INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DIRETIVA COMUNITÁRIA
LEI APLICÁVEL
Sumário


I - A majoração prevista no artigo 7º do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial (5%) é calculada sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o montante disponível para a satisfação dos créditos, não incidindo sobre o seu montante, o que significa que incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.
II – Com efeito, na interpretação do nº 7 do artigo 23º do Estatuto de Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, não é possível desconsiderar o segmento “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, sem o que tal disposição não poderia ter qualquer sentido útil normativo.
III – Após a entrada em vigor da Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, o legislador não quis abandonar o critério normativo correspondente à expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, que já vinha aliás da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho.
IV - O legislador pretendeu fazer depender uma maior remuneração do administrador da insolvência de um maior grau de empenho na satisfação dos interesses dos credores.
V - Tal desiderato encontra-se em linha com a Directiva nº 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 20 de Junho de 2019 (que a Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, transpôs) ao enfatizar o apelo ao “propósito de eficiência”.
VI - Esta mesma interpretação do artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial, é essencialmente a que favorece os interesses dos créditos em harmonia com o que é estabelecido no artigo 1º do CIRE.

Texto Integral



Revista nº 345/17.0T8OLH-F.E1.S2

(Conferência que tem por base a reclamação apresentada pela recorrente contra a decisão liminar de conhecimento do objecto do recurso - decisão sumária - proferida ao abrigo do disposto nos artigos 656º e 679º do Código de Processo Civil).

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível).

Foi proferida a seguinte decisão liminar de conhecimento do objecto do recurso (decisão sumária) nos seguintes termos:

I - RELATÓRIO.

Por despacho proferido a 11 de Julho de 2023 foi fixada a remuneração variável ao administrador da insolvência, AA, com domicílio profissional na Rua ..., nos autos de Insolvência, a correrem termos no Juízo de Comércio de Olhão-Juiz ..., e relativos ao insolvente BB, decorrente da satisfação dos créditos em € 6.162,49 (seis mil e cento e sessenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos), acrescidos de IVA, à taxa de 23%.

Tal decisão foi fundamentada nos seguintes termos:

“Referência 11423262 e segs: importa apreciar o cálculo da remuneração variável. Veio o Senhor Administrador apresentar cálculo de remuneração variável nos termos do qual teria direito ao pagamento de Euros 69.464,87.

A Senhora Oficial de Justiça emitiu parecer no sentido de que a remuneração variável não foi calculada devidamente porquanto se não atendeu ao grau de satisfação dos credores.

Importa apreciar.

Atenta a data do encerramento da liquidação, veio o Senhor Administrador Judicial apresentar proposta de cálculo da sua remuneração variável feita à luz das novas regras introduzidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro.

Assim, dispõe atualmente o artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação conferida pela referida Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro:

4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:

a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;

b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. (…)

6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.

Considerando estes termos, no caso dos autos, temos que a receita global obtida atingiu o valor de € 594.871,02; as dívidas da massa atingiram o valor de € 12.159,76 e, retirando-se destas despesas as custas de processos judiciais pendentes na data da declaração de insolvência, obtém-se o valor líquido de € 4.089,76.

Nestes termos, a remuneração variável a que se refere o citado artigo 23.º, n.º 4, alínea b), terá o valor de 29.539,06 ((€ 594.871,02 - € 4.089,76) × 5%).

Ao montante apurado haverá que aplicar a majoração prevista no n.º 7 do citado artigo 23.º que tem a seguinte redação:

7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.

Ainda que as expressões utilizadas pelo legislador não tenham sido as mais esclarecedoras, o que está em causa, fundamentalmente, é a majoração e a dependência ‘do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’. Há quem entenda que este excerto da lei não teria efeito útil e, por via disso, a majoração deveria fazer-se através da simples adição ao valor já apurado, do produto do valor destinado à satisfação dos créditos reclamados e admitidos multiplicado por cinco pontos percentuais.

