PRISÃO PREVENTIVA
PRESSUPOSTOS DO ARTº. 204º. DO CPP
GRAU DE PERIGO
PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Sumário

I–A prisão preventiva é uma medida de coação de «ultima ratio»: É excecional e subsidiária, pressupondo a inadequação ou insuficiência de qualquer outra medida.

II–Os pressupostos previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal são comuns a todas as medidas de coação, à exceção do TIR, o que significa que o grau do perigo concretamente verificado seja o mais intenso e elevado na opção pela privação da liberdade, e de menor grau nas demais medidas.´
(Sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório


Por Despacho proferido nos presentes autos de inquérito a ... de ... de 2023 foi aplicado ao arguido AA as seguintes medidas de coação:
«Em face do exposto, decido, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 200.º, n.º 1, al.d) e 204.º, alíneas b) do Código de Processo Penal, 31.º, n.º 1, al. d), 35.º e 36.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e 7.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, impor ao arguido:
a)-a proibição de se aproximar e permanecer na área da residência da ofendida BB.
b)-bem como a proibição de o arguido contactar com a ofendida por qualquer meio, devendo o cumprimento das medidas elencadas ser eventualmente sujeito a vigilância eletrónica.»

Inconformado com tal despacho, recorreu dele o digno magistrado do Ministério Publico, formulando as seguintes Conclusões:
«3.– CONCLUSÕES
3.1.–Nos presentes autos o arguido o AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, nos termos do artigo 141.º do Código do Processo Penal, no dia ... de ... de 2023.
3.2.–Após a tomada de declarações ao arguido, o Ministério Público promoveu a aplicação das medidas de coação de proibição de contactos com a vítima e prisão preventiva.
3.3.–A Mma. Juiz de Instrução Criminal decidiu que o arguido ficaria apenas sujeito às seguintes medidas de coação, para além do Termo de Identidade e Residência:
3.3.1.-proibição de se aproximar e permanecer na área da residência da ofendida BB;
3.3.2.-proibição de o arguido contactar com a ofendida por qualquer meio, devendo o cumprimento das medidas elencadas ser eventualmente sujeito a vigilância eletrónica.

3.4.O Ministério Público não se conforma com a decisão judicial proferida pelo que recorre da mesma.
3.5.O Recorrente discorda da adequação e suficiência das medidas de coação a que o arguido ficou sujeito, face ao elevado risco de continuação da atividade criminosa e ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas que se faz sentir de forma muito intensa.
3.6.O arguido, aquando da sua detenção, na via pública, não se inibiu de se insurgir contra os militares da GNR, tendo-os agredido e dificultado a retirada do local.
3.7.Acresce que, quando interrogado sobre tais fatos, o arguido não demonstrou qualquer arrependimento ou um juízo de condenação sobre o seu comportamento, antes pelo contrário, disse que pensou que os militares eram pessoas que ali estavam a mando da vítima para lhe fazerem mal! Versão que não mereceu a menor credibilidade.
3.8.Assim, as medidas de coação aplicadas ao arguido não acautelaram minimamente o supramencionado perigo, antes pelo contrário, pois transmitem à comunidade que este tipo de comportamento é aceitável, gerando assim um enorme sentimento de insegurança na comunidade.
3.9. No que respeita ao perigo de continuação da atividade criminosa, importa ter presente que o arguido não se conforma com o fim do relacionamento continuando a importunar a vítima e, após a sua detenção, o arguido ainda se mostrou mais agressivo, tendo repetido várias vezes que quando fosse libertado iria matá-la.
3.10.Perante o exposto, cremos que a decisão recorrida é, no mínimo, temerária, na medida em que o conjunto de medidas de coação aplicadas ao arguido não tem a virtualidade de acautelar o forte perigo de continuação da atividade criminosa, bastando apenas uma violação da medida por poucos minutos para que o arguido consiga, novamente, agredir a ofendida ou mesmo tirar-lhe a vida, sendo que a acontecer uma situação destas, nunca as autoridades, por mais céleres e diligentes que sejam, chegarão ao local a tempo de evitar o confronto.
3.11.Nesta conformidade, considera o Recorrente que as medidas de coação aplicadas ao arguido não são suficientes, adequadas e proporcionais às necessidades cautelares que, no caso concreto, importa prevenir, e violam o disposto no artigo 202º, n.º 1, b), e artigo 204º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
3.12.Pelo exposto, deverá o presente Recurso merecer provimento e considera-se que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 202º, n.º 1, alínea b), e 204º, alínea e), todos do Código de Processo Penal, e, em consequência, determinar-se a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva.»
Neste Tribunal da Relação emitiu parecer o Digno Procurador Geral Adjunto o qual, aderindo à posição do recorrente e seus fundamentos, pugnou pela procedência do recurso, com a substituição das medidas de coação aplicadas ao arguido pela medida de prisão preventiva, única que acautela as finalidades da punição no caso concreto.
Cumprido o preceituado no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.

