NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
PRAZO DE EXECUÇÃO
ADENDA AO CONTRATO
REVOGAÇÃO TÁCITA
BOA FÉ NA EXECUÇÃO DOS CONTRATOS
Sumário


I - As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual que se encontram taxativamente previstos no art. 615º, nº 1, do CPC, e respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
II - A nulidade da sentença decorrente da omissão de pronúncia tem uma ligação direta apenas com a delimitação do que constitui objeto de cognição obrigatória do tribunal e não com o acerto ou desacerto da decisão jurídica proferida, pois que esta última é matéria que apenas releva enquanto erro de julgamento.
III - A sentença não padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre duas matérias jurídicas que, embora sendo de conhecimento oficioso, integram exceções de direito material que nunca foram suscitadas ao longo do processo e apenas foram invocadas nas alegações orais, não integrando as mesmas o conceito de questão que a sentença devesse obrigatoriamente apreciar para efeitos de preenchimento do art. 615º, nº 1, al. d) conjugado com o art. 608º, nº 2 (embora tivesse a possibilidade de efetuar essa apreciação).
IV - O art. 217º do CC consagra o princípio da liberdade declarativa, podendo o declarante, salvos os casos especialmente ressalvados na lei, optar livremente pela emissão de uma declaração expressa ou tácita, tendo ambas igual valor declarativo.
V - Nas declarações tácitas “a vontade negocial é manifestada indiretamente, através de comportamentos realizados com outra finalidade mas que, com toda a probabilidade, segundo as regras da experiência, contêm implícita uma determinada vontade negocial (...); estes comportamentos, de onde a vontade negocial se deduz, são os factos concludentes”.
VI - Os factos concludentes podem revestir as mais variadas formas, podendo mesmo resultar de palavras, de forma escrita ou até estar incluídos em outras declarações negociais expressas, importando apenas a probabilidade plena de revelarem uma declaração cabendo ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indireto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.
VI - Concomitantemente com o expendido, importa ainda ter em consideração que, uma vez que, quer na negociação/formação, quer no cumprimento/execução dos contratos e no exercício de direitos correspondentes, as partes devem sempre proceder de acordo com as regras da boa-fé (arts. 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2), é também à luz destas regras da boa-fé que se devem analisar e interpretar as atuações dos contratantes enquanto integradoras de factos concludentes.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA e marido BB intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., UNIPESSOAL, LDA. pedindo que a ré seja condenada:

1. a terminar a obra, reparando ou substituindo conforme alegado nos artigos 10.º a 20.º e 22.º da petição inicial, num prazo máximo de 30 dias;
2. após o término das obras, a obter junto do Município ... a licença de utilização;
3. a pagar os autores a quantia de € 947,62 relativa a despesas com o licenciamento da construção;
4. a pagar aos autores a quantia de mil euros por cada mês de atraso, desde o mês de agosto de 2019 até à data de entrega da obra, devidamente licenciada, o que, calculado na data de instauração da ação, perfaz a quantia de € 21.000,00.

Como fundamento dos seus pedidos alegaram, em síntese, que a autora celebrou com a ré um contrato de empreitada no âmbito do qual esta se obrigou a proceder à construção de uma casa de habitação pelo preço de € 33 000,00.
Sucede que a obra, além de ainda não se encontrar concluída, apresenta vários defeitos e ainda não tem licença de habitabilidade.
As patologias existentes no imóvel condicionam a sua normal utilização e foram denunciadas à ré, não tendo, contudo, sido reparadas.
Invocam ainda que foi incumprido o prazo acordado para a conclusão da obra, pelo que é devida a quantia de € 1.000,00 por cada mês de atraso, conforme contratualmente estipulado.

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A ré apresentou contestação na qual impugnou a veracidade da factualidade invocada pela autora e lhe imputou a responsabilidade pelo atraso verificado porquanto a mesma assumiu diversos comportamentos que impediram a ré de terminar a execução da obra, designadamente não tomou as decisões necessárias quanto à escolha dos materiais a aplicar na obra quando a mesma entrou na fase acabamentos e exigiu a realização de vários serviços que não estavam abrangidos pelo contrato recusando-se a proceder ao respetivo pagamento.
Acresce que os autores aceitaram que a obra não fosse realizada dentro do prazo de três meses inicialmente previsto, aceitando que se estendesse para além dele, tendo inclusive celerado um aditamento ao contrato após o decurso do referido prazo.
Por outro lado, a ré não se obrigou a obter a licença de habitação do imóvel.
Considera que cumpriu o contrato de forma pontual e sem defeitos e que os serviços que ainda se encontram por realizar só não foram executados porque os autores a impediram de os efetuar, pelo que pugna pela total improcedência da ação.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado à causa o valor de € 29 447,62, foi definido o objeto do processo e foram enunciados os temas de prova, os quais não foram objeto de reclamação.
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Realizou-se perícia tendo o respetivo relatório sido junto aos autos em 28.6.2022 (e-mail ref. Citius ...58), o qual foi objeto dos esclarecimentos solicitados pela ré, juntos em 17.10.2022 (e-mail ref. Citius ...40).
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

“Em conformidade e decorrência das razões de facto e de direito expostas, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. condena-se a ré a, num prazo máximo de trinta dias, terminar a obra reparando ou substituindo os defeitos elencados em 10., 11. e 12.;
b. condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de € 947,62 (novecentos e quarenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), relativa a despesas com o licenciamento da construção;
c. condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de € 1.000,00 (mil euros) por cada mês de atraso, desde o mês de agosto de 2019 até à data de entrega da obra;
d. absolve-se a ré do demais peticionado;
e. condena-se autores e ré nas custas da acção, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa, respectivamente, em 5% e 95%.”
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A ré não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem nos seus exatos termos:

1. Ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. a) todos do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto da douta sentença com a ...19, que julgou a ação parcialmente procedente.
2. Pelo que, o objeto do presente recurso é a apreciação da nulidade da sentença por omissão de pronuncia, impugnação da decisão de facto por erro de julgamento e impugnação da decisão de Direito por errada subsunção jurídica do Direito aos factos.
3. Ocorre a nulidade da sentença proferida, por força do disposto na alínea d) do art.º 615º do CPC, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as exceções alegadas pela Ré de Abuso de Direito e de Nulidade da cláusula décima do contrato de empreitada celebrado.
4. Exceções que, não obstante serem de conhecimento oficioso, foram expressamente alegadas pela Ré em sede de alegações orais e finais e mereceram contraditório, após concessão para tanto pelo Tribunal;
5. Ao omitir em absoluto qualquer pronuncia sobre ambas as questões colocadas a sentença encontra-se ferida de nulidade que aqui se argui para todos e os devidos efeitos e se requer seja declarada pelo Tribunal da Relação de Guimarães; 
6. A Recorrente impugna a decisão de facto nos seguintes termos:
a) A Recorrente impugna a decisão proferida sobre os factos constantes dos pontos 6, 9, 10º, 11º, 16º, 18º, 19º, 24º e 28º dos factos provados, entendendo que o não deviam ter sido.
b) E impugna a decisão de não provados relativamente aos factos constantes dos pontos c), d), e), g), h), j), m), n), p), q) e r) dos factos não provados.
7. A Recorrente impugna a decisão de facto nos termos descritos, porquanto entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, nomeadamente desconsiderando o teor dos documentos, sobrevalorizando as declarações de parte prestadas pela Autora mulher e subvalorizando os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Ré.
8. O facto constante do ponto 6 dos factos provados deveria ter sido considerado provado nos termos que a seguir se deixam transcritos e não nos termos em que o foi, nomeadamente por imposição do disposto na cláusula 10.ª do contrato de empreitada;
9 .O facto constante do ponto 6 deve ser considerado provado nos seguintes termos: 
“Foi estipulado no contrato referido em 2. que, caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir o dono da obra em mil euros por cada mês de atraso.”
10. A Recorrente impugna ainda a decisão de facto dos pontos 10 e 11 dos factos provados, nomeadamente por errada valoração do relatório de fls 14 a 20 dos autos e das conclusões do relatório pericial realizado nos autos.
11. O relatório de fls. 14 a 20 dos autos não versou sobre a análise do orçamento do contrato de empreitada e respetivo projeto aprovado, antes a uma análise opinativa sobre aspetos de execução da empreitada sem ter por referência o contrato celebrado. 
12. Deslocação que inquinou igualmente as conclusões do relatório pericial que essencialmente versou sobre a avaliação dos juízos opinativos do autor do primeiro relatório.
13. É o que resulta das declarações do Eng.º CC, autor do relatório e, dos esclarecimentos prestados pelo Perito nomeado pelo Tribunal.
14. Vejamos: 
a) Transcrição do Processo n.º 81/21.... de 15 de junho de 2023; 
Testemunha arrolada pelos Autores – Engenheiro CC, entre as 14H30:15 às 14H52:22, nomeadamente entre os minutos 00:12:00 e 00:16:00; b) Conforme notificação de 18-10-2022, com a ref.ª : ...89, o Senhor Perito em resposta ao pedido de esclarecimentos da Recorrente, respondeu expressamente que o objeto da perícia nunca foi apurar em que medida o contrato de empreitada estava ou não a ser cumprido.
15. Pelas razões expostas, os factos constantes dos pontos 10 e 11 dos factos provados devem ser considerados não provados.
16. O facto constante do ponto 16 dos factos provados também deverá ser considerado revogado e considerado provado em termos substancialmente diferentes, nomeadamente:
“Verifica-se a existência de inertes e resíduos no terreno dos autores”
17. A alteração reivindicada assenta no teor do relatório junto aos autos pelos Recorridos (fls. 14 a 20), e do relatório pericial, concretamente à resposta ao quesito n.º 11, onde apenas se constata a existência de resíduos no terreno, mas não é feita qualquer referência ao facto de a construção da habitação ter sido realizada sobre esses mesmos inertes e resíduos.
18. A decisão de facto que considerou provado o facto constante do ponto 18 dos factos provados deve ser revogada e substituída por decisão que considere o facto provado nos seguintes termos:
“Mais tarde, ambas as partes acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado, mantendo-se o preço acordado no orçamento”.
19. É o que resulta da conjugação dos factos dados como provados nos pontos 14 e 15 dos factos provados e do depoimento da testemunha DD, nomeadamente entre os minutos entre os minutos 00:26:45 e 00:27:30, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 15h05:24 às 16h21:02;
20. A testemunha que negociou e tratou sempre tudo juntamente com a Autora mulher, declarou que não celebrou qualquer acordo com os Autores para trocar uma estufa ou um recuperador de calor com a colocação de caixilharia e vidros térmicos.
21. Pelo que o acordo constante do facto 18 aprovado pelo Tribunal a quo deve ser revogado.
22. Também a decisão de facto relativa ao facto constante do ponto 19 dos factos provados deve ser revogada.
23. O que resulta da prova realizada é que a caixilharia de alumínio aplicada nos vãos não tem corte térmico, basta atentar na resposta do Senhor Perito ao quesito n.º 9;
24. Em momento algum foi questionado se os vidros aplicados têm ou não têm corte térmico.
25. Acresce, ainda relativamente ao mesmo facto, que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo a pré-instalação do ar condicionado foi executada pela Recorrente;
26. Em primeira análise essa situação nunca foi questionada em ambos os relatórios constantes dos autos e, por outro lado, foi afirmado pela testemunha DD que a pré-instalação foi executada.
27. Veja-se o depoimento da testemunha DD nomeadamente entre os minutos entre os minutos 00:28:10.09 e 00:30:30 da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, entre as 15h05:24 às 16h21:02;
28. Pelo exposto, deve o facto ser considerado não provado e considerado provado o facto nos seguintes termos:
“A caixilharia colocada nos vãos da habitação, que é de alumínio, não tem corte térmico”
29. O Tribunal a quo também considerou provados os factos constantes dos pontos 24 e 28 da decisão de factos provados.
30. O que se requer seja revogado e os factos considerados não provados.
31. O que deriva de erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu.
32. A dinâmica de evolução da empreitada foi objeto de ampla prova testemunhal e depoimento de parte, tendo sido declarado no processo a outorga de um aditamento ao contrato de empreitada em 27 de agosto de 2019, ou seja, para além do prazo inicial estipulado;
33. Aditamento que decorre de circunstâncias imprevisíveis para a Recorrente na data da outorga do contrato, ou seja, a necessidade de alterar o projeto derivado da impossibilidade de abertura de uma janela;
34. Mas, após este momento na dinâmica de vida da relação contratual, outras decisões e diligencias conjuntas entre as partes foi sendo executada, culminando num desenvolvimento harmonioso e colaborativo de execução da habitação, dentro da boa-fé e em plena consciência de cumprimento dos deveres mútuos;
35. Com a outorga do aditamento e com as decisões realizadas posteriormente e de forma conjunta, as partes derrogaram tacitamente o prazo de execução.
36. Aliás, prazo esse que após a necessidade de alterar o projeto deixou de ser possível de cumprir, o que foi aceite por ambas as partes.
37. Após a celebração do aditamento as partes acordaram a construção de uma rampa, acordara a colocação da pré-instalação do ar condicionado, acordaram a cozinha a colocar, tendo inclusive a Recorrente durante certo período de tempo aguardado as diligências realizadas pela Recorrida de escolha de carpinteiro;
38. A Recorrente anuiu ao pedido da Recorrida de colocar no edifício as mobílias que se encontravam amontoadas numa garagem, tendo sido a Recorrente que transportou as mesmas para a habitação;
39. Tendo sempre tudo decorrido com a maior da normalidade e naturalidade.
40. Nunca a Recorrida interpelou a Recorrente para o incumprimento do prazo e para a aplicação da penalidade;
41. Aliás, após a outorga do aditamento ambas as partes estavam desvinculadas do plano de trabalhos acordado antes das circunstâncias imperiosas decorrentes da execução do contrato de empreitada, o que sempre foi aceite pela Recorrida.
42. É o que decorre especialmente do aditamento celebrado e junto com a petição inicial, das declarações da Recorrida e do depoimento da testemunha DD;
43. Vejamos, o depoimento da testemunha DD, nomeadamente entre os minutos entre os minutos 00:07:00 aos 00:08:48 e 00:09:15 e os 00:17:00 da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 15h05:24 às 16h21:02;
44. Ou ainda o depoimento da Recorrida AA, entre os 00:05:00 e os 00:13:00 e entre 00:13.52 e os 00:15:00, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 11:19:47 às 12:40:17;
45. Acresce o facto de não ser por responsabilidade da Recorrente que o contrato de empreitada não esta concluído, porquanto foi a Recorrida que impediu a Recorrente de proceder às reparações e conclusões dos trabalhos elencados no ponto 12 dos factos provados.
46. Vejamos o depoimento da Recorrida AA, entre os 00:24:00 e as 00:30:00, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de junho de 2023, pelas 11:19:47 às 12:40:17;
47. Atentos o exposto, parece-nos evidente que a Recorrente não anda a adiar o término da obra, como nos parece evidente que a mesma, face as circunstâncias e vicissitudes ocorridas durante a execução não deveria, diríamos até mais, não poderia estar concluída em julho de 2019;
48. Pelo que devem ser considerados não provados os factos constantes do ponto 24 e 28 da decisão dos factos provados;
49. Para além da impugnação dos factos considerados provados a Recorrente impugna a decisão dos factos considerados não provados, concretamente sobre os factos constantes das alíneas c), d), e), g), h), i), j), n) e q) da decisão de factos não provados;
50. O facto constante da alínea c) dos deve ser considerado provado, nomeadamente pelo depoimento da Recorrida prestado concretamente aos 00:05:00 minutos, onde afirma que após o aditamento (27 de agosto de 2019) foi escolher os materiais necessários para a realização dos acabamentos;
51. O que determina que o facto “Ultrapassada a fase de construção do grosso da obra, cuja autonomia de execução era exclusiva da ré, iniciou-se em meados de Junho/Julho de 2019 a execução dos denominados acabamentos”, seja considerado provado, o que se requer;
52. Também deve ser considerado provado o facto constante da alínea d) dos factos não provados, por força do disposto relativamente à alínea c), o que se reitera,
53. E, assim, deve o Tribunal revogar a decisão de não provado e considerar provado o seguinte facto: “A fase de acabamentos retirou a autonomia de execução à ré por necessidade de decisões, na escolha dos materiais, a serem tomadas pelos donos da obra”.
54. Os factos constantes das alíneas g), h) e i) devem ser considerados provados, porquanto é o que resulta da análise conjugada do depoimento da Recorrida e das declarações da testemunha DD, os quais confirmam as diligencias realizadas,
55. Apesar de a Recorrida ajuizar de forma negativa sobre a alegada dificuldade de arranjar carpinteiro que nunca existiu, tendo sido a Recorrida que se incompatibilizou com a mesmo fruto da personalidade e forma de estar da Recorrida;
56. Vejamos o depoimento da Recorrida AA, entre os 00:08:00 e os 00:14:00 minutos e entre 00:13.52 e os 00:15:00, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 11:19:47 às 12:40:17;
57. E as declarações da testemunha DD, nomeadamente entre os minutos entre os minutos 00:10:00 e os 00:12:00 da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 15h05:24 às 16h21:02; 
58. Por força do depoimento Recorrida AA, entre os 00:18:00 e os 00:19:00 minutos e entre 00:13.52 e os 00:15:00, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 11:19:47 às 12:40:17; e,
59. O depoimento da testemunha DD, nomeadamente entre os minutos entre os minutos 00:15:00 e os 00:17:30 da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 15h05:24 às 16h21:02; 
60. Deve o facto constante da alínea j) dos factos considerados não provados ser considerado provado, revogando-se a decisão recorrida.
61. Deve ainda ser revogada a decisão de considerar o facto constante da alínea n) dos factos não provados, como não provado e, o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos:
“Os autores não concordaram com a proposta de resolução referida em 12., e impediram a ré de realizar a intervenção proposta”.
62. É o que se impõe pela análise objetiva e desprendida do depoimento da Recorrida AA, concretamente entre os 00:26:00 e os 00:30:00, da gravação do seu depoimento prestado a 15 de Junho de 2023, pelas 11:19:47 às 12:40:17;
63. A Recorrida afirma perentoriamente que ou fazem tudo ou não faziam nada.
64. Uma vez mais, andou mal o Tribunal a quo.
65. Também andou mal em considerar não provados os factos constantes das alíneas p) e q) dos factos não provados, porquanto resulta de factos provados e dos depoimentos prestados e transcritos que as partes continuaram a execução do contrato, dentro de um espírito de boa-fé e de constante colaboração, até à incompatibilização do gerente da Recorrente com a Recorrida;
66. Ao que acresce a inexistência de qualquer reclamação relacionada com o prazo de execução da obra, até ao momento da elaboração do relatório;
67. A Recorrida aproveitou-se de uma cláusula constante da redação inicial do contrato de empreitada, que as partes de boa-fé pelo comportamento evidenciado revogaram tacitamente, e pretendeu pressionar a Recorrente a aceitar realizar todos as correções constantes do relatório sob pena de exigir a tal cláusula de penalização;
68. Mas a verdade, que resulta clara e transparente dos autos, é que as partes aceitaram a continuação da execução do contrato de empreitada para além do prazo inicial resolvendo constantemente todas as vicissitudes que foram surgindo e que não eram inicialmente previsíveis.
69. Termos em que devem ser considerados provados os seguintes factos: “Até à presente acção, o período de execução da empreitada nunca foi objecto de reclamação pelos autores.”
E,
“Os autores aceitaram que o contrato não fosse concluído no prazo inicialmente previsto.”
70. Ao decidir nos termos em que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 572º, 573º, 607º, n.º 4, 608º, n.º 2 in fine do CPC.
71. Para além da Impugnação da decisão na sua vertente de facto a Recorrente também impugna a decisão na sua vertente de Direito;
72. A Sentença impugnada, não obstante o correto enquadramento da matéria em análise, faz uma incorreta interpretação e subsunção dos factos ao Direito e, consequentemente uma errada aplicação do Direito.
73. O Tribunal a quo aplicou o regime jurídico como se a relação jurídica factual consubstanciasse um contrato de empreitada concluído, perfeitamente definido e ocorresse o aparecimento de defeitos na obra;
74. O que não é o caso;
75. A solução jurídica do presente litígio pressupõe o prévio apuramento do efetivo conteúdo da obrigação contratual da Recorrente;
76. Ora, o Tribunal a quo nem na parte factual, nem na parte do Direito analisou o contrato celebrado e o seu conteúdo;
77. O Tribunal limitou-se a condenar por referência a um relatório realizado a pedido da Recorrido, cujo autos afirmou ao Tribunal que não teve acesso ao projeto e que se limitou a tecer opinião sobre o que entendia dever se feito;
78. A questão é que não existe coincidência das questões observadas pelo relatório de fls 14 e pelo próprio relatório pericial com o conteúdo da obrigação advinda do contrato de empreitada;
79. O Tribunal a quo falhou na sua primeira tarefa de apurar o teor da obrigação da Recorrida;
80. A Recorrida alega que para cumprir integralmente a sua obrigação decorrente do contrato de empreitada apenas falta cumprir as atividades e fornecimentos discriminados no ponto 12 dos factos provados.
81. O que foi recusado pela Recorrida;
82. Entendemos que a Recorrida, com o comportamento evidenciado, impede a Recorrente de executar a sua obrigação e, assim, constitui-se em mora perante a Recorrente;
83. Facto que a decisão impugnada não atendeu;
84. A decisão impugnada também não atendeu às circunstâncias factuais que demostram um de dois caminhos;
85. Ou consideramos o prazo inicial de execução da obra contratada revogado tacitamente ou temos de qualificar a atuação da Recorrida em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium;
86. Ora o Tribunal a quo não reconheceu a revogação tácita, e decidiu pela sua não verificação, mas nem sequer apreciou a questão do abuso de direito, apesar de a Recorrente alegar a ocorrência da mesma;
87. Num terceiro plano a Recorrente ainda alega a nulidade da cláusula pela sua manifesta desproporcionalidade e determinar para uma das partes consequências incompatíveis com a necessidade de assegurar o equilíbrio contratual das prestações assumidas pelas partes.
88. Ao decidir nos termos em que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 405º, 406º, 762º, n.º 2 e 813º do Código Civil, bem como os artigos 572º, 573º, 607º, n.º 4, 608º, n.º 2 in fine do CPC.”