Considerando o teor literal do preceito, que faz expressa referência ao ‘grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’ e porquanto se entende que o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação de que a majoração da remuneração variável dependeria do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (veja-se a redação do n.º 5 do artigo 23.º, na redação original, que previa: ‘O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1’, entendo que não poderá desconsiderar-se a proporção dos créditos efetivamente satisfeito, face aos créditos reclamados e admitidos. No mesmo sentido, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de março de 2023 (processo n.º 1529/12.3TBPBL-J.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ e de 11 de outubro de 2022 (processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1), disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/, bem como do Tribunal da Relação de Évora de 2 de março de 2023 (processo n.º 2/11.1TBALR-G.E1), disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/ e de 29 de setembro de 2022 (processo n.º 260/14.0TBTVR.E1), disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/ e, por último, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18 de abril de 2023, processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, assim sumariado:

‘I - No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, com a redação dada pela Lei n.º 9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do artigo 23.º).

II - Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado duma operação aritmética prévia destinada a apurar o ‘grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’.

Pelo exposto, no caso concreto, considerando que a receita global obtida atingiu o valor de € 594.871,02; as dívidas da massa atingiram o valor de € 12.159,76 e que a remuneração prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º ascende a € 29.539,06, conclui-se que a quantia disponível para pagamento aos credores ascende a € 553.172,20 (€ 594.871,02 -€ 12.159,76 - € 29.539,06).

O grau de satisfação dos créditos reclamados corresponde a 22,2805%.

Assim, o valor da majoração a que se refere o n.º 7 do artigo 23.º corresponde a € 6.162,49.

A este valor acresce o IVA à taxa de 23%.

Assim, a remuneração variável a que o Sr. Administrador da Insolvência tem direito soma o total de € 35.701,55 acrescida de IVA à taxa de 23% (€ 8.211,36), correspondendo a € 43.912,90”.

O administrador da insolvência interpôs recurso de apelação do mencionado despacho.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Setembro de 2023 foi julgado improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Veio o administrador da insolvência interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

I. Inconformado com a douta decisão proferida em primeira instância, que fixara a majoração (prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ) da remuneração variável do Administrador Judicial em €6.162,49, interpôs o recorrente recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, pugnando pela revogação da citada decisão e sua substituição por outra que fixasse o valor de tal majoração em €27.658,61 (valores sem IVA).

II. Na génese do referido recurso, encontra-se uma divergência de posições quanto à interpretação do citado artigo 23.º, n.º 7 do EAJ: por um lado, entende o recorrente que a majoração da remuneração variável deve ser calculada aplicando a percentagem de 5% prevista naquela norma directamente ao montante dos créditos satisfeitos; em sentido diverso, entendeu o tribunal a quo calcular a majoração aplicando a taxa de 5% sobre uma outra percentagem (de 22,2805%), que corresponderia ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos.

III. Submetida a controvérsia à apreciação dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, sobreveio Acórdão, datado de 28 de Setembro de 2023, em que se decidiu julgar improcedente o recurso, subscrevendo-se a decisão proferida em primeira instância.

IV. Cotejando o acórdão ora recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10-01-2023, proferido no âmbito do processo n.º 3454/20.5T8STS-K, ora junto como doc. 1 (designadamente, os excertos transcritos nos artigos 3.º e 6.º da motivação do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos), sintetizam-se as seguintes posições:

V. O primeiro sufraga a tese de que, com a Lei n.º 9/2022, de 11/01, não teria o legislador pretendido romper com o modelo anterior de cálculo da majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, sustentado na Portaria 51/2005, de 20/01, razão pela qual decide aplicar a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ sobre o grau de satisfação dos créditos, expresso em percentagem;

VI. O segundo, em sentido diametralmente oposto, advoga que, se antes das alterações ao EAJ, operadas pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, se justificava o recurso à Portaria 51/2005, de 20/01 como critério do cálculo da remuneração, a partir daquele momento deixou de ter cabimento tal solução, uma vez que “a actual redação do art. 23º do EAJ, deixou de remeter o cálculo da remuneração para qualquer portaria, fornecendo a própria norma os critérios aplicáveis”. Conclui, assim, que, em total ruptura com o modelo anterior, a majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ deve ser calculada mediante a aplicação da percentagem de 5% directmente sobre o montante dos créditos satisfeitos. VII. Quanto aos requisitos legais do presente recurso de revista, resulta evidente o seu preenhcimento no caso vertente, em que manifestamente se acham em causa dois acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação e que decidem de forma divergente a mesma questão fundamental de direito (artigo 14.º, n.º 1 do CIRE).

VIII. Quanto à substância das posições em confronto, e salvo devido respeito por opinião diversa, é de eleger o entendimento propugnado no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (ora junto como doc. 1) como aquele que merece devido acolhimento, em face do regime consagrado pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 em matéria de cálculo da remuneração variável. Vejamos,

IX. A redacção do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração do administrador da insolvência corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.

X. Decorre directa e inequivocamente da citada norma que a taxa de 5% deve ser aplicada sobre um montante - “importância, soma, verba”-, isto é, sobre um valor nominal e não sobre uma percentagem.

XI. Em consonância com a posição ora propugnada, o Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Soveral Martins, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Parecer datado de 20/11/2022 (já junto pelo recorrente com o recurso interposto da decisão proferida em primeira instância), regista que “no âmbito do processo de insolvência de liquidação, a majoração a efectuar nos termos do art.º 23.º, 7, do EAJ deve ser calculada a partir do montante dos créditos satisfeitos, aplicando-se a esse montante a percentagem de 5%”.

XII. Esclarece o douto académico que “a referência a um «grau» de satisfação feita no n.º 7 do art.º 23.º do EAJ não significa que se tenha de efectuar uma primeira operação para reduzir o valor sobre o qual incidirá a percentagem de 5% ou uma primeira operação para reduzir o valor da percentagem a aplicar ao montante dos créditos satisfeitos. (…) O facto de o art. 23.º, 7 do EAJ estabelecer que a majoração é realizada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» não significa que, onde está escrito que a majoração tem lugar «em 5% do montante dos créditos satisfeitos», deva ler-se outra coisa.”

XIII. Na mesma esteira, CC, MM.º Juiz de Direito no ... Juízo de Comércio de ..., não apresenta quaisquer hesitações em asseverar que a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 EAJ deve ser directamente aplicada sobre o valor dos créditos satisfeitos, sequer cogitando a hipótese de aplicação sobre uma outra percentagem em termos análogos aos vertidos na decisão aqui em crise

XIV. No sentido de que a referida percentagem de 5% deve ser aplicada directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos, além do acórdão-fundamento, vide, a título exemplificativo:

-Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2023 – pcs 965/15.8AMT-E.P1; de 18/04/2023 – pcs 1024/10.5TYVNG-P1; de 28-02-2023 – pcs 1208/21.0T8AMT-E.P1; de 16-05-2023 – pcs 1892/19.5T8AVR.P1; com destaque, por especialmente hodierno, para o recentíssimo acórdão de 12/07/2023;

-Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-09-2022 - pcs 9849/14.6T8LSB-E; de 20-12-2022 - pcs 415/13.4TYLSB-E; de 20-12-2022 – pcs 22770/19.2T8LSB-F.

XV. Conforme registado, o acórdão ora recorrido, ao calcular a majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 EAJ através da aplicação da percentagem de 5% sobre uma outra percentagem, que corresponderia ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos, entrou em frontal contradição com o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora junto como doc. 1, em queaquela percentagem de5%éaplicadadirectamente sobreo montante dos créditos satisfeitos.

XVI. Verifica-se, por isso, uma manifesta contradição de julgados a que importa colocar termo, em nome da certeza e segurança jurídicas e, acima de tudo, da justiça do caso concreto para o aqui Recorrente.

Acresce que,

XVII. Ao aplicar um regime não previsto na lei, calculando a majoração consagrada no n.º 7 do art. 23.º do EAJ através da aplicação da percentagem de 5% sobre outra percentagem, o tribunal a quo como que criou uma nova norma – fora dos casos previstos no artigo 10º do C.C. -, arrogando-se um poder legislativo de que não dispõe e, assim, violando o princípio da separação de poderes previsto nos arts. 2º e 111º da CRP.

XVIII. Assim, a norma consagrada no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, quando interpretada e mobilizada no sentido propugnado pelo tribunal a quo, padece de inconstitucionalidade, que aqui se argui e que impõe ao julgador que se abstenha de aplicar a referida disposição na interpretação ora censurada.

POR TODO O EXPOSTO;

XIX. Deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, fazendo prevalecer a posição vertida no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora junto como doc. 1, determine, no caso sub judice, que o cálculo da majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ seja efectuado através da aplicação da taxa de 5% sobre o valor de € 553.172,20 (montante dos créditos satisfeitos), resultando numa majoração da remuneração variável do administrador da insolvência no valor de € 27.658,61 (valor sem IVA),

XX. O que, somado ao valor de €29.539,06 (sem IVA), a título de remuneração variável em função da liquidação da massa insolvente (artigo 23.º, n.º 4, al. b) EAJ), resulta num total de remuneração variável de € 57.197,67.

Respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Critério para o cálculo e fixação da remuneração variável do administrador da insolvência, nos termos do artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial.

Passemos à sua análise:

Afirmou-se no acórdão recorrido:

“Vejamos, então, a questão suscitada no recurso e que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem e que passa por saber se o Tribunal a quo apreciou bem a problemática do cálculo da remuneração variável devida ao Sr. Administrador da Insolvência, pelo trabalho desenvolvido nestes autos de Insolvência, rectius se a decisão recorrida da 1.ª instância foi bem ou mal feita, de acordo ou ao arrepio dos factos e normas legais que a deviam ter informado. É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas para facilidade de percepção da questão solvenda.

Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).

E passemos de imediato ao enquadramento legal da situação apresentada. Na previsão do artigo 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que aprova o Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ) – sucessivamente alterado até à Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro –, sob a epígrafe de ‘remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz’, “O administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de € 2.000,00” (n.º 1); “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6” (n.º 4, alínea b); “Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência” (n.º 6); “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles” (n.º 7); “A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a € 100.000,00” (n.º 10).

Mas podemos delimitar ainda mais o objecto do recurso, dizendo que – da remuneração global do sr. Administrador da Insolvência – não está em causa o valor da sua retribuição fixa prevista no referido n.º 1, nem sequer o da sua retribuição variável prevista nos mencionados n.os 4, alínea b) e 6 (já fixada em 29.539,06, mais IVA, e que não foi impugnada no recurso).

Apenas está agora em apreço a majoração daquela retribuição variável prevista no supra referido n.º 7, “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles” (que a douta decisão recorrida fixou em 6.162,49, mais IVA, e que o Recorrente ora pretende que seja fixada em 27.658,61, acrescida de IVA – uma diferença de € 21.496,12, portanto).

Para chegar a tais valores, a douta decisão recorrida concluiu que o grau de satisfação correspondia a uma percentagem que apurou e aplicou ao cálculo da majoração, como dela mesma consta nos seguintes termos: “Pelo exposto, no caso concreto, considerando que a receita global obtida atingiu o valor de € 594.871,02, as dívidas da massa atingiram o valor de € 12.159,76 e que a remuneração prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 23.º ascende a € 29.539,06, conclui-se que a quantia disponível para pagamento aos credores ascende a € 553.172,20 (€ 594.871,02 - € 12.159,76 - € 29.539,06). O grau de satisfação dos créditos reclamados corresponde a 22,2805%”.

O Apelante conclui que isso não tem que ser feito assim, não o exigindo a fórmula prevista no citado n.º 7 do preceito em causa: “5) Segundo o entendimento vertido no douto despacho recorrido, o cálculo da majoração prevista no supra citado artigo não se reconduz à aplicação da percentagem de 5% directamente ao montante dos créditos satisfeitos (…)”; “6) Porém, salvo o devido respeito, a redacção do 23.º, n.º 7, do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração do administrador da insolvência corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos”.

Então, quid juris?

Volvendo já ao caso sub judice, cremos que o douto despacho recorrido – acima transcrito na íntegra – julgou correctamente a questão que lhe havia sido colocada, levando em consideração aquilo que a lei prevê justamente na relação com o êxito na satisfação dos créditos – que é basicamente a bitola com que se afere a qualidade do trabalho desenvolvido pelo Administrador da Insolvência.

A lei refere, com efeito, no citado n.º 7, que o valor alcançado mercê das regras previstas nos números anteriores “é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, pelo que, ao contrário do que vem defendido pelo Apelante, este critério de majoração – que já vinha de trás, quando as retribuições eram remetidas para uma Tabela constante de Portaria – mantém-se na actual versão da norma que fixa os critérios dessa retribuição de uma forma autónoma, sem remeter para quaisquer Tabelas.

E, se se continua a manter na lei, é para continuar a ser usado.

Que foi o que se limitou a fazer a douta decisão ora impugnada.

Remetemos para o bem fundado do que veio a decidir-se no ainda recente douto acórdão desta Relação de Évora, datado de 29 de Setembro de 2022, no processo n.º 260/14.0TBTVR.E1, consultável na Base de Dados do ITIJ, e em que é Relator o aqui 2º Adjunto –, onde se enceta uma abordagem desenvolvida da matéria e se escreveu no respectivo sumário:

“1 – Em sede de remuneração variável, ao editar a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior em que a majoração da remuneração variável dependia igualmente do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.

2 – No cálculo da majoração importa equacionar o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.os 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a interligação entre créditos admitidos e satisfeitos”

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta decisão da 1ª instância que assim veio a optar, e improcedendo o presente recurso de Apelação”.

Concorda-se inteiramente com o acórdão recorrido pelas razões dele constantes.

A interpretação jurídica do disposto no artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial perfilhada no acórdão recorrido vai ao encontro da que tem sido uniformemente adoptada por esta 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, a quem foi deferida competência especializada em matéria de insolvência, em casos absolutamente similares,

Neste sentido, vide:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2023 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2023 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 453/11.1TBCDN-M.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2023 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 1892/19.5T8AVR-L.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2023 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 476/12.3TYLSB-K.L1.S1 (com intervenção como adjunto do ora relator), publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2023 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 1027/13.8TYVNG-K.P1.S1 (com intervenção como adjunto do ora relator), publicado in www.dgsi.pt.

As razões essenciais de decidir constantes dos referenciados arestos – e a que aderimos inteiramente - são resumidamente as seguintes:

- Na interpretação do nº 7 do artigo 23º do Estatuto de Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, não é possível desconsiderar o segmento “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, sem o que tal disposição não poderia ter qualquer sentido útil normativo.

- Com a entrada em vigor da Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, o legislador não quis abandonar o critério normativo correspondente à expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, que já vinha aliás da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho.

- O legislador pretendeu fazer depender uma maior remuneração do administrador da insolvência de um maior grau de empenho na satisfação dos interesses dos credores.

- Tal desiderato encontra-se em linha com a Directiva nº 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 20 de Junho de 2019 (que a Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, transpôs) ao enfatizar o apelo ao “propósito de eficiência”.

- Esta mesma interpretação do artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial, é essencialmente a que favorece os interesses dos créditos em harmonia com o que é estabelecido no artigo 1º do CIRE.

O acórdão recorrido acolhendo este mesmo critério calculou em conformidade a remuneração variável a atribuir ao ora recorrente, o que, pelos motivos indicados e de acordo com a jurisprudência firmada nesta 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, merece a nossa total concordância.

Refira-se, finalmente, que não tem o menor sentido a arguição do vício de inconstitucionalidade por parte do recorrente.

Tudo se resume e reconduz à operação de simples interpretação jurídica de uma determinada disposição legal, sem que tal signifique, de modo algum, a pretensa criação de uma nova norma alheia ao enquadramento jurídico que cumpre respeitar.

Nega-se, portanto, a revista, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos”.

Reclamou o recorrente para a Conferência, nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, com os seguintes fundamentos:

I. Vem a presente reclamação legitimada da decisão singular proferida pelo Egrégio Conselheiro Relator, através da qual decidiu negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

II. Na génese do recurso de revista, encontra-se uma divergência de posições quanto à interpretação do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ: por um lado, entende o Recorrente, respaldado no acórdão-fundamento (proferido pelo Tribunal daRelação do Porto, em 10.01.2023, no processo n.º 3454/20.5T8STS-K) que a majoração da remuneração variável deve ser calculada aplicando a percentagem de 5% prevista naquela norma directamente ao montante dos créditos satisfeitos; em sentido diverso, propugna o tribunal recorrido (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28.09.2023) o cálculo da majoração mediante a aplicação da taxa de 5% sobre uma outra percentagem (de 22,2805%), que corresponderia ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos – entendimento sufragado pelo Egrégio Conselheiro Relator na decisão singular ora em crise, cujos fundamentos estriba na argumentação aduzida em acórdãos precedentes deste Ínclito Supremo Tribunal de Justiça.

III. Entende humildemente o Recorrente que a decisão objecto da presente reclamaçãoviolaodisposto no artigo 23.º,n.º 7do EAJ, uma vezqueradicanuma interpretação, com o devido respeito, errada da citada norma. Senão vejamos,

IV. A redacção do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração do administrador da insolvência corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos.

V. Decorre directa e inequivocamente da citada norma que a taxa de 5% deve ser aplicada sobre um montante - “importância, soma, verba”-, isto é, sobre um valor nominal e não sobre uma percentagem.

VI. Em consonância com a posição ora propugnada, o Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Soveral Martins, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Parecer datado de 20/11/2022 (já junto pelo Recorrente com o recurso interposto da decisão proferida em primeira instância), regista que “no âmbito do processo de insolvência de liquidação, a majoração a efectuar nos termos do art.º 23.º, 7, do EAJ deveser calculadaapartir do montante dos créditos satisfeitos, aplicando-se a esse montante a percentagem de 5%”.15

VII. Esclarece o douto académico que “a referência a um «grau» de satisfação feita no n.º 7 do art.º 23.º do EAJ não significa que se tenha de efectuar uma primeira operação para reduzir o valor sobre o qual incidirá a percentagem de 5% ou uma primeira operação para reduzir o valor da percentagem a aplicar ao montante dos créditos satisfeitos. (…) O facto de o art. 23.º, 7 do EAJ estabelecer que a majoração é realizada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» não significa que, onde está escrito que a majoração tem lugar «em 5% do montante dos créditos satisfeitos», deva ler-se outra coisa.”

VIII.Na mesma esteira, CC, MM.º ... de Direito no ... Juízo de Comércio de ..., não apresenta quaisquer hesitações em asseverar que a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 EAJ deve ser directamente aplicada sobre o valor dos créditos satisfeitos, sequer cogitando a hipótese de aplicação sobre uma outra percentagem em termos análogos aos vertidos na decisão aqui em crise.

IX. No sentido de que a referida percentagem de 5% deve ser aplicada directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos, além doacórdão-fundamento (proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 10.01.2023, no processo n.º 3454/20.5T8STS-K), vide, a título exemplificativo:

-Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 12/07/2023; de 07/02/2023 – pcs 965/15.8AMT-E.P1; de 18/04/2023 – pcs 1024/10.5TYVNG-P1; de 28-02-2023 – pcs 1208/21.0T8AMT-E.P1; de 16-05-2023 – pcs 1892/19.5T8AVR.P1;

-Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-09-2022 - pcs 9849/14.6T8LSB-E; de 20-12-2022 - pcs 415/13.4TYLSB-E; de 20-12-2022 – pcs 22770/19.2T8LSB-F.

Acresce que,

X. Ao aplicar um regime não previsto na lei, calculando a majoração consagrada no n.º 7 do art. 23.º do EAJ através da aplicação da percentagem de 5% sobre outra percentagem, o tribunal a quo como que criou uma nova norma – fora dos casos previstos no artigo 10º do C.C. -, arrogando-se um poder legislativo de que não dispõe e, assim, violando o princípio da separação de poderes previsto nos arts. 2º e 111º da CRP.

XI. Assim, a norma consagrada no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, quando interpretada e mobilizada no sentido propugnado pelo tribunal a quo, padece de inconstitucionalidade, que impunha ao Egrégio Conselheiro Relator que se abstivesse de aplicar a referida disposição na interpretação ora censurada.

POR TODO O EXPOSTO;

XII. Por tudo o que vem de se expor, entende-se que, no confronto entre as correntes doutrinais/jurisprudenciais edificadas em oposição na matéria objecto das apelação e revista interpostas nestes autos, terá de prevalecer a que propugna a realização do cálculo da majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ através da aplicação da percentagem de 5% directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos.

XIII. No caso sub judice, deve aplicar-se a percentagem de 5% sobre o valor de €553.172,20 (montante a considerar como créditos satisfeitos para cálculo da majoração, conforme consignado pelo tribunal a quo), de onde resulta uma majoração da remuneração variável do administrador da insolvência no valor de €27.658,61 (valor sem IVA).

Nestes termos, e nos melhores de direito que a V/Exas. aprouver integrar, deve a decisão singular objecto da presente reclamação ser revogada e substituída por acórdão que, fazendo prevalecer a posição vertida no acórdão junto como fundamento da revista (acórdão da Relação do Porto, de 10.01.2023), determine, no caso sub judice, que o cálculo da majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ seja efectuado através da aplicação da taxa de 5% sobre o valor de €553.172,20 (montante a considerar como créditos satisfeitos para cálculo da majoração, conforme consignado pelo tribunal a quo), de onde resulta uma majoração da remuneração variável do administrador da insolvência no valor de €27.658,61 (valor sem IVA).

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste razão à reclamante.

Na decisão sumária proferida nos termos dos artigos 656º e 679º do Código de Processo Civil constam, com suficiência e clareza, os fundamentos que explicam a opção pela interpretação jurídica que foi concretamente perfilhada e com a qual se concorda.

Recorda-se o essencial dessa mesma fundamentação:

A majoração prevista no artigo 7º do artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial (5%) é calculada sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o montante disponível para a satisfação dos créditos, não incidindo sobre o seu montante, o que significa que incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos.

Na interpretação do nº 7 do artigo 23º do Estatuto de Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, não é possível desconsiderar o segmento “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, sem o que tal disposição não poderia ter qualquer sentido útil normativo.

Com a entrada em vigor da Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, o legislador não quis abandonar o critério normativo correspondente à expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, que já vinha aliás da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho.

O legislador pretendeu fazer depender uma maior remuneração do administrador da insolvência de um maior grau de empenho na satisfação dos interesses dos credores.

Tal desiderato encontra-se em linha com a Directiva nº 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 20 de Junho de 2019 (que a Lei nº 9/2022, de 11 de Janeiro, transpôs) ao enfatizar o apelo ao “propósito de eficiência”.

Esta mesma interpretação do artigo 23º, nº 7, do Estatuto do Administrador Judicial, é essencialmente a que favorece os interesses dos créditos em harmonia com o que é estabelecido no artigo 1º do CIRE.

O acórdão recorrido acolhendo este mesmo critério calculou em conformidade a remuneração variável a atribuir ao ora recorrente, o que, pelos motivos indicados e de acordo com a jurisprudência firmada nesta 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.

Não tem ainda o menor sentido a arguição do vício de inconstitucionalidade por parte da recorrente, tudo se reconduzindo afinal à operação de simples interpretação jurídica de uma determinada disposição legal – em divergência com o entendimento daquela -, sem que tal signifique, de modo algum, a pretensa criação de uma nova norma alheia ao enquadramento jurídico que cumpre respeitar.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível), em Conferência, na sequência da reclamação apresentada contra a decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 656º do Código de Processo Civil, em proferir acórdão que nega a revista, com a confirmação do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Leonel Serôdio

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.