Fundamentação

Âmbito do recurso e questões a decidir.
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
No caso, as conclusões recursórias convocam, no essencial, uma única questão:
A de determinar se as medidas de coação aplicadas ao arguido CC no seu 1º Interrogatório Judicial de arguido detido ocorrido em ...-...-2023, acautelam o perigo de continuação da actividade criminosa e da perturbação do inquérito e ordem pública, ou se estes só se mostram satisfeitos com a aplicação da medida de coação mais gravosa, a de prisão preventiva pugnada pelo recorrente.
Para a decisão do recurso, importa atentar nos factos que à data do 1º interrogatório judicial de arguido detido, a ... de ... de 2023, estavam indiciariamente apurados, e pelos quais o arguido veio posteriormente a ser acusado, e que integram a prática de:
- Um crime de violência doméstica. previsto e punido pelo art. 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal;
- Um crime de resistência e coação sobre funcionário. previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1, do Código Penal; e
- Três crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelo art. 153º , n.º 1 e art. 155.º, n.º 1,alínea c), conjugado com o art. 132º, n.º 2 alínea j), todos do Código Penal.
« Factos imputados:
l.-O arguido AA e a BB iniciaram uma relação de namoro em ... de ... de 2020.
2.-No decurso do relacionamento, o arguido demonstrou ser ciumento e controlador.
3.-Entre o final de ... e o dia ... de ... de 2022, em data não concretamente apurada, o arguido retirou os telemóveis à BB, contra a vontade dela e consultou os seus conteúdos.
4.-A BB terminou o relacionamento com o arguido a ... de ... de 2022.
5.-O arguido não se conformou com o fim do relacionamento.
6.-Desde o fim do relacionamento, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, mas com frequência quase diária, o arguido telefonou à BB dezenas de vezes.
7.-Entre ... e ..., a BB bloqueou vários contactos telefónicos do arguido.
8.-Perante estes bloqueios, o arguido adquiriu novos cartões SlM e continuou a atuar da forma descrita e começou também a enviar e-mails para a conta de e-mail da vítima.
9.-No dia ... de ... de 2023, pelas 10h09, o arguido enviou um e-mail à BB com o seguinte conteúdo e com uma fotografia de uma pistola e duas munições: i. "Eu não vou viver uma vida que eu não quero nem me irei estar a sentir mais um merdas. Vou por fim a tudo BB. Fim ao amor fim a oficina fim a dívidas fim a tudo. Não aguento mais esta merda. Não aguento mais esta minha instabilidade por andar atrás de quem não me quer.".
10.-No dia ... de ... de 2023, por volta da meia noite, a BB foi ao ...", em ..., onde o arguido também se encontrava.
11.-Cerca das 02h00, a BB saiu do referido bar e dirigiu-se ao seu veículo, junto do qual estava o arguido.
12.-De imediato, o arguido começou a falar alto a dizer "ela é a minha desgraça, ela põe-me maluco eu tenho alguém superior a ela", enquanto desferia pancadas no vidro da porta do condutor.
13.-O arguido só parou com este comportamento, porque o dono do bar apareceu e levou o arguido consigo.
14.-Nesse mesmo dia, cerca das 04h00, o arguido dirigiu-se à residência da BB, sita no ..., e ficou ali a fazer sinais de luzes durante cerca de 10 minutos.
15.-No início de ..., em dia não concretamente apurado mas antes da Páscoa, o denunciado telefonou à BB e disse-lhe "eu vou para a tua porta, vou para ao pé de ti e do teu namorado, vou apertar o pescoço do teu namorado.".
16.-No dia ... de ... de 2023, o arguido ligou para a BB de um cartão pré-pago e ela desligou a chamada.
17.-De imediato, o arguido enviou-lhe duas chamadas de voz com o seguinte conteúdo:
1.- ''foda-se BB, nunca pensei isto de li. Porque agora à pala desse filho da puta porque só me tiras é do sério, tu é que me fizeste passar da cabeça. porque sempre me tiraste do sério, porque eu tinha sempre que fazer tudo o que a menina queria. Para chegar a um momento para o outro e me dares um pontapé no cu, para ficares com uma merda qualquer de um gajo. Só me estás a fazer passar mesmo do melão. Fazeres-me ganhar cisma desse filho da puta. A minha vontade é procurar-vos sempre todos os dias.
Meteste-me os cornos e agora é assim, Tas se bem BB, sabes que mais, obrigadinha por tudo, fizeste para aparecer na minha vida, para me deixares uma merda e desacreditar em alguém e sentimento algum das pessoas. À tua pala não consigo acreditar em sentimento nenhum é à tua pala. Tanta promessa de amor, tanta promessa de amor nos primeiros meses, os teus créditos foram todos esgotados, logo nos primeiros meses, porque não tiveste mais créditos, gostas é de ver as pessoas atrás de ti a correr, a comer na tua mão, xau espero que a vida se encarregue de ti.";
2.-"às nove horas e cinquenta e seis minutos, tu e esse gajo não valem a ponta de um corno, não valem merda nenhuma, que nem capaz de me enfrentar foram, a melhor coisa foi fazer queixa à Policia, foder a vida ao AA para tu poder andar ai a levar na cona à força toda, para tu me poderes foder, vir aqui a minha casa, foder tudo BB estás-me a tirar tanto do sério, tás-me a tirar do sério, porque tu estás me a ignorar e não sabes o que é que eu estou a precisar, estás-me a tirar do sério quando eu aparecer na tua porta, vais ficar fodida comigo, tu e toda a gente, matou estou-me a cagar, sabes perfeitamente que eu estou-me a cagar para a Policia, estou-me a cagar para tudo, eu tenho-me andado a controlar, tens coisas minhas ainda, não me faças ir atrás das minhas coisas, esse cagão que seja homenzinho e seja ele a enfrentar-me, esse é um cagão, um ressaca, tem mesmo cara de carocha, esse filho da puta, quando lhe meter as mãos, vou-lhe torcer o pescoço, tou-te mesmo esses dentes vou-lhe arrancar um a um, vou meter os dentes dele na tua mão."
18.Desde o termo do relacionamento, o arguido já enviou à BB mais de 500 e-mails.
19.O arguido é consumidor de produtos estupefacientes.
20. Com o comportamento do arguido, a BB sente-se perseguida, com medo, inquieta e limitada na sua liberdade, com receio do que o arguido possa fazer a si e aos seus filhos.
21.No dia ... de ... de 2023, pelas 09h00, os militares da ..., DD e EE dirigiram-se à habitação do arguido, sita na ..., para procederem ao cumprimento dos mandados de busca domiciliária e mandados de detenção fora de flagrante delito.
22.Os militares da GNR aguardaram que o arguido saísse da habitação para o abordarem.
23.Pelas 10h00, o arguido saiu da sua habitação e, de imediato, foi abordado pelos militares da GNR, que se identificaram exibindo a carteira profissional, e informaram-no que ele seria detido, tendo-lhe sido exibido o mandado de detenção.
24.O arguido, insurgindo-se contra os militares da GNR, disse "eu não vou a lado nenhum, vocês não me vão conseguir tirar daqui a bem", ao mesmo tempo que tentou encetar fuga do local para evitar a detenção.
25.De imediato, os militares da GNR deram voz de detenção ao arguido e agarraram-no.
26.O arguido, ainda assim, tentou fugir do local e começou a esbracejar e a empurrar os militares da GNR.
27.Perante o comportamento do arguido, os militares da GNR projetaram-no ao solo para procederem à sua algemagem.
28.O arguido, mesmo no chão, continuou a resistir para evitar ser algemado e detido, esbracejando e tentando pontapear os militares da GNR, ao mesmo tempo que gritava para que os vizinhos o ajudassem.
29.Os militares da GNR conseguiram algemar o arguido e colocá-lo no interior da viatura da GNR.
30.No interior da viatura da GNR, o arguido desferiu pontapés e tentou bater com a cabeça na porta traseira da viatura.
31.A dado momento, o arguido conseguiu alcançar com os pés o manípulo da caixa de velocidades e o travão de mão e impediu que que o condutor colocasse as mudanças para sair do local.
32.Nesse momento, vários vizinhos e familiares do arguido começaram a aproximar-se da viatura da GNR e tentaram parar o veículo, ao mesmo tempo que abriram as portas do lado direito do veículo.
33.O militar da GNR que estava a conduzir o veículo teve de realizar uma manobra evasiva para fugir do local e colocar todos os militares em segurança.
34.Durante o trajeto desde a FF até Lisboa, o arguido, apesar de algemado, tentou abrir a porta e sair da viatura, ao mesmo tempo gritava que "os opc 's mano a mano não eram nada, se os apanhasse fora dali que os partia todos".
35.Durante o trajeto, o arguido dirigiu-se ao militar GG e disse que "tinha fixado a sua cara e quando o apanhasse o partia todo".
36.Depois, o arguido disse várias vezes "eu quando sair daqui, vou ter com a BB e mato-a, eu vou matar aquela puta, agora é que eu o faço, e àquele homem das cavernas (referindo-se ao atual namorado da ofendida) arranco-lhe os dentes da boca e vou-os entregar nas mãos da BB e depois mato-a".
37.Após a detenção do arguido, a BB recebeu várias mensagens e telefonemas de familiares e amigos do arguido, a pressionarem-na e a intimidarem-na para retirar a queixa.
38.Com a prática das condutas descritas, deu causa o arguido, de modo direto e necessário, a que a vítima BB se sentisse num constante estado de ansiedade, medo e tristeza, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar em relação a si, nomeadamente que ofendesse a sua integridade fisica, a humilhasse, a intimidasse ou mesmo a matasse.
39.Ao atuar da forma descrita para com a ofendida, sabendo que ela era sua ex-namorada, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da mesma, de afetar a sua liberdade de decisão, de a humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu, ao atuar da forma acima descrita, bem sabendo que tinha para com ela um especial dever de respeito e de a tratar com dignidade.
40.O arguido sabia que ..., DD e EE eram militares da GNR.
41.O arguido também sabia que ao atuar da forma que atuou, empurrando os militares, esbracejando e tentando pontapeá-los, desencadeava uma oposição ao exercício das funções dos militares da GNR, com a intenção de os impedir de praticar um ato legítimo relativo ao exercício das suas funções, que era a sua detenção.
42.Ao proferir tais expressões durante o trajeto, o arguido pretendeu e conseguiu criar nos destinatários das mesmas um fundado receio que ele viesse a concretizar tais intentos, levando-os a temer pela sua integridade fisica.
43.O arguido sabia que estava a proferir tais expressões para militares da GNR que estavam no exercício das suas funções e foi por causa dessa sua qualidade que o arguido proferiu as referidas expressões.
44.O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tinha capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento.»
É do seguinte teor o despacho recorrido:
«(…) No caso concreto, o arguido demonstrou que não se conforma com o fim da relação, tendo mantido a conduta de tentar insistentemente contactos com à ofendida mesmo após a mesma ter bloqueado, por diversas vezes, os números através dos quais o arguido ia realizando estes contactos. O arguido persistiu na sua conduta obtendo outras formas de contactar, através de email e outros cartões de telemóvel o que demonstra uma forte persistência na conduta do arguido razão pela qual, atento o tipo de crime, demonstra fortemente o perigo de continuação da atividade criminosa. Sendo certo que a circunstância de o arguido ser consumidor de produto estupefaciente torna o seu comportamento muito mais impulsivo tornando ainda mais forte o perigo de continuação da atividade criminosa (artigo 204.º, al. e) do Código de Processo Penal).
Perante tal factualidade, verifica-se ainda o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, uma vez que, parte da população local pôde constatar a resistência do arguido perante a autoridade do Estado, ficando como tal necessariamente afetada, desde logo, a ordem pública (artigo 204º, ai. c) do Código de Processo Penal).
Não olvidar que estes tipos de condutas geram, em concreto, uma forte e grave perturbação da ordem e tranquilidade pública, tendo uma notória repercussão social, bem patente na exposição pública que este tipo de crimes merece nos órgãos de comunicação social, considerando a gravidade e a panóplia de crimes indiciariamente praticados contra as forças policiais no exercício de funções.
Todas estas circunstâncias implicam que se conclua pela existência de um perigo de perturbação grave de perturbação e de ordem pública, pois a reiteração deste tipo de crimes, muitas vezes, sem a punição necessária, até com permissividade, quando envolvem, como vítimas, agentes de autoridade, no exercício de funções - sem as excederem ou usurparem -, que intervêm para manter a ordem pública, e são vexados e agredidos, levam ao descrédito completo, a uma desarmonia social e a uma quebra da paz social por parte dos cidadãos, que importa contrariar - cfr. artigo 204° n.º 1 al. e) do Cód. Processo Penal.
Para acautelar tais riscos, não se mostra adequado o termo de identidade e residência.
Tendo em conta os factos em causa, que o arguido não possui antecedentes criminais por crimes desta natureza e que se encontra socialmente inserido, o Tribunal entende que o afastamento dos identificados perigos poderá previsivelmente alcançar-se através de medida não privativa da liberdade.
Assim, afigura-se adequada e proporcional a aplicação da medida de proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e da sua residência que deverá ser garantida através dos meios de fiscalização eletrónica.
As sobreditas medidas tenderão a manter afastado da vítima o catalisador dos comportamentos do arguido. A sujeição a vigilância permitirá, por um lado, que o arguido seja recordado de que as suas condutas são controladas e, por outro, que a vítima possa reagir à aproximação do arguido revelando-se, destarte, imprescindível para a sua proteção.
A conjugação de todas estas medidas, crê-se, será bastante para afastar o arguido da vontade de prosseguir na prática do crime e proteger a vítima.
Em face do exposto, decido, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 200º, n.º 1, d) e 204.º, alíneas b) do Código de Processo Penal, 31.º, n.º 1, d), 35.º e 36.º Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e 7.º da Lei nº 33/2010, de 2 de Setembro, impor ao arguido:
a)-a proibição de se aproximar e permanecer na área da residência da ofendida BB.
b)-bem como a proibição de o arguido contactar com a ofendida por qualquer meio, devendo o cumprimento das medidas elencadas ser eventualmente sujeito a vigilância eletrónica.»
Mais resulta provado da certidão junta aos autos, com relevo, que o arguido foi submetido a novo interrogatório judicial a ...-...-2023, vindo a final a serem mantidas as mesmas medidas de coação que lhe foram aplicadas a ...-...-2023.
E ainda:
Em ...-...-2023 o Ministério Público deduziu acusação pública contra o arguido pelos mesmos factos que lhe imputou indiciariamente a ...-...-2023, concluindo a final, quanto às medidas de coação:
«Medidas de Coação:
O arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial a ... de ... de 2023 tendo, nessa data, ficado sujeito às medidas de coação de:
-Proibição de contactar com a vítima BB;
-Proibição de permanecer e se aproximar da residência e local de trabalho da vítima.
Ora, decorre dos autos que para além de se manterem os mesmos pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coação a que o arguido se encontra sujeito, os mesmos resultam reforçados com a acusação agora deduzida, sendo certo que o prazo máximo de duração das referidas medidas de coação não se mostra ainda excedido.
Pelo que, por ora, o arguido deverá permanecer sujeito a tais medidas de coação.»

Apreciando o objecto do recurso: Aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido-
A liberdade é um direito fundamental que tem assento constitucional no art.º 27.º da nossa Lei Fundamental, em cujo nº 2 se consagra que «ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança», prevendo-se no seu n.º 3, entre outras exceções a tal princípio, a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, por aplicação da prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. (cfr. Igualmente o art. 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 9.º do Pacto Internacional para a proteção dos direitos civis e políticos).
E, nos termos previstos no art.º 18.º, n.º 2 da mesma Lei Fundamental, «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.»
Prescreve-se também no art.º 28.º, n.º 2, da C.R.P. que «a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.»
As medidas de coacção estão assim sujeitas ao princípio da legalidade que impõe, na formulação constante no nº 1 do art.º 191.º do C.P.P., que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.

Tais medidas encontram-se ainda sujeitas aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos previstos no art.º 193.º do C.P.P., no qual se determina:
«1-As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
2-A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3-Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
4-A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.»

Assim, a prisão preventiva, bem como a obrigação de permanência na habitação, só podem ser aplicadas quando todas as demais medidas de coacção se revelarem inadequadas ou insuficientes para prevenir as exigências cautelares que, em concreto, se verificarem, nos termos constantes no n.º 2 do mencionado art.º 193.º do C.P.P., dispositivo legal que dá resposta ao princípio constitucional vertido no referido art.º 28.º da Constituição da República Portuguesa que consagra a natureza excepcional da prisão preventiva.

Para além dos referidos princípios, há ainda que atentar nos requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção que não o TIR, vertidos no art.º 204.º do mesmo C.P.P., nos termos do qual:
«Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a)-Fuga ou perigo de fuga;
b)-Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)-Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas».

A aplicação da medida de coacção de prisão preventiva está ainda sujeita aos pressupostos previstos no art.º 202.º do C.P.P.:
«1Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d)-Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e)-Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
f)-Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.»

Em face do regime legal assim contextualizado, para que se mostre possível a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva necessário é que, para além de um dos pressupostos constantes do referido art.º 202.º do C.P.P., se verifique também, e pelo menos, um dos requisitos descritos no citado art.º 204.º do mesmo C.P.P., ou seja, um dos perigos nele identificados.

No caso concreto dos autos, a medida de prisão preventiva é legalmente admissível uma vez que o crime de violência doméstica (punível com pena de prisão de limite máximo de 5 anos) integra o conceito de “criminalidade violenta” contida na alínea j) do artº 1º do C.P.P , cabendo assim na previsão da alínea b) do nº 1 do artº 202º do C.P.P com referência ao artº 1º al j) do mesmo diploma legal.

Mostra-se igualmente verificado um dos pressupostos previstos no art. 204º do CPP, em concreto o «perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas» - alínea c.

Aliás, nesta matéria, é de salientar que quer o Ministério Publico recorrente quer o Tribunal «a quo» são manifestamente concordantes quanto à existência de um forte perigo de continuação da atividade criminosa relativamente ao crime de violência doméstica, bem como quanto a existir perturbação grave da ordem e tranquilidade pública «uma vez que parte da população local pôde constatar a resistência do arguido perante a autoridade do Estado, ficando como tal necessariamente afetada, desde logo, a ordem pública (artigo 204º, al. c) do Código de Processo Penal).» (v.g. o despacho recorrido)

Na verdade, a única divergência entre a posição do recorrente e o despacho recorrido centra-se no facto de o Tribunal «a quo» ter entendido que o afastamento dos identificados perigos poderia previsivelmente, à data de ...-...-2023, alcançar-se através de medidas não privativas da liberdade, em concreto, com a aplicação da proibição do arguido se aproximar e permanecer na área da residência da ofendida , bem como a proibição de contactar com esta por qualquer meio, enquanto que o Ministério Publico pugna pela aplicação de prisão preventiva defendendo que apenas esta pode conter os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade pública.
Vejamos.
O disposto no citado art. 204º, n.º 1, al. c) do CPP diz-nos como aferir de tais perigos, os quais devem ser ponderados em razão:
-Da natureza do crime;
-Das circunstâncias do crime; e
-Da personalidade do arguido.

Conforme pertinentemente salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2019, (Processo nº 207/18.4PDBRR.L1-3, relator João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt) « A medida de coação escolhida deverá manter uma relação direta com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, e a importância dos bens jurídicos atingidos.»

E ainda, da mesma Relação, acórdão de 7-02-2023, Processo nº 600/22.8XLSB, da relatora Carla Francisca (in www.dgsi.pt) «Assim, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, exige-se que, em cada fase do processo exista uma relação de idoneidade entre a medida de privação da liberdade individual aplicada, a gravidade do crime praticado e a natureza e medida da pena em que, previsivelmente, o arguido virá a ser condenado.
Tal gravidade deverá ser ponderada em função do modo de execução do crime, dos bens jurídicos violados, da culpabilidade do agente e, em geral, de todas as circunstâncias que devam ser consideradas em sede de determinação da medida concreta da pena.»

No caso concreto, relativamente ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido se mostrava indiciado a ...-...-2023, e pelo qual veio posteriormente a ser acusado, vejamos o modo e as circunstâncias da sua execução.
O arguido e a ofendida mantiveram uma relação de namoro durante dois anos e dez meses, de ...-...-2020 a ...-...-2022, data esta em que aquela pôs termo ao relacionamento.
O arguido não se conformou com o términus do relacionamento, e passou a telefonar, quase diariamente, dezenas de vezes à ofendida, e mesmo quando esta lhe bloqueou vários contactos telefónicos, aquele adquiriu novos cartões “SIM” e continuou a telefonar-lhe. Passou também a enviar-lhe inúmeros email’s para o seu endereço electrónico, designadamente a ...-...-2023, acompanhado de uma fotografia de uma pistola e duas munições, com o seguinte conteúdo:
"Eu não vou viver uma vida que eu não quero nem me irei estar a sentir mais um merdas. Vou por fim a tudo BB. Fim ao amor fim a oficina fim a dívidas fim a tudo. Não aguento mais esta merda. Não aguento mais esta minha instabilidade por andar atrás de quem não me quer.".