Terminou pedindo que seja revogada a sentença recorrida e julgada a ação totalmente improcedente.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Apesar de o tribunal a quo não ter proferido o despacho referido no art. 617º, nº 1, não tendo apreciado a nulidade da decisão invocada no recurso, por se ter entendido que não se verificava a situação de indispensabilidade referida no nº 5 do art. 617º, ambos do CPC, não se determinou a baixa à 1ª instância para tal efeito.
*
Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I – saber se a sentença é nula;
II – saber se a matéria de facto deve ser alterada;
III – proceder à reapreciação jurídica analisando particularmente:
a) que defeitos existem na obra que ré tenha a obrigação de eliminar e que trabalhos se encontram ainda por executar;
b) se a condenação da ré no pagamento da quantia mensal de € 1 000,00 desde agosto de 2019 até à entrega da obra deve ser revogada por a cláusula 10ª que estipula esse pagamento ter sido tacitamente revogada; a entender-se que tal cláusula está em vigor, por ocorrer uma atuação em abuso de direito; e, a não se entender assim, por a cláusula em questão padecer de nulidade por desproporcionalidade.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1. A ré dedica-se à actividade de serralharia civil e ainda à construção de edifícios, residenciais e não residenciais, fazendo-o de forma continuada e com intuito lucrativo. 
2. Por contrato celebrado em 16 de abril de 2019, a autora esposa e a ré celebraram um contrato de empreitada para a construção de uma casa em estrutura metálica com 46 m2, incluindo base em betão, pavimento, estrutura metálica e revestimentos em fachadas e cobertura em painéis isotérmicos, acabamentos interiores, num terreno sito na Rua ..., em ..., ..., propriedade daquela.
3. O preço da empreitada era de € 33.000,00, com IVA incluído, a pagar nos termos da cláusula sétima do contrato de empreitada de fls. 9 e 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. A descrição da obra a realizar era a constante do orçamento elaborado pela ré denominado de 024BotaC00_18 que é parte integrante do contrato de empreitada de fls. 9 e 10, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
5. O prazo de execução da obra era de três meses após a emissão do alvará de construção. 
6. Foi também estipulado no contrato referido em 2. que, em caso de incumprimento do prazo mencionado em 5. por parte da ré, esta indemnizaria a autora no montante de mil euros por cada mês de atraso na execução da obra.
7. Em 27 de Agosto de 2019, as partes acordaram uma adenda ao contrato de empreitada, junta a fls. 12 e 13 e que aqui se dá por reproduzida.
8. Acontece, contudo, que até à presente data a construção ainda não se encontra concluída, apresenta vários defeitos e ainda não tem a licença de habitabilidade.
9. Para melhor apuramento das patologias existentes na obra, os autores solicitaram a um Engenheiro Civil a realização do Relatório Pericial de fls. 14 a 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. A obra apresenta, entre as mais, as seguintes patologias:
a. A porta da entrada da habitação é provisória, apresenta ainda uma película plástica de protecção ao painel, que como não foi removida, com a exposição ao sol se deteriorou, tornando muito difícil sua remoção, e o remate da tijoleira à soleira de alumínio não está executado;
b. a torneira de lavatório de casa de banho, tipo misturadora, na posição de água quente, deixa passar água fria, não atingindo a temperatura quente máxima e com o passador quente fechado a temperatura aumenta consideravelmente;
c. a descarga de tanque de sanita não funciona;
d. as arestas dos azulejos da janela de casa de banho não estão acabadas conforme as boas normas de construção;
e. os azulejos estão rematados com massa de betume, com um boleado imperfeito, e que em muito ultrapassa a espessura permitida para a aplicação de betume;
f. são visíveis fissuras no betume e ainda azulejos cortados e desalinhados;
g. a altura da tomada da electricidade encontra-se muito próxima do ponto de água do lavatório da casa de banho, quando é aconselhado por segurança que a altura seja superior à actual;
h. a dimensão e localização da janela da sala em relação à parede em que está inserida, torna impossível abrir as portadas das janelas na sua totalidade, uma vez que, do lado direito da janela a portada não cabe no espaço disponível na parede e do lado esquerdo esta sobrepõe-se à entrada da porta principal da habitação;
i. os parafusos dos batentes das portadas apresentam uma anormal oxidação;
j. a rampa de acesso à habitação está mal construída e apresenta defeitos no remate do corte nas transições de inclinação, devendo ser substituída por nova rampa;
k. a caixilharia não tem ruptura térmica e vidro das janelas não tem qualquer eficácia térmica, as janelas não são oscilo batente, as portadas não são completamente estanques à luz, nem têm a manivela móvel de fecho e abertura de entrada de luz;
l. as portadas não permitem o escoamento da água da chuva, pois não têm saídas para esta drenagem;
m. não foi colocado o portão de acesso ao terreno da habitação;
n. para o nivelamento do terreno antes do início da construção da habitação, a ré utilizou entulho como paredes, vigas e telhados demolidos de outras casas, sem qualquer tratamento prévio.
11. No sistema de saneamento, existem ainda as seguintes patologias:
a. o tubo do saneamento está assente em pedras e entulho, quando deveria estar envolto numa camada de areia para proteção da tubagem e depois a vala ser aterrada com terra cirandada;
b. as tampas de saneamento não são estanques ao cheiro do saneamento e não são certificadas para o efeito;
c. a passagem dos tubos de saneamento no lintel de betão não está rematada com argamassa, possibilitando a passagem de água, animais, etc., para o interior da laje;
d. faltam grelhas de ventilação, os tubos que permitem a ventilação não apresentam grelhas como é aconselhável.
12. Interpelada a ré para resolver estes defeitos, esta apresentou uma proposta de resolução, junta a fls. 21 e 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aceitando: 
a. a substituição da porta da entrada;
b. a verificação e, eventual, substituição da torneira, bem como a substituição da descarga de tanque da sanita;
c. a execução dos remates da orla da janela da casa de banho, bem como a colocação do azulejo pedido para a zona da cozinha;
d. a colocação de uma tampa na tomada junto ao móvel da casa de banho;
e. que as tubagens não foram envoltas da melhor forma, estando disponíveis o exposto e envolver as tubagens corretamente, bem como, seguir as indicações do relatório pericial apresentado pelos autores quanto às tampas de saneamento, ao remate das tubagens e às grelhas;
f. que a solução encontrada quanto às portadas não foi a melhor;
g. a substituição dos parafusos oxidados;
h. a colocação de nova rampa conforme as indicações preconizadas no relatório pericial. 
13. Os autores, em resposta, remeteram à ré, por correio electrónico, a comunicação junta a fls. 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando, entre o mais, os seguintes esclarecimentos:
“3.5 – Recentemente constatei o que já suspeitava, que V.ª Ex.ª utilizaram resíduos da demolição de uma habitação no aterro na nossa propriedade, nomeadamente, parede e vigas.
Assim, gostaria de saber se estamos perante um despejo ilegal de inertes ou se pelo contrário esses resíduos cumprem as exigências legais.
3.6. – A resposta a este ponto não entendo se não vão resolver o problema das portadas ou se sim, qual a solução que entendem mais correta.
3.8.2. – Todos concordamos que a caixilharia de alumínio colocada não tem o melhor comportamento térmico. Recordo, posteriormente ao orçamento inicial, foi por nós acordado a colocação de uma caixilharia de alumínio com corte térmico e para não inflacionar o preço do orçamento acordamos em retirar da obra a realizar a estufa, que não foi construída, contudo o seu preço não foi retirado do custo da obra. Agradeço o seu comentário.
3.10 - Pela informação que nos foi facultada não é possível a pintura da casa, pelo que entendemos que essa não deverá ser a solução.”
14. Em 19 de Outubro de 2020, também por correio eletrónico, junto a fls. 25 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a ré respondeu aos autores da seguinte forma:
“3.5- A EMP01... não efetuou na sua obra qualquer descarga ilegal e custa-nos entender a boa fé desse comentário. Aliás, a D.ª AA tem pleno conhecimento que não tínhamos necessidade de recorrer a essa solução, dado que são vários os telhados executados em ... onde as descargas dos resíduos são efetuadas nos locais convenientes.
3.6 – Assumimos a totalmente resolução da portada dentro daquilo que for tecnicamente possível.
3.8.2 – Não temos registo de qualquer email nesse sentido na data em causa. Mais, nunca foi sequer uma possibilidade executar uma estufa (se é esse o termo correto que pretendia aplicar) na sua obra. Aliás, não existe sequer espaço útil no terreno para tal.
3.10 – Assumimos a pintura da residência, dando total garantia do serviço. 
15. A ré, sem o conhecimento dos autores, decidiu, por sua conta e responsabilidade, para aplanar o terreno onde construiu a habitação, colocar resíduos da demolição de uma habitação, nomeadamente, restos de paredes, vigas e telhados. 
16. A ré procedeu a um despejo ilegal de inertes e resíduos no terreno dos autores e sobre estes construiu a habitação onde os autores irão residir.
17. Autores e ré acordaram o fornecimento e colocação de um recuperador de calor de preço de venda ao público de € 850,00, contra o pagamento do preço de € 1.062,50, a que acresceria ainda o IVA à taxa em vigor. 
18. Mais tarde, ambas as partes acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado e o fornecimento e colocação caixilharia e vidro térmicos, mantendo-se o preço acordado no orçamento.
19. Acontece que caixilharia e o vidro colocado na habitação dos autores não tem qualquer eficácia térmica e não foi efetuada a pré-instalação do ar condicionado.
20. A obra encontra-se ainda por terminar. 
21. A obra ainda não está devidamente licenciada, faltando a licença de habitabilidade a emitir pelo Município ....
22. Os autores pagaram à ré os seguintes montantes por conta da empreitada:
a) € 7.500,00 na data de adjudicação da obra à ré, em 15/04/2019,
b) € 2.500,00 em 18/04/2019, conforme recibo ...6,
c) € 7.515,14 em 31/05/2019, referente à fatura ...01, e
d) € 5.000,00 em 02/09/2019, referente à fatura ...89.
23. Em 28/07/2019, a ré assumiu o pagamento aos autores das despesas que estes tiveram com a emissão do alvará de construção, no valor de € 947,62 conforme mensagem de correio eletrónico junta fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. Contudo, de promessa em promessa, a ré foi sucessivamente adiando o término da empreitada.
25. Dispõe a cláusula nona do contrato de empreitada que o prazo para a conclusão da obra é de três meses após a emissão do alvará de construção.
26. O alvará de construção foi emitido em .../.../2019 pela Câmara Municipal ....
27. Dispõe a cláusula décima do mesmo contrato que “Caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir ao dono da obra em mil euros por cada mês de atraso e suportar as despesas associados com o aluguer de um espaço para salvaguarda dos bens do cliente”.
28. Deste modo, a obra deveria ter terminado no mês de julho de 2019, o que ainda não aconteceu.

Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

a) Os autores não efectuaram o pagamento de outras quantias além das aludidas em 22. pois quando a obra já levava um atraso de cerca de 8 meses, da responsabilidade exclusiva da ré, esta propôs-se, mais uma vez, a terminar a obra nos meses seguintes e a descontar ao montante final da empreitada o que ainda faltava pagar, ou seja, € 11.219,86, ficando assim o preço integralmente pago.
b) Celebrado o contrato, a ré iniciou imediatamente a execução do contrato de empreitada.
c) Ultrapassada a fase de construção do grosso da obra, cuja autonomia de execução era exclusiva da ré, iniciou-se em meados de Junho/Julho de 2019 a execução dos denominados acabamentos.
d) A fase de acabamentos retirou a autonomia de execução à ré por necessidade de decisões, na escolha dos materiais, a serem tomadas pelos donos da obra.
e) O facto de os autores residirem longe de ..., em Lisboa, e as várias indecisões e exigências não previstas no contrato pelos autores, motivaram a falta de tomada de decisão na escolha dos materiais a aplicar e, consequentemente, motivou atrasos no andamento dos trabalhos.
f) Em Setembro de 2019, a obra entrou em ritmo baixo, com muitos dias de impossibilidade de execução, por haver decisões pendentes dos autores e a autora mulher ter sido sujeita a intervenção cirúrgica.
g) Em Outubro de 2019, a pedido da autora mulher, foi realizado um projecto 3D para a montagem da cozinha. 
h) Por divergências entre a autora e o carpinteiro subcontratado, a ré viu-se obrigada a contratar outro carpinteiro e reiniciar todo o processo de execução da cozinha.
i) Em Novembro de 2019 é feito um estudo 3D para a rampa de acesso a construir nos termos da adenda ao contrato, tendo a mesma sido aprovada pelos autores.
j) Com a obra em fase de conclusão, os autores solicitaram à ré a entrega do imóvel para transportar para o mesmo toda a mobília que possuíam e que estava guardada num armazém junto ao imóvel.
k) Posteriormente, os autores passaram a residir no imóvel.
l) Se até esse momento as divergências foram sempre ultrapassadas, após os autores começarem a residir no imóvel, as reclamações e exigências aumentaram.
m) Com a referida atitude, a autora impediu a ré de concluir os trabalhos previstos e impediu que a ré resolvesse alguns problemas que apareceram.
n) Os autores não concordaram com a proposta de resolução referida em 12., e impediram a ré de realizar a intervenção proposta.
o) Pelas indecisões e exigências dos autores nas escolhas dos materiais a aplicar, a ré não conseguiu de forma contínua e sem interrupções executar a empreitada contratada.
p) Todavia, até à presente acção, o período de execução da empreitada nunca foi objecto de reclamação pelos autores.
q) Os autores aceitaram que o contrato não fosse concluído no prazo inicialmente previsto.
r) Em Dezembro de 2019, os autores decidiram e começaram a residir no imóvel objecto do contrato de empreitada.
s) Nesse período mobilaram todo o imóvel.
t) A partir desse momento, os trabalhos a realizar pela ré tinham que ser previamente agendados e dependentes da disponibilidade da autora.
u) Após os autores começarem a residir no imóvel objecto do contrato de empreitada, a autora começou a apresentar sucessivas reclamações e a exigir a prestação de serviços e fornecimentos que não estavam contratualizados.
v) Perante a recusa da ré em realizar serviços e prestar fornecimentos não contratados sem o respectivo pagamento, a autora impediu a ré de concluir a empreitada.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Nulidade da sentença

Nas alegações de recurso a ré invocou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre as questões de abuso de direito e de nulidade da cláusula 10ª do contrato de empreitada.
Refere que ambas as questões foram suscitadas nas alegações orais apresentadas na audiência final, as quais, de qualquer modo, são de conhecimento oficioso, pelo que a sentença tinha que se pronunciar sobre as mesmas e, não o tendo feito, padece de nulidade conforme previsto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

O tribunal a quo não se pronunciou sobre a invocada nulidade.

Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, (diploma ao qual se referem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).

O vício da decisão decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º, designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução eventualmente dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir, do lado ativo, e as exceções invocadas, do lado passivo.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
O conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 5.4.2018, Relator Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt).
Uma vez que as questões a decidir não se confundem com os argumentos fáctico-jurídicos apresentados, a não pronúncia sobre factos, em princípio, não é geradora de nulidade, integrando antes uma situação de erro de julgamento sindicável em sede de impugnação da matéria de facto.
Neste sentido escreve Rui Pinto (in CPC Anotado, Vol. II, págs. 178/179), citando em abono desta posição o Acórdão do STJ de 23.3.2017, Relator Tomé Gomes, que “as questões de mérito a resolver não se confundem com a apreciação dos factos em cuja decisão assenta a resolução daquelas. Se nos fundamentos da sentença ou acórdão o tribunal não atende a um facto que se encontre provado ou se considera facto que não devesse ser atendido em face dos requisitos do art. 5º, nº 1 e 2, não há omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia, mas um erro de julgamento da matéria de facto, merecedora de recurso”.

Retomando o que acima se referiu, as questões a decidir estão intimamente ligadas ao pedido formulado e à respetiva causa de pedir, bem como às exceções deduzidas.

O pedido e a causa de pedir individualizada e concretizada constituem um elemento objetivo da instância e são delimitados e conformados pelo autor com a apresentação da petição inicial. Após a citação do réu, estes elementos fixam-se ou estabilizam-se no sentido de que se têm de manter inalterados, só podendo ser modificados na medida em que a lei geral ou especial o permita.

Trata-se do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º segundo o qual, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei, designadamente as constantes dos arts. 261º a 265º.

No que respeita à defesa, o art. 573º, nº 1, com a epígrafe “oportunidade de dedução de defesa”, estabelece que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
Esta norma consagra o princípio da concentração da defesa na contestação, ao qual estão associados, como consequência ou corolário, os princípios da eventualidade e da preclusão, resultando do aludido preceito que o réu deve incluir na contestação todos os meios de defesa de que disponha, seja a defesa direta (impugnação), seja a defesa indireta (exceções dilatórias e perentórias). Decorre do princípio da preclusão que todos os meios de defesa não invocados pelo réu na contestação ficam prejudicados, não podendo ser alegados mais tarde; decorre do princípio da eventualidade que, dado o risco de preclusão, o réu há-de dispor todos os seus argumentos de modo a que cada um deles seja atendido na eventualidade de qualquer dos anteriores improceder (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág. 670).

O nº 2 do art. 573º estabelece um desvio ao princípio geral consagrado no nº 1, permitindo a defesa diferida, estatuindo tal normativo que depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Na defesa diferida enquadram-se os “meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em que eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objetiva), quer aqueles em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente é conhecido pelo réu (superveniência subjetiva), devendo em ambos os casos ser alegado em articulado superveniente (art. 588-2); meios de defesa, como é o caso da incompetência absoluta, que a lei expressamente admita posteriormente à contestação; meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente, abrangendo a impugnação de direito (art. 5-3) e a maioria das exceções dilatórias (art. 578) e perentórias (art. 579), sem prejuízo de os factos em que as exceções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvos os casos excecionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art. 5-2-c), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, 4ª ed., Vol. II, pág. 566).

Como regra, há uma coincidência entre o objeto do litígio que foi identificado no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 596 º e as questões jurídicas a resolver na sentença.
As questões jurídicas a apreciar na sentença “não correspondem a meros argumentos jurídicos, antes aos vetores fundamentais da ação e da defesa, a que poderão ainda acrescer outras que sejam de conhecimento oficioso” (Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, 5ª ed., Apêndice II – Sentença Cível, pág. 594).

É incontroverso que a sentença recorrida não integrou no elenco de questões jurídicas a decidir quer o abuso de direito, quer a nulidade da cláusula 10ª do contrato objeto dos autos e, consequentemente, não se pronunciou sobre as mesmas.

Porém, importa analisar se essas duas matérias integram ou não uma questão a decidir, de acordo com as considerações que atrás expendemos, e não olvidando que a nulidade da sentença decorrente da omissão de pronúncia tem uma ligação direta apenas com a delimitação do que constitui objeto de cognição obrigatória do tribunal e não com o acerto ou desacerto da decisão jurídica proferida pois que esta última é matéria que apenas releva enquanto erro de julgamento.

Isto dito, verifica-se que, no caso concreto, e como a própria recorrente reconhece nas suas alegações de recurso, as questões do abuso de direito e da nulidade da cláusula 10ª do contrato de empreitada nunca foram suscitadas na contestação ou em articulado posterior e só foram referidas pela primeira vez em sede de alegações orais produzidas na audiência final.

As alegações orais têm lugar depois de finda a produção de prova e destinam-se a que os advogados exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida (art. 604º, nº 3, al. e) tendo como finalidade “influenciar, tanto ao nível dos factos, como ao nível do enquadramento jurídico, a decisão final da causa em 1ª instância, que será expressa na sentença” (Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, 3ª ed., pág. 353).

Contrapondo, de um lado, o princípio da concentração da defesa na contestação e os princípios da eventualidade e da preclusão, que constituem seus corolários, e, de outro lado, a finalidade das alegações orais, conclui-se que as mesmas não podem ser utilizadas para introduzir questões novas no processo, designadamente para alegar pela primeira vez exceções de direito material, alterando, por esta via, o objeto do processo.
Nas alegações orais, a parte pode, no exercício do seu direito de influenciar a decisão a proferir, fazer o enquadramento jurídico da factualidade que considera provada e convocar a aplicação de institutos jurídicos que não tinha anteriormente invocado, designadamente em casos em que os mesmos sejam de conhecimento oficioso. Porém, essa convocação de novos institutos jurídicos, ainda que de conhecimento oficioso, não altera o objeto do processo já anteriormente fixado e não introduz uma questão nova que o tribunal esteja obrigado a resolver na sentença.
Dito de outro modo, e relativamente ao caso concreto em análise, a ré tem todo o direito de, em sede de alegações orais, invocar, como invocou, a existência de abuso de direito e a nulidade de uma cláusula do contrato de empreitada, tentando, por esta via, influenciar a decisão e levar a que o tribunal acolha a sua posição jurídica e decida a causa com recurso a esse enquadramento jurídico, porquanto em ambos os casos se trata de matérias de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. O que significa que, mesmo que a parte não as invocasse, o tribunal poderia sempre aplicar essas regras jurídicas, como, aliás, quaisquer outras, porquanto, nos termos do art. 5º, nº 3, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conquanto cumpra previamente o princípio do contraditório imposto no art. 3º, nº 3, assim evitando a prolação de decisões-surpresa.

Porém, o direito da ré de influenciar a decisão esgota-se nessa alegação e se o tribunal não apreciou na sentença essas duas matérias jurídicas, que são de conhecimento oficioso, mas que não foram anteriormente suscitadas nos autos, no momento processual adequado, não omitiu a apreciação de questão que devesse apreciar, para efeito das disposições conjugadas dos arts. 608º, nº 2 e 615º, nº 1, al. d).

Dito em termos mais simples: tratando-se de matéria de direito e de conhecimento oficioso, o tribunal, uma vez cumprido o contraditório, podia ter apreciado a existência de abuso de direito e de nulidade da cláusula contratual, porém, não estava obrigado a apreciar essas duas matérias porquanto a ré nunca as suscitou nos autos, não sendo as alegações orais o momento processual adequado para o fazer, o que implica que a invocação que foi feita nessas alegações não tem a virtualidade de introduzir novas questões nos autos cuja apreciação se imponha ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade.

Neste sentido, em situação parcialmente análoga, o Acórdão do STJ, de 20.03.2014 (Relatora Maria dos Prazeres Beleza, P. 1052/08.0TVPRT.P1.S1 in www.dgsi.pt) em cujo  sumário se refere que “[n]ão se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou”.

Do atrás exposto decorre, em suma, que a sentença não padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre duas matérias jurídicas que, embora sendo de conhecimento oficioso, integram exceções de direito material que nunca foram suscitadas ao longo do processo e apenas foram invocadas nas alegações orais, não integrando as mesmas o conceito de questão que a sentença devesse apreciar para efeitos de preenchimento do art. 615º, nº 1, al. d) conjugado com o art. 608º, nº 2.

Saber se no caso em apreço existe abuso de direito e se a cláusula 10ª é nula, conforme invocado pela recorrente nas alegações, é matéria que se prende com erro de julgamento, e não com nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Improcede, assim, esta primeira questão recursória.

II – Alteração da matéria de facto

Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019, Relatora Vera Sottomayor, (in www.dgsi.pt):
Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.

No mesmo sentido, considerou o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 2.11.2017, Relatora Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt), em termos com os quais concordamos integralmente, que “o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.”

Por outro lado, importa salientar que, tal como deve suceder na decisão proferida na 1ª instância, também na reapreciação da prova que é feita em sede de recurso é formulado um juízo global que abarca todos os elementos em presença, sendo a prova produzida analisada, de forma direta e indireta, no seu conjunto.
Como tal, não é suficiente para efeitos de prova de um facto a mera invocação e transcrição de segmentos de um depoimento feita de forma descontextualizada. Também o próprio depoimento não pode ser valorado de per se, devendo sempre ser articulado e concatenado com o conjunto da prova produzida.
Por conseguinte, para efeitos de apreciação da impugnação da matéria de facto, a par da consulta dos elementos documentais juntos ao processo, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos e declarações prestados na audiência final.

Tendo por base estes critérios e todos os elementos probatórios existentes nos autos, analisemos então se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente.

A recorrente impugna o facto nº 6 o qual tem a seguinte redação:

6. Foi também estipulado no contrato referido em 2. que, em caso de incumprimento do prazo mencionado em 5. por parte da ré, esta indemnizaria a autora no montante de mil euros por cada mês de atraso na execução da obra.

Pretende que o facto passe a ter a seguinte redação:

“Foi estipulado no contrato referido em 2. que, caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir o dono da obra em mil euros por cada mês de atraso.”

Foi dado como provado no facto 27, o qual não foi objeto de impugnação, o teor literal da cláusula 10ª do contrato, tendo esse facto a seguinte redação:

27. Dispõe a cláusula décima do mesmo contrato que “Caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir ao dono da obra em mil euros por cada mês de atraso e suportar as despesas associados com o aluguer de um espaço para salvaguarda dos bens do cliente”.

Assim, verifica-se que o facto 6 é uma repetição do facto 27, mas menos exata e rigorosa, porque o facto 27 contém o teor literal da cláusula, razão pela qual deve ser eliminado, ficando, consequentemente, prejudicada a impugnação que quanto ao mesmo foi deduzida.

Em consequência, determina-se a eliminação do facto nº 6 do acervo factual, visto ser repetição do facto 27, e, consequentemente, considera-se prejudicada a impugnação deduzida quanto ao mesmo.
*
A recorrente, na conclusão 6ª, al. a), refere que, entre outros, impugna o facto 9.

Parece-nos que esta impugnação decorre de um lapso de escrita porquanto, lendo as restantes conclusões, não há qualquer outra menção à impugnação do facto nº 9.
Também na motivação nada se refere quanto à impugnação deste facto, quanto aos concretos meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que impõem decisão diversa, quanto à decisão que deve ser proferida sobre esse facto 9 e quais as passagens da gravação em que se funda essa impugnação.
O que significa que, mesmo que a impugnação do facto 9 não decorresse de lapso de escrita, sempre a mesma seria de rejeitar por incumprimento dos ónus previstos no art. 640º, nºs 1, als. b) e c) e 2, al. a), sendo que a lei não admite, nesta matéria, a prolação de despacho a convidar ao aperfeiçoamento, antes impondo a rejeição imediata do recurso, na parte afetada.

Com estes fundamentos, rejeita-se a impugnação deduzida quanto ao facto 9.
*
A recorrente impugna os factos nº 10 e 11 os quais têm a seguinte redação:

10. A obra apresenta, entre as mais, as seguintes patologias:
a. A porta da entrada da habitação é provisória, apresenta ainda uma película plástica de protecção ao painel, que como não foi removida, com a exposição ao sol se deteriorou, tornando muito difícil sua remoção, e o remate da tijoleira à soleira de alumínio não está executado;
b. a torneira de lavatório de casa de banho, tipo misturadora, na posição de água quente, deixa passar água fria, não atingindo a temperatura quente máxima e com o passador quente fechado a temperatura aumenta consideravelmente;
c. a descarga de tanque de sanita não funciona;
d. as arestas dos azulejos da janela de casa de banho não estão acabadas conforme as boas normas de construção;
e. os azulejos estão rematados com massa de betume, com um boleado imperfeito, e que em muito ultrapassa a espessura permitida para a aplicação de betume;
f. são visíveis fissuras no betume e ainda azulejos cortados e desalinhados;
g. a altura da tomada da electricidade encontra-se muito próxima do ponto de água do lavatório da casa de banho, quando é aconselhado por segurança que a altura seja superior à actual;
h. a dimensão e localização da janela da sala em relação à parede em que está inserida, torna impossível abrir as portadas das janelas na sua totalidade, uma vez que, do lado direito da janela a portada não cabe no espaço disponível na parede e do lado esquerdo esta sobrepõe-se à entrada da porta principal da habitação;
i. os parafusos dos batentes das portadas apresentam uma anormal oxidação;
j. a rampa de acesso à habitação está mal construída e apresenta defeitos no remate do corte nas transições de inclinação, devendo ser substituída por nova rampa;
k. a caixilharia não tem ruptura térmica e vidro das janelas não tem qualquer eficácia térmica, as janelas não são oscilo batente, as portadas não são completamente estanques à luz, nem têm a manivela móvel de fecho e abertura de entrada de luz;
l. as portadas não permitem o escoamento da água da chuva, pois não têm saídas para esta drenagem;
m. não foi colocado o portão de acesso ao terreno da habitação;
n. para o nivelamento do terreno antes do início da construção da habitação, a ré utilizou entulho como paredes, vigas e telhados demolidos de outras casas, sem qualquer tratamento prévio.

11. No sistema de saneamento, existem ainda as seguintes patologias:
a. o tubo do saneamento está assente em pedras e entulho, quando deveria estar envolto numa camada de areia para proteção da tubagem e depois a vala ser aterrada com terra cirandada;
b. as tampas de saneamento não são estanques ao cheiro do saneamento e não são certificadas para o efeito;
c. a passagem dos tubos de saneamento no lintel de betão não está rematada com argamassa, possibilitando a passagem de água, animais, etc., para o interior da laje;
d. faltam grelhas de ventilação, os tubos que permitem a ventilação não apresentam grelhas como é aconselhável.

A sentença recorrida considerou esta matéria provada com base na seguinte fundamentação:

“A factualidade expendida em 9. a 11. decorreu da conjugação do relatório de fls. 14 a 20 e do relatório pericial de fls. 39 a 46 – sendo que o teor deste último não foi impugnado - com o depoimento da testemunha CC, que elaborou o primeiro e, com isenção, objectividade e clareza, à mesma se reportou.
Assim, a existência dos defeitos aludidos em 10. e 11. está amplamente demonstrada, desde logo, pela convergência dos resultados plasmados no relatório pericial de fls. 39 a 46 com o relatório de fls. 14 a 20, e pela confirmação do seu teor pela referida testemunha CC, cujo depoimento foi reputado pelo Tribunal como credível.
De referir que o relatório pericial de fls. 39 a 46 não foi impugnado, pelo que são as suas conclusões de aceitar, a menos que se provasse o contrário, o que não aconteceu. Pelo contrário, pois que todos os demais elementos objectivos reunidos corroboram tais conclusões.”

A recorrente pretende que esta factualidade seja dada como não provada. A recorrente não coloca propriamente em causa a existência das situações descritas nesses factos, o que defende é que as situações descritas não constituem um defeito ou uma situação de incumprimento do contrato e não podem ser qualificadas como tal.
Neste sentido, argumenta que “[n]ão é intelectualmente correto considerar que todas as situações descritas no relatório e no relatório pericial corresponde a defeitos ou incumprimento do contrato de empreitada.
O Tribunal a quo deveria ter procedido à análise detalhada das obrigações contidas no orçamento e, face a estas, apurar se alguma das situações constantes do relatório corresponde efetivamente a um incumprimento.
Atividade que o Tribunal não fez e os próprios Recorridos também não.  Não pode ser a Recorrente a sofrer as consequências desta inércia e colocar no mesmo cesto circunstâncias que são manifestamente diferentes.”

Ora quanto a esta argumentação cumpre dizer que a mesma tem por base uma confusão entre matéria de facto e matéria de direito, confusão essa da qual a própria sentença recorrida comunga.
Uma coisa é a existência das situações descritas nos factos 10 e 11, o que constitui matéria de facto; coisa diferente é saber se essas situações podem ser qualificadas como defeitos ou como incumprimento do contrato celebrado entre as partes, o que constitui matéria de direito.

Com efeito, nos termos do art. 607º, nº 4, do CPC vigente, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados.
De tal norma decorre naturalmente que da sentença, na parte relativa ao acervo factual, só podem constar factos, e não juízos conclusivos, conceitos normativos e matéria de direito. Como referido no Acórdão da Relação de Évora, de 28.6.2018 (in www.dgsi.pt), na seleção dos factos em sede decisão da matéria de facto deve atender-se à distinção entre factos, direito e conclusão, acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito
Por isso, se a matéria factual selecionada na sentença não respeitar estes limites tem de ser expurgada de todos os elementos que integrem matéria de direito, juízos de valor ou conclusivos e afirmações que se insiram na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação e suscetíveis de conduzir, só por si, ao desfecho da ação.
Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 28.9.2017, (in www.dgsi.pt) segundo o qual “muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.

No mesmo alinhamento de ideias, refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo CPC, 5ª edição, págs. 304 e 305) que outro vício que pode detetar-se na decisão da matéria de facto “pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto.” E, embora afirme que no atual regime processual civil “devem ser admitidas com mais naturalidade asserções que, não correspondendo, no contexto da concreta ação, a puras ‘questões de direito’, sejam algo mais do que puras ‘questões de facto’ no sentido tradicional” ainda assim entende que ocorrerá uma “patologia da sentença (...) quando seja abertamente assumida como ‘matéria de facto provada’ pura e inequívoca matéria de direito”.

Ora, estando em causa nos presentes autos um contrato de empreitada e constituindo questões a decidir saber “se a obra identificada na petição inicial se encontra atrasada por motivos imputáveis à ré e se padece dos defeitos aí descritos e, em caso afirmativo, aferir se os autores têm direito a obter da ré a reparação dos mesmos e a compensação peticionada pelo atraso na execução da obra” não pode constar da matéria de facto que as situações descritas constituem patologias, entendidas estas como defeitos, conforme o fez a sentença recorrida, pois, como resulta da fundamentação transcrita, a mesma faz equivaler patologias a defeitos (“a existência dos defeitos aludidos em 10. e 11. está amplamente demonstrada”).

Assim, tem de ser eliminada dos factos 10 e 11 a alusão a patologias, subsistindo unicamente a descrição fáctica das situações verificadas.
*
Importa agora analisar se as situações descritas nas várias alíneas dos factos 10 e 11 devem ou não ser consideradas provadas.

No facto 10 a. consta que a porta é provisória.

Conjugando o relatório pericial com o relatório junto com a p.i., elaborado pelo Eng. CC, verifica-se que em nenhum dos dois se afirma que a porta da entrada é provisória. O relatório pericial nada diz sobre a provisoriedade da porta e o relatório junto com a p.i. o que refere é que “[s]egundo a proprietária, esta porta é provisória, e o empreiteiro vai aplicar uma porta definitiva”. Esta afirmação não passa de um relato que foi feito ao Eng. CC, não permitindo dar como provado que a porta é provisória.
Assim, essa matéria deve ser eliminada do facto 10, al. a.
Deverá ainda ser acrescentado o teor da resposta constante do relatório pericial na parte relativa ao remate da soleira da porta.

Assim, o facto 10, al. a., passará a ter a seguinte redação:

a. a porta da entrada da habitação apresenta ainda uma película plástica de proteção ao painel que, como não foi removida, com a exposição ao sol se deteriorou, tornando muito difícil a sua remoção; na soleira da porta falta colocar o perfil de transição/remate com o pavimento flutuante da sala/cozinha;
*
Quanto à al. c. o que resulta do relatório pericial não que é “a descarga de tanque de sanita não funciona”: essa era a pergunta formulada. A resposta obtida é que “quanto ao mecanismo de descarga do tanque da sanita, ver foto 5, verificou-se que tem um mau funcionamento, ficando preso após a descarga em posição aberta.
O relatório junto com a p.i. corrobora esta situação, de forma mais vaga, genérica e conclusiva, dizendo que a “descarga de tanque da sanita apresenta defeito, devendo ser substituída”.

Assim, a al. c. deve ser alterada passando a constar que:

c. o mecanismo de descarga do tanque da sanita tem um mau funcionamento, ficando preso após a descarga em posição aberta.
*
A al. g. do facto 10 corresponde ao teor do relatório elaborado pelo eng. CC. Porém, tal alínea deve ter uma maior concretização, acrescentando-se o teor da resposta que consta do relatório pericial.

Assim, al. g. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

g. a altura da tomada da eletricidade encontra-se muito próxima do ponto de água do lavatório da casa de banho (25 cm medidos na vertical da base do lavatório e 25 cm medido na horizontal da parede), quando é aconselhado por segurança que a altura seja superior à atual; por razões de segurança e boas práticas de construção, a tomada elétrica deveria ter sido instalada com um afastamento entre 60 cm a 1 m do ponto de água, ou, em alternativa, deveria ter sido instalada uma tomada elétrica própria para ambientes exteriores;
*
A al. h. do facto 10 não corresponde ao teor da resposta constante do relatório pericial, devendo ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito.

Assim, a al. h. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

h. dada a dimensão e localização da janela da sala em relação à parede em que está inserida, a portada do lado direito da janela da sala não abre completamente, por as suas dimensões serem superiores ao espaço disponível de parede, e a portada do lado esquerdo da janela da sala quando se encontra completamente aberta fica sobreposta à porta que permite o acesso ao interior da moradia;
*
A al. i. do facto 10 não corresponde ao teor da resposta constante do relatório pericial, devendo ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito.

Assim, a al. i. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

i. alguns parafusos dos batentes das portadas apresentam uma anormal oxidação;
*
A al. j. do facto 10 corresponde ao quesito que foi colocado ao senhor perito e não ao teor da resposta que esse quesito obteve.
Tal alínea deve ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito no que respeita às situações que em concreto se verificam na rampa.
De referir que nem o Eng. CC nem o perito que elaborou o relatório pericial sabem o que foi acordado entre as partes quanto à rampa nem como surgiu a concreta necessidade de a rampa ser construída pelo que o depoimento e relatórios dos mesmos só podem ser aproveitados e valorados na parte em que traduzem a observação direta do modo como a rampa está concretamente construída. O resto expendido sobre a matéria não passam de sugestões, opiniões e especulações, como os próprios assumem nos relatórios elaborados (cf. pág. 11 do relatório junto com a p.i. e pág. 11 do relatório pericial).

Assim, a al. j. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

j. o revestimento da rampa (Deck compósito) nas zonas de transição de inclinação encontra-se degradado e em alguns sítios partido;
*
A al. k. do facto 10 corresponde ao quesito que foi colocado ao senhor perito e não ao teor da resposta que esse quesito obteve.
Tal alínea deve ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito no que respeita às situações que em concreto verificou.

Assim, a al. k. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

k. a caixilharia de alumínio não tem corte térmico; o mecanismo de abertura das janelas do tipo manivela não tem sistema oscilobatente, permitindo apenas a abertura e fecho do vão envidraçado; as portadas são compostas por lamelas fixas e não têm qualquer tipo de regulação/manivela que permita ajustar as lamelas e tornar a portada completamente estanque à luz;
*
A al. l. do facto 10 corresponde ao quesito que foi colocado ao senhor perito e não ao teor da resposta que esse quesito obteve.
Tal alínea deve ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito no que respeita às situações que em concreto verificou.

Assim, a al. l. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

l. junto à base do vão envidraçado não existe qualquer tipo de sistema de drenagem que permita o escoamento de águas;
*
A al. n. do facto 10 corresponde ao quesito que foi colocado ao senhor perito e não ao teor da resposta que esse quesito obteve.
Tal alínea deve ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito no que respeita às situações que em concreto verificou.

Assim, a al. n. do facto 10 passará a ter a seguinte redação:

n. existem dispersos por todo o terreno alguns restos de entulho como por exemplo blocos de cimento, vigas e pedras.
*
Quanto às restantes alíneas do facto 10 a veracidade das situações descritas decorre do teor conjugado dos dois relatórios juntos aos autos.
*
A al. a. do facto 11 corresponde ao quesito que foi colocado ao senhor perito e não ao teor da resposta que esse quesito obteve.
Tal alínea deve ser alterada em conformidade com a resposta dada pelo senhor perito no que respeita às situações que em concreto verificou.

Assim, a al. a. do facto 11 passará a ter a seguinte redação:

a. a tubagem de drenagem de águas residuais domésticas (saneamento), encontra-se semienterrada. De acordo com as boas práticas da construção e de forma a preservar o coletor de drenagem da rede de saneamento, este deveria estar assente sobre almofada de areia, gravilha ou outro material similar, no mínimo com 15 cm de altura em volta de toda a tubagem e aterrado a uma profundidade não inferior a 80 cm medidos entre a geratriz superior externa do tubo e o nível do pavimento, coberto com terra cirandada.
*
Quanto às restantes alíneas do facto 11 a veracidade das situações descritas decorre do teor conjugado dos dois relatórios juntos aos autos.
*
A recorrente pretende que o facto nº 16 que tem a seguinte redação:

16. A ré procedeu a um despejo ilegal de inertes e resíduos no terreno dos autores e sobre estes construiu a habitação onde os autores irão residir.

seja alterado passando a ter a seguinte redação:

16. Verifica-se a existência de inertes e resíduos no terreno dos autores.

Relativamente ao facto 16, e começando por analisá-lo tal como está dado como provado, cumpre, desde logo, referir que não pode constar de um facto a qualificação da ilegalidade de um ato porquanto tal integra matéria de direito.

Mesmo excluindo essa qualificação de ilegalidade, não se vê qualquer relevância na inclusão deste facto no acervo factual, quer provado, quer não provado. E isto por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque o facto 16 é praticamente uma redundância ou repetição do facto 15, onde consta que a ré, sem o conhecimento dos autores, decidiu, por sua conta e responsabilidade, para aplanar o terreno onde construiu a habitação, colocar resíduos da demolição de uma habitação, nomeadamente, restos de paredes, vigas e telhados; em segundo lugar, porque o facto 16 não é sequer juridicamente relevante, de acordo com as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito, dado o concreto objeto do processo, delimitado este em função dos pedidos formulados e da causa de pedir invocada, porque os autores não formularam qualquer pedido baseado na circunstância de a casa ter sido construída sobre esses inertes e resíduos.

Por estas razões, o facto 16 deve ser excluído do acervo factual por não ser juridicamente relevante, de acordo com as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito.
Esta exclusão prejudica a análise da impugnação deduzida contra o facto 16.
*
Mas, ainda que assim não fosse e que não ocorresse a aludida exclusão, sempre se dirá que, analisando o facto 16 tal como a recorrente pretende que seja dado como provado, se verifica que a apreciação da impugnação não se revela de utilidade no caso em apreço, porque, quer se prove, quer não se prove a existência de inertes e resíduos no terreno dos autores, tal não tem qualquer influência na decisão final de mérito a proferir no recurso.
O que é relevante para as questões a decidir no recurso e reapreciação da condenação constante da sentença recorrida é a matéria do facto provado 15 - o qual não foi impugnado - pois a mesma contende com a eventual existência de defeitos que devem ser eliminados e que passam pela retirada do terreno de restos de “entulho” que aí permanecem.

Ora, em situações de irrelevância para o conhecimento do mérito da causa, visto os factos impugnados não serem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão do pleito segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância.
Assim, e seguindo a esclarecedora linha de raciocínio traçada sobre esta matéria no Acórdão do STJ, de 17.5.2017, Relatora Fernanda Isabel Pereira (in www.dgsi.pt) “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.”

Por conseguinte, dada a irrelevância da matéria que a recorrente pretende seja dada como provada no facto 16, sempre seria de rejeitar a impugnação deduzida.
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A recorrente impugna o facto provado nº 18.

Tal facto tem a seguinte redação:

18. Mais tarde, ambas as partes acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado e o fornecimento e colocação caixilharia e vidro térmicos, mantendo-se o preço acordado no orçamento.

A recorrente pretende que o referido facto seja alterado, passando a ter a seguinte redação:

18. Mais tarde, ambas as partes acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado, mantendo-se o preço acordado no orçamento.

Comparando as duas redações, verifica-se que a recorrente pretende que se exclua que o acordo efetuado entre as partes abrangeu o fornecimento e colocação de caixilharia e vidros térmicos.

O tribunal a quo fundamentou a prova do facto impugnado dizendo que “[a] materialidade contida em 18. e 19. decorreu das declarações de parte da autora, com a credibilidade que o Tribunal lhes conferiu”, tendo na fundamentação efetuado uma súmula das declarações prestadas e tecido diversas considerações sobre a credibilidade das mesmas.

O recorrente discorda e convoca o depoimento da testemunha DD, com base no qual sustenta a inexistência de acordo relativamente ao fornecimento e colocação de caixilharia e vidros térmicos.
Invoca ainda os e-mails trocados entre as partes, cujo teor se encontra transcrito nos factos 13 3.8.2, e 14. 3.8.2.

Começando pelos e-mails, dos mesmos não decorre, por si só, que não seja verdade que o acordo efetuado entre as partes abrangeu o fornecimento e colocação de caixilharia e vidros térmicos.
Na altura em que os e-mails foram trocados, havia efetivamente um desacordo sobre essa matéria, pois, na ótica da autora, o acordo abrangia a referida matéria e, na ótica da ré, tal acordo nunca existiu. O desentendimento que existia nessa altura não implica que o acordo não tenha efetivamente ocorrido em data anterior à troca dos aludidos e-mails. O que significa que, desacompanhados de outros meios probatórios, os e-mails em questão não provam se houve ou não houve acordo relativamente ao fornecimento e colocação de caixilharia e vidros térmicos.

Sobre a matéria impugnada confrontam-se nos autos as versões antagónicas da autora e da ré, sendo a primeira sustentada pelas declarações que a própria autora prestou e a segunda sustentada pelo depoimento da testemunha DD.

Embora a autora tenha um interesse pessoal e direto no desfecho da causa, prestou um depoimento que nos pareceu credível e verosímil, tendo confirmado o acordo quanto ao fornecimento e colocação de caixilharia e vidros térmicos.
Por seu lado, a testemunha DD não afirmou perentoriamente que o acordo não ocorreu, antes dizendo que não se lembra de ter havido troca do recuperador de calor pela caixilharia, sendo que não se lembrar é diferente de afirmar que o acordo não existiu.
O tribunal recorrido, que percecionou de forma pessoal, imediata e direta a prestação dos dois depoimentos, deu maior credibilidade às declarações da autora e considerou provada a versão por esta apresentada, em detrimento da versão sustentada pela testemunha DD.

O tribunal a quo, dada a situação de imediação e oralidade em que se encontrava, por ter diretamente presenciado a prestação dos depoimentos, teve acesso a elementos que escapam a este tribunal de recurso e que não são captáveis pela mera audição das gravações.
E da audição a que se procedeu não se consegue de forma minimamente segura e em consciência considerar que um dos depoimentos é mais credível do que o outro.

De relembrar que, como referimos supra, para alterar a decisão sobre a matéria de facto é necessário que os elementos probatórios imponham uma diferente decisão, e não apenas que consintam ou permitam essa diferente decisão.
E “quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” (acórdão da Relação de Coimbra, 3.12.2013, Relator José Avelino Gonçalves in www.dgsi.pt).

Portanto, perante a existência de duas versões factuais contraditórias, e não tendo resultado nem da análise dos documentos nem da prova pessoal que uma dessas versões está claramente mais perto do patamar de certeza prevalecente do que outra, entendemos que deve ser mantida a versão acolhida pelo tribunal recorrido, o qual teve uma perceção mais direta, pessoal e imediata da realidade, inexistindo nos autos elementos probatórios que imponham que o facto impugnado deve ser alterado.

Assim, improcede a impugnação do facto provado nº 18.
*
A recorrente impugna o facto provado nº 19.

Tal facto tem a seguinte redação:

19. Acontece que caixilharia e o vidro colocado na habitação dos autores não tem qualquer eficácia térmica e não foi efetuada a pré-instalação do ar condicionado.

A recorrente pretende que o referido facto seja alterado, passando a ter a seguinte redação:

19. A caixilharia colocada nos vãos da habitação, que é de alumínio, não tem corte térmico.

Quanto à primeira parte do facto 19 no segmento relativo à caixilharia (Acontece que caixilharia e o vidro colocado na habitação dos autores não tem qualquer eficácia térmica) a mesma tem que ser eliminada na sequência da nova redação que supra foi dada ao facto 10. k, onde consta que a caixilharia de alumínio não tem corte térmico.
Por outro lado, e no segmento relativo à eficácia térmica dos vidros, perante a pergunta colocada ao senhor perito de saber se os vidros das janelas não têm qualquer eficácia térmica, o mesmo respondeu que “[e]m relação aos vidros, não foi possível identificar no local, qualquer tipo de marca ou referência. Não tendo o perito na sua posse o projeto de comportamento térmico da moradia e na falta de mais informações, considera não ter condições para se poder pronunciar a eficácia térmica dos mesmos” (cf. quesito 9 e respetiva resposta a fls. 28 do relatório pericial).

Como supra referido a propósito da impugnação do facto 18, o tribunal a quo sustentou a prova do facto 19 nas declarações da autora, as quais considerou credíveis.
Este tribunal acompanhou essa credibilidade por, no confronto com o depoimento da testemunha EE, não haver elementos para concluir que este último depoimento merecia maior credibilidade.
Porém, ocorrendo o confronto entre as declarações da autora e um meio de prova objetivo, como é o caso do relatório pericial, efetuado por um perito imparcial e equidistante das partes e dotado de conhecimentos técnicos e especializados, este elemento probatório tem de ser considerado mais relevante e prevalecer sobre as declarações da autora.

Conclui-se, assim, que a primeira parte do facto 19 tem de ser eliminada.

Quanto à 2ª parte do facto 19 (não foi efetuada a pré-instalação do ar condicionado), ocorre uma situação idêntica à que se referiu e analisou a propósito do facto 18 visto que a autora declarou que a instalação não foi feita, ao passo que a testemunha DD declarou que a mesma foi executada.
Valem aqui, no essencial e mutatis mutandis, as considerações acima expendidas a propósito do facto 18, e que levaram a que se desse preponderância à versão factual sustentada pela autora.
Porém, acresce aqui um outro elemento probatório, de natureza objetiva, que sustenta a veracidade desta factualidade, e que é o relatório efetuado pelo Eng. CC no qual consta expressamente que “[n]ão verificámos ainda nenhuma pré-instalação de ar condicionado” (cf. pág. 11 do relatório, ponto 3.8).

Assim, sendo, não procede a impugnação deduzida pela ré quanto a esta matéria.

Em consequência do exposto, o facto nº 19 passará a ter a seguinte redação:

19. Não foi efetuada a pré-instalação do ar condicionado.
*
A recorrente impugna os factos provados nºs 24 e 28.

Tais factos têm a seguinte redação:

24. Contudo, de promessa em promessa, a ré foi sucessivamente adiando o término da empreitada.
28. Deste modo, a obra deveria ter terminado no mês de julho de 2019, o que ainda não aconteceu.

Já acima explicámos, a propósito da impugnação dos factos 10 e 11, que da sentença, na parte relativa ao acervo factual, só podem constar factos, e não juízos conclusivos, conceitos normativos e matéria de direito. E que, se a matéria factual selecionada na sentença não respeitar estes limites, tem de ser expurgada de todos os elementos que integrem matéria de direito, juízos de valor ou conclusivos e afirmações que se insiram na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação e suscetíveis de conduzir, só por si, ao desfecho da ação.

Ora, estando em causa nos presentes autos um contrato de empreitada e constituindo questões a decidir saber “se a obra identificada na petição inicial se encontra atrasada por motivos imputáveis à ré e se padece dos defeitos aí descritos e, em caso afirmativo, aferir se os autores têm direito a obter da ré a reparação dos mesmos e a compensação peticionada pelo atraso na execução da obra” não pode constar da matéria de facto que “de promessa em promessa, a ré foi sucessivamente adiando o término da empreitada” e que “a obra deveria ter terminado no mês de julho de 2019, o que ainda não aconteceu” posto que se trata de conclusões a que se tem de chegar, em sede de subsunção jurídica, a partir de concretos factos.

O que tem de constar da matéria de facto é o prazo acordado para a execução da obra, os concretos trabalhos cuja realização foi acordada e os concretos trabalhos que ainda não estão realizados por forma a se poder então concluir, a partir desses concretos factos, quando é que a obra deveria ter terminado e se efetivamente terminou ou não.

Assim, a matéria dada como provada em 24 e 28 tem que ser eliminada do acervo factual por ser matéria conclusiva, o que prejudica a apreciação da impugnação que contra a mesma foi deduzida pela ré.

Por outro lado, foi dado como provado no facto 20 que a obra se encontra ainda por terminar.
Esta matéria é também conclusiva, pelas razões explicitadas a propósito dos factos 24 e 28, pelo que tem que ser eliminada do acervo factual.

Em conformidade com o exposto, determina-se a eliminação dos factos 20, 24 e 28 do acervo factual, por os mesmos conterem matéria conclusiva, e considera-se prejudicada a apreciação da impugnação deduzida quanto aos factos 24 e 28.
*
Para além dos factos atrás analisados, existem ainda no acervo factual provado outros que contêm matéria conclusiva e de direito e que, como tal, têm de ser expurgados desses elementos.

Assim:

- O facto nº 8 cuja redação é:

8. Acontece, contudo, que até à presente data a construção ainda não se encontra concluída, apresenta vários defeitos e ainda não tem a licença de habitabilidade

deve ser eliminado.
Embora na parte referente à licença de habitabilidade este ponto contenha um facto ele é desnecessário porquanto é mera repetição do facto provado nº 21 onde já consta a inexistência de tal licença.

- O facto nº 9 cuja redação é:

9. Para melhor apuramento das patologias existentes na obra, os autores solicitaram a um Engenheiro Civil a realização do Relatório Pericial de fls. 14 a 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

passará a ter a seguinte redação:

9. Para melhor apuramento das situações existentes na obra, os autores solicitaram a um Engenheiro Civil a realização do Relatório Pericial de fls. 14 a 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

- O facto nº 12 cuja redação é:

12. Interpelada a ré para resolver estes defeitos, esta apresentou uma proposta de resolução, junta a fls. 21 e 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aceitando: 

passará a ter a seguinte redação:

12. Interpelada a ré para resolver estas situações, esta apresentou uma proposta de resolução, junta a fls. 21 e 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aceitando: 
*
A recorrente diz na conclusão 6ª, b) que “impugna a decisão de não provados relativamente aos factos constantes dos pontos c), d), e), g), h), j), m), n), p), q) e r) dos factos não provados”.
*
Porém, lendo as conclusões posteriores (cf. conclusões 49 a 69) e sobretudo a motivação, verifica-se que a mesma apenas impugna os factos c), d), g), h), i), j), n), p) e q) pois só estes são especificamente analisados na motivação.
Assim, a impugnação apenas será apreciada quanto a estes pontos e não quanto aos referidos na conclusão 6 b).
*
A matéria dada como não provada em c), d), g), h) e i) será analisada conjuntamente porquanto se refere a factualidade conexa.

Relembra-se que os factos em questão são os seguintes:

c) Ultrapassada a fase de construção do grosso da obra, cuja autonomia de execução era exclusiva da ré, iniciou-se em meados de Junho/Julho de 2019 a execução dos denominados acabamentos.
d) A fase de acabamentos retirou a autonomia de execução à ré por necessidade de decisões, na escolha dos materiais, a serem tomadas pelos donos da obra.
g) Em Outubro de 2019, a pedido da autora mulher, foi realizado um projecto 3D para a montagem da cozinha. 
h) Por divergências entre a autora e o carpinteiro subcontratado, a ré viu-se obrigada a contratar outro carpinteiro e reiniciar todo o processo de execução da cozinha.
i) Em Novembro de 2019 é feito um estudo 3D para a rampa de acesso a construir nos termos da adenda ao contrato, tendo a mesma sido aprovada pelos autores.

Esta factualidade releva para efeitos de saber a quem são imputáveis os atrasos na execução da obra e mais uma vez prende-se com a credibilidade dada às declarações da autora ou ao depoimento da testemunha DD.
Valem aqui as considerações que já acima fizemos no sentido de as declarações da autora serem credíveis.
Para além disso acresce dizer que, embora a testemunha DD no seu depoimento tenha tentado imputar à autora os atrasos na execução da obra quando se entrou na fase de acabamentos, nunca foi capaz de indicar de forma circunstanciada que concretos atos é que a autora praticou ou omitiu que impediram a obra de avançar. E, apesar de começar por fazer tais afirmações genéricas, quando confrontado com situações concretas, acabou por confirmar o que antes a autora tinha declarado, designadamente no que concerne à ida à EMP02... escolher todos os materiais, só faltando a questão da cozinha.
Já relativamente à questão da cozinha, a autora nunca referiu qualquer incompatibilidade com o carpinteiro e explicou que era a ré que não tinha ninguém para executar e fornecer a cozinha.
Relatou que se encontrou com o Sr. DD em ... e este lhe comunicou essa situação; foram a três lojas conhecidas da ré, mas não conseguiram encontrar ninguém que fornecesse a cozinha.
A autora sugeriu então que o trabalho fosse feito pela pessoa que tinha feito a cozinha a um primo seu. A pessoa em questão demorou muito tempo a dar o orçamento e a fazer o desenho e a autora ficou com a sensação que, quando o mesmo soube que o serviço era para ser apresentado e pago pela ré, deixou de estar interessado e não deu andamento à situação.
Como a situação não avançava, o Sr. DD disse que iria arranjar outra pessoa para fazer a cozinha e a autora aceitou de imediato. Inclusive, prescindiu do tampo da cozinha com laivos a combinar com os azulejos, como pretendia, porque o senhor disse que iria ser difícil encontrar um tampo com essas caraterísticas.
A testemunha DD referiu realmente uma incompatibilização com o primeiro carpinteiro, mas, mais uma vez, não concretizando nem aprofundando a situação e limitando-se a generalidades. O seu depoimento não foi de molde a tornar duvidosa a veracidade do relato que a autora fez da situação relativa à cozinha e à dificuldade de encontrar quem a executasse.
Assim, da audição integral a que se procedeu dos depoimentos da autora e da testemunha DD não resulta com o mínimo de segurança e certeza exigíveis a veracidade da matéria constante dos factos c), d), g), h) e i). As demais testemunhas inquiridas não revelaram qualquer conhecimento útil sobre esta factualidade.

Por conseguinte, improcede a impugnação quanto aos factos não provados c), d), g), h) e i).
*
A recorrente pretende que