunal a quo concluiu apenas e tão só que a Ré logrou provar o pagamento integral com a mera junção do documento (recibo de quitação), descurando em absoluto que a Autora havia impugnado a assinatura constante no mesmo, o que gera a nulidade da sentença.
Vejamos, então, se a decisão sob recurso é nula.
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.4.2019, processo nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1, disponível, como os demais, em www.dgsi.pt ou em sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.3.2017, proferido no processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1 -; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e de 10.9.2019, proferido no processo nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2 -, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) - cf. neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pág. 297, na análise dos vícios da sentença enumera cinco tipos: vícios de essência; vícios de formação; vícios de conteúdo; vícios de forma e vícios de limites.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, assim, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
A nulidade invocada está correlacionada com a 1ª parte, do n.º 2, do artigo 608º, do Código de Processo Civil, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”.
O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).
No caso vertente, o Apelante invoca que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que é desprovido de sentido e fundamento.
Com efeito, nem o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia) – aliás, como facilmente se conclui da simples leitura da sentença recorrida.
De resto, só há nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º, nº 1, al. d) do CPC) quando a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes, não relevando, portanto, para este efeito, as argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos por aquelas em abono da sua posição.
Além disso, destinando-se as nulidades da decisão a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não é a arguição das mesmas adequada para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido, designadamente no que se reporta aos factos provados e não provados.
Do exposto, resulta evidente não ocorrer a nulidade invocada.
Improcede, pois, a nulidade invocada pelo recorrente.
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4.3 Do mérito da decisão.
A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da ausência do recurso impugnativo da mesma afigura-se-nos que à luz da mesma se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Com efeito, a Apelante em nenhuma das suas Conclusões (e mesmo nas suas alegações) coloca em crise os factos dados como provados e não provados.
Ou seja, no seu recurso a Recorrente não impugna a decisão relativa à matéria de facto, até porque, se o fizesse, teria que cumprir o ónus previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, o que não fez.
Com efeito, nos termos da referida norma legal, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No entanto, da análise do recurso deduzido pela Apelante, verifica-se que não foi cumprido, desde logo, o estipulado na alínea a), do artigo 640º, do Código de Processo Civil, ou seja, não foram especificados os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
Assim, conforme já defendemos, ao não impugnar os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o recurso interposto terá, necessariamente, que naufragar, uma vez que, face aos factos provados e não provados, a decisão não poderia deixar de ser a que foi proferida pelo Tribunal a quo.
Com efeito, a Ré, como lhe competia, logrou provar que pagou integralmente os serviços à Ré e que inexiste qualquer quantia em dívida.
Como bem nota a Sr.ª Juiz a quo quando escreve, na página 5 da sentença recorrida, que:
“Não obstante a invocada presunção de cumprimento por parte da Ré ora invocada, a verdade é que a Ré optou por não se ficar pela invocação da prescrição e nem pela alegação de que procedera ao pagamento integral da fatura referida no requerimento injuntivo, mas igualmente provou esse pagamento pela junção de um documento designado por “recibo de quitação total e final” com data de 31 de outubro de 2012, com a assinatura de CC e com carimbo da Autora por cima dessa assinatura- cfr. documento junto a fls. 33.
De referir que esse carimbo tem os dizeres “A..., Lda. e compulsada a certidão comercial junta pela Autora e as declarações iniciais do declarante CC, à data dessa declaração, a sociedade Autora era uma sociedade por quotas, cuja transformação para sociedade anonima aparece registada pela ap. ... de 2015/11.26 com o nome A..., SA. - cfr. certidão comercial junta a fls. 23 a 32.
Nesse documento, o então sócio gerente CC, na qualidade de representante legal da Autora, declara que recebeu da Ré, na referida data de 31.12.2012, a quantia de € 5.767,65 e que dá quitação total e final para pagamento dos serviço e materiais aplicados na habitação da Ré sita na Praça ... e Rua ..., da cidade da Póvoa de Varzim.
Mais declara aquele que todos os materiais aplicados e serviços efetuados pela A..., Lda. na habitação da Ré estão integralmente liquidados, nada tendo mais a receber ou a reclamar.”
De resto, foi dado como provado que a Apelada pagou total e integralmente o valor da fatura referida em 3).
Assim, à luz da factualidade provada, que não foi impugnada em conformidade com o disposto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal a quo não poderia ser outra que não fosse a de julgar a acção improcedente, com as legais consequências – como, muito bem, fez.
Pelo que, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da apelante.
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Notifique.
Porto, 11 de Janeiro de 2024
Paulo Dias da Silva
Isoleta de Almeida Costa
Judite Pires

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)