NULIDADE DE SENTENÇA
CONVOLAÇÃO DE PEDIDO
COMPRA E VENDA MERCANTIL
PRAZO DE DENÚNCIA
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Sumário


1- O contrato mediante o qual uma sociedade contratou a outra a compra e instalação de uma câmara de frio para o seu estabelecimento de padaria e pastelaria é subjetivamente comercial, tratando-se de um contrato de compra e venda mercantil, que fica sujeito ao regime jurídico dos arts. 463º a 476º do Cód. Comercial, e sendo a coisa defeituosa, às normais gerais dos arts. 798º e ss. do CC, e especiais dos arts. 905º a 911º, com as especialidades previstas nos arts. 914º a 944º do CC.
2- Se a câmara de frio objeto da compra e venda não apresenta as qualidades que foram asseguradas pela vendedora à compradora (não conserva massas de pão de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kgs., durante 48 horas, sem se deteriorarem), há desconformidade em relação ao contratado, pelo que a compra e venda mercantil celebrada tem por objeto coisa defeituosa.
3- Apurando-se que a vendedora intervencionou a câmara de frio por nove vezes, sem que esta assegurasse as qualidades que foram garantidas à compradora e que, em consequência disso, a última interpelou a primeira concedendo-lhe o prazo de oito dias para reparar a câmara de frio que lhe vendera, de modo a que satisfizesse o que lhe foi garantido, com a cominação de que resolveria o contrato de compra e venda celebrado caso não o fizesse, não tendo a vendedora logrado reparar a câmara de molde a satisfazer as qualidades que garantira à vendedora, assiste à última o direito a resolver o contrato de compra e venda celebrado.
4- Na compra e venda de coisa defeituosa os direitos conferidos ao comprador encontram-se sujeitos a dois prazos de caducidade: a) prazo de denúncia dos defeitos ao vendedor; e b) prazo de propositura da ação.
5- Na compra e venda mercantil de coisa defeituosa o prazo para a denúncia dos defeitos ao vendedor é de 8 dias a contar da entrega da coisa, entendendo para esses efeitos por “entrega da coisa”, não necessariamente a entrega material/física desta, mas uma entrega física da coisa que permita ao comprador, real e efetivamente, examiná-la, de modo a poder aperceber-se de eventuais defeitos ou desconformidades que apresente, usando do grau de diligência de um comprador médio, face às circunstâncias concretas do caso.
6- Apurando-se que a câmara de frio objeto do contrato de compra e venda mercantil celebrado foi entregue à compradora em 13/05/2020, mas começou a funcionar duas semanas depois de ter sido instalada, após ter sido trocado o respetivo motor, o prazo de 8 dias do art. 471º do Cód. Com., conta-se a partir do momento em que foi possível à compradora pôr a câmara de frio em funcionamento (duas semanas depois da entrega e instalação), posto que só a partir desse momento a compradora ficou em condições materiais e ontológicas de poder constatar se esta apresentava (ou não) defeitos ou desconformidades.
7- A circunstância da vendedora ter invocado os prazos de caducidade aplicáveis à compra e venda cível na contestação, tendo a compra e venda de coisa defeituosa celebrada efetivamente natureza mercantil, não obsta à aplicação do prazo de caducidade de 8 dias previsto no art. 471º, do Cód. Com, atento o disposto no art. 5º, n.º 3 do CPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

EMP01..., Lda., com sede na Via ..., ..., ... ..., ..., instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP02..., Lda., com sede em ..., Zona Industrial ..., Ap. ...09 ..., pedindo que se:
a) declarasse que a câmara de frio de três carros apresenta defeito e não se mostra apta a realizar o fim a que se destinava – conservar por 48 horas as massas destinadas ao fabrico de pão;
b) declarasse que a Ré não reparou o defeito nem conseguiu assegurar que a câmara de frio se mostrava apta a realizar o fim a que se destinava, inclusive, no prazo que lhe foi concedido para o efeito;
c) declarasse resolvido o contrato celebrado relativo à câmara de frio para três carros, com todas as consequências legais, mormente a condenação da Ré a remover o equipamento e a devolver à Autora a quantia de 7.747,00 euros, acrescida de IVA, despendida na aquisição do equipamento;
d) condenasse a Ré a pagar à Autora a quantia de 500,00 euros em resultado dos trabalhados necessários destinados a permitir a exaustão de fumos e vapores do forno anelar;
e) condenasse a Ré a pagar à Autora a quantia de 500,00 euros em resultado dos trabalhos necessários destinados a remover as manchas que os fumos e vapores do forno causaram nas paredes das instalações.
Para tanto alegou, em suma, que no exercício da sua atividade panificação de todos os tipos de pão adquiriu à Ré, que se dedica, entre outra atividade, à fabricação de equipamento industrial de refrigeração, congelação e ventilação, uma câmara de frio, pelo preço de 9.528,81 euros, a cujo vendedor transmitiu que a câmara de frio que pretendia comprar deveria conservar a massa para a confeção de pão durante 48 horas, condição essa que o dito vendedor lhe assegurou ser satisfeita pela câmara de frio fornecida pela Ré; acontece que, uma vez instalada a câmara frigorífica, verificou-se que esta não logra efetuar a referida conservação da massa de pão durante aquele período de tempo, facto que logo denunciou à Ré, que, apesar das sucessivas intervenções que efetuou, não logrou solucionar o problema da câmara de frio que lhe vendeu.
Mais alegou que, no âmbito das relações comerciais, a Autora adquiriu à Ré um forno anelar, por esta instalado, mas cujos trabalhos necessários à saída de fumos e vapores não executou, apesar de ter sido interpelada pela Autora para que o fizesse, em consequência do que os fumos e vapores libertados pelo forno anelar são lançados livremente para o exterior das instalações da Autora, causando manchas nas paredes das instalações desta, as quais tiveram ser pintadas de novo, com o que despendeu 500,00 euros; a Autora executou os trabalhos destinados a permitir a exaustão de fumos e vapores do forno anelar, não executados pela Ré, conforme se impunha que tivesse feito, no que despendeu 500,00 euros.
Alegou que, não tendo a Ré solucionado o problema da câmara frigorífica, apesar das sucessivas intervenções efetuadas pela Autora para que o fizesse, por carta de 31/08/2020, concedeu-lhe um prazo de dez dias para que efetuasse as intervenções necessárias para que a câmara de frio vendida assegurasse o fim para que foi adquirida e que lhe foi assegurada pelo vendedor, sob pena de resolver o contrato de compra e venda, na sequência do que a Ré não logrou resolver a desconformidade apresentada pela câmara de frio.
A Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do Juízo de Competência Genérica ... para conhecer da relação jurídica delineada pela Autora no articulado inicial, sustentando que para tal é territorialmente competente o Juízo Local Cível ..., da Comarca ....
Invocou a exceção perentória da caducidade do direito que a Autora exerce nos autos, alegando que o equipamento foi por si entregue àquela em 13/05/2020, pelo que, na data em que foi citada para os termos da presente ação já se encontravam decorridos mais de seis meses sobre a data da entrega do equipamento.
Impugnou a maioria da facticidade alegada pela Autora.
Concluiu pedindo que se julgasse procedente a exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do tribunal que suscitou e se remetessem os autos ao tribunal territorialmente competente; se declarasse procedente a exceção perentória de caducidade que invocou e, em consequência, fosse absolvida do pedido, e, bem assim, em todo o caso, se julgasse improcedente a ação e se absolvesse aquela do pedido.
Notificou-se a Autora para se pronunciar quanto à exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do tribunal suscitada pela Ré, o que fez, concluindo pela improcedência dessa exceção.
Realizou-se audiência prévia em que, frustrada a conciliação das partes, concedeu-se prazo à Autora prazo para se pronunciar, por escrito, quanto às exceções suscitadas pela Ré.
A Autora respondeu à exceção perentória da caducidade suscitada pela Ré, concluindo pela improcedência desta.
Proferiu-se despacho, fixando à presente ação o valor de 10.528,81 euros; despacho saneador, em que se conheceu da exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do Juízo de Competência Genérica ... para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, julgando essa exceção improcedente; fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação; e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes.
Por requerimento de 18/10/2021, a Autora reduziu o pedido quanto à quantia de 500,00 euros constante da al. d) do petitório, tendo essa redução sido admitida por despacho proferido em 29/10/2021.
Realizada a perícia que foi requerida e deferida nos autos, cujo relatório se encontra junto a fls. 178 a 179 do processo físico, e prestados os esclarecimentos pelo perito solicitados pela Autora, juntos aos autos a fls. 186, realizou-se audiência final, a qual se prolongou ao longo de duas sessões.
Em 11/08/2023, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro resolvido o contrato de compra e venda da câmara de frio adquirida pela autora à ré em 13-05-2020;
b) Condeno a ré a restituir o preço pago pela autora, no montante de € 9.528,81 (€ 7.747,00 + IVA), contra a devolução da câmara de frio, que deverá ser levantada pela ré nas instalações da autora;
c) Absolvo a ré do mais peticionado. 
Custas pela ré e autora, na proporção, respetiva, de 90% e 10 %”.

Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso, em que formula as seguintes conclusões:
A) Foi decidido que a ação procede parcialmente no que concerne à resolução (ou anulação) do contrato referente ao fornecimento e instalação da câmara de frio e condenada a ré à restituição do preço contra a restituição da câmara de frio, que deverá ser levantada pela ré nas instalações da autora, por ser aí o local onde tal prestação há-de ser cumprida, nos termos do disposto nos artigos 772.º, n.º 1 e 773.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
B) Tal como decorre da douta sentença considerou o Meritíssimo Juiz a quo pela aplicação da norma prevista no artigo 905º do CC, o qual não foi sequer aventado pela Autora na sua petição, concretamente nos seus artigos 69º e ss. da petição, conforme referido. A Autora pediu a resolução do contrato de compra e venda, mas não a anulação do contrato, nos termos do art.º 905.º, pelo que não poderia operar-se a convolação oficiosa do pedido de resolução do contrato pelo de anulação do mesmo, sem ter sido dada à oportunidade à parte para se pronunciar. A fim de evitar uma decisão-surpresa tem de se garantir às partes uma pronúncia prévia à decisão do tribunal (cf. art. 3.º, n.º 3, do CPC).». E a inobservância de tal regime determina a nulidade da sentença proferida.
C) MODIFICAÇÃO DO FACTO PROVADO SOB A ALÍNEA 6. PARA NÃO PROVADO E DO FACTO CONSIDERADO COMO NÃO PROVADO SOB A ALÍNEA B) PARA PROVADO:
. A testemunha AA, cujo depoimento ficou gravado no sistema integrado de gravação entre as registado no sistema de gravação digital existente na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se o seu início pelas 10:26:30 horas e o seu termo pelas 10:54:58 horas, (ACTA de 03.05.2023) referiu que, 04:28 da gravação –. O cliente fazia as massas durante a tarde para colocar nos fornos durante a madrugada e não trabalharia durante a noite. Por isso vendemos tantas câmaras para os padeiros (assim não pagam aos padeiros durante a noite). À esposa do Sr. BB falei de certeza ao marido, não sei e que (minutos da gravação) 05:32 – Poderia fazer pães de 50 gramas e poderia estar 12 a 24 horas dentro da câmara, não falou em 48 horas? Nunca, não, não disse isso a cliente nenhum. As massas são do pão normal, biju de 50g. Só falou desse? Tem a certeza disso? Absoluta.
. a depoente CC (Ata de 03.05.2023, cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação entre as 15h10m e as 15h17m15:09, parte claramente interessada na procedência da ação, afirmou (conforme se pode ouvir na gravação a 02:51 – Disse que precisávamos de um frio para guardar os ovos, esse tipo de material e ele disse não! vocês assim não vão aguentar vocês precisam de uma câmara de fermentação lenta para as massas porque éramos só dois a trabalhar) que transmitiu ao vendedor AA que precisavam de um frio para guardar os ovos, esse tipo de material e que tinha sido este a informá-la que precisavam de uma câmara de fermentação lenta para as massas porque éramos só dois a trabalhar.
. Se de forma natural, circunstanciada e credível afirma perentoriamente perante o tribunal que foi o vendedor quem aconselhou a aquisição da câmara, pois esta tinha pedido “um frio” e que este tinha aconselhado a aquisição da câmara, se não partiu dela a vontade imediata da sua aquisição já muito se estranha que logo de seguida venha afirmar que o conhecimento do alegado pão a produzir.
. Também afirmou que 04:50 – Não tinha experiência na matéria? Realmente não tinha, eu não tinha experiência é verdade. Tal , como aconteceu quanto ao demais equipamento existente na padaria, como pode imediatamente a seguir afirmar que “Ele sabia que queríamos fazer pão de 80 g, 2 kg e de 1 kg. Falámos sobre isso e que este conhecia as massas a conservar e o pão a produzir que era (tempo 03:57) de 80 g, de 1 kg e de 2 kg. 
. E não se pode afirmar que o tamanho dos três tipos de pães a conservar na câmara de frio, como a depoente DD afirmou, foi determinante para o facto da câmara encomendada ter três carrinhos. Há que convir se a temperatura na câmara é sempre a mesma, não poderá ter similar efeito num pão de 50 gramas ou num pão de um quilo ou dois, não sendo possível a sua adequação a todo o tipo de massa nem ao peso de qualquer massa. A aquisição de três carrinhos para a máquina de frio relaciona-se com a capacidade de produção necessária e não com o tipo de pão.
. a testemunha AA, (conforme decorre das declarações prestadas a 11:50 - registado no sistema de gravação digital existente na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se o seu início pelas 10:26:30 horas e o seu termo pelas 10:54:58 horas.) referiu que a câmara de frio serve para durante os períodos mais mortos preparar a massa do pão, colocar na câmara e retardar a fermentação. Se acordar de madrugada prepara o pão e mete logo ao forno. (12:45). (26:45) A câmara é para 3 carros? concretizou que 3 carros são 3 tubos em inox (27:02).  Nunca tendo aludido que os carros diferem em função do tipo de pão a confecionar, concretamente que as respetivas dimensões também diferem tendo em consideração o tipo e peso de pão.
. Por outro lado, ainda deve ser tido em consideração o depoimento de EE, na parte em que transmitiu, em síntese, que a autora deixou de estar interessada, sem razão válida, na câmara de frio, até porque, como se viu, não era a câmara que queria, mas um frigorífico. Conforme resulta, aliás, do seu depoimento no qual assume: 30:25 – E nunca deixaram de usar a câmara? Não! É um frigorífico. Até porque eu não tenho o outro espaço para colocar outro frigorífico. Porque isto é que preciso, que esse saia de lá para colocar outro que funcione.
. Sendo que as deslocações ao estabelecimento da Autora, como foi sempre referido, não decorreram de qualquer assunção de vício ou defeito do equipamento - que não existe, pois a ré fazia deslocar colaboradores e terceiros ao estabelecimento da Autora quando esta lhe solicitava, (não porque considere que o equipamento padeça de defeito, mas) porque pretendia ajustar a câmara de frio às condições (ambiente de temperatura elevada) do estabelecimento da Autora.
D) MODIFICABILIDADE DO FACTO PROVADO SOB OS PONTOS 7. E 14. E DOS FACTOS NÃO PROVADOS SOB OS PONTOS F) E G) PARA PROVADOS E DOS FACTOS CONSIDERADOS COMO PROVADOS SOB OS PONTOS F) A H) CONSIDERADOS PROVADOS NOS TERMOS EXARADOS: E passando a constar 7. as massas de pão levedaram muito rapidamente e criaram uma crosta. De igual modo, no facto provado sob o ponto 14 O próprio padeiro preparou as massas e estas terão voltado a criar crosta. E os factos considerados como provados sob os pontos f) a h)
. Quanto às alterações agora abordadas, as quais se encontram conjugadas com os fatos provados sob os pontos 23 e 24 que se reproduzem, em primeiro lugar não resultou provado que a levedação da massa dos pães (quaisquer pães) e a criação da crosta ocorra dentro da câmara de frio.
. Por um lado, não se encontram juntas aos autos quaisquer fotografias da citada crosta, bem assim da massa antes de entrar na câmara de frio e no seu interior. Muito se estranha que tendo tal factualidade ocorrido no interior da câmara, que tenham sido concretizados testes, amassamento da massa e cozeduras, não se vislumbre em nenhuma parte dos autos a captação da massa antes de entrar na câmara, no seu interior e que prove que tal ocorre quando a massa é ali introduzida.
. as massas de pão levedam muito rapidamente e criam uma crosta devido ao facto de a massa ser preparada numa zona de fabrico muito quente (38.ºc), que faz com que se inicie o processo de fermentação de forma precoce. Por outro lado, tanto o facto da autora abrir as portas da câmara de frio um número não concretamente apurado de vezes por dia (facto provado 24), como a circunstância das portas da zona de produção se encontrarem abertas e as correntes de ar, também originam a situação mencionada. Acrescendo ainda o facto da representante da autora assumir não ter formação, nem experiência na área da padaria.
. A testemunha EE mencionou que: 03:13 – Nunca via a Srª. (CC) fazer pão, que tipo de ingredientes, matéria-prima que visa e isso não sei. Era verão, havia muito calor e o pão levedava muito (04:06) e chegámos à conclusão que tinha mais produtos, além da massa lá dentro, ela abria a porta muitas vezes durante o dia e a câmara chegava a estar meia hora sem ligar o motor, sem trabalhar e as temperaturas subiram. Acrescentou ainda 04:53 – A massa é feita num dia e ficou durante a noite para o outro dia e eu não ficava lá a Sr.ª é que ligava. Afirmou 05:32 – Vi a massa com uma crosta superficial, mas nunca afirmou que viu a massa entrar na câmara de frio sem a citada crosta e obtê-la no seu interior. A abertura das portas é constante para ir buscar matéria-prima, e ao abrir a porta da câmara de 2 em 2 minutos, como eu constatei na altura que lá estava, o calor entrava na câmara o que fazia o compressor demorava a arrancar e, às vezes, não arrancava.  14:16; 15:18 – Das vezes que lá foi a câmara esteve sempre em utilização? Sim, sim. 15:42 – A câmara de frio não tem qualquer incapacidade/ defeito para não conservar a massa? Não, não tem qualquer defeito. A Sr.ª disse que tinha feito as massas e que esta tinha a crosta. É a máquina que a cria, a crosta? Ou a matéria-prima não adequada para o frio, pode acontecer isso (16:51), pelas farinhas.
. A depoente CC disse que utilizava o equipamento como frigórico, que a abre inúmeras vezes, nomeadamente durante a noite que coincide com o período temporal no qual as massas preparadas deveriam aí ser conservadas sem a abertura constante da câmara 06:11/06:13 – Quantas vezes abre a câmara por dia? E por hora? Várias vezes, várias vezes. Só 06:21 – Durante a noite abro várias vezes.  07:00 32:12 – Onde prepara a massa? Como faz agora? 32:27 – Na zona de produção sempre foi assim.
. Por sua vez, FF depôs que 02:02 – Fui com o Sr. EE, com ele. 04:28: É um processo que é um contra-relógio, quando nós mecanicamente numa amassadeira colocamos a farinha e a água, adicionamos o fermento. O tempo e a temperatura que são os dois T, (…), o pão começa a fermentar de imediato e o calor seco de ... também faz com que o pão ganhe alguma casca que dificulta a levedação e a fermentação natural do pão. (05: 20) Daí um dos grandes problemas era o espaço que era pequeno onde estaria o forno e a câmara frigorífica, eles tinham uma porta aberta para a rua, o que faz com que as condições climatéricas de fora tenham influência direta no produto.  06:14 –Um dos fatores que influência, nesta padaria é que em vez adicionarem água normal, adicionam água gelada, porque tem o refrigerador de água que inclui água fria. A ideia de meter água fria é retardar o desenrolar da fermentação. Em calores extremos esta redução de tempo dura muito pouco tempo porque está muito/tanto calor. (…)  08:11 – Em temperaturas extremas o parar a levedação é muito difícil e não há equipamento que consiga ultrapassar esse choque térmico. 10:01. Tempo este que já está a, desenrolar uma fermentação, é quase como parar o imparável, porque já está a fermentar.» A câmara frigorífica não vai fazer milagres, não vai tirar a casca que ganha na temperatura ambiente (11:25). A câmara frigorifica apenas retarda a fermentação natural, ponto final. (gravação 11:45) abrir a câmara muitas vezes. uma oscilação de temperatura que vai prejudicar o funcionamento da câmara por fatores externos. Existiam outras coisas (12:30) fiambre e outros produtos à câmara e que têm que se ir buscar com mais frequência …..»
. Reforçando quanto à questão da temperatura ambiente 13:57 - 14:10 – É dramático mesmo, não só afeta como é dramático. Existe um inimigo do pão que é a corrente de ar…. (gravação 18:10), a temperatura extrema que estava no local de trabalho, a porta aberta para a rua, seriam fatores que prejudicariam bastante a questão do pão. Aconselhei a abrir a porta menos vezes possível por causa da oscilação da temperatura e isso. 
. A referida testemunha FF apontou de forma lógica, consistente, natural clara e isenta de qualquer contradição, tal como as demais testemunhas arroladas pela Ré, no que obtiveram a concordância do Exmo. Perito (conforme a seguir se dirá) as circunstâncias que podem concorrer para as circunstâncias dos autos, pelo que, não se concebe justificação para a opção do Meritíssimo Juiz a quo. 
. Doutro passo, GG (depoimento prestado através do sistema de videoconferência no Tribunal ... e que se encontra registado no sistema de gravação digital existente na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se o seu início pelas 11:18:41 horas e o seu termo pelas 11:33:53 horas – ata 23.05.2023), Perito nomeado nos autos em sede de esclarecimentos ao relatório pericial apresentado esclareceu que: 04:21 – A câmara marcaria no termómetro digital 3,5 graus celsius. 04:57 – Se a temperatura foi a de conservação da câmara aparentemente está a funcionar bem (…) No comportamento adjacente à câmara a temperatura passou para 9 graus e meio celsius e depois passados 5/10 minutos a temperatura voltou para os 2,6 graus celsius. Referindo que 06:15 – Entraram na câmara quando entraram na câmara a temperatura subiu exatamente por isso, por terem aberto a porta? Sim e depois voltou a baixar. ….. Há uma tendência de fazer chegar a temperatura dos dois compartimentos à mesma. 08:36 – A abertura da porta, condiciona a temperatura dentro da câmara? Havendo uma migração de temperatura de fora para dentro? Há uma troca de ar. Existe uma diferença nas características do ar.
. O que permite concluir, com bastante clareza, que contrariamente ao invocado: Nem todo o tipo de massa apresentaria a alegada crosta, que a criação da suposta crosta não se pode atribuir simplesmente à câmara de frio pois o Sr. Perito não visualizou a entrada da massa para o interior das câmaras, não podendo concretizar se, nomeadamente, a massa do pão biju, quando colocada no interior da câmara, poderia já ter a crosta indicada atento os fatores supra mencionados.
. O tribunal elege como facto criador: a câmara de frio. Sem evidência de qualquer defeito e, mais, sem ser feita qualquer prova nos autos que tal ocorre no interior da câmara e se assim é, quais os fatos que concorrem para tal, concretamente evidências que a Autora deveria ter junto.
E)  se considerar que a prova produzida não é suficiente para considerar tais factos como provados, retificando-os em conformidade com o peticionado, deve, no mínimo, nos termos do nº4 do artigo 662.º do C.P.C ser ordenada a renovação da produção da prova, para que esses quesitos possam ter resposta capaz.
F) Considerando o Mmo. Juiz a quo que estamos no âmbito da compra e venda mercantil, o prazo para denúncia do defeito será de 8 dias, nos termos do disposto no artigo 471.º do Código Comercial. In casu, o tribunal, ao analisar e proceder à qualificação jurídica dos factos e tendo em conta que foi arguida a exceção de caducidade, concluiu que a configuração jurídica dada pela Ré/Apelada à situação concreta, remetia para a aplicação das regras previstas nos arts. 916º e não conheceu da aplicação do prazo anteriormente referido. O julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos do disposto no art. 664º do CPC, cabendo-lhe apreciar os factos e comportamentos e dessa análise retirar as consequências jurídicas, daí que o Meritíssimo Juiz a quo devia e podia ter conhecimento da aplicação da citada norma à situação em causa e constatar a respetiva caducidade
G) O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (arts. 660º, nº. 2, 1ª parte e 713º, nº. 2, do CPC). Donde, deveria ter sido concluído, pela verificação do prazo de caducidade previsto no artigo 471º do Código Comercial – decurso do prazo de oito dias após a entrega do equipamento em 13 de maio de 2020 ou mesmo da montagem do equipamento – final de maio de 2020 - sem qualquer reclamação - e pela improcedência da ação.
H) Mesmo que assim não se entenda, sempre de igual forma se deve considerar decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 916.º, n.º2 do Código Civil, e sobre o qual o MMo Juiz simplesmente não se pronunciou (não obstante a imposição daquele dever) pois estatui esta norma que “A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.” Trata-se de um prazo de caducidade, e o seu decurso sem comunicação da denúncia dos defeitos, extingue o direito do comprador.  Devendo concluir-se pela verificação do prazo de caducidade aí previsto após a entrega do equipamento em 13 de maio de 2020 e pela improcedência da ação.
I) Sem prescindir e considerando o conteúdo do douto acórdão da Relação do Porto, de 3.11.2009, cujo sumário se transcreve parcialmente: «Na compra e venda comercial, a denúncia dos defeitos/vícios da coisa, por parte do comprador, quando não efetuada no ato de entrega/receção da coisa, está sujeita, de acordo com o disposto nos arts. 471° do CCom. e 916° n° 2 do CCiv. (este por interpretação extensiva), a um duplo prazo: tem de ser feita no prazo de oito dias após o conhecimento dos vícios ou do momento em que estes podiam ser dele conhecidos se atuasse com a devida diligência e não pode exceder o prazo de seis meses após a data da entrega/receção da coisa.», sempre se imporia idêntica conclusão à anteriormente plasmada e que se defende.
J) Consta ainda da douta sentença objeto do presente recurso que a câmara de frio foi entregue em 13-05-2020 e que a presente ação foi intentada em 25-11-2020, não se partilha o entendimento vertido na sentença dado que o prazo para a propositura da presente ação ainda não se encontrava em vigor a Lei (13.03.2020) pois a entrega do equipamento ocorreu em maio de 2020, pelo que não era suscetível de ser suspenso nem, consequentemente, retomado, não fazendo sentido falar em alargamento “pelo período correspondente à vigência da suspensão”.» Concluindo, o direito de ação da Autora caducou no dia 13 de novembro de 2020 pelo que, tendo a ação sido proposta em 25/11/2020, foi-o extemporaneamente. Dado que a caducidade opera a extinção do direito, ela determina a absolvição da Ré do pedido: art.º 576º nº 3 do CPC.
K) Mais teria o comprador de provar o vício ou falta de conformidade do bem adquirido – o que defende não ter conseguido. Afirmou-se que a câmara não teria as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada - decisão relativamente à qual a recorrente não pode deixar de mostrar o seu inconformismo. Estabelece o art. 913º nº 1, em relação ao contrato de compra e venda, que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não ver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”.
L) Quer dizer, a coisa será defeituosa quando for imprópria para o uso concreto destinado pelo contrato, ou quando não satisfaça a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo (nº 2 do art. 913º), porém não foram apontadas quaisquer deficiências que provoquem uma redução da aptidão da câmara para o seu uso comum – pois esta sempre se encontrou em funcionamento, não lhe tendo sido apontado qualquer defeito, vicio ou desconformidade. Até porque não se sabe se a suposta crosta deriva da introdução da massa no interior da câmara, tudo apontando, como se viu, para resposta negativa.
M) Ainda que pudesse entender-se existir cumprimento defeituoso acredita-se que pode ser concluído que o mesmo não procede de culpa sua. Com efeito, demonstrou à saciedade que o motivo que levava as massas a criarem crosta (ou a levedarem rapidamente) não procede de culpa sua, ou seja, que esse problema não advinha da desadequação do equipamento àquele fito de conservação, concretamente a abertura “constante” das portas da câmara de frio, à criação de correntes de ar e ao ambiente demasiado quente que envolvia a zona de fabrico do pão. 
N) Perfilavam-se diante da autora várias alternativas, sendo a mais gravosa delas a anulação do contrato. Os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada. Em primeiro lugar, o vendedor está vinculado à eliminação do defeito; se esta não for possível ou se for demasiado onerosa, deverá substituir a coisa viciada; frustrando-se qualquer dessas alternativas, assiste ao comprador o direito de exigir a redução do preço e não se mostrando esta medida satisfatória poderá o mesmo pedir a resolução do contrato. A Autora não escalou estas “escadas” e alternativas, como resulta dos fatos provados.
O) A Autor sempre demonstrou pretender a resolução, conforme resulta do seu petitório, pelo que, a ausência de respeito pela citada hierarquia deve ser afastada e deve ser prolatado Acórdão que não lhe reconheça tal direito.
P) Cumpre ainda aquilatar da aplicação em casu, tal como decorre da douta sentença, da norma prevista no artigo 905º do CC – este regime da anulabilidade previsto para a venda de bens onerados, com fundamento no erro, não é igual ao regime de anulação relativo à venda de coisas defeituosas. O erro diz respeito à formação da vontade e aplica-se às situações em que existe error in corpore, ou seja, admitindo o exemplo dado pelo autor, às situações em que o comprador adquire um cavalo, julgando que foi o vencedor de uma determinada prova, quando, na verdade, foi um outro cavalo que venceu a referida prova, e nas situações em que existe error in substancia, ou seja, em que o comprador adquire um anel que é de prata dourada, pensando ser de ouro. Já não se trata de erro, mas de cumprimento defeituoso, quando o comprador adquire um automóvel com um defeito no sistema de travagem – caso em que existe error in qualitate. Voltando à questão do erro parece-nos que na sentença de 1ª instância não foi considerada qualquer modalidade de erro, nomeadamente aquele a que se referem os artigos 251º ou 252º do CC por isso, igualmente se pede o afastamento da sentença recorrida.
Q) Por fim, é a Ré condenada a restituir o IVA à Autora, ora de acordo com a norma do artº 71 do CIVA, a autora já procedeu à regularização a seu favor (ou seja, à dedução) do imposto liquidado ou seja, o valor que pagou a título de IVA deduziu-o perante a Autoridade Tributária, razão porque não pode manter-se a condenação da Ré no pagamento do IVA à Autora, de modo obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa da Autora. 

TERMOS EM QUE, E NOS QUE DOUTAMENTE FOREM SUPRIDOS, DEVEM V. EXAS. DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO, EM FACE DAS CONCLUSÕES ATRÁS ENUNCIADAS, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, E ORDENANDO A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE, RESPEITANDO AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS, JULGUE A AÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE. COMO É LEGAL E JUSTO!

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e concluindo as contra-alegações nos termos seguintes:
a) O Tribunal a quo fez uma correta apreciação do caso, tudo no respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, mormente por documentos e testemunhas, explicando que, “na sua globalidade, foi muito mais credível a versão dos factos apresentada por DD do que aquela que foi exposta por AA ou EE”.
b) Nenhuma razão, de facto ou de direito, permite poder alterar a factualidade dada como provada na douta sentença, mormente em resultado de quanto alegado pela Recorrente, tudo com os fundamentos que constam da douta sentença e alegações constantes da al. a) do Ponto - Da Prova Gravada.
c) Nenhuma razão ou prova foi produzida permite poder elevar à dignidade de factos provados a matéria dada como não provada apontada pela Recorrente, tudo em razão dos fundamentos vertidos na doutas sentença e de quanto alegado na al. b) do Ponto III – da Prova Gravada.
d) A sentença não enferma de nulidade, aliás nem sequer legalmente identificada.
e) Não se regista a caducidade do direito.
f) Não merece censura a douta sentença em termos da solução de direito, ou sequer na sua fundamentação.
Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso de apelação, com a consequente manutenção do decidido em 1.ª instância, assim fazendo Vossas Excelências JUSTIÇA!

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A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida, quando padeça de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração, quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- se a sentença recorrida é nula em virtude de nela o tribunal a quo ter procedido à convolação do pedido formulado pela apelada (Autora) de resolução do contrato de compra e venda da câmara de frio comprada à apelante (Ré) para a anulação desse contrato, sem que tenha dado oportunidade às partes para se pronunciarem, querendo, quanto a essa convolação jurídica, pelo que a sentença viola o princípio do contraditório, configurando uma decisão surpresa;
b- se a dita sentença padece de erro de julgamento quanto à facticidade nela julgada provada nos pontos 6º, 7º e 14º e, bem assim quanto à nela julgada não provada nas alíneas b), f), g) e h) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada e pela prova da julgada não provada; e
c- se aquela sentença padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida posto que:
c.1- na compra e venda de coisa defeituosa o comprador encontra-se obrigado a pedir que o vendedor repare a coisa; se a reparação não for possível ou for demasiada onerosa, terá de requerer a substituição da coisa; se essa substituição não for possível, a pedir a redução do preço da compra; e apenas se esta medida não for satisfatória, poderá pedir a resolução do contrato de compra e venda celebrado, quando a apelada não pediu a substituição do equipamento, nem a redução do preço, limitando-se a pedir a resolução do contrato de compra e venda celebrado e a indemnização;
c.2- ao julgar improcedente a exceção perentória da caducidade com fundamento de que a apelante não alegara o prazo de caducidade fixado para o contrato de compra e venda mercantil, mas antes o decurso daquele prazo para a compra e venda em geral, e que, consequentemente, estando vedado ao tribunal conhecer do prazo de caducidade fixado para a compra e venda mercantil, por não invocado, e não sendo a exceção de caducidade de conhecimento oficioso, julgou essa exceção improcedente, quando o julgador não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, impondo-se, em consequência, julgar extinto, por caducidade, o direito que a apelada exerce na presente ação;
c.3- ao condenar a apelante a restituir à apelada (Autora) o valor do IVA do preço de compra da câmara de frio objeto do contrato de compra e venda resolvido, quando, nos termos do art. 71º do CIVA, a apelada já deduziu o montante desse imposto no valor que pagou, a título de IVA, à Autoridade Tributária, “razão porque não pode manter-se a condenação da Ré no pagamento do IVA à Autora, de modo a obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa” desta.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:
1- A autora é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 01-05-2020, que tem por objeto comercial, entre o mais, a panificação de todos os tipos de pão e pastelaria.
2- A ré dedica-se, entre outras atividades, à fabricação de equipamento industrial de refrigeração, de congelação e de ventilação.
3- Em 13-05-2020, a autora adquiriu uma câmara de frio para três carros à ré, com as características, dimensões e local de instalação propostas por esta, pelo preço de € 9528,81 (€ 7747,00 + IVA), faturado através da emissão da fatura n.º ...4, datada de 13-05-2020.
4- A ré procedeu à instalação da referida câmara de frio.
5- A câmara de frio começou a funcionar duas semanas depois de ter sido adquirida, depois de ter sido trocado o respetivo motor pela ré.
6- Em momento prévio à aquisição da câmara de frio, o vendedor da ré AA transmitiu aos sócios da autora que as massas para pães de 80 g, 1 kg e 2 kg, poderiam ser conservadas naquele equipamento, pelo menos, até 48 horas após serem preparadas.
7- Porém, logo que as massas de pão foram colocadas na câmara, levedaram muito rapidamente e criaram uma crosta que as inutilizou.
8- Contactada a ré, em data não concretamente apurada, enviou um técnico de panificação e o técnico de frio de nome EE, tendo sido as temperaturas da câmara objeto de redução.
9- No entanto, a situação descrita em 7 persistiu.
10- Em data não concretamente apurada de junho ou julho, após deslocação do técnico EE às instalações da autora, o motor compressor da câmara de frio e o evaporador foram substituídos pela ré.
11- Numa das deslocações às instalações da autora, em data não concretamente apurada de junho, julho ou agosto de 2020, um colaborador da ré transmitiu a DD que a criação de crosta e rápida levedação das massas poderia estar a ocorrer por o estabelecimento se integrar numa zona de intenso calor e devido à ocorrência de correntes de ar.
12- A autora, em 24-06-2020, enviou e-mail à ré com seguinte teor:
Exms. Senhores.
Serve o presente email para demonstrar o nosso total descontentamento relativamente ao funcionamento de uma câmara de frio ramalhos.
A EMP01... Lda., adquiriu material no valor de 34.411,2 €, no qual consta uma Câmara de frio com capacidade para 3 carros.
O respetivo pagamento foi feito a pronto sendo que a câmara de frio até foi paga duas semanas antes de ter ficado a funcionar.
No dia 11 de maio deu início a implementação do material, sendo que a instalação da câmara só começou na semana a seguir. Como tiveram a necessidade de mudar o motor da câmara, esta só ficou a funcionar passado duas semanas.
A indicação que nos foi dada é que a câmara vinha programada de fábrica e que apesar do comando ficar em nossa posse não era aconselhado mexer em nenhuma das configurações. Questionei se não seria melhor mandar alguém para nos dar formação mas o que nos foi dito é que só tínhamos de colocar as massas dentro da câmara e que estas se conservavam exatamente iguais durante 48 horas.
Comecei a colocar as massas dentro da câmara e verifiquei que estas levedavam muito rapidamente e que criavam uma crosta, informei o comercial e este veio com o chefe do frio da EMP03... para tentar resolver o problema. Baixaram as temperaturas e disseram que estava resolvido, mas o problema continua as massas continuam a levedar e como não existe humidade as massas criam crosta.
Pedi mais uma vez que me ensinassem a trabalhar com a câmara mas disseram que o problema era meu porque não metia melhorante nas massas, mas afinal existem câmaras para trabalhar com melhorante e Câmaras para trabalhar sem melhorante? Se é assim que me mostrem como se faz.
Como o problema persiste voltei a contactar o comercial assim como o chefe responsável pelo frio, mas até agora sem nenhuma solução.
A padaria vai iniciar atividade dia 1 de Julho e preciso urgentemente de uma solução porque a câmara foi comprada exatamente para me ajudar nos processos de fermentação e sem humidade isso não acontece.
Agradecia assim a devolução da respetiva câmara uma vez que ela não funciona ou porque está avariada ou então fui enganada e foi-me vendido uma câmara que pode conservar tudo menos massas, uma vez que só faz frio e humidade zero.”
Agradeço uma resposta o mais rápido possível porque esta situação faz com que todos os testes que são necessários antes da abertura sejam um fracasso e a abertura tem mesmo de ser dia 1 de Julho.
Comprei todo o material á EMP03... porque acreditei ser uma empresa líder neste sector de mercado e como tal com soluções e respostas rápidas mas a verdade é que está a ser o nosso maior problema com a falta de profissionalismo das pessoas que nos acompanham.”
13- Em data não concretamente apurada de junho, julho ou agosto de 2020, mas após a intervenção descrita em 10, a ré enviou às instalações da ré um padeiro de nome HH e, novamente, o especialista em frio EE.
14- O próprio padeiro preparou as massas e estas, depois de colocadas na câmara de frio, voltaram a criar crosta.
15- Na manhã seguinte a essa deslocação, o especialista em frio EE transmitiu que ia propor à ré o levantamento da câmara de frio.
16- Até à propositura da ação, a ré efetuou nove deslocações às instalações da autora.
17- A autora, remeteu carta à ré em 31-08-2020, com o seguinte teor:
EMP01..., Lda., pessoa coletiva n. ...76, com sede na Via ..., ..., ... ..., vem na sequência do defeito sobejamente denunciado, mormente pela n. comunicação de 24-06-2020, mas sem que até a data a falta de conformidade do bem tenha sido solucionada, tudo também apesar das diversas e diferentes explicações e intervenções já realizadas, conceder o prazo final de 10 (dez) dias para que se dignem eliminar o defeito, assim permitindo que a câmara de frio para 3 carros possa assegurar o fim para que foi adquirida, sob pena de, não o fazendo, nos vermos obrigados a resolver o contrato, com todas as consequências legais.

Aproveitamos ainda para interpelar V. Exas. para a necessidade e bondade de, à semelhança do que já foi feito relativamente à fonte de alimentação do forno Anelar, ser completada a instalação da saída de fumos de forma a evitar que continuem a ser livremente lançados nas instalações, manchando as paredes, tal como presentemente já se verifica, impondo-se a sua reparação, trabalhos a realizar no mesmo prazo de dez dias sob pena de não o fazendo nos vermos obrigados a mandar realizar ambos os serviços a terceiros, imputando os custos a essa empresa e sem que possam assacar qualquer responsabilidade à nossa empresa precisamente porque, interpelados para o efeito, nada fizeram.”

18- A ré respondeu à autora em carta de 02-09-2022, com o seguinte teor:
Na sequência da receção da vossa correspondência supracitada, a qual mereceu o nosso melhor cuidado e tratamento, somos a informar o seguinte:
A nossa organização nunca se declinou das suas responsabilidades, como é do conhecimento de vossas Exas., o nosso técnico Sr. EE deslocou-se inúmeras vezes (9) ás vossas instalações, com o objetivo de ajustar a câmara de frio às condições existentes no local.
Não obstante o acima descrito, fizemos deslocar dois técnicos de panificação, Sr. FF e Sr. HH, para efetuarem testes de cozedura ao produto e simultaneamente ministrar formação sobre a utilização do equipamento em questão.
Foi detetado presencialmente pelos técnicos de panificação que a origem do problema não estava na câmara de frio, mas sim no ambiente envolvente às condições de fabrico, cujo as quais são propícias para a fermentação precoce do produto, devido às elevadas temperaturas no local.
Deste modo, e no seguimento da sua reclamação, à qual somos absolutamente sensíveis visto prezarmos as nossas relações comerciais, sugerimos o seguinte:
O local de produção e armazenamento de farináceos deverá ser refrigerado, criando assim as condições adequadas para uma excelente produção.
Como já citámos o problema não é da câmara de frio, no entanto, e caso assim o entendam, poderemos aumentar a potência da mesma, mas não podemos garantir que surta o efeito pretendido, isto porque, quando as massas entram na câmara de frio vão com temperaturas superiores a 25ºC no núcleo, sendo que o processo de fermentação já vai avançado.
Por último, e relativamente ao forno, ao reportarem que o mesmo emite fumos para o interior das instalações, informamos que não emite fumos e sim vapores de cozedura e que se trata de uma câmara de pastelaria, que é produzida com uma saída de vapores que é ligada através de um tubo flexível, com o objetivo de eliminar os vapores de cozedura. Face ao exposto, e como resulta evidente, propomos que seja efetuado um furo na parede que deverá ser canalizado para o exterior para efetuar a respetiva saída de vapores (segue em anexo contrato que menciona que a situação descrita é sempre da responsabilidade do cliente).
Assim e na sequência do exposto, informamos que caso pretendam, estamos disponíveis para agendar uma data com vossas Exas. para ministrar formação nas nossas instalações, onde será possível trabalhar com as condições adequadas e desejáveis.”
19- Em 29-09-2020, a autora remeteu nova carta à ré com o seguinte teor: 
Incumbiu-nos EMP01..., Lda., pessoa coletiva n.º ...76, com sede na Via ..., ..., ... ..., de acusar a receção da V. carta s/data que responde a anterior carta de 2 de setembro de 2020, de agradecer o empenho confessado nas tentativas de ajustar a câmara de frio à condições existentes no local e de informar que relativamente à sugestão apresentada nada pode entender, antes incumbindo a essa empresa assegurar o correto funcionamento do equipamento para o fim que foi concebido e a que se destinava, fim naturalmente conhecido - guardar as massas sem ficarem estragadas em resultado da criação de crosta seja através de refrigeração, aumento da potência ou substituição do equipamento.
Privilegiando o entendimento extrajudicial, aproveitamos para reiterar e reforçar o pedido formulado na invocada carta de 2 de setembro de 2020, tudo no sentido de, no prazo final de mais cinco dias, ser acautelado que a câmara de frio para 3 carros possa assegurar o fim para que foi adquirida, sob pena de, não o fazendo, nos vermos obrigados a, como já anunciado, resolver o contrato, com todas as consequências legais.”.
20- E a ré respondeu a essa carta, com e-mail de 08-10-2020, com o seguinte teor:
Vimos por este meio (email) dar resposta à vossa carta datada de 29 de Setembro de 2020. Decidimos privilegiar este meio de comunicação por entendermos ser mais rápido e igualmente credível. Como referimos sempre, o problema não é da câmara de frio, no entanto, e caso assim o entendam, poderemos aumentar a potência da mesma, conforme referido na nossa ultima carta. Caso pretendam que o façamos agradecemos que nos indiquem essa vontade, cientes de que o material necessário para esse procedimento, é-nos fornecido por um fornecedor estrangeiro e, por isso, necessitamos de aproximadamente duas semanas, após a vossa indicação para podermos ter cá o material. Assim que o material chegar procederemos aos trabalhos indicados. Se pretenderem, tal como já indicámos, também estamos disponíveis para agendar uma data com Vossas Exas. para ministrar formação nas nossas instalações, onde será possível trabalhar com as condições adequadas e desejáveis.”.
21- Em 14-10-2020, a autora remeteu nova carta à ré, com o seguinte teor: 
Incumbiu-nos EMP01..., Lda., pessoa coletiva n.º ...76, com sede na Via ..., ..., ... ..., de acusar a receção da V. comunicação de 8 de outubro de 2020 e de refutar a simples afirmação que o problema não é da câmara de frio, facto comprovadamente desmentido pelas várias e inúmeras tentativas que colocaram na resolução do problema da câmara do frio, sem sucesso.
Tentarem agora diferir a responsabilidade para a EMP01..., Lda., sem qualquer garantia, apenas traduz o reconhecimento que o equipamento não apenas não apresenta as qualidades que foram asseguradas aquando da venda como, inclusive, não reúne as condições necessárias para a realização do fim para que foi adquirido.
Desta forma, agradecíamos que, contra a devolução do valor pago, se dignassem voluntariamente proceder à remoção do equipamento no prazo de dez dias pois, de outra forma, seremos obrigados a, judicialmente, promover a resolução do contrato, com todas as consequências legais.”.
22- Em 03-11-2020, a ré respondeu à autora com carta do seguinte teor: 
Em relação à v/carta de 14/10/2020, a qual nos mereceu a melhor atenção, queremos informar-vos que não iremos retirar a referida camara conforme a pretensão da vossa requerida, porque;
Sabemos que o problema não é do equipamento, mas sim do ambiente onde as massas são produzidas nomeadamente em época de Verão. Com efeito, conforme referido na nossa comunicação enviada em resposta à carta de 2 de setembro de 2020 foi detetado pelos técnicos que se deslocaram ao estabelecimento que as condições de fabrico, em particular, no Verão, são propícias à fermentação precoce do produto devido às elevadas temperaturas do local.
Sendo que nesta comunicação, ainda que a causa da reclamação nos seja alheia, apresentámos proposta de solução. E quanto aos vapores de cozedura também referimos que os deviam canalizar para o exterior operacionalizando a respetiva saída já que este forno não está preparado com um hotte para exaustão, essa hotte deverá ser feita por vocês a exemplo do que fazem os nossos clientes intermarche, pingo doce, continente, jumbo, etc..
Por outro lado, também questionamos se era pretensão da sua cliente o aumento de potência através da comunicação de 8 de Outubro sendo que não obtivemos resposta a tal comunicação.
Pretendemos ajudar-vos, já que as n/ empresas pautam-se por ajudar e se necessário dar formação aos operadores (exemplo das inúmeras cadeias de supermercados n/ clientes onde fazemos esse trabalho).
Com a falta de recetibilidade do cliente, trataremos de nos defender no local apropriado. Com efeito, o equipamento apresenta as qualidades que foram asseguradas aquando da venda e necessárias para a realização do fim para que foi adquirido, não assistindo razão à sua constituinte quando refere pretender a devolução do valor pago e resolução do contrato.”
23- A conservação das massas de pão depende do tipo de ingredientes usados e do tipo de pão pretendido.
24- A autora abre as portas da câmara de frio um número não concretamente apurado de vezes por dia.
25- No âmbito das relações comerciais que estabeleceu com a ré, a autora também lhe adquiriu um forno anelar.
26- A inexistência de sistema de extração do forno anelar determinou que os fumos e vapores fossem lançados livremente para o exterior, manchando as paredes.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
a) A autora iniciou a sua atividade em 01-07-2020.
b) O vendedor da ré transmitiu à autora, antes da venda, que a câmara de frio se destinava a conservar massa para a produção de pão pequeno, cerca de 50 g.
c) Quando, no dia 18-06-2020, os colaboradores da ré (o comercial AA e EE) se deslocaram ao estabelecimento a representante da autora transmitiu ao colaborador EE que não precisava da câmara considerada a produção do estabelecimento. 
d) Nessa ocasião, não foi invocado qualquer defeito ou mau funcionamento pela autora.
e) A representante da autora mencionou que o pão crescia muito.
f) A “crosta” referida pela autora deve-se ao facto de a massa ser preparada numa zona de fabrico muito quente (38.ºc), que faz com inicie o processo de fermentação de forma precoce.
g) Por outro lado, como as portas da zona de produção se encontram abertas, as correntes de ar também originam a situação mencionada.
h) A representante da autora referiu ao colaborador da ré não ter formação na área da padaria.
i) Atento o ambiente de fabrico, o colaborador da ré EE apresentou proposta de colocação de uma unidade condensadora maior e um evaporador maior de modo a aumentar a potência do equipamento.
j) E apesar de ter adquirido tais equipamentos a autora recusou a sua aplicação.
k) Na deslocação que fez em agosto de 2020 às instalações da autora, EE afirmou que para a câmara de frio “funcionar”, teria de ser colocado um abatedor de temperatura.
l) Na deslocação de agosto de 2020, a ré colocou quatro injetores de humidade no equipamento.
m) Perante a colocação dos injetores, a autora alegou que o pão secava.
n) O contrato referente à aquisição do forno anelar foi disponibilizado à autora, mas não foi por ela assinado, dado que foi acordado telefonicamente.
o) A ré transmitiu à autora que constituem encargos do comprador do forno realizar as ligações de água, corrente elétrica, gás, gasóleo, fumos ou vapores até ao forno.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade da sentença – violação do princípio do contraditório, decisão-surpresa.
A apelante imputa à sentença recorrida o vício da nulidade, sustentando que nesta ocorre violação do princípio do contraditório, configurando uma decisão surpresa, isto porque o tribunal a quo convolou o pedido formulado pela apelada (autora) de resolução do contrato de compra e venda celebrado, tendo por objeto a câmara de frio que lhe vendera, para anulação desse contrato, e aplicou a norma “prevista no artigo 905º do CC, o qual não foi sequer aventado pela Autora na sua petição, concretamente no artigo 69º e ss.”.
Conclui que, “tendo a Autora pedido a resolução do contrato de compra e venda, mas não a anulação do contrato, nos termos do art. 905º, não poderia operar-se a convolação oficiosa do pedido de resolução do contrato pelo de anulação do mesmo, sem ter sido dada a oportunidade à parte para se pronunciar”, pelo que, na sua perspetiva, ocorre violação do princípio do contraditório na sua dimensão positiva, prevista no art. 3º, n.º 3 do CPC, sendo a sentença recorrida uma “decisão-surpresa”, o que determina a sua nulidade.
Impõe-se apreciar.
A controvérsia suscitada pela apelante prende-se em saber se na sentença recorrida a 1ª Instância convolou o pedido e/ou a causa de pedir formulados pela apelada na petição inicial e, em caso positivo, se fez um uso ilegítimo do disposto no art. 5º, n.º 3 do CPC, onde se lê que: “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” e se incorreu em violação do princípio do contraditório, na sua dimensão positiva, consagrada no n.º 3 do art. 3º do mesmo Código, nos termos do qual: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Enfatize-se que, não obstante as alterações legislativas operadas pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, ao Código de Processo Civil, no sentido de flexibilizar a lei adjetiva, libertando-a de anteriores amarras a que se encontrava submetida, com o escopo de aproximar  o processo civil à justiça material em detrimento de uma justiça meramente formal, tendo presente que o processo não é um fim em si mesmo, mas antes é o meio através do qual se efetiva o direito substantivo, os princípios do dispositivo e do contraditório continuam a ser princípios estruturantes do processo civil nacional.
Por força do princípio do dispositivo a iniciativa do processo e a conformação essencial do respetivo objeto incumbe às partes, pelo que, para além do processo só se iniciar sob impulso do autor (art. 3º, n.º 1 do CPC, a que se referem todas as disposições legais que se venham a citar sem menção em contrário), em que este tem o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum na petição inicial, delimitando nesta a relação jurídica material controvertida que submete à apreciação e decisão do tribunal, em termos subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (quanto ao pedido e à causa de pedir) (art. 552º, n.º1, als. a), d) e)), esse thema decidendum apenas é complementado pelas exceções que venham a ser invocadas pelo réu na contestação (arts. 572º, al. c) e 573º), pela reconvenção que nela venha a formular (art. 583º), pelas contra-exceções que venham a ser opostas pelo autor às exceções invocadas pelo réu na contestação ou pelas exceções que venha a opor à reconvenção (arts. 584º, 587º e 3º, n.º 4) e pelos factos constitutivos, modificativos ou extintivo do direito que forem supervenientes (quer essa superveniência seja objetiva, por se tratar de factos ocorridos historicamente após as partes terem apresentados na ação os seus articulados no momento processualmente próprio, apresentando neles a sua pretensão – pedido – e os respetivos fundamentos – causa de pedir – e a respetiva defesa – exceções e contra-exceções -, quer essa superveniência seja subjetiva, por respeitar a factos que, muito embora tenham ocorrido historicamente em momento anterior à apresentação daqueles articulados, eram então desconhecidos pela parte que apresente o articulado superveniente, por motivo que não lhe pode ser imputável) que tenham sido carreados pelas partes para o processo, nos termos do art. 588º, e sem prejuízo do disposto nos arts. 264º e 265º, que permitem a alteração de pedido e da causa de pedir nos casos neles expressamente enunciados, e nos arts. 261º a 263º, em que se prevê modificações subjetivas da instância nos casos também neles enunciados.
Note-se que o thema decidendum assim fixado pelas partes delimita necessariamente o campo de instrução e decisão do tribunal.
Como tal, na sentença, o tribunal não pode deixar de conhecer de todos os pedidos formulados pelo autor ou pelo reconvinte e encontra-se limitado aos concretos pedidos por estes formulados, quer em termos quantitativos, quer qualitativos, sob pena da sentença que profira ser nula por condenação ultra petitum (arts. 609º e 615º, n.º 1, al. e)).
Na sentença, o tribunal também não pode deixar de conhecer de todos os pedidos formulados pelo autor ou pelo reconvinte à luz de todos os fundamentos (causa de pedir e exceções) que tenham sido por eles invocados, sob pena da sentença que profira ser nula, por omissão de pronúncia, salvo se a apreciação da causa de pedir ou de exceção em relação às quais omitiu pronúncia estiver prejudicada pela solução dada a outra questão que nela apreciou (art. 608º, n.º 2, 1ª parte, e 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte).
E o tribunal também não pode conhecer dos pedidos formulados pelo autor ou pelo reconvinte à luz de outros fundamentos (causa de pedir) que não tenham sido alegados na petição inicial (quanto ao autor) ou pelo réu na reconvenção, ou de outras exceções que não tenham sido invocadas pelas partes, salvo se se tratar de exceção que seja de conhecimento oficioso, sob pena da sentença que profira ser nula, por excesso de pronúncia (arts. 608º, n.º 2, parte final, e 615º, n.º 1, al d), in fine).
Assim é que, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Reafirmando isso mesmo, o art. 552º, n.º 1, als. d) e e), estabelece que, na petição inicial com que propõe a ação, deve o autor expor os factos essenciais que constituem a casa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (al. d)), incumbindo-lhe igualmente formular o pedido (al. e)).
Por sua vez, o art. 260º, em que se consagra o denominado princípio da estabilidade da instância, preceitua que, uma vez citado o réu para a ação, a instância mantém-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consignadas na lei, mais concretamente, nos arts. 261º a 262º, no que respeita às modificações subjetivas, e nos arts. 264º a 266º, quanto às modificações objetivas.
O art. 572º do mesmo Código é expresso em estatuir que, na contestação, deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor (al. b)) e expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções que deduza (al. c).
Depois, da conjugação do art. 607º, n.ºs 3 e 4 com o art. 5º, n.ºs 1 e 2, al. b), resulta que na sentença o juiz só pode considerar os factos essenciais que constituem a causa de pedir invocada pelo autor, na petição inicial, para ancorar o pedido ou pedidos que formula, assim como apenas pode considerar factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas pelo réu ou que integram as contra-exceções opostas pelo autor às exceções invocadas pelo réu.
Quanto aos factos complementares ou concretizadores da causa de pedir ou das exceções invocadas, apesar destes não terem de ser alegados pelas partes nos respetivos articulados, onde, reafirma-se, apenas têm de ser alegados os factos essenciais, o juiz apenas pode julgá-los como provados na sentença que venha a proferir desde que resultem da instrução da causa e desde que tenha observado quanto aos mesmos o princípio do contraditório (al. b) do n.º 2 do art. 5º do CPC). E quanto aos factos instrumentais, além de não terem de ser alegados pelas partes, podem ser julgados provados na sentença (em regra, na motivação do julgamento da matéria de facto quanto aos factos essenciais e/ou aos complementares – n.º 4, do art. 607º), desde que a sua prova resulte da instrução da causa (art. 5º, n.º 2, al. a)).
Destarte, em sede de factos essenciais, continuam a vigorar, em pleno, no âmbito do atual CPC, os princípios do dispositivo e do contraditório, princípios esses que apenas consentem derrogações quanto aos factos complementares e instrumentais nos estritos limites acabados de enunciar.
Como decorrência dos referidos princípios do dispositivo e do contraditório, embora o juiz não esteja sujeito à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5º, n.º 3 do CPC), encontra-se condicionado pelo objeto da ação, integrado não só pelo pedido formulado, mas ainda pela causa de pedir, e pelas exceções que tenham sido alegadas pelas partes e cujos factos essenciais tenham sido por elas alegados, devendo resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas que tenham ficado prejudicadas pela solução dada a outras, e não podendo ocupar-se de questões não suscitadas pelas partes, a não ser que sejam do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2 do CPC), além de que não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, n.º 1 do CPC).
Portanto, na sentença o juiz não pode “pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida”, devendo “o objeto da sentença” coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém, nem ir mais além do que lhe foi pedido”[2], assim como tem de conhecer de todos os pedidos e de todas as causas de pedir e exceções invocadas pelas partes e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, estando-lhe vedado conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que não sejam do seu conhecimento oficioso[3].
O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor, ou seja, o efeito jurídico que pretende obter com a instauração da ação (n.º 3 do art. 581º), isto é, o efeito prático-jurídico por ele pretendido com a instauração da ação e não propriamente a caracterização jurídico-normativa dessa pretensão.
A causa de pedir é, por sua vez, o facto jurídico concreto que serve de base a esse efeito jurídico que o autor almeja obter (nº 4 do mesmo art. 581º do mesmo Código)[4].
Consequentemente, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada pelo autor, supõe a alegação pelo mesmo de factos concretos que se insiram na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional busca.
Sendo a causa de pedir integrada pelos factos concretos em que o autor funda o pedido e estando este obrigado a alegar, no articulado inicial com que intenta a ação, os factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu para sustentar a sua pretensão (pedido), e estando as partes obrigadas a alegarem os factos essenciais integrativos das exceções e contra-execeções que invoquem, decorre, contudo, do n.º 3 do art. 5º, que o juiz não está subordinado à qualificação jurídica feita pelas partes em relação aos  factos essenciais que alegaram em sede de causa de pedir ou de exceções.
Deste modo, embora o juiz esteja limitado aos factos essenciais que consubstanciam a causa de pedir ou que integram as exceções invocadas pelo réu na contestação, ou das contra-exceções que o autor tenha oposto às exceções invocada pelo réu, não se encontra vinculado à qualificação jurídica por estes feita em relação à causa de pedir, às exceções e contra-exceções, na medida em que “se é da competência do juiz indagar e interpretar a regra de direito, pertence-lhe evidentemente a operação delicada da qualificação jurídica dos factos. As partes fornecem os factos ao juiz; mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal, é função própria do magistrado, no exercício da qual ele procede com a liberdade assinalada na 1ª parte do art. 664º” (atual art. 5º, n.º 3 do CPC” (…). “O magistrado pode e deve suprir ex officio, as deficiências ou inexatidões das partes no tocante quer à qualificação jurídica do facto, quer à interpretação e individualização da norma”, mas “… ao corrigir as deduções inexatas e ao suprir a falta de juízos de caráter jurídico, que as partes cometam, o tribunal não pode mudar a razão que a parte fez valer para justificar a providência pedida. Isto é, (…) É livre o tribunal na qualificação jurídica dos factos, contanto que não altere a causa de pedir”[5].
Resulta do que se vem dizendo que a liberdade de qualificação jurídica dos factos essenciais alegados pelo autor para consubstanciar a causa de pedir que invocou no articulado base da ação, que é a petição inicial, ou pelo réu, para consubstanciar a exceção que opôs à pretensão (pedido) formulada pelo autor, ou aos factos essenciais alegados pelo autor e que integram a contra-exceção que oponha à exceção invocada pelo réu, tem como limite intransponível o conjunto de factos essenciais alegados pelas partes e que integram a causa de pedir ou as exceções invocadas, independentemente da qualificação jurídica que sobre os mesmos tenha sido feita pelas partes, funcionando esses factos essenciais como limite ao poder de qualificação jurídica desses factos, que é reconhecido ao julgador pelo n.º 3 do art. 5º.
Tal significa que, em sede de causa de pedir e de exceções impõe-se distinguir entre materialidade fáctica, expressa no conjunto de factos, que integram a causa de pedir ou as exceções deduzidas, a que o julgador se encontra vinculado, da qualificação jurídica dessa facticidade feita pelas partes, ou seja, operar uma cisão entre a materialidade  fáctica em que assenta a pretensão formulada e a exceção e a coloração ou qualificação jurídica desse facticidade alegada, na medida em que o julgador não se encontra sujeito à coloração jurídica dada pelas partes aos factos essenciais que alegaram e que consubstanciam a causa de pedir ou as exceções que deduziram, mas encontra-se submetido, de forma intransponível, a essa materialidade fáctica.
No seguimento da posição que já era perfilhada por Alberto dos Reis, embora com naturais renitências, a jurisprudência vem admitindo, dentro de certos parâmetros, o suprimento ou correção de um efeito jurídico pretendido pelo autor, admitindo a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequada à situação em litígio.
Nessa medida, vem-se sustentando que “a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivos dos princípios, também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que formulou a pretensão material juridicamente inadequada, não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado, cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…”[6].
Por isso, o STJ, por acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2001, de 23/01/2001, publicado no DR. n.º 34/2001, Série I-A de 09/02/2001, firmou jurisprudência segundo a qual: «Tendo o autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do ato em relação ao autor (n.º 1 do art. 616º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664º do CPC».
Parafraseando as palavras de Antunes Varela, escreve-se nesse acórdão que obrigar-se o autor num caso destes “a sofrer a improcedência da ação, para vir em seguida (dando o nome certo aos bois) requerer a declaração de ineficácia do ato, (…) seria uma violência e a clara denegação prática de tudo quanto se deve ao direito processual, na supremacia relativa ao direito substantivo (…) sobre os puros ritos do direito adjetivo”.
No mesmo sentido, reconhecendo ser admissível uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida pelo autor, com vista a alcançar o efeito jurídico prático por ele visado com a instauração da ação, o STJ, no assento n.º 4/95, de 28/03/1995, fixou jurisprudência no sentido de que: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art. 289º do CC”.
Consentaneamente com a jurisprudência que vimos enunciando, no acórdão do STJ de 07/04/2016, conclui-se que o que identifica o efeito jurídico visado alcançar pelo autor da ação (pedido), “enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido, e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente julgamento de objeto diverso do peticionado”, conquanto que exista “uma homogeneidade e equiparação prática entre o objeto do pedido e o objeto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspetivas decisivamente e apenas questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida”, daqui decorrendo que, “não será possível atribuir ao autor bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados”.
Assim, “ (…) é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o autor procurava obter através da pretensão que efetivamente, na sua estratégia processual, curou de formular”.
“O grupo de situações em que se pode admitir (…) a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor situa-se no campo dos valores negativos do ato jurídico pretendido: pretendendo o autor, em termos práticos e substanciais, a destruição dos efeitos típicos que se podem imputar ao negócio jurídico celebrado, ocorre uma deficiente perspetivação jurídica desta matéria, configurando a parte o efeito prático-jurídico pretendido – de aniquilação do valor e eficácia do negócio – no plano das nulidades quando, afinal, a lei prevê para essa situação um regime de ineficácia ou inoponibilidade; ou na invocação de um regime de anulabilidade quando o valor negativo do ato se se situa no plano da nulidade, ou vice-versa. Sendo o objetivo prosseguido pela parte a aniquilação ou destruição dos efeitos produzidos pelo ato em causa, não deverá um simples erro de configuração normativa do valor negativo do ato e do particular regime que lhe corresponde ditar a injustificável improcedência da ação, com os custos de celeridade e economia processual a que atrás se aludiu, quando, com toda a certeza, o autor se conformaria inteiramente com a aplicação do regime que decorre da correta caracterização normativa da pretensão deduzida”.
Serve o excurso antecedente para concluir que, contanto que na sentença que profira se atenha exclusivamente aos factos essenciais que tenham sido alegados pelo autor para consubstanciar a causa de pedir em que ancora o efeito prático-jurídico por ele pretendido (pedido) e se contenha dentro dos limites desse pedido, bem como se atenha aos factos essenciais integrativos das exceções e contra-exceções que as partes alegaram e se provaram, o julgador não se encontra sujeito à qualificação jurídica normativa do pedido feita pelas partes, nomeadamente, pelo autor na petição inicial, podendo convolar a qualificação jurídica para uma distinta, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.º 3 do art. 5º do CPC, sem que com isso incorra em qualquer excesso de pronúncia ou em condenação em objeto diverso do pedido.
No entanto, tendo presente o princípio do contraditório, o qual, reafirma-se, continua a ser um dos princípios estruturantes do ordenamento adjetivo nacional, o qual, inclusivamente, foi reforçado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, em que a par da dimensão negativa do mesmo, que tem por escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, no n.º 4, do art. 3º, plasmou a vertente positiva do princípio em causa, que tem por objetivo salvaguardar o direito das partes de influenciarem a decisão que vai ser proferida, proibindo-se a prolação de decisões surpresa, antes de proceder a essa convolação o julgador terá de observar o princípio do contraditório, sob pena de incorrer em nulidade processual secundária, que caso se projete na sentença, determina a nulidade desta[7].
Assentes nas premissas que se acabam de expor, pretende a apelante (ré) que, na sentença sob sindicância, o tribunal a quo procedeu à convolação oficiosa do pedido formulado pela apelada (autora) em ver declarada a resolução do contrato de compra e venda tendo por objeto a câmara de frio entre ambas celebrado, para a anulação desse contrato, sem que tivesse previamente observado o princípio do contraditório, dando oportunidade às partes para se pronunciarem sobre essa convolação, o que determina que a sentença configure uma decisão surpresa e, consequentemente, determina a sua nulidade, mas, antecipe-se desde já, sem manifesto fundamento fáctico.
A apelada instaurou a presente ação pedindo, além do mais, que se declarasse a resolução do contrato de compra e venda que celebrara com a apelante, tendo por objeto uma câmara de frio, em virtude desta não conservar, durante 48 horas, as massas para a confeção de pão de dois quilogramas, função essa que lhe foi assegurada pelo vendedor e representante da apelante (vendedora) e de ter sucessivamente solicitado à última para que diligenciasse no sentido de que aquela câmara de frio fosse colocada de modo a cumprir essa função que lhe foi assegurada, e das intervenções que esta nela fizera, sem êxito, a ter interpelado, por carta de 31 de agosto de 2020, para, no prazo de dez dias, eliminar aquele defeito, assim permitindo que a câmara de frio para três carros pudesse assegurar o fim para que foi adquirida e lhe foi assegurada, o que não aconteceu, mantendo-se a câmara de frio sem cumprir a função para que a adquirira e que lhe foi assegurada pelo vendedor da apelante.
Analisada a sentença recorrida verifica-se que, ao contrário do pretendido pela apelante, nela a 1ª declarou resolvido o identificado contrato de compra e venda tendo por objeto a identificada câmara de frio, e não, a declaração da anulabilidade deste, tanto assim que, na parte dispositiva da mesma declarou-se “resolvido o contrato de compra e venda da câmara de frio adquirida à ré em 13/05/2020”, e, em consequência, condenou-se “a ré a restituir o preço pago pela autora, no montante de 9.528,81 euros (7.746,00 euros + IVA), contra a devolução da câmara de frio, que deverá ser levantada pela ré nas instalações da autora”.
 Acresce que, essa condenação foi exclusivamente determinada na sentença tendo como  fundamento fáctico os factos que foram alegados pela apelada na petição inicial, não tendo a 1ª Instância procedido a um enquadramento jurídico distinto desses factos (causa de pedir), mas tão somente nela aderido ao entendimento doutrinário sufragado por Pedro Romano Martinez,  ao escrever que, perante a circunstância da câmara de frio comprada não apresentar as qualidades que lhe foram asseguradas pela vendedora (apelante e ré), “perfilavam-se à autora várias alternativas, sendo a mais gravosa delas a anulação (ou, melhor, “resolução”) do contrato, nos termos do disposto no artigo 905º do Código Civil, por remissão do artigo 913º do mesmo diploma” , passando em seguida a transcrever o identificado art. 905º.
Daí que, na sentença sob sindicância a 1ª Instância não convolou o pedido de resolução do contrato de compra e venda celebrado para a anulação desse contrato, nem procedeu a um enquadramento jurídico da facticidade que fora alegada pela apelada na petição inicial para um outro enquadramento distinto, mas antes o que nela expressamente se escreve é que, de acordo com a doutrina de Pedro Romano Martinez, a anulação do contrato prevista no art. 905º para a “venda de bens onerados”, no caso de venda de coisa defeituosa, não dá lugar à anulação do contrato celebrado, mas antes  à respetiva resolução, sendo este o sentido interpretativo a retirar de tudo o quanto nela se escreve.
Aliás, caso assim não fosse e vingasse a tese interpretativa sufragada pela apelante, ocorreria inapelavelmente uma manifesta contradição entre os fundamentos de direito avocados pelo julgador na sentença e a decisão que aí proferiu e que se encontra explanada na respetiva parte dispositiva, em que expressamente declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado.
Note-se que na senda do que se escreve na sentença, segundo Romano Martinez, no caso de venda de coisa defeituosa, “ao comprador é facultado o exercício do direito de resolução do contrato. A remissão que o art. 913º do CC faz para o art. 905º do CC levaria a pressupor que não se estaria perante uma resolução, pois fala-se em anulabilidade do contrato. Porém, pelas razões invocadas a propósito de compra e venda de coisas oneradas relativamente ao art. 905º do CC, parece que também, quanto ao art. 913º do CC, deve entender-se que se trata de uma resolução do contrato”[8].
Daí que, salvo melhor entendimento, na sentença recorrida o tribunal a quo não procedeu a qualquer convolação oficiosa do pedido de resolução do contrato de compra e venda da câmara de frio deduzido pela apelada na petição inicial para a anulação desse mesmo contrato por erro vício, nos termos do disposto no art. 905º, mas antes se  limitou a aderir à tese doutrinária propugnada pelo autor acabado de identificar, embora se consinta que nela não se foi feliz na exposição dessa tese, posto que se fez uma exposição deficiente da mesma, sem que, contudo, essa deficiência consinta a tese interpretativa propugnada pela apelante de que se teria procedido a uma convolação do pedido deduzido pela apelada para um enquadramento jurídico distinto desse pedido.
Reafirma-se, resulta expressamente da parte dispositiva da sentença proferida que a 1ª Instância declarou nela resolvido o contrato de compra e venda celebrado (não a sua anulabilidade).
Por conseguinte, na sentença em análise não ocorre qualquer entorse ao princípio do contraditório, designadamente, por via de nesta se transcrever o teor do art. 905º do CC, que não fora efetivamente invocada pela apelada na petição inicial. Não foi, nem tinha de o ser uma vez que, nesse articulado inicial, a apelada (autora) fundou a sua pretensão em ver resolvido o contrato de compra e venda celebrado com a apelante (ré) na circunstância (causa de pedir) da câmara de frio que esta lhe vendera não cumprir a funcionalidade que lhe foi assegurada pelo vendedor da apelante e alegou a pertinente facticidade essencial, tanto bastando para que o tribunal e a apelante (ré) conhecessem qual a causa de pedir eleita pela apelada para ancorar a sua pretensão resolutiva do contrato de compra e venda celebrado e saberem qual o enquadramento jurídico em que a pretensão de tutela judiciária formulada pela apelada se baseava, sem que o tribunal, por via do disposto no art. 5º, n.º 3 do CPC,  se encontrasse, inclusivamente, subordinado a esse enquadramento jurídico que a apelante fizesse, na petição inicial, da facticidade essencial da sua pretensão que nela alegara ou que fosse feito pela apelante (ré) na contestação, ou em sede de alegações orais.
Acresce dizer que, na petição inicial, a apelada alegou expressamente que a sua pretensão em ver resolvido o contrato de compra e venda da câmara de frio se fundamentava no regime da compra e venda de coisa defeituosa e aí adiantou que esse regime jurídico se encontra “regulado no arts. 913º e ss. do Código Civil”.
 Ora, o art. 913º do CC é expresso em estatuir que: “Se a coisa vendida sofrer vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinado, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”, remetendo, pois, para o art. 905º e ss. do CC, pelo que, até por aqui, a apelante não podia ignorar, nem ignorava, aquela disposição legal a que apelava a apelada para suportar o seu pedido.
Em suma, decorre do que se vem dizendo que, na sentença sob sindicância não se procedeu a qualquer convolação oficiosa do pedido formulado pela apelada na petição inicial, não ocorrendo, por isso, na sentença recorrida qualquer violação ao princípio do contraditório que determine a sua nulidade, por configurar uma pretensa decisão surpresa.
Termos em que sem mais considerações, por desnecessárias, improcede este fundamento de recurso.

B- Da impugnação do julgamento da matéria de facto   
A apelante impugna o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada na sentença nos pontos 6º, 7º e 14º e, bem assim, quanto à nela julgada não provada nas alíneas B), F), G) e H).
Analisadas as alegações de recurso é inegável que a apelante cumpriu suficientemente com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, na medida em que indica nas conclusões de recuso os concretos pontos da matéria de facto que impugna, assim como, na motivação (e, inclusivamente, erroneamente, nas conclusões, sem que desse erro incorra qualquer consequência legal para a sorte do recurso em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto que opera) as concretas respostas que, na sua perspetiva, deve recair sobre cada um dos pontos da matéria de facto que impugna, além de que indica os concretos meios de prova que, a seu ver, impõem o julgamento de facto diverso que postula e, quanto à prova gravada, indica o início e o termo dos excertos em que funda o seu recurso e, inclusivamente, procede à transcrição desses excertos.
Destarte, não tendo sido colocado em crise pela apelada o cumprimento pela apelante dos identificados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto a que esta se encontra legalmente subordinada e sem cuja observância não é consentido ao tribunal ad quem entrar na apreciação dessa impugnação, abstemo-nos de maiores desenvolvimentos quanto a esta questão.
No entanto, antes de entrarmos na apreciação da concreta impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante impõe-se enunciar quais os critérios que devem presidir à reapreciação pelo tribunal ad quem da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância operado pela apelante e em que lhe é consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo.
Seguindo a lição de Abrantes Geraldes, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova, que é o princípio regra vigente no âmbito do processo civil nacional, o tribunal de recurso só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto tem de realizar um novo julgamento; nesse novo julgamento o tribunal de recurso forma a sua convicção de forma autónoma; para a formação dessa sua convicção o tribunal de recurso não só reaprecia os meios de prova especificados por recorrente e recorrida, nas alegações e nas contra-alegações de recurso, respetivamente, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se para formar uma convicção segura; sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, nesse novo julgamento o tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, gozando, portanto, o tribunal de recurso dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o julgador da 1ª instância[9]; na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou mesmo ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida (art. 662º, n.º 2, als. a) e b) do CPC); sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, se através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum o tribunal de recurso consiga, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente, adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal a quo; em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto realizado por este, nomeadamente, face a depoimentos contraditórios e à fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da ciência, da lógica e da experiência comum, deverá prevalecer esse julgamento de facto, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[10].
  Na verdade, estabelece o art. 662º, n.º 1 do CPC que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, do que resulta, clara e linearmente, que para que ao tribunal de recurso seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo que venha impugnado pelo recorrente não basta que a prova por ele indicada, isolada ou conjuntamente com a restante prova produzida, a que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento de facto que venha propugnado pelo recorrente, mas é necessário que o imponha, o que bem se compreende.
Com efeito, estando em causa facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, mantendo-se no atual CPC em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, tendo presente esses princípios e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis àquele, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Por isso, compreende-se que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só devam ser usados quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova que entenda pertinente, a Relação conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo, contudo, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova fazer prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância, em observância aos já enunciados princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”[11].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, urge entrar na apreciação do julgamento da matéria de facto impugnada pela apelante.

B.1- Da impugnação da facticidade julgada provada no ponto 6º e da julgada não provada na alínea b).
Na sentença recorrida julgou-se provado que:
“6- Em momento prévio à aquisição da câmara de frio, o vendedor da ré AA transmitiu aos sócios da autora que as massas para pães de 80 g, 1 kg e 2 kg, poderiam ser conservadas naquele equipamento, pelo menos, até 48 horas após serem preparadas.
E julgou-se não provado que:
“b) O vendedor da ré transmitiu à autora, antes da venda, que a câmara de frio se destinava a conservar massa para a produção de pão pequeno, cerca de 50 g.”.
A 1ª Instância motivou o julgamento de facto que assim realizou nos seguintes termos:
Facto provado 6: No que respeita a este facto, bem como a outros que concernem ao que teria sido aconselhado / informado / transmitido pelo vendedor da ré AA aos sócios da autora em momento prévio à aquisição da câmara de frio, não foi possível obter uma versão unívoca por parte daquele comercial da ré e da sócia da autora DD, que foram os únicos a depor sobre essa matéria. Ainda assim, surgiu-nos como mais credível, pelas razões já expostas, ligadas à respetiva espontaneidade e serenidade, o depoimento de DD, que, além do mais, é coerente com os factos expostos na reclamação que a autora fez logo em 24-06-2020. Quanto ao tamanho dos três tipos de pães a conservar na câmara de frio, DD explicou, de modo igualmente assertivo e coeso, que é essa a única razão pela qual a câmara foi encomendada com três carrinhos. Assim, apesar de AA, nessa parte, ter pretendido fazer crer que a câmara de frio só estaria preparada para pão bijou de 50 g, e que tal informação teria sido transmitida à autora, não se vislumbra motivo algum para que a autora, a ser verdade esta versão, tivesse adquirido três carrinhos para a máquina de frio. Acresce que de nenhum documento técnico da câmara de frio, que foram juntos com vista à realização da perícia, ou de outro, se retira qualquer restrição em termos de tamanho das massas a conservar. Mais, todo o depoimento de AA, mas também de EE, na parte em que procuraram desacreditar a versão da autora - transmitindo, em síntese, que a autora deixou de estar interessada, sem razão válida, na câmara de frio, e dando assim a entender que a insatisfação da autora não será mais que um mero capricho ou que decorre da sua inabilidade para produzir massa de pão em condições de ser conservada - não assume sentido lógico, quer porque, tendo aquela adquirido outros equipamentos à ré, não veio pedir a devolução dos mesmos, quer porque, se não existisse nenhum “problema”, a ré nunca teria feito deslocar, pelo menos 9 vezes, técnicos às instalações da autora (com os custos inerentes a essa “assistência” pós-venda), nem o próprio EE teria transmitido a DD que iria sugerir à ré a devolução do equipamento. Donde, também por estes motivos, na sua globalidade, foi muito mais credível a versão dos factos apresentada por DD do que aquela que foi exposta por AA ou EE.
(…).
Factos não provados b) a d): Remete-se para a motivação do facto 6”.

A apelante impugna o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância ancorando-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas AA, DD e EE, pretendendo que, em função desses depoimentos, se impõe concluir pela prova da materialidade fáctica julgada não provada pela 1ª Instância e pela não prova da que julgou provada, pelo que urge verificar se lhe existe razão, sem que se perda de vista o que antes se expôs quanto aos critérios em que é consentido ao tribunal ad quem alterar o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo.
Antes de mais cumpre referir que procedemos à análise de toda a prova documental e pericial constante dos autos, bem como à audição de toda a prova testemunhal que foi produzida em audiência final e, antecipe-se desde já, que não podemos deixar de aderir à convicção da 1ª Instância.
A testemunha EE, técnico de frio de refrigeração, que exerce a sua atividade profissional para a apelante, referiu ter-se deslocado, por diversas vezes, à padaria da apelada, na sequência das queixas apresentadas pela D. CC, sócia da apelada e mulher do sócio gerente desta, Senhor BB, de que a massa “não saía em condições” da câmara de frio. Referiu que, nas primeiras deslocações que fez a essa padaria, era verão, o pão levedava muito e que concluiu que, como a senhora (D. CC) tinha outros produtos na câmara de frio, que não apenas a massa de pão, sugeriu a substituição do motor da câmara, o que foi feito, tendo sido instalado um motor mais potente na câmara de frio, mas a senhora continuava a queixar-se; nunca viu a D. CC a fazer a massa para o pão, mas esta ligou, comunicando que a massa acondicionada na arca de frio apresentava uma crosta. Referiu que, em 2022, acabou por transmitir à D. CC que iria propor à apelante para que retomasse a câmara de frio, o que não foi por ela aceite. Afirmou que, na sua perspetiva, a câmara de frio “não tem qualquer problema, o que acontece é que a matéria prima utlizada (para o fabrico do pão) tem problema”, embora não saiba concretizar que “problema” é esse. Mais referiu que, numa dessas deslocações à padaria da apelada, fez-se acompanhar de um técnico de panificação e que esse técnico esteve a fazer massa de pão, tendo ambos passado a noite na padaria até às 05.00 horas da manhã, deixando a massa de pão elaborada pelo técnico de que se socorrera na câmara de frio e regressaram a casa. Sucede que, a D. CC telefonou, comunicando-lhe que a massa que o técnico produzira “não estava bem”.
Mais referiu que, a zona onde se situa a padaria da apelada é muito quente; que a circunstância da D. CC acondicionar na câmara de frio outros produtos destinados
a confeção de produtos de padaria e pastelaria, não interfere no frio produzido pela câmara, mas sim o facto da porta dessa câmara estar a ser constantemente a ser aberta, como acontece. “A D. CC está abrir a porta da câmara de frio constantemente”.
EE relatou também que, na altura em que foram efetuados os cálculos da câmara de frio a fornecer pela apelante à apelada, esses cálculos não foram efetuados tendo em conta que a porta desta iria “estar a ser aberta de dois em dois minutos e para uma zona tão quente”. Daí que tenha feito à D. CC a tal proposta no sentido de a apelante retomar a câmara de frio que vendera à apelada.
Finalmente, referiu ser sua convicção que a D. CC não quer a câmara de frio, posto que esta afirma que “quer devolver a câmara, mais nada. Ela diz que a câmara não serve, que não precisa da câmara, dizendo umas vezes que não quer a câmara de frio, outras que esta não serve”.
Retira-se do depoimento de EE que se acaba de sintetizar que os cálculos efetuados para a câmara de frio vendida pela apelante à apelada não foram efetuados tendo em consideração que a zona onde se localiza o estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da apelada se localiza num local em que o clima é muito quente, nem o facto da porta da câmara de frio ter de ser aberta frequentemente, conforme, salvo melhor opinião, era facto previsível para a apelante (vendedora), dado que numa arca de frio a compradora não iria naturalmente apenas acondicionar a massa destinada ao fabrico de pão, mas todos os artigos necessários à produção de pão e de artigos de pastelaria e, bem assim, que seriam comercializados num estabelecimento comercial de padaria e pastelaria.
Concordantemente com o que se acaba de dizer, a testemunha FF, que é o tal técnico de panificação que se deslocou ao estabelecimento de padaria e pastelaria da apelada a pedido da testemunha EE, e onde esteve a produzir massa de pão (conforme referiu, corroborando, assim, o depoimento de EE quanto a estes concretos aspetos), relatou que, na altura dessa deslocação, estava muito quente, calculando a  temperatura ambiente  que se fazia sentir no local onde se situa o estabelecimento comercial de padaria e de pastelaria da apelada em cerca de 50 graus celsius.
FF referiu também que o estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da apelada é um espaço pequeno, onde é fabricado o pão e artigos de pastelaria, e que nesse espaço de reduzidas dimensões encontram-se instalados a câmara de frio, dois fornos e a banca onde é amassada a massa para a produção de pão e os artigos de pastelaria e onde igualmente são atendidos os clientes do estabelecimento, tratando-se de um espaço em que se situa a área de produção e de comercialização do estabelecimento.
Relatou que a porta de entrada nesse espaço encontra-se constantemente aberta e que a câmara de frio tem “por função retardar a fermentação da massa do pão”, concluindo, “mas se está muito calor, enquanto o frio chega ao núcleo da massa do pão” (acondicionada no interior da câmara de frio), “demora para aí meia hora, e não há equipamento que resolva o problema. É como parar o imparável. Como o calor é extremo” (no local onde se situa a padaria e pastelaria da apelada, agravado pelas reduzidas dimensões do estabelecimento em causa, cuja porta naturalmente permanece permanentemente aberta ao público, bem como pela circunstância de, nesse pequeno espaço, ser produzido o pão e os artigos de pastelaria nele confecionados, onde existem dois fornos – um elétrico e outro a lenha), “quando o frio” (produzido pela câmara de frio) “chega ao núcleo do pão”, a massa já está a levedar/fermentar e já não há nada a fazer”. Quando se deslocou ao local “guardava-se na câmara de frio fiambre e outras coisas, o que é normal” (o que, refira-se, é uma evidência) e “claro está que, por via disso, há necessidade de abrir a câmara de frio mais vezes” para se recolher esses produtos. “Há um inimigo do pão, que é a corrente de ar com aquele calor”.
A testemunha FF concluiu que, perante os dados que constatou, se limitou a aconselhar a D. CC para que evitasse abrir a porta da câmara de frio.
Logo, do depoimento prestado por EE quando conjugado com o depoimento da testemunha EE retira-se que, para além  da apelante, nos cálculos que efetuou quanto à câmara de frio a fornecer à apelada não ter sido considerado a temperatura de extremo calor que se faz sentir no local onde se situa o estabelecimento de padaria e pastelaria da apelada, e que a porta dessa câmara de frio que iria fornecer/vender à apelada iria ser naturalmente aberta frequentemente, também não se considerou que esse estabelecimento comercial de padaria e pastelaria se localiza num espaço físico de reduzidas dimensões, onde se situa a zona de fabrico do pão e dos artigos de pastelaria, que nele iriam existir dois fornos (um elétrico e outro a lenha, também vendidos pela apelante à apelada) e onde eram, em simultâneo, atendidos os clientes da padaria e da pastelaria, pelo que a porta de entrada nesse espaço estaria naturalmente sempre aberta, o que permitiria que o calor extremo da temperatura ambiente se infiltrasse no interior do estabelecimento (simultaneamente zona de confeção e de exploração), a qual se infiltraria necessariamente no interior da câmara de frio quando a respetiva porta fosse aberta, o que, reafirma-se, se antevia necessariamente como sucedendo frequentemente.
Do depoimento do identificado EE retira-se ainda que, na sequência das queixas apresentadas pela testemunha DD, sócia da apelada e mulher do sócio gerente desta (Senhor BB), foram sucessivas as deslocações dos técnicos da apelante, mormente de EE, ao estabelecimento de pastelaria e confeitaria da apelada, onde intervencionaram a câmara de frio que a apelante tinha vendido, sem que essas intervenções lograssem obter êxito, posto que a D. CC logo se queixava que a massa de pão acondicionada na câmara de frio apresentava uma crosta, que uma vez cozida, o pão era impróprio para o consumo, ao ponto de a apelante ter sugerido que o problema não residia na câmara de frio fornecida/vendia, mas antes no processo de fabrico de pão e de, nessa sequência, se ter deslocado à padaria e pastelaria com a testemunha FF, técnico  de panificação e pastelaria e formador nessa área, que produziu a sua própria massa de pão, mas sem que o resultado da massa de pão que produzira obtivesse melhor resultado que a que era produzida pela D. CC, a testemunha DD.
Note-se que o que se vem dizendo não só resulta dos depoimentos das testemunhas EE e FF, mas é corroborado pelos testemunhos de DD e AA, vendedor da apelante, com quem a testemunha CC e marido (Senhor II) negociaram a compra da câmara de frio, e é corroborado pela prova objetiva junta aos autos, que é a documental, mais concretamente pelo teor dos mails e correspondência trocados entre apelada e apelante, juntos aos autos a fls. 13 a 14 e 16 a 21.
Com efeito, AA referiu que, tendo sido instalada a câmara de frio, em data que afirmou desconhecer, mas que situa cerca de 2 ou 3 meses após a instalação desta, a D. CC telefonou-lhe queixando-se não “estar satisfeita com a câmara”, na sequência do que, o mesmo se deslocou ao estabelecimento da apelante, fazendo-se acompanhar por um técnico.
Pretendeu, contudo, desconhecer o que a câmara de frio tinha e tudo o quanto depois disso se veio a passar, o que naturalmente não colhe à luz das regras do normal acontecer, já que não se antolha como razoável aceitar-se que o vendedor da câmara de frio se tivesse desinteressado pelo desenrolar da situação da câmara e não se tivesse informado junto do técnico que o acompanhara ao estabelecimento comercial da apelada sobre qual o concreto problema que apresentava a câmara de frio.
Avançando.
A testemunha AA, vendedor da apelante, que negociou a venda da câmara de frio à apelada pretendeu que, na altura em que negociou a compra e venda dessa câmara, comunicou à D. CC que esta apenas permitia conservar massa de pão de 50 gramas (“bijou normal”) durante 24 horas, negando que lhe tivesse comunicado que a câmara de frio a fornecer/vender fosse apta a conservar massa de outro tipo de pão, durante 48 horas.
Quando questionado sobre o tipo de pão que iria ser produzido no estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da apelada, a testemunha AA pretendeu “não fazer ideia”.
Ora, para além do depoimento do identificado AA apresentar a insuficiência probatória acima já elencada, dir-se-á que não colhe à luz do normal acontecer que pretendendo a apelada comprar uma câmara de frio para o estabelecimento de padaria e pastelaria que ia abrir, que nas negociações que os seus sócios (a testemunha CC e marido) não tivessem comunicado à testemunha AA, vendedor da câmara de frio, com quem estavam a negociar a compra daquela, qual a finalidade que com ela pretendiam prosseguir e, bem assim, que caso não o tivessem feito, esse concreto vendedor da apelante não os tivesse questionado a esse respeito.
Daí que, salvo melhor entendimento, o depoimento da testemunha AA, que já nos merecera a crítica acima referida, não nos mereça qualquer credibilidade quanto a este aspeto.
Por sua vez, sem que se descure que a testemunha DD é efetivamente sócia da apelada e mulher do sócio e gerente desta (Senhor II), e que, por isso, tem manifesto interesse no resultado da presente ação em sentido favorável aos interesses da apelada, prestou efetivamente um depoimento sereno, objetivo e assertivo, além de que a versão dos factos que apresentou é corroborada pela restante prova produzida, incluindo a documental acima já identificada e analisada.
Com efeito, DD referiu que pretendendo, mais o marido, abrir um estabelecimento comercial de padaria e pastelaria, área em que fizera um curso de formação de dois anos, telefonou para a “EMP03...”, com cujo vendedor (a testemunha AA) se veio encontrar, mais o marido, na ..., a quem transmitiram que “precisavam de um frigorífico para guardar uns ovos”, ao que o identificado JJ lhes respondeu: “Não, assim vocês não conseguem trabalhar”, propondo-lhes que comprassem uma câmara de frio.
Referiu que, na altura, comunicou a AA que o pão que iria ser produzido no estabelecimento de padaria e pastelaria que iriam abrir era pão de 80 gramas, de 1 Kg e de 2 Kg., aos que AA lhes garantiu que a câmara de frio que se propunha vender-lhes era apta a refrigerar a massa para esses tipos de pão durante 48 horas; reafirmou que: “desde o primeiro dia ela disse (a AA) que tipo de pão que queria confecionar (pão de 80 gramas, de 1 Kg. e 2 Kgs.) e este garantiu-lhe que a câmara” que se propunha fornecer refrigerava a massa para todos esses tipos de pão durante 48 horas.
Note-se que essa versão dos factos de DD não só se mostra conforme ao normal acontecer, posto que naturalmente que a mesma e o seu marido não deixariam de comunicar ao vendedor da câmara de frio da apelante, com quem estavam a negociar a compra desta, que tipo de pão iria ser comercializado no estabelecimento de padaria e pastelaria que iriam abrir e cuja massa pretendiam acondicionar na câmara de frio que se propunham comprar e o período de tempo em que esta poderia aí ser acondicionada até ser cozida sem que se deteriorasse, como o identificado vendedor não deixaria de os questionar sobre essas questões e de lhes prestar as informações pertinentes (se era ou não possível acondicionar a massa de pão que aqueles pretendiam produzir, a fim de o comercializarem no estabelecimento, uma vez cozido, na câmara de frio que se propunha vender e durante quanto tempo sem que essa massa se deteriorasse) .
Acresce que a dita versão dos factos apresentada por DD mostra-se concordante com o teor do mail que a mesma remeteu, em 06/06/2020, à apelante, que se encontra junto a fls. 13 do processo físico, onde precisamente escreve: “(…) mas o que nos foi dito é que só tínhamos de colocar as massas dentro da câmara e que estas se conservavam exatamente iguais durante 48 horas”, sem que esta afirmação transmitida à apelante merecesse contestação.
Ademais, a versão dos factos apresentada pela testemunha DD é corroborada pelas sucessivas comunicações trocadas entre apelada e apelante (cfr. teor dos documentos de fls. 13 a 14 e 16 a 21 dos autos) e pela circunstância de a apelante ter sucessivamente enviado os seus técnicos para que solucionassem o problema da câmara de frio, sem êxito, ao ponto de ter recorrido a um técnico da área de panificação e pastelaria (a testemunha FF), perante a impossibilidade dos seus técnicos solucionarem os problemas apresentados pela câmara de refrigeração que vendera, apesar das sucessivas intervenções que nela realizaram, aventando a hipótese “do problema não residir na câmara, mas antes no modo como a testemunha KK produzia a massa do pão”, tudo conforme foi por esta relatado em audiência final e cujo depoimento foi corroborado pela prova acima já identificada e analisada.
Resulta do que se vem dizendo que, longe da prova produzida não permitir o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, essa prova impõe precisamente esse julgamento, pelo que, na improcedência dos fundamentos recursórios invocados pela apelante, mantêm-se inalterados o ponto 6º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, bem como a alínea b) da facticidade nela julgada não provada.

B.2- Da impugnação da facticidade julgada provada nos pontos 7º e 14º e da julgada não provada nas alíneas f), g) e h).
Nos pontos 7º e 14º o tribunal a quo julgou provado o seguinte:
“7- Porém, logo que as massas de pão foram colocadas na câmara, levedaram muito rapidamente e criaram uma crosta que as inutilizou.
14- O próprio padeiro preparou as massas e estas, depois de colocadas na câmara de frio, voltaram a criar crosta”.

E julgou não provada a facticidade que se segue:
“f) A “crosta” referida pela autora deve-se ao facto de a massa ser preparada numa zona de fabrico muito quente (38.ºc), que faz com inicie o processo de fermentação de forma precoce.
g) Por outro lado, como as portas da zona de produção se encontram abertas, as correntes de ar também originam a situação mencionada.
h) A representante da autora referiu ao colaborador da ré não ter formação na área da padaria!”.

A apelante impugna o julgamento de facto assim realizado, pretendendo que a prova produzida impõe que se julgue não provada a facticidade considerada provada pela 1ª Instância e se julgue como provada a que foi julgada não provada, ancorando essa impugnação na materialidade fáctica  que se encontra dada como provada nos pontos 23º e 24º da sentença (não impugnados), conjugada com os depoimentos prestados pelas testemunhas EE, CC, FF, teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 178 a 179, esclarecimentos de fls. 186 e, bem assim esclarecimentos prestados em audiência final pelo perito GG, mas, antecipe-se desde já, sem razão.
 Com efeito, a facticidade julgada provada nos pontos 7º e 14º assenta no depoimento prestado pela testemunha DD, que acima já se analisou, e conforme se referiu, não só se mostrou sereno, objetivo e assertivo, como a sua versão dos factos é corroborada pela prova que supra se identificou e analisou, inclusivamente pelo depoimento da testemunha FF, técnico de panificação e de pastelaria e formador nesta área, a quem a apelante recorreu no contexto já referido.
Relembra-se que a testemunha FF atribuiu a causa da massa de pão acondicionada na câmara de frio fermentar/levedar, não à massa de pão produzida pela testemunha DD apresentar “defeito”, mas antes à elevada temperatura ambiente do local em que se situa o estabelecimento de padaria e pastelaria da apelada; ao facto de se tratar de um espaço de reduzidas dimensões, onde se situa, em simultâneo, a área de confeção e de comercialização do estabelecimento; de no interior desse espaço reduzido existir a câmara de frio e dois fornos (um elétrico e outro a lenha) e da porta de entrada desse espaço estar permanentemente aberta (como naturalmente se tem de manter, posto que se trata de espaço onde funciona também a área de comercialização), de modo que a temperatura ambiente elevada que se faz sentir no local onde se situa o estabelecimento comercial em causa se projeta para o interior daquele espaço onde funciona a área de comercialização e de confeção, fazendo com que no interior deste (estabelecimento de padaria e pastelaria) se faça sentir uma temperatura elevada, que se projeta para o interior da câmara de frio sempre que a sua porta é aberta, o que naturalmente acontece frequentemente, quando o calor “é o maior inimigo do pão”.
Aliás, GG, perito, que referiu não possuir quaisquer conhecimentos técnicos e científicos na área da panificação, concordantemente com o que se vem dizendo, relatou que, quando se deslocou ao estabelecimento da apelada a fim de efetuar a perícia, a temperatura ambiental que então se fazia sentir era elevada e que, na altura, o painel da câmara de frio marcava 3,5 graus celsius; aberta a porta dessa câmara, essa temperatura que se fazia sentir no interior da câmara aumentou para 9,5 graus celsius, e que apenas passados 5 ou 6 minutos depois de terem fechado a porta da câmara, a temperatura no interior desta desceu novamente para os 3,5 graus celsius, explicando que o aumento da temperatura no interior da câmara se deveu ao facto de, ao abrir a porta desta, ter ocorrido uma permuta do ar do interior da câmara de frio com o ar que circula no seu exterior, o que é uma evidência demonstrada pelas regras da experiência comum.
De resto, os esclarecimentos prestados pelo perito que se acabam de referir denotam que a apelante não teve em consideração que a câmara de frio  que vendeu à apelada iria ser instalada num local em que a temperatura ambiental é extremamente quente no verão, nem as reduzidas dimensões do espaço físico em que se situa o estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da apelada onde essa câmara de frio iria ser instalada, como foi; que nesse estabelecimento funcionava quer a zona de confeção, onde, além da câmara de frio, iriam ser instalados dois fornos, um dos quais a lenha (que a apelante vendeu à apelada), como o foram, mas também a zona de comercialização do estabelecimento e que, por isso, a porta desse espaço tinha de estar permanentemente aberta para facultar a entrada e saída dos clientes e, bem assim, que a porta da câmara de frio teria de ser aberta frequentemente, a fim de se aceder ao seu interior, para nele ser acondicionada a massa de pão e outros artigos necessários à confeção de pão e pastelaria, além de produtos comercializados num estabelecimento desse tipo, como fiambre, leite, cervejas, refrigerantes, etc., e para se recolher esses produtos quando necessários, o que forçosamente provocaria a permuta entre o ar frio existente no interior da câmara de frio e o ar quente existente no seu exterior e que o “calor é o maior inimigo do pão”.
Logo, apesar da massa do pão ser preparada numa zona de fabrico muito quente, a “crosta” apresentada pelo pão cozido não se deve a esse facto, mas antes aos factos que se acabam de enunciar.
A porta da zona de produção, que apenas é uma única, é, em simultâneo, a porta de entrada e de saída da zona de comercialização do estabelecimento de padaria e pastelaria da apelada.
Acresce dizer que, conforme referiram as testemunhas EE e DD, esta, nem o seu marido (Senhor II), nunca tinham trabalhado enquanto padeiros, mas DD frequentara, durante dois anos, um curso de formação na área da padaria e pastelaria, assim se compreendendo, aliás, que se tenha lançado, mais o marido, no projeto de abertura e exploração de um estabelecimento de padaria e pastelaria, de que é padeira e pasteleira.
Destarte, perante os fundamentos probatórios que se acabam de identificar, o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância mostra-se totalmente concordante com a prova produzida.
Improcede, pois, os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, mantendo-se inalterada a facticidade constante dos pontos 7º e 14º da materialidade fáctica julgada provada na sentença e, bem assim, a nela julgada não provada nas alíneas f), g) e h).
Decorre do exposto, improceder a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, que assim se mantém inalterado.
C- Mérito  
C.1- Das consequências jurídicas decorrentes da venda de coisa defeituosa.
 Na sentença qualificou-se o contrato de compra e venda, mediante o qual a apelante vendeu uma câmara de frio e instalou-a no estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da apelada como contrato de compra e venda mercantil, o que merece a nossa total concordância, dado que sendo apelante e apelada sociedades comerciais, nos termos do art. 13º do Cód. Com., estas são ope legis comerciantes, e não tendo o contrato em causa natureza exclusivamente civil (v.g., casamento, perfilhação, ilícito gerador de responsabilidade civil extracontratual), nem dele resultando a ausência de qualquer ligação ou conexão com a concretização dos negócios a que se dedicam compradora e vendedora, mas antes se extraindo o contrário, estamos perante um ato subjetivamente comercial, mais concretamente, perante um contrato de compra e venda mercantil.
De resto, a qualificação jurídica do contrato de compra e venda celebrado entre apelante, enquanto vendedora da câmara de frio, e da apelada, enquanto compradora, operada pela 1ª Instância não vem questionada no presente recurso e como tal, essa qualificação jurídica encontra-se subtraída ao âmbito de cognição desta Relação.
O contrato de compra e venda mercantil encontra-se submetido ao regime jurídico previsto nos Título XVI do Código Comercial (arts. 463º a 476º deste), bem como ao previsto no Código Civil (CC).
A noção de venda de coisa defeituosa consta do art. 913º do CC, em cujo n.º 1 se lê que: “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”, e em que, no n.º 2, se acrescenta que: “Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria».
Decorre do preceito acabado de transcrever que diz-se que a coisa objeto da compra e venda é “defeituosa” quando  apresente vício ou desconformidade, entendendo-se por “vício” qualquer imperfeição que apresente a coisa vendida relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo e que, por isso, a desvalorizam ou impeçam a realização do fim a que é destinada (quando não houver acordo específico das partes acerca do fim a que a coisa se destina atende-se à função normal de coisas da mesma categoria - n.º 2, do art. 913º), enquanto a “desconformidade” representa uma discordância com respeito ao fim acordado entre vendedor e comprador (a coisa vendida não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor)[12]
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, apurou-se que, em 13 de maio de 2020, a autora adquiriu uma câmara de frio para três carros à ré, com as características, dimensões e local de instalação propostas por esta, pelo preço de 9.528,81 euros, que a mesma instalou e que começou a funcionar duas semanas depois de ter sido adquirida, depois de ter sido trocado o respetivo motor pela ré (cfr. pontos 3º, 4º e 5º dos factos apurados).
Mais se apurou que, em momento prévio à aquisição dessa câmara de frio pela autora, o vendedor da Ré, AA, transmitiu aos sócios daquela que as massas para pães de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kg poderiam ser conservadas naquele equipamento, pelo menos, até 48 horas após serem preparadas, mas logo que as massas de pão foram colocadas no seu interior, levedaram muito rapidamente e criaram uma crosta, que as inutilizou (cfr. pontos 6º e 7º dos factos apurados).
 Decorre do exposto que, contrariamente ao que foi assegurado pela apelante, enquanto vendedora da câmara de frio, à respetiva compradora (apelada e autora), na pessoa dos seus sócios, nas negociações que culminaram com a celebração do contrato de compra a venda, a câmara de frio objeto desse contrato  apresenta uma “desconformidade” posto que, não possuiu as qualidades asseguradas pelo vendedor da apelante aos sócios da apelada, na medida em que não conserva as massas de pão de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kgs. durante, pelo menos, 48 horas após serem preparadas, pelo que, tal como foi decidido pela 1º Instância, a compra e venda mercantil celebrada tem por objeto coisa defeituosa, nos termos do art. 913º, n.º 1 do CC.
A venda de coisa defeituosa constitui uma forma especial de incumprimento contratual, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda celebrado entre vendedor e comprador, quando aquele se encontrava obrigado a cumprir pontualmente o contrato de compra e venda celebrado perante o comprador (art. 406º, n.º 1 do CC). Por isso, a compra e venda de coisa defeituosa encontra-se sujeita às regras gerais da responsabilidade civil (arts. 798º e ss. do CC), às fixadas para a venda de bens onerados dos artigos 905º a 911º do CC, para as quais o n.º 1, do art. 913º remete, mandando-as aplicar à venda de coisas defeituosas, “com as devidas adaptações” e “em tudo que não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”, bem como às normas previstas nos arts. 914º a 944º do mesmo diploma, que estabelecem as tais particularidades para a venda de coisa defeituosa a que alude a parte final do n.º 1 do art. 913º.
Da conjugação entre os arts. 913º, n.º 1, 905º, 911º, 914º e 915º, resulta que no caso de venda de coisa defeituosa, o comprador tem direito a exigir do vendedor: a) a reparação da coisa, se esta for possível ou se for necessário e a coisa tiver natureza fungível, a substituição dela, mas esta obrigação não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padecia (art. 914º); b) a obter a redução do preço estipulado no contrato (art. 911º, ex vi, art. 913º, n.º 1); c) e a obter a resolução do contrato (art. 905º, ex vi, art. 913º, n.º 1).
Note-se que os diversos meios facultados ao vendedor em caso de venda de coisa defeituosa que se acabam de referir não podem ser por ele exercidos em alternativa, posto que existe entre eles “uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato[13].
Além disso, a qualquer uma das pretensões do comprador que se acabam de identificar acresce o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos que não foram indemnizados pelos referidos meios.
Advoga a apelante que a sentença recorrida, ao deferir a pretensão da apelada em ver resolvido o contrato de compra e venda mercantil que celebrou com a apelada padece de erro de direito em virtude de nela não se ter seguido a ordem de escalonamento que se acaba de enunciar, uma vez que: “a Autora não solicitou a substituição da coisa, nem a redução do preço, limitando-se a pedir a resolução do contrato, para, com base nessa resolução pedir à Ré apenas e tão só a devolução do preço que pagou pela máquina”, demonstrando “sempre pretender a resolução, conforme resulta do seu petitório, pelo que, a ausência de respeito pela citada hierarquia” impõe que não se lhe reconheça o direito à resolução do contrato que acabou por ser declarada pelo tribunal, mas, antecipe-se desde já, sem razão.
Vejamos:
Apurou-se que a apelada (autora) é uma sociedade comercial, constituída em 01/05/2020, que tem por objeto, entre o mais, a panificação de todos os tipos de pão e pastelaria, enquanto a apelante (ré) se dedica, entre outros, à fabricação de equipamento industrial de refrigeração, congelação e de ventilação, e que, em 13/05/2020, a primeira adquiriu uma câmara de frio para três carros, com características, dimensões e local de instalação propostas pela apelante (a vendedora), pelo preço de 9.528,81 euros (cfr. pontos 1º, 2º e 3º dos factos apurados).
Também se apurou que, uma vez instalada essa câmara de frio, verificou-se que a mesma não apresenta as qualidades que tinham sido asseguradas pelo vendedor da apelante (vendedora) aos sócios da apelada (compradora), a quem aquele assegurara que essa câmara conservava massas para pães de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kgs., durante, pelo menos, até 48 horas após serem preparadas, posto que, se constatou que, logo que as massas de pão foram colocadas no interior da câmara, levedaram rapidamente e criaram uma crosta, que as inutilizou (cfr. pontos 4º a 7º dos factos apurados).
Apurou-se que, contactada a apelante, em data não concretamente apurada, enviou um técnico de panificação e o técnico de frio, de nome EE, tendo sido as temperaturas da câmara objeto de redução, mas o problema persistiu, posto que, colocadas as massas de pão no interior da câmara, continuaram a levedar rapidamente, criando a dita crosta, que as inutilizava (pontos 8º e 9º dos factos apurados).
Mais se apurou que, em data não concretamente apurada de junho ou julho, após a deslocação do técnico EE às instalações da apelada, o motor da câmara de frio e o evaporador foram substituídos pela apelada, mas o problema persistiu, acabando, numa das deslocações às instalações da apelada, em data não concretamente apurada de junho, julho ou agosto de 2020, um colaborador da apelante por transmitir a DD, sócia da apelada, que a criação de crosta e rápida levedação das massas poderia estar a ocorrer por o estabelecimento se integrar numa zona de intenso calor e devido à ocorrência de corrente de ar (cfr. pontos 10º e 11º dos factos apurados).
  Ainda se apurou que, em data não concretamente apurada de junho, julho ou agosto de 2020, mas após a intervenção antes descrita, a ré enviou às instalações da ré um padeiro, de nome HH, e, novamente, o especialista em frio, EE, tendo o próprio padeiro preparado as massas de pão e colocou-as no interior da câmara de frio, mas estas voltaram a criar a dita crosta, que as inutilizava, acabando, na manhã seguinte o especialista em frio, EE, por transmitir à apelada que iria propor à apelante o levantamento da câmara de frio (cfr. pontos 13º, 14º e 15º dos factos apurados).
Finalmente, apurou-se que apelante e apelada foram sucessivamente trocando correspondência entre si, em que a apelada (compradora e autora) denunciava que a câmara de frio que lhe foi vendida não tinha as qualidades que lhe foram asseguradas pelo vendedor da apelante, na sequência do que, esta última, foi fazendo sucessivas intervenções na câmara de frio, sem êxito, posto que a câmara de frio que vendeu à apelada continuava a não assegurar as qualidades que lhe foram asseguradas pelo vendedor da apelante de que essa câmara de frio conservava massa para pães de 80gramas, 1 Kg. e 2 Kgs., pelo menos, ate 48 horas após serem preparados,  tendo até à propositura da presente ação, em 25/11/2020, a apelante efetuado ao todo nove deslocações às instalações da apelada, sem que lograsse solucionar aquela desconformidade, acabando a apelada, por carta de 31/08/2020, por interpelar a apelante para que, no prazo de dez dias, eliminasse “o defeito, assim permitindo que a câmara de frio para três carros possa assegurar o fim para que foi adquirida, sob pena de, não o fazendo, nos vermos obrigados a resolver o contrato, com todas as consequências legais” (cfr. pontos 12º, 16º e 17º dos factos apurados).
Decorre do que se vem dizendo que, tendo sido constituída em 01/05/2020, a apelante dedica-se à indústria e comercialização de produtos de panificação e de pastelaria e com vista a exercer essa sua atividade, que iria iniciar, em 13/05/2020, comprou à apelante a referida câmara de frio, pelo preço de 9.528,81 euros, em que o vendedor da apelante lhe assegurara ser apta para conservar massa de pão de 80 gramas, 1 Kgs. e 2 Kgs. durante, pelo menos, até 48 horas após serem preparadas, qualidades essas que se veio a constatar não serem asseguradas pela câmara de frio fornecida/vendida pela apelante que, apesar de ter intervencionado essa câmara de frio durante nove vezes, até 25/11/2020, não logrou que a mesma assegurasse as referidas qualidades que tinham sido asseguradas pelo seu vendedor à apelada (compradora).
Neste contexto fáctico, não só a apelante demonstrou não ser capaz de solucionar a desconformidade apresentadas pela câmara de frio que vendera à apelada e que assegurou à última que aquela possuía (o que torna, aliás, irrelevante as condições climatéricas que se façam sentir no local em que se situa o estabelecimento comercial de padaria e pastelaria da compradora; o facto de se tratar de um espaço de reduzidas dimensões, onde funciona a área de confeção e de comercialização; de nele encontrar-se instalada  a câmara de frio e dois fornos, um dos quais a lenha; da porta de entrada nesse espaço se encontrar permanentemente aberta, para entrada e saída de clientes; e da porta da câmara de frio ser frequentemente aberta, uma vez que se trata de fatores em que a apelante devia ter ponderado antes do seu vendedor ter assegurada à compradora as qualidades que lhe assegurou em relação à câmara de frio que se propôs vender e que acabou por vender-lhe), uma vez que feitas nela nove intervenções, até 25/11/2020, nunca logrou solucionar o problema da câmara de frio.
Acresce que, pretender agora a apelante que a apelada (autora e compradora) teria de requerer a condenação daquela a reparar a identificada câmara de frio (quando já, por nove vezes, se mostrou incapaz de o fazer) ou teria de requerer a sua substituição por uma que assegurasse aquelas qualidades que o seu vendedor garantira à apelada (quando não se propusera anteriormente a fazê-lo), ou que a compradora teria de requerer a redução do preço de compra) e sufragar semelhante entendimento atentaria frontalmente contra os ditames da boa fé, os quais têm de presidir à atuação das partes tanto nas negociações dos contratos, na celebração destes, como no cumprimento das obrigações que deles emergem (art. 762º, n.º 2)[14], sobretudo, quando a sociedade compradora acaba de ser constituída e está sem uma câmara de frio que assegure as suas necessidades, isto é, que conserve massas para pães de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kgs., durante, pelo menos, até 48 horas após serem preparados, qualidades essas que foram asseguradas pela apelante àquela serem detidas pela câmara de frio que lhe vendeu.
Daí que, salvo o devido respeito, a alegação da apelação careça de fundamento fáctico e legal.
Neste sentido, expende-se no Ac. da Relação de Lisboa de 21/12/2021, que: “Confrontada a Autora com a inaptidão inicial e persistente da viatura, derivada de deficiência do motor, nunca eliminada ao cabo de um ano de sucessivas reparações, defraudada nas legítimas expectativas de usar o veículo para o fim próprio, não aceitando outra intervenção inútil, optando pela resolução definitiva do contrato, atuou em consonância com o padrão diligente do homem médio, situando-se dentro dos cânones admissíveis para o exercício do direito potestativo de resolução contratual, procedimento que não configura atuação em abuso de direito”[15].
Acresce dizer que, para que a apelada (compradora) fosse obrigada a optar pela redução do preço da câmara seria necessário que as circunstâncias do caso permitissem concluir que, mesmo conhecendo a falta de conformidade das qualidades da câmara frigorífica que lhe foram asseguradas pelo vendedor da apelante,  a apelada teria comprado a concreta câmara de frio que a apelante lhe forneceu, mas por preço inferior[16], o que se queda por provar, antes a facticidade apurada nos autos demonstra que assim não é, quando se verifica que a apelada tinha efetiva necessidade de uma câmara de frio que lhe assegurasse as qualidades que lhe foram garantidas pelo vendedor da apelante; veio sucessivamente a interpelar a última para que a câmara de frio que lhe foi vendida fosse colocada de modo a assegurar as qualidades que lhe foram garantidas, acabando por, face às sucessivas intervenções na câmara de frio feitas pela apelante, sem êxito, por carta de 31/08/2020, por notificá-la admonitoriamente, conforme prescrito no art. 808º do CC, para que, no prazo de dez dias, eliminasse o defeito da câmara de frio, para que esta “possa assegurar o fim para que foi adquirida, sob pena de, não o fazendo, nos vermos obrigados a resolver o contrato, com todas as consequências legais” (cfr. ponto 17º), agindo, pois, dentro da estrita boa fé, demonstrando ter necessidade de uma câmara de frio com as qualidades que lhe foram asseguradas pelo vendedor da apelante e não se poder compadecer com mais intervenções inconsequentes na câmara de frio que lhe foi fornecida e não pretender ficar com a mesma, ainda que por preço inferior ao do contrato de compra e venda celebrado.
Resulta do exposto que, perante os factos que se apuraram, a apelada não se encontrava obrigada a seguir a ordem de remédios jurídicos acima apontados quanto à câmara de frio defeituosa que a apelante lhe vendeu, pelo que, ao ter declarado resolvido o contrato de compra e venda tendo por objeto essa câmara de frio, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que a apelante imputa ao decidido.
Improcede este fundamento de recurso.

C.2- Prazo de denúncia dos defeitos e para propositura da ação – exceção perentória de caducidade.
Na sentença recorrida ponderou-se que o prazo de denúncia dos defeitos é de oito dias, nos termos do art. 471º do Cód. Civil, mas considerou-se que: “carecendo a matéria da caducidade de ser invocada e provada pela parte a que aproveita – que é a ré – e tendo apenas sido invocado o prazo de caducidade de seis meses previsto no art. 916º, n.º 2 do CC, terá de ser o cumprimento desse prazo – atinente à propositura da ação contado da entrega da coisa – e não aqueleoutro – correspondente à denúncia do defeito – a ser apreciado”, e concluiu-se que, “não estando em crise o prazo para a denúncia de defeitos, convocados os factos provados com relevância nesta matéria, verifica-se que a câmara de frio foi entregue em 13/05/2020 e que a presente ação foi intentada em 25/11/2020, donde se poderia decidir, aprioristicamente, pelo esgotamento do prazo de seis meses previsto para a propositura da ação. Todavia, (…), com efeitos reportados a 13/03/2020, a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03”, suspendeu os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processo e procedimento, suspensão essa que se manteve até ao dia 02/06/2020, com a entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 29/5, “ou seja, no período que decorreu desde 13/03/2020 até 02/06/2020, os prazo de caducidade estiveram suspensos, o que leva à conclusão que, no presente caso, o prazo de 6 meses de que a autora dispunha para intentar a presente apenas teve inicio em 03/06/2020, tendo terminado em 03/12/2020. E, por isso, tendo a autora proposto a presente ação em 25/11/2020, o seu direito ainda não havida caducada nessa data”.
A apelante imputa erro de direito ao decidido alegando que, apesar de ter invocado o prazo para a denúncia do defeito previsto no art. 916º, n.º 2 do CC, não sendo esse o prazo aplicável ao contrato de compra e venda mercantil celebrado, mas antes o de oito dias fixado no art. 471º do CCom., não se encontrando o julgador sujeito às alegações das parte no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, a 1ª Instância incorreu em erro de direito ao aplicar o prazo de denúncia do art. 916º, n.º 2.
Referindo-se ao prazo de caducidade atinente à propositura da ação, dissente a apelante com o decidido, alegando não perfilhar o entendimento sufragado pela 1ª Instância, porquanto, “o prazo para a propositura da presente ação não existia à data de entrada em vigor da Lei (Lei n.º 1-A/2020, de 19/3), pois a entrega do equipamento ocorreu em maio, pelo que não era suscetível de ser suspenso, nem, consequentemente, retomado, não fazendo sentido falar em alargamento “pelo período correspondente à vigência da suspensão”.
Conclui que o direito de ação da apelada caducou no dia 23/11/2020, pelo que, tendo a ação sido proposta em 25/11/2020, o direito nela exercido encontra-se extinto, por caducidade, impondo-se a sua absolvição do pedido.
Impõe-se apreciar.
No contrato de compra e venda de coisa defeituosa cível o comprador encontra-se submetido a dois prazos de caducidade: a) um prazo para a denúncia dos defeitos da coisa junto do vendedor, que o art. 916º, n.º 2 do CC fixa, para as coisas móveis, até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa; b) e um prazo de caducidade da ação, que o art. 917º, fixa quanto às coisas móveis nos seguintes termos: se o comprador não tiver denunciado o defeito, a ação terá de ser instaurada nos prazos fixados para a denúncia; se o comprador tiver procedido à denúncia, então a ação terá de ser instaurada no prazo de seis meses a contar da denúncia, sem prejuízo do disposto no art. 287º, n.º 2[17].
Acontece que, no caso de compra e venda mercantil o prazo para a denúncia dos defeitos, nos termos do art. 471º do Cód. Com., é de oito dias a contar do ato de entrega.
Note-se que por “ato de entrega”, compreende-se não necessariamente a entrega física da coisa defeituosa pelo vendedor ao comprador, mas uma entrega que permita ao último ter a possibilidade real de conhecer os defeitos da coisa que comprou, caso a tivesse examinado diligentemente.
Neste sentido, aponta a norma constante do art. 471º do CCom., em que se lê que: “As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no ato da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias”, e onde, a nosso ver, o legislador faz depender o início da contagem do prazo de oito dias que estabelece para a denúncia do defeito junto do vendedor da possibilidade efetiva conferida pelo último ao comprador para examinar o bem objeto da venda a fim de verificar se apresenta (ou não) defeitos. Daí que o comprador a quem a coisa seja entregue mas que, independentemente da sua diligência, não tem possibilidades materiais e efetivas de a examinar, por via de conduta do vendedor que seja impeditiva desse exame (v.g. falta da ficha de abastecimento de energia elétrica à coisa que lhe foi vendida, a ser fornecida pelo vendedor, mas que este se esqueceu de entregar ao comprador; situação em que se constata que o motor da máquina vem de origem avariado e vai ser substituído pelo vendedor, etc.), o comprador apenas tem possibilidades materiais e ontológicas de puder examinar a coisa que comprou quando o vendedor lhe conceder as condições materiais que permitam esse efetivo exame. Nesses casos, o prazo de oito dias apenas se pode iniciar, a nossa ver, a partir desse momento.
Porfiando no sentido que se acaba de referir, sustenta Pedro Romano Martinez que: “(…) a unidade do sistema jurídico aponta para a conjugação entre os arts. 916º do CC e 471º do Cód. Com., devendo este último ser interpretado no sentido de o prazo se iniciar com o conhecimento, só que, sobre o comprador, impende o dever de examinar a coisa; por isso, o prazo deve ter início da descoberta efetiva, mas naquela em que o defeito deveria ter sido descoberto se o comprador tivesse agido diligentemente[18].
Também o STJ., no acórdão de 01/07/2021, sustenta que: “Na compra e venda comercial, aquele prazo de oito dias para a denúncia do defeito da coisa inicia-se com a entrega da mesma caso o defeito seja aparente e detetável pelos sentidos, ou não o sendo, conta-se a partir do momento em que o comprador, agindo de forma diligente, descobre o defeito – posição que é a mais consentânea com a realidade da vida”[19].
Descendo ao caso concreto, a circunstância da apelante ter invocado na contestação, a propósito da exceção perentória de caducidade que aí aduziu o prazo de denúncia dos defeitos de seis fixado no n.º 2 do art. 916º do CC, quando, sendo a compra e venda que tem por objeto a câmara frigorífica sobre que versam os autos comercial e, por isso, o prazo de denúncia dos defeitos e das desconformidades (vícios) ao vendedor é de oito dias, fixado no art. 471º do Cód. Com., não constituiu facto impeditivo de aplicação deste último prazo.
Com efeito, não se encontrando o julgador sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (n.º 3, do art. 5º do CPC), impunha-se que o julgador a quo, face à alegação da exceção da caducidade invocada pela apelante na contestação, conhecesse dessa exceção perentória por referência ao prazo de denúncia dos defeitos aplicável ao contrato de compra e venda mercantil sobre que versam os autos, isto é, o prazo de oito dias do art. 471º do Cód. Com..
Destarte, neste conspecto, a sentença recorrida padece de erro de direito, procedendo esse fundamento de recurso suscitado pela apelante.
A câmara de frio objeto do contrato de compra e venda mercantil sobre que versam os autos foi entregue e instalada pela vendedora (apelante - Ré) nas instalações da apelada (compradora) em 13/05/2020, mas apenas começou a funcionar duas semanas depois de ter sido adquirida, depois de ter sido trocado o respetivo motor pela a apelante (Ré) (cfr. pontos 3º a 5º dos factos apurados), do que deriva que, apenas duas semanas após 13/05/2020 (4ª feira), ou seja, em 27/05/2020 (4ª feira, decorridas duas semanas sobre o dia 13/05) a apelada, enquanto compradora da câmara de frio, ficou em condições materiais e efetivas de a poder examinar e de verificar se era ou não defeituosa ou se apresentava desconformidades em relação àquilo que lhe fora assegurada pelo vendedor da apelante, posto que até a esse momento a câmara de frio não dispunha de motor funcional.
Por conseguinte, o prazo de 8 dias previsto no art. 471º do Cód. Com. apenas pôde iniciar a sua contagem a partir de 27/05/2020, pelo que a apelada tinha denunciar a desconformidade da câmara de frio junto da apelante o mais tardar até 04/06/2020.
Sucede que, não se apurou a data concreta em que a compradora (apelada) denunciou junto da apelante (vendedora) a desconformidade apresentada pela câmara de frio, posto que, apenas se provou que, “contactada a ré, em data não concretamente apurada, enviou um técnico de panificação e o técnico de frio de nome EE, tendo sido as temperaturas da câmara objeto de redução” (cfr. ponto 8º dos factos apurados).
A caducidade constitui uma exceção perentória, pelo que, nos termos do n.º 2, do art. 342º do CC, impendia sobre a apelante o ónus da prova da facticidade integrativa dessa exceção.
Não o tendo feito, improcede a exceção perentória de caducidade do direito exercido nos autos pela apelada, por decurso do prazo fixada para a denúncia da desconformidade apresentada pela câmara de frio objeto do contrato de compra e venda mercantil sobre que versam os autos, tal como foi decidido pela 1ª Instância.

C.2.1- Do prazo de propositura da ação.
É pacífico o entendimento que o art. 917º do CC deve ser interpretado em ordem a abranger todas as ações emergentes de incumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização, isto é, quando o pedido se traduz em danos ou prejuízos, alegadamente causados pelos vícios da coisa vendida, subsumíveis à previsão do art. 913º do CC[20].
Daí que a apelada (compradora) estava obrigada a instaurar a presente ação no prazo de seis meses sobre a denúncia das desconformidades da câmara de frio que efetuou junto da vendedora (apelante).
Desconhecendo-se a data concreta em que a apelada denunciou as desconformidades da câmara de frio junto da apelante, mas sabendo-se que se encontrava obrigada a fazê-lo o mais tardar até ao dia 04/06/2020 (vide fundamentos supra), sob pena de caducidade do direito à ação, tinha de instaurar a presente ação até 04/12/2020.
 A caducidade não se interrompe nem se suspende, pelo que não lhe são aplicáveis as regras da suspensão e de interrupção da prescrição, e contrariamente ao que parece ser o entendimento da apelante, nos termos do n.º 1, do art. 331º do CC, o ato impeditivo da caducidade é a propositura da ação, e não a sua citação para a presente ação.
Ora, tendo a apelada (compradora) instaurado a presente ação em 25/11/2020, o direito daquela à ação não se extinguiu, por caducidade, tal como decidido pela 1ª Instância, embora com fundamentos distintos.
Decorre do excurso que, ao julgar improcedente a exceção perentória de caducidade, a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pela apelante, improcedendo este fundamento de recurso.

C.3- Da restituição do IVA que recaiu sobre o preço da câmara de frio objeto da compra e venda.
A apelante imputa à sentença recorrida erro de direito ao condená-la a restituir o IVA à Autora quando, “de acordo com a norma do art. 71º do CIVA, a Autora já procedeu à regularização a seu favor (ou seja, à dedução) do imposto liquidado, ou seja, o valor que pagou a título de IVA, deduziu-o perante a Autoridade Tributária, razão porque não pode manter-se a condenação da Ré no pagamento do IVA à Autora, de modo obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa da Autora”.
Acontece que não tendo essa questão da regularização do IVA a favor da apelada (autora) no imposto de IVA que liquidou junto da Autoridade Tributária sido suscitada pela apelante junto da 1ª Instância, que dela não pôde conhecer, dado não se tratar de questão que seja de conhecimento oficioso, não pode esta Relação dela igualmente conhecer por se tratar de questão nova, sabendo-se que os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões  judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, visando a sua modificação e não criar sobre matéria nova.
Resulta do que se vem dizendo, impor-se concluir pela improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pela apelante e, em consequência, julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
*
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
1- O contrato mediante o qual uma sociedade contratou a outra a compra e instalação de uma câmara de frio para o seu estabelecimento de padaria e pastelaria é subjetivamente comercial, tratando-se de um contrato de compra e venda mercantil, que fica sujeito ao regime jurídico dos arts. 463º a 476º do Cód. Comercial, e sendo a coisa defeituosa, às normais gerais dos arts. 798º e ss. do CC, e especiais dos arts. 905º a 911º, com as especialidades previstas nos arts. 914º a 944º  do CC.
2- Se a câmara de frio objeto da compra e venda não apresenta as qualidades que foram asseguradas pela vendedora à compradora (não conserva massas de pão de 80 gramas, 1 Kg. e 2 Kgs., durante 48 horas, sem se deteriorarem), há desconformidade em relação ao contratado, pelo que a compra e venda mercantil celebrada tem por objeto coisa defeituosa.
3- Apurando-se que a vendedora intervencionou a câmara de frio por nove vezes, sem que esta assegurasse as qualidades que foram garantidas à compradora e que, em consequência disso, a última interpelou a primeira concedendo-lhe o prazo de oito dias para reparar a câmara de frio que lhe vendera, de modo a que satisfizesse o que lhe foi garantido, com a cominação de que resolveria o contrato de compra e venda celebrado caso não o fizesse, não tendo a vendedora logrado reparar a câmara de molde a satisfazer as qualidades que garantira à vendedora, assiste à última o direito a resolver o contrato de compra e venda celebrado.
4- Na compra e venda de coisa defeituosa os direitos conferidos ao comprador encontram-se sujeitos a dois prazos de caducidade: a) prazo de denúncia dos defeitos ao vendedor; e b) prazo de propositura da ação.
5- Na compra e venda mercantil de coisa defeituosa o prazo para a denúncia dos defeitos ao vendedor é de 8 dias a contar da entrega da coisa, entendendo para esses efeitos por “entrega da coisa”, não necessariamente a entrega material/física desta, mas uma entrega física da coisa que permita ao comprador, real e efetivamente, examiná-la, de modo a poder aperceber-se de eventuais defeitos ou desconformidades que apresente, usando do grau de diligência de um comprador médio, face às circunstâncias concretas do caso.
6- Apurando-se que a câmara de frio objeto do contrato de compra e venda mercantil celebrado foi entregue à compradora em 13/05/2020, mas começou a funcionar duas semanas depois de ter sido instalada, após ter sido trocado o respetivo motor, o prazo de 8 dias do art. 471º do Cód. Com., conta-se a partir do momento em que foi possível à compradora pôr a câmara de frio em funcionamento (duas semanas depois da entrega e instalação), posto que só a partir desse momento a compradora ficou em condições materiais e ontológicas de poder constatar se esta apresentava (ou não) defeitos ou desconformidades.
7- A circunstância da vendedora ter invocado os prazos de caducidade aplicáveis à compra e venda cível na contestação, tendo a compra e venda de coisa defeituosa celebrada efetivamente natureza mercantil, não obsta à aplicação do prazo de caducidade de 8 dias previsto no art. 471º, do Cód. Com, atento o disposto no art. 5º, n.º 3 do CPC.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Guimarães, 18 de janeiro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Gonçalo Oliveira Magalhães – 1º Adjunto
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 3ª ed., pág. 321.
[3] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 371 e 372.
[4] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 375, em que postula que: “a causa de pedir em qualquer ação não é o facto jurídico abstrato, mas o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe declarar. O facto jurídico abstrato não pode gerar o direito, pela razão simples de que é uma pura e mera abstração, sem existência real. A doação, a venda, o testamento, considerados em abstrato, são simples nomes, classes ou categorias legais, que nenhuns efeitos podem produzir; para que o direito surja, é indispensável um certo ato de doação, um determinado contrato de venda, uma especial disposição testamentária. Semelhantemente, não basta que o autor, numa ação de divórcio, diga que o pede com fundamento em adultério, sevicias ou injúrias, afirmar isto, sem mais nada, é limitar-se a reproduzir uma fórmula legal, que por si só não vale e nada adianta; o que tem valor e eficácia jurídica, o que tem vida, é o facto individual e concreto pelo qual se tenha cometido adultério, ofendido materialmente ou injuriado o autor. Este facto é que tem de ser articulado, sob pena de ineptidão, porque é ele que constitui a causa de pedir”.
[5] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 93 e 94.
[6] Ac. STJ.de 07/04/2016, Proc. 842/10.9TBPNF.P2, S1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a fazer referência sem menção em contrário.
[7] Lebre de Freitas, “Instrução ao Processo Civil e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 29; Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., revista e ampliada, janeiro/2014, Ediforum, pág. 18; Cas. STJ., de 06/12/2012, Proc. 469/11.8TJPRT.P1-S1; de 05/04/2016, Proc. 1538/11.0TFIG.C1.S1; RE., de 17/11/2016, Proc. 1022/13.7TBENT-D.E1.
[8] Pedro Romano Martinez, “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Compra e venda, Locação e Empreitada”, 2ª ed., págs. 136 e 137.
[9] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1.
[10] Abrantes Geraldes, “Recursos…”, ob. cit., págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1.
[11]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
[12] Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 130 e 131; Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 211, onde expendem que o art. 913º do CC, engloba: “a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que é destinada; c) falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; e d) falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina”, adiantando que aquele preceito ao equiparar, “no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidades da cisa e integrando todas as coisas por uns e outras afetadas na categoria genérica das coisas defeituosas a lei evito as dúvidas que, na doutrina italiana por ex., se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos”.
[13] Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 141; Acs. STJ., de 2/3/2010, CJ/STJ, 2010, 1º, 79; de 2/2/2010, Proc. 1658/03
[14] Abílio Neto, ob. cit., pág. 766, em que expende: “O princípio da boa fé consagrado no n.º 2 (do art. 762º), deve considerar-se extensivo a todos os outros domínios onde exista uma relação especial de vinculação entre duas ou mais pessoas (art. 10º, n.º 3), consoante se depreende entre outros, dos arts. 239º (integração do negócio) e 437º (resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias), e reconduz-se à equidade, ao prudente arbítrio do julgador, sem que envolva uma remissão para meros critérios casuísticos”; Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 2 e 3: “Em primeiro lugar, as partes devem proceder de boa fé no cumprimento das obrigações. Não é só na execução das convenções contratuais (…) que as partes devem pautar a sua conduta pelos ditames da boa fé. O dever de agir com lisura e correção (…) estende-se ao inadimplemento de todas as obrigações. O próprio obrigado (a restituir ou a indemnizar) em virtude da prática de facto ilícito não está isento desse dever, embora o grau de intensidade da lealdade ou correção exigível do devedor possa obviamente variar consoante a origem da correção exigível do devedor possa obviamente variar consoante a origem da obrigação. Por um lado, o devedor não pode limitar-se a uma realização puramente literal ou farisaica da prestação a que se encontra adstrito. (…). Por outro lado, o devedor de boa fé não se circunscreve ao simples ato da prestação, abrangendo ainda, na preparação e execução desta, todos os atos destinados a salvaguardar o interesse do credor na prestação (o fim da prestação) ou prevenir prejuízos deste, perfeitamente evitáveis com o cuidado ou a diligência exigível do obrigado. (…). É nesta área do cumprimento da obrigação que especialmente se concentra a vasta galeria dos deveres acessórios de conduta (deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade”.   
[15] Ac. R.L., de 21/12/2021, Proc. 6365/20.0T8LSB.L1-7.
[16] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 208, nota 1.
[17] Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 141 a 146.
[18] Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 142, nota 4; Ac., STJ., de 26/01/1999, BMJ 483º, pág. 235; RE., de 12/12/1996, CJ., t. 5º, pág. 273; RC., de 13/04/1999, CJ, t. 2º, pág. 32; R.L., 01/07/2004, CJ, 2004, t. 4º, pág. 69.
[19] Ac. STJ., de 01/07/2021, Proc. 3655/06.9TVLSB.L2.S1
[20] Acs. STJ., de 01/07/2021, Proc. 3655/06.8TVLSB.L2.S1; de 30/06/2020, Proc. 3007/16.2T8LRA.C1.S1; de 16703/2011, Proc. 558/03.2TVPRT.P1.S1; RP. de 03/11/2009, CJ, t. 5º, pág. 153.