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CONTRATO-PROMESSA
OBJECTO
CESSÃO DE QUOTA
Sumário
I - Um contrato tem um objecto indeterminável tanto quando se sabe o que as partes quiseram, mas o que quiseram e indeterminável, como quando se não sabe o que as partes tiveram como objecto do contrato. II - Quando num contrato-promessa se diz que "é celebrado o seguinte contrato-promessa de cessão de quotas do estabelecimento sito ...", tem que se concluir que o objecto é a cessão de quotas de uma sociedade.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I -
B............... intentou a presente acção contra:
C.............. e mulher D............... e
E.............., todos melhor identificados a fls. 2;
Alegou, em síntese, que:
Celebrou um contrato-promessa de cessão de quotas, por escrito particular, tendo entregue aos réus – promitentes cedentes - a quantia de Esc. 1.500.000$00, a título de sinal e ainda 73 letras de câmbio, sendo o preço de Esc. 12.500.000$00;
Não resulta do mesmo contrato qual o objecto da promessa, antes resultando das suas cláusulas que se trata de um contrato-promessa de trespasse de estabelecimento comercial.
Do referido contrato resulta que não é possível descortinar qual a vontade real das partes ao celebrarem o dito contrato, não podendo valer como contrato-promessa de cessão de quotas porque não é possível descortinar que quota é cedida por quem, a quem e por que preço, não podendo valer como promessa de trespasse de estabelecimento comercial porque o mesmo não se encontra total e correctamente identificado no contrato, estando manifestamente em falta elementos essenciais do contrato, sendo certo que, nessa hipótese, seria a sociedade e não os réus quem outorgaria o mesmo contrato;
É, assim tal contrato nulo, nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil, por o respectivo objecto ser indeterminável;
Recaindo, por isso, sobre os RR a obrigação de lhe restituírem a quantia de Esc. 1.500.000$00, que lhes foi entregue a título de sinal, bem como as 73 letras de câmbio emitidas por ele que têm em seu poder.
Pediu, em conformidade, que:
a) Seja declarada a nulidade do contrato;
b) Sejam os RR condenados a pagarem-lhe 1.500.000$00, acrescidos de juros contados desde a data do recebimento e a entregarem-lhe as letras de câmbio.
Contestaram estes, sustentando, na parte que importa, que são partes ilegítimas por o contrato ter sido celebrado pela sociedade e não por eles e não ser este nulo por conter os elementos essenciais necessários.
Houve réplica e, no despacho saneador, foi considerada improcedente a arguição da ilegitimidade.
A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença que absolveu os RR dos pedidos.
II –
Desta decisão traz o A. a presente apelação.
Conclui as alegações do seguinte modo:
I. Em 03.4.2001, o A., ora Req.te, celebrou com os RR., ora Req.dos, um contrato sob a epígrafe de "Contrato Promessa de Cessão de Quotas".
II. Refere - se, no dito contrato, que o se trata de um "Contrato Promessa de cessão de quotas do estabelecimento comercial instalado no r/c do prédio urbano sito na Rua ..............., n°... - ............... - ...............".
III. Apesar disso, na clausula primeira do dito contrato pode ler - se que os Req.dos "são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas que gira sob a firma «F................., LDA»" e que "A sociedade não é titular de quaisquer bens imóveis, em causa cedência única a exclusiva só o Bufete".
IV. Do restante clausulado do dito contrato não resulta qual o objecto da promessa dos Req.dos., apenas o preço - de Esc. 12.500.000$00 - e a sua forma de pagamento (cf. clausula 2a), a que "esta cessão de quotas é feita com todos os moveis, utensílios, licenças, alvará e outros elementos que o integram, mas livre de qualquer passivo seja ele de que natureza for” (cf. clausula 3ª).
V. Como se infere da leitura do contrato e, em especial, das clausulas supra referidas, o mesmo não prevê qual o respectivo objecto.
VI. Apesar da epígrafe de "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", resulta, quer do considerando prévio à clausula primeira, quer, em especial, da clausula terceira, que as partes apuseram no contrato clausulas típicas de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial.
VII. O dito estabelecimento não está correctamente identificado, apenas resultando do clausulado que o mesmo é de "Bufete" (segundo parágrafo da clausula primeira) a que se encontra instalado no r/c do prédio urbano sito na Rua ............., n°... - .............. - ............... (considerando prévio a clausula primeira), mas não se prevê quaisquer outros elementos que permitam a sua cabal identificação, nomeadamente o senhorio do imóvel, a renda paga, etc.