No dia ...-...-2023, após terem estado ambos no mesmo Bar, o arguido esperou pela ofendida junto do veículo automóvel da mesma, após o que desferiu várias pancadas no vidro da porta do condutor, só tendo parado com a intervenção do dono do “Bar”. Após, dirigiu-se à residência da ofendida, e esteve cerca de dez minutos a fazer sinais de luzes com o seu veículo.
Também no início de ..., em dia não concretamente apurado mas antes da Páscoa, o denunciado telefonou à ofendida e disse-lhe "eu vou para a tua porta, vou para ao pé de ti e do teu namorado, vou apertar o pescoço do teu namorado.".
No dia ...-...-2023 o arguido ligou para a ofendida de um cartão pré-pago e como ela tenha desligado a chamada, enviou-lhe duas chamadas de voz com o seguinte conteúdo:
''foda-se BB, nunca pensei isto de li. Porque agora à pala desse filho da puta porque só me tiras é do sério, tu é que me fizeste passar da cabeça. porque sempre me tiraste do sério, porque eu tinha sempre que fazer tudo o que a menina queria. Para chegar a um momento para o outro e me dares um pontapé no cu, para ficares com uma merda qualquer de um gajo. Só me estás a fazer passar mesmo do melão. Fazeres-me ganhar cisma desse filho da puta. A minha vontade é procurar-vos sempre todos os dias.
Meteste-me os cornos e agora é assim, Tas se bem BB, sabes que mais, obrigadinha por tudo, fizeste para aparecer na minha vida, para me deixares uma merda e desacreditar em alguém e sentimento algum das pessoas. À tua pala não consigo acreditar em sentimento nenhum é à tua pala. Tanta promessa de amor, tanta promessa de amor nos primeiros meses, os teus créditos foram todos esgotados, logo nos primeiros meses, porque não tiveste mais créditos, gostas é de ver as pessoas atrás de ti a correr, a comer na tua mão, xau espero que a vida se encarregue de ti.";
"às nove horas e cinquenta e seis minutos, tu e esse gajo não valem a ponta de um corno, não valem merda nenhuma, que nem capaz de me enfrentar foram, a melhor coisa foi fazer queixa à Policia, foder a vida ao AA para tu poder andar ai a levar na cona à força toda, para tu me poderes foder, vir aqui a minha casa, foder tudo BB estás-me a tirar tanto do sério, tás-me a tirar do sério, porque tu estás me a ignorar e não sabes o que é que eu estou a precisar, estás-me a tirar do sério quando eu aparecer na tua porta, vais ficar fodida comigo, tu e toda a gente, matou estou-me a cagar, sabes perfeitamente que eu estou-me a cagar para a Policia, estou-me a cagar para tudo, eu tenho-me andado a controlar, tens coisas minhas ainda, não me faças ir atrás das minhas coisas, esse cagão que seja homenzinho e seja ele a enfrentar-me, esse é um cagão, um ressaca, tem mesmo cara de carocha, esse filho da puta, quando lhe meter as mãos, vou-lhe torcer o pescoço, tou-te mesmo esses dentes vou-lhe arrancar um a um, vou meter os dentes dele na tua mão."

Desde o termo do relacionamento o arguido já enviou à ofendida mais de 500 e-mails, sentindo-se esta perseguida, com medo, inquieta e limitada na sua liberdade, com receio do que o arguido possa fazer a si e aos seus filhos, sendo certo que aquele é consumidor de produtos estupefacientes.
São estes os factos imputados ao arguido para o preenchimento do crime de violência doméstica, os quais, comparativamente com a generalidade dos actos de execução deste tipo de crime, (que passam as mais das vezes por agressões físicas violentas à vitima perpetradas durante anos e anos, colocando-a tantas vezes em perigo de vida, uso de armas, limitação da liberdade ambulatória, coacção psicológica, entre tantos outros) afiguram-se graves por lesivos de direitos de personalidade relevantes, mas não tão graves ou de tão especial gravidade, que mereçam a aplicação da medida de coação excecional e subsidiária de prisão preventiva.

