COMPROPRIEDADE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PROPOSTA POR COMPROPRIETÁRIO
Sumário


Não assiste direito de preferência do comproprietário na venda judicial em ação de divisão de coisa comum de prédio em regime de compropriedade, quando a proposta de compra com valor mais elevado é apresentada pelo outro comproprietário, uma vez que o direito de preferência previsto no art.1409º do CC depende da venda ser feita a estranho à compropriedade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na ação especial de divisão de coisa comum, movida por AA contra BB, após os articulados iniciais:
1. No despacho saneador de 13.10.2022:
1.1. Foi fixada à ação o valor de € 90 000, 05.
1.2. Foi decidida a indivisibilidade do imóvel objeto dos autos (prédio urbano, composto de casa com dois pavimentos, dependência e logradouro, sito na Rua ..., lugar..., ... ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana ...32 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº...25/..., com a propriedade registada em favor de AA pela Ap. ...39 de 2015/08/13 e em favor de BB) e foram fixados os quinhões em partes iguais.
1.3. Foi designada data para a conferência de interessados.
2. Na conferência de interessados de 17.11.2022 frustrou-se o acordo de adjudicação do imóvel a uma das partes e o Tribunal determinou a venda do imóvel, nos termos do art.929º/2 do CPC, podendo as partes concorrer à venda.
3. Na diligência de abertura de propostas da venda de 26.04.2023:
a) Abriram-se três propostas (CC no valor de € 235 750, 00; AA no valor de € 300 050, 00; BB no valor de € 281 000, 00); 
b) As partes declararam aceitar a proposta de maior valor apresentada por AA no valor de € 300 050, 00, para a compra do prédio referido em I-1.2. supra.
c) A Juiz proferiu despacho a ordenar a notificação do proponente para, no prazo de 15 dias, juntar aos autos documento comprovativo do DUC- depósito autónomo do preço devido, com as cominações previstas no art.825º do CPC, para que «se procedesse às D.N. para a concretização da venda», que «se devolvessem aos restantes proponentes os cheques apresentados com as suas propostas».
4. A 08.05.2023 a requerida declarou que perante a «proposta apresentada e aceite (…) pretende exercer o direito de preferência, com base na preferência legal prevista no art.1409º do Código Civil» e que «está disposta a pagar a quantia de € 150.025, 00 (cento e cinquenta mil e vinte e cinco euros) pela restante metade do prédio, o que desde já se requer.».
5. A 09.05.2023 o requerente declarou que não assiste à requerida qualquer preferência legal, uma vez que também é comproprietário da fração em causa e apresentou a proposta mais elevada para a aquisição do bem.
6. A 29.05.2023 foi proferido o seguinte despacho sobre I-4 e 5:
«Ref.ª ...82: Indefere-se ao requerido por manifesta falta de fundamento legal.
Com efeito, conforme decorre do disposto no artigo 1409º, nº 1 do Código Civil, citado pela requerente, “O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.”, sendo que no caso, o bem foi vendido ao comproprietário e não a um terceiro.
Custas do incidente pela requerente fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

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Vão os autos à conta.
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Mostrando-se pago o preço, nos termos do disposto no artigo 827º, nº 1 do CPC, adjudica-se a propriedade do imóvel ao requerente.
DN ao cumprimento do disposto no artigo 827º, nº 1 e 2 do CPC.
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Concede-se à requerido o prazo de 20 dias para voluntariamente entregar o imóvel.».
7. A requerida interpôs recurso de I-6 supra, no qual apresentou as seguintes conclusões:

«A. Decorreu nos presentes autos abertura de propostas do prédio urbano, composto de casa com dois pavimentos, dependência e logradouro, sito na Rua ..., lugar..., ... ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana ...32 da União de Freguesias ... e ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... o nº ...25/....
B. Foi aceite pelo Tribunal a quo a proposta de maior valor apresentada por AA, no valor de €300.050,00 (trezentos mil e cinquenta euros), para a aquisição do imóvel supra id.
C. A Requerida, ora Recorrente, requereu a preferência na compra do prédio supra identificado.
D. Por Douto Despacho, o Tribunal a quo indeferiu o requerimento apresentado pela aqui Recorrente.
E. Nos presentes autos, a Recorrente insurge-se com o facto de lhe ser vedada a possibilidade de exercer o direito de preferência.
F. No caso dos autos, a proposta apresentada poderia ter sido efetuada por qualquer interessado, não sendo necessário a qualidade de comproprietário para o fazer – pois a esta assiste o direito legal de preferência.
G. O facto de, ao ter sido apresentada proposta por comproprietário que os demais interessados/comproprietários desconhecem (quer na sua existência, quer no seu conteúdo), considerar-se afastado o exercício do ónus processual consignado no art. 826º, é seguramente violador do espírito da lei em tal matéria.
H. A tal propósito, dispõe de forma clara e linear o citado nº 2 do art. 893º que, em benefício de todos os interessados, apresentando-se a preferir mais de um comproprietário abre-se desde logo licitação entre todos;
I. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente o disposto no artº 823º do Cód. de Proc. Civil, e ainda o disposto no art. 1410º do Cód. Civil, cometendo, consequentemente, nulidade processual que influi na decisão da causa ao não permitir à Recorrente exercer o direito legal de preferência que na venda efectuada lhe assiste – vide art. 195º do Cód. de Proc. Civil.