VIII. A firma da referida sociedade, "F.............., Lda", nada tem a ver com a exploração de estabelecimentos comerciais de cafeteria ou "bufete".
IX. Atendendo ao princípio de que "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante" (art. 236°, n° 1 do Cód. Civil), conjugado com a regra de que "nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um: mínimo de correspondência “no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (art. 238°, n° 1 do Cód. Civil), não é, salvo melhor opinião, possível descortinar qual a vontade real das partes ao celebrarem o dito contrato a fazer a respectiva integração (cf. art. 239º do Cód. Civil).
X. O referido contrato não pode valer como contrato promessa de cessão de quotas porque: a) não é possível descortinar o prego de cada (quota) cedida - ou melhor; prometida ceder; b) refere - se, no considerando antes da clausula primeira que se trata de um "Contrato Promessa de cessão de quotas do estabelecimento comercial” e, na clausula sexta que "é feito com todos os moveis, licença alvará e outros elementos que o integram".
XI. As partes acrescentam ao contrato "sub judice" clausula típicas de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial a foram claras ao afirmar que o contrato se refere ao estabelecimento comercial.
XII. Também não pode valer como promessa de trespasse de estabelecimento comercial porque, desde logo, o mesmo não se encontra correcta e cabalmente identificado no contrato, não se encontrando também referido o respectivo senhorio, o montante de renda em vigor, etc.
XIII. Ao contrario do que se escreveu na douta sentença recorrida - que reconhece que o contrato não prima pela perfeição linguística e clareza - não é possível descortinar o significado do seu conteúdo.
XIV. Tão pouco, afirmar que «aquilo que as partes quiseram - vincular - se consistiu na celebração de uma cessão de quotas e não de um trespasse».
XV. Aliás, os próprios RR. na sua contestação excepcionaram a sua ilegitimidade passiva, dizendo, claramente (Art. 1°) que "o contrato promessa ... foi celebrado entre a sociedade comercial por quotas que gira sob a firma F.............., Lda" (Sic), sinal evidente que não eram os RR. quem cedia quaisquer quotas,
XVI. Ou quando muito, querendo parecer que era aquela sociedade, enquanto proprietária do tal estabelecimento de "bufete" do mal identificado no contrato, que prometia trespassar o mesmo!
XVII. Fica–se sem saber em que ficamos, atento até, repete-se, que o comportamento dos RR jamais consentiria a interpretação do contrato que lhe foi dada na sentença recorrida, já que estes se afirmam, peremptoriamente, parte ilegítima na própria acção.
XVIII. Nenhuma interpretação ou integração pode chegar a um resultado que não tenha o mínimo de apoio no texto do contrato "sub judice" (art. 238°, n° 1 do Cód. Civil).
XIX. O resultado interpretativo a que chegou o Meritíssimo Juiz "a quo" viola o disposto nos arts. 236° e 238°, n° 1 do Cód. Civil.
XX. O referido contrato é, como se disse, nos termos do art. 280°, n° 1 do Cód. Civil, NULO por indeterminabilidade do respectivo objecto que se invoca para os devidos efeitos (art. 286° do Cód. Civil), recaindo, em consequência, sobre os Req.dos a obrigação de restituir ao Req.te o que lhes foi entregue a titulo de sinal (Esc. 1.500.000$00), acrescido de juros a taxa legal, enquanto frutos civis do dinheiro recebido pelos RR, desde a data da sua entrega ate efectiva devolução ao A., bem como todas as 73 letras de cambio emitidas a entregues pelo Req.te que tem em sua posse (art. 289°, n° l do Cód. Civil).
Não houve contra-alegações.
III –
Ante as conclusões das alegações, importa tomar posição sobre se o contrato é nulo por indeterminabilidade do objecto.
IV –
Da 1ª Instância vem provado o seguinte:
1) Em 03/04/2001 o autor celebrou com os réus o contrato junto a fls. 8 e 9 dos autos (Alínea A) dos Factos Assentes);
2) O autor pagou aos réus Esc. 1.500.000$00 a título de sinal na data de assinatura do contrato-promessa (Alínea B) dos Factos Assentes);
3) O autor entregou aos réus setenta e três letras de câmbio, conservando os réus em sua posse os títulos (Alínea C) dos Factos Assentes).