Relativamente aos crimes de resistência e coação sobre funcionário (previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1, do Código Penal) e de ameaça agravada (p.p. pelo art. 153º, n.º 1 e art. 155.º, n.º 1alínea c), conjugado com o art. 132º, n.º 2 alínea j), do CP) pelos quais o arguido se mostrava indiciado, verifica-se que se reportam a uma actuação única do arguido, no dia ...-...-2023, quando três agentes da GNR se deslocaram à residência daquele para cumprimento de mandados de detenção e busca domiciliária.
Neste contexto, o arguido tentou fugir obstando à sua detenção, esbracejou e empurrou os agentes da GNR, tentou dar-lhes pontapés, gritou por ajuda aos seus vizinhos, e mesmo no interior da viatura da GNR continuou a dar pontapés, chegou com os pés ao travão de mão e mudanças impedindo o arranque do veiculo, tentou abrir a porta e sair, e dirigiu-se aos agentes dizendo-lhes que «fora dali os partia todos, que iria ter com a ofendida e a matava bem como ao namorado, tirando os dentes a este.»

Tratam-se de ilícitos criminais graves, como salientado no despacho recorrido onde se pode ler « Perante tal factualidade, verifica-se ainda o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, uma vez que parte da população local pôde constatar a resistência do arguido perante a autoridade do Estado, ficando como tal necessariamente afetada, desde logo, a ordem pública (artigo 204º, al. c) do Código de Processo Penal).
Não olvidar que estes tipos de condutas geram, em concreto, uma forte e grave perturbação da ordem e tranquilidade pública, tendo uma notória repercussão social, bem patente na exposição pública que este tipo de crimes merece nos órgãos de comunicação social, considerando a gravidade e a panóplia de crimes indiciariamente praticados contra as forças policiais no exercício de funções.»

Todavia, o grau de gravidade que o caso concreto reveste não se nos afigura requerer a aplicação da medida de coação mais gravosa, a de privação da liberdade – prisão preventiva -, tanto mais que o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública, enquanto requisito essencial para aplicação desta medida coactiva, há-de resultar de factos concretos capazes de mostrar que o arguido em liberdade pode continuar a causar danos à ordem e tranquilidade da sociedade em geral, o que salvo melhor opinião, não se verifica no caso concreto.

Perfilhamos, assim, o mesmo entendimento sufragado pelo Tribunal «a quo» no despacho recorrido de que «Tendo em conta os factos em causa, que o arguido não possui antecedentes criminais por crimes desta natureza e que se encontra socialmente inserido, o Tribunal entende que o afastamento dos identificados perigos poderá previsivelmente alcançar-se através de medida não privativa da liberdade.»

Na verdade, conforme assinalado no acórdão supracitado de 19/06/2019, «Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso (…). O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.»

Assim, atenta a natureza e gravidade dos factos, bem como o caracter excecional e subsidiário da prisão preventiva, entendemos que os perigos de continuação da actividade criminosa, e de perturbação grave da ordem e tranquilidade publicas se mostram devidamente assegurados com a aplicação das medidas de coação que o Tribunal «a quo» optou por aplicar ao arguido no despacho de ...-...-2023, a saber, a proibição de se aproximar e permanecer na área da residência da ofendida; bem como a proibição de o arguido contactar com esta por qualquer meio, devendo o cumprimento das medidas elencadas ser eventualmente sujeito a vigilância eletrónica.

Note-se que o próprio Recorrente, quando a ...-...-2023 deduziu acusação pública contra o arguido, pelos mesmos crimes e os mesmos factos que lhe imputou indiciariamente a ...-...-2023, concluiu quanto às medidas de coação que aquele deveria manter-se sujeito às medidas que lhe tinham sido aplicadas a ...-...-2023, e mantidas a ...-...-2023, ou seja, deveria aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a medidas de coação não privativas da liberdade, precisamente o contrário do que pugna no seu recurso ora em apreciação.

Nesta conformidade, atentos os princípios da legalidade, da necessidade, adequação e proporcionalidade e o disposto nos artgs 191º, nº 1; 192º, nºs 1 e 2; 193º, nºs 1 e 2; 195º; 202º, nº 1, als. a) e c); e 204º, al. c), todos do CPP, concluímos pelo acerto e justeza de tais medidas de coação, afigurando-se que a prisão preventiva, no caso, se revestiria de excessiva e desproporcional.

Assim, e sem necessidade de mais considerandos, é de concluir pela improcedência do recurso.

DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Publico, e consequentemente, manter as medidas de coacção supracitadas, por reporte à data de ...-...-2023.
Sem custas.


Lisboa, 11 de Janeiro de 2024


(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)


Paula Albuquerque
(Relatora)
Simone Almeida Pereira
(1º Adjunto)
José Castro
(2º Adjunto)