NESTES TERMOS e nos mais e melhores de Direito que V/ Ex.as doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deverá o Douto Despacho ser substituído por outro que admita o direito de preferência da Recorrente. 
Assim farão Vossas Excelências, como sempre, 
SÃ JUSTIÇA”

8. O requerente respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O art.º 1409.º do CCiv. reclama uma dupla e cumulativa verificação de requisitos: que se trate da transmissão de uma quota-parte titulada por um comproprietário; e, que esta transmissão seja para terceiros estranhos à compropriedade;
Assim,
2. O direito de preferência previsto no art.º 1409.º do CCiv., pode apenas ser exercido contra estranhos à compropriedade e não entre comproprietários;
3. Não será de admitir a existência de um direito de preferência dos comproprietários, quando se trate da alienação da própria coisa objecto da compropriedade, ainda que esta ocorra perante terceiros;
Sem embargo,
4. À data em que foi deduzida a pretensão, o eventual (e não reconhecido) direito de preferência entre comproprietários estava caducado,
5. Sendo o pedido apresentado manifestamente extemporâneo;
Deste modo,
6. A douta decisão em sindicância, tanto pela respectiva fundamentação, como pelas conclusões explanadas, não merece qualquer censura.
Pelo que,
7. Contrariamente à pretensão deduzida nesta instância e sempre ressalvado o merecido respeito por diversa opinião, não assiste qualquer razão à Recorrente.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O MUI DOUTO E SEMPRE OPORTUNO             SUPRIMENTO DE     VOSSAS  EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER  CONSIDERADO IMPROCEDENTE, MANTENDOSE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ, CONSEQUENTEMENTE, SER CONFIRMADA, COM AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É DE JUSTIÇA.».

9. Por despacho de 02.10.2023:
9.1. Foi admitido o recurso de apelação, com subida em separado, imediatamente e com efeito devolutivo.
9.2. Foi considerado não existir qualquer nulidade processual, nos seguintes termos:
«Invoca a recorrente, nas suas alegações de recurso, a existência de uma nulidade processual, impondo-se a este Tribunal, nos termos do disposto no artigo 641º, nº 1 do CPC, dela conhecer.
Concretizando a recorrente sustenta que o Tribunal cometeu uma nulidade processual, que influi na decisão da causa, ao não permitir à Recorrente exercer o direito legal de preferência que na venda efetuada.
Salvo o devido respeito, salienta-se, em primeiro lugar, que a venda teve lugar na diligência de venda a 26/4/2023.
Aí a recorrente esteve presente e representada pelo seu Ilustre Mandatário, conforme decorre da ata de venda de 26/4/2023.
Assim sendo, a ter sido cometida alguma nulidade, nos termos do disposto no artigo 199º, nº 1 do CPC, a mesma deveria ter sido arguida nessa diligência de venda.
Ora, na diligência de venda não foi arguida qualquer nulidade, aliás, aí a agora recorrente não manifestou qualquer intenção de exercer preferência ou sequer alterar a proposta que havia feito pelo imóvel.
Pelo que, a ter havido nulidade a mesma estaria sanada.
Sem prejuízo, entende-se, porém, que não há qualquer nulidade uma vez que o artigo 1409.º do Código Civil não lhe confere tal direito.
Entendemos, assim, não existir qualquer nulidade processual, tendo sido cumpridas as formalidades previstas na lei.
Vª. Exª. contudo, melhor apreciarão».
10. Subido este recurso a esta Relação, após diligências preliminares de regularização do processo, foi admitido o recurso como apelação, com subida em separado e imediatamente e com efeito devolutivo.
11. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II- Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.

Definem-se como questões a decidir:
1. Se foi invocada e praticada qualquer nulidade processual.
2. Se a decisão erra de direito por assistir direito de preferência à comproprietária.
    
III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada (com base na certidão e nos atos com força probatória plena remetidos via citius):
1.1. O prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ...22 da freguesia ..., resultante da anexação dos prédios nº...88 e ...11, tem a propriedade inscrita em favor de AA e BB, na proporção de ½ para cada um:
a) Relativamente ao prédio que estivera descrito sob o nº...08: pela Ap. ...7 de 2007/03/16 foi inscrita a aquisição em favor de BB, por partilha subsequente a divórcio; pela Ap....39 de 2015/08/13 foi inscrita a aquisição da propriedade de ½ por compra em favor de AA, inscrição por dúvidas convertida em definitiva pela Ap. ...22 de 2015/10/22.  
b) Relativamente ao prédio que estivera descrito sob o nº...11: pela Ap. ...11 de 2015/04/30 foi inscrita a propriedade em favor de AA por compra; pela Ap. ...40 de 2015/08/13 foi inscrita a aquisição de propriedade na proporção de ½ em favor de BB, por compra.
1.2. Na ação especial de divisão de coisa comum, movida por AA contra BB, ocorreram os atos processuais relatados em I supra, para que se remete.

2. Apreciação jurídica:
2.1. Sobre a arguição de nulidade processual:
A recorrente invoca a prática de uma nulidade processual do art.195º do CPC por lhe ter sido negado o direito legal de preferência, invocando estarem violados os arts.1409º e 1410º do CC e arts.893º e 896º do CPC.
Impõe-se apreciar.
Por um lado, a decisão recorrida incidente sobre o requerimento de 08.05.2023 (no qual a interessada não arguira qualquer nulidade processual mas pedira apenas a concessão do direito de preferência sobre a proposta aceite do dia 26.04.2023): decidiu que não assistia à recorrente direito legal de preferência; e não decidiu qualquer reclamação de nulidade processual, que pudesse ser reapreciada neste recurso de apelação.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, a arguição de omissão dos atos de notificação para o seu exercício ou a suscitação do cumprimento omisso do art.823º do CPC omisso a 26.04.2023 (aqui não invocada expressamente como fundamento do recurso), passíveis de consubstanciar a nulidade do art.195º do CPC, apenas poderiam ter sido arguidos pela interessada presente nesse ato/aqui recorrente, no próprio dia 26.04.2023.
De facto, no regime da venda em proposta por carta fechada do processo executivo (arts.816º ss do CPC), passível de aplicar ao processo de divisão de coisa comum (arts.925º ss do CPC) por força da norma remissiva do art.549º/2 do CPC, prevê-se a tramitação, a intervenção e o exercício do direito de preferência, em particular: a notificação aos preferentes do dia, hora e local de abertura de propostas, a fim de poderem exercer o direito no próprio ato, se alguma proposta for aceite (art.819º/1 do CPC); o exercício do direito de preferência no próprio ato de abertura de proposta em carta fechada, caso alguma tenha sido aceite (art.823º do CPC- «1 - Aceite alguma proposta, são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito. 2 - Apresentando-se a preferir mais de uma pessoa com igual direito, abre-se licitação entre elas, sendo aceite o lance de maior valor. 3 - Aplica-se ao preferente, devidamente adaptado, o disposto no n.º 1 do artigo seguinte.»).
A omissão de prática de um ato, como um destes atos, pode corresponder a uma nulidade processual quando a lei o declare ou quando a omissão possa influir no exame ou na decisão da causa (art.195º/1 do CPC-«1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.»).
Todavia, esta nulidade deve ser objeto de reclamação pelo interessado (arts.197º/1 e art.196º a contrario do CPC), nos seguintes prazos perentórios: no caso de a parte estar presente, por si ou por mandatário, deve reclamar das mesmas no próprio ato em que foram cometidas e até o mesmo terminar (art.199º/1-1ª parte do CPC); no caso de a parte não estar presente, esta deve reclamar no prazo de 10 dias, contado desde o dia em que, depois de cometida a nulidade, interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (art.199º/1-2ª parte e art.149º do CPC).
No quadro de facto provado em III-1.2., em remissão para I-3 e 4 supra, verifica-se que a recorrente: esteve presente no ato de abertura de propostas em carta fechada de 26.04.2023 e aceitou a proposta do comproprietário com maior valor; apenas veio a suscitar o exercício do direito de preferência a 08.05.2023, que foi objeto de despacho que o indeferiu a 29.05.2023, nos termos referidos em III-6.
Assim, seria intempestiva qualquer arguição posterior de nulidade com este fundamento.
Desta forma, neste quadro de facto e de direito, verifica-se que não assiste qualquer razão à recorrente nesta arguição de nulidade processual, improcedendo este fundamento do recurso.

2.2. Sobre o erro de direito por denegação de preferência:
A recorrente, não obstante a qualificação dada e apreciada em III-2.1. supra, acabou por defender implicitamente um erro de direito da decisão, por entender que assiste direito de preferência à comproprietária.
Impõe-se apreciar.
No regime substantivo civil da compropriedade prevê-se: como conteúdo do direito de preferência que «1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. 2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos artigos 416.º a 418.º. 3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas.»; em relação a direito de ação judicial posterior prevê-se «1. O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção. 2. O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.»
Este direito de preferência dos comproprietários (que tem o primeiro lugar em relação a outras preferências legais ou convencionais) existe em relação à venda ou outra transmissão da quota a terceiros, de acordo com a letra expressa da norma (art.1409º/1 CC), harmónica com a unidade do sistema jurídico, na qual assiste a ambos os comproprietários o mesmo direito de preferência, sem que um seja prevalecente face a outro (art.1409º, em referência aos arts.1403º ss do CC) e o mesmo direito de não permanecer na indivisão e de dividir a coisa de que são comproprietários (arts.1412º do CC; 925º ss do CPC).
Esta é, também, a interpretação não controvertida de Doutrina e Jurisprudência, nomeadamente:
Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art.1409º do CC, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição Revista e Atualizada com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, Coimbra Editora, pág.367:
«São três fins principais que justificam a concessão da preferência, no caso especial da compropriedade: a) fomentar a propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens; não sendo possível alcançar a propriedade exclusiva, diminuir o número de consortes; c) impedir o ingresso, na contitularidade do direito de pessoas com quem os consortes, por qualquer razão, o não queiram exercer.
Daí que, tal como na vigência da lei anterior, a preferência só exista contra estranhos à comunhão, e não em face dos restantes contitulares a quem um deles pretenda vender ou dar em cumprimento a sua quota.»
Elsa Sequeira Santos, em anotação ao art.1409º do CC, in Código Civil Anotado Coordenado por Ana Prata, II Volume, Setembro de 2020, p. 221, refere «O direito de preferência aqui previsto existe apenas perante alienações feitas a estranhos, ou seja, tal direito não existe perante uma alienação realizada entre consortes. A lei não favorece a manutenção de situações de contitularidade de direitos, sendo a atribuição de direito de preferência um modo de facilitar a concentração de todas as quotas no mesmo titular, acabando com a situação de compropriedade. Assim se explica que não exista preferência em relação à transmissão de quotas entre consortes, pois, neste caso, a desejada concentração de quotas necessariamente acontece. Além de fomentar a propriedade plena, o direito de preferência do comproprietário visa também controlar a entrada de estranhos na comunhão, permitindo aos consortes evitar a participação de pessoa com quem não queiram encontrar-se em tal situação. Face a esta função da preferência ainda mais facilmente se percebe que ela não existe na transmissão entre contitulares.».
Elsa Vaz Sequeira, em anotação ao art.1409º do CC, in Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, outubro de 2021, pág.407, apresenta a mesma posição.
O AC. STJ de 10.07.2008, proferido no processo nº08B1868, relatado por Maria Prazeres Pizarro Beleza, sublinhou, também, em sumário: «A atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros da quota de qualquer dos consortes, tem como objetivo a redução do número de proprietários, de acordo com a ideia de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa.».
Este regime substantivo dos comproprietários (art.1409º/1 do CC), assim claramente interpretado nos termos do art.9º do CC, não é alterado pelo regime adjetivo da venda do processo executivo (art.893º do CPC- «1 - Aceite alguma proposta, são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito. 2 - Apresentando-se a preferir mais de uma pessoa com igual direito, abre-se licitação entre elas, sendo aceite o lance de maior valor. 3 - Aplica-se ao preferente, devidamente adaptado, o disposto no n.º 1 do artigo seguinte.»), de caráter geral em relação a vendas onde possam concorrer diferentes preferentes com igual direito e, que no caso da compropriedade, tem previamente que estar submetida ao requisito do art.1409º do CC.
Desta forma, não procede o recurso de invocação de erro de direito.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso.
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Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
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Guimarães, 18.01.2023
Assinado eletronicamente pelo coletivo de Juízes

Alexandra Viana Lopes (Juiz Des. Relatora)
Rosália Cunha (Juiz Des. 1ª Adjunta)
José Alberto Moreira Dias (Juiz Des. 2º Adjunto)