Para melhor análise da questão, importa o teor do contrato, que, por isso aqui trazemos:
“CONTRATO PROMESSA DE CESSÃO DE QUOTAS
OUTORGANTES:
PRIMEIRO: E..............., solteiro, maior, B.I. n°......., emitido em 12/01/98 arquivo Lisboa, Contribuinte Fiscal n°........., natural de ............, residente na Rua ..........., n°.., .............. - ............. .
SEGUNDO: C..............., maior, B.I. n°......., emitido em 21/10/99 arquivo do Porto, Contribuinte Fiscal n°........., natural de ............... - ............, casado, adquiridos, com D..............., maior, B.I. n°......., emitido em 10/08/95 arquivo do Porto, Contribuinte Fiscal n°........., natural de .............. - ............., residentes na Rua ............., n°.., ............ .
TERCEIRO: B................, casado, maior, B.I. n°......., emitido em 29/08/96 arquivo de Lisboa, Contribuinte Fiscal n°........., natural de .............. - ........., residente na Rua ............., n°..., ........... - ............... .
Entre o Primeiro, Segundo a Terceiro Outorgantes é livremente e de Boa-Fé celebrado e reciprocamente aceite o seguinte:
Contrato Promessa de Cessão de Quotas do estabelecimento comercial instalado no r/c do prédio urbano sito na Rua ..............., n°...- ............ - ............, a se regera pelas clausulas seguintes:
PRIMEIRA
O Primeiro a Segundo Outorgantes declaram que são os únicos sócios da Sociedade Comercial por Quotas que gira sob a firma "F................, Lda" com sede na Rua ............... n°..., freguesia de .............., concelho de .............., pessoa colectiva n°........., matriculada na .. Conservatória do Registo Comercial do ......... sob o n°46509 e com capital social de "Quatrocentos mil escudos", integralmente realizado em dinheiro dividido em duas quotas de "Duzentos mil escudos" cada uma delas pertencente a cada um dos sócios.
A Sociedade não é titular de quaisquer bens imóveis, em causa cedência única e exclusiva só o bufete.
SEGUNDA
O preço global convencionado é de "Doze milhões a quinhentos mil escudos" que serra pago da seguinte forma:
Como entrada a principio de pagamento receberam o Primeiro a Segundo Outorgantes a quantia de "Um milhão e quinhentos mil escudos" ao qual dão quitação.
A) A quantia de "Onze milhões de escudos" serra paga em "73" prestações mensais a sucessivas tituladas por igual n° de letras de cambio do aceite, sendo "72" do valor de "Cento e cinquenta mil escudos" e a "73°" do valor de "Duzentos mil escudos". A 1ª letra vence dia 05/05/2001, seguindo-se cada uma das restantes em igual dia dos meses subsequentes ate integral pagamento do preço em divida não vencendo estas quaisquer juros ou encargos bancários.
B) No incumprimento da falta de pagamento de duas letras as outras serão vencidas.
C) Fica consignada uma clausula Penal no valor do sinal ora dado "Um milhão a quinhentos mil escudos" que serra pago pelos Outorgantes que faltarem ao aqui prometido.
TERCEIRA
Esta cessão de quotas é feito com todos os móveis, utensílios, licenças, alvará e outros elementos que o integram, mas livre de qualquer passivo seja ele de que natureza for.
QUARTA
A escritura de cessão de quotas efectivara uma reserva de titularidade das quotas ate integral pagamento a efectivo pagamento do prego, desde já autorizando que o cessionário realize transmissões de quotas, sendo contudo necessário que a transmissão lhes seja comunicada e a divida existente à data mantida mas reconhecida.
QUINTA
As despesas de escritura, averbamento de alvará e licenças serão a cargo do Terceiro Outorgante.
SEXTA
Ambos os Outorgantes declaram que prescindem do reconhecimento notarial das assinaturas, sendo que o presente contrato é válido até ser realizada a escritura.
A escritura de Cessão de Quotas serra realizada no mais curto espaço de tempo possível, e, após a resolução definitiva de acção judicial de incumprimento que os ora promitentes cedentes intentaram contra os anteriores promitentes cessionários incumpridores.
Este Contrato Promessa de Cessão de Quotas foi feito em duplicado, destinando-se o original ao Terceiro Outorgante, o qual depois de lido por todos os intervenientes a achado conforme vão de Boa-Fé assinar a rubricar.
..........., 03 de Abril de 2001”
Seguem-se as assinaturas do primeiro outorgante, do segundo e da esposa e, bem assim, do terceiro.
V –
Como acabamos de ver, a única questão que está em jogo é a de saber se o contrato está ferido de nulidade pelas razões invocadas.
Não se trata – nem poderia tratar, face aos limites impostos, logo à partida, pelos pedidos e pela causa de pedir – de interpretar o contrato, ou seja, de encontrar o sentido e alcance das respectivas estatuições. Só nos interessa aquilo que pode atingir a validade do acto.
V –
Neste modo de encarar as coisas, passa à margem da nossa problemática a questão de saber se nele se encerra uma cessão de quotas ou se um trespasse. O artº 406º do CC (Diploma a que pertencem também os artigos abaixo indicados) permite, salvo os limites legais, que:
As partes celebrem contratos diferentes dos previstos na lei, incluam neles as cláusulas que lhes aprouver e reunam no mesmo contrato dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
À questão da validade não interessa, pois, esta questão.
VI –
E ela não interessa ainda por outra razão.
É que, a dicotomia entre cessão de quotas e trespasse não está correcta. “O trespasse é, apenas, uma transmissão definitiva do estabelecimento. Quer isto dizer que o trespasse pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva” – prof. Menezes Cordeiro, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles.
VII –
A pretendida nulidade do contrato assentará, segundo o recorrente, na indeterminabilidade do objecto. Da redacção do texto não se poderia saber qual o objecto que os outorgantes tiveram em vista.
Na verdade, o artº 280º fere de nulidade o contrato cujo objecto seja indeterminável. [Não nos interessa aqui o artº400º, pelo que abstraímos do regime nele previsto]
Num possível entendimento desta ideia de indeterminabilidade poderia encarar-se apenas a indeterminabilidade atinente ao próprio objecto referenciado pelas partes. Saber-se-ia o que estas quiseram, mas o que quiseram é indeterminável.
Mas pode dar-se o caso de, apesar de todo o esforço interpretativo do teor do negócio jurídico, não se souber o que as partes tiveram como objecto do contrato. Seria, por exemplo, o caso de, tanto falarem numa coisa como noutra incompatível, reportando-se ao objecto.
Cremos que ainda aqui estamos perante um caso de indeterminabilidade (Assim, prof. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, ed. da AAFDL, II, 395 e prof. Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, III, 352).
É, pois, aqui que vamos situar o nosso raciocínio.
VIII –
A (péssima) redacção do contrato começa por referir que entre ... é celebrado o seguinte contrato-promessa de cessão de quotas do estabelecimento sito... .
Depois, alude-se, repetidamente, à cessão de quotas, à reserva da titularidade destas, e encerra-se novamente com a referência à cessão de quotas.
É sabido que a designação que as partes dão ao contrato ou a elementos jurídicos que encerra não são vinculativos. A última palavra caberá ao intérprete-jurista. Mas expressões há que entraram na gíria e são por isso bem reveladoras do que se quis e do que está na redacção encontrada.
Assim, dúvidas não nos ficam que o objecto do contrato-promessa se cifra na cessão das quotas da sociedade que nele se refere.
Está, logo por aqui, determinado o objecto.
IX -
É certo que ficou clausulado que a cessão é feita com todos os móveis, utensílios, licenças, alvará e outros elementos que integram o estabelecimento. E que este tipo de linguagem se usa, as mais das vezes, com referência a trespasse.
Mas, como já vimos, estamos no domínio da liberdade contratual e este acrescento não colide com a cessão. Integra-a ou complementa-a, concretizando ou ampliando o objecto. Não indetermina este.
X –
Mas, mesmo que colidisse, sempre haveria que atender a que há que distinguir a indeterminabilidade do objecto da incerteza sobre os contornos ou dimensão deste.
De outro modo, seriam nulos todos os contratos em que não se soubesse exactamente quanto se comprava e vendia e aí por diante. Não se poderia comprar, por exemplo, a produção de determinado pomar, etc.
XI –
Com a questão da indeterminabilidade do contrato não bole a posição, assumida pela defesa, que o contrato foi levado a cabo pela sociedade e não por eles, RR.
Trata-se duma questão de interpretação, nada tendo a ver com a validade do mesmo. É assunto que está fora da causa de pedir e do pedido.
XII –
E também não bole a não fixação de preço por cada quota. Estamos, outra vez, no domínio da autonomia da vontade, estando nas mãos das partes a fixação de preço por unidade ou global.
Bem andou, pois, o Sr. Juiz ao não considerar verificada a apontada nulidade.
XIII –
Nestes termos, nega-se provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 7 de Outubro de 2004
João Luís Marques Bernardo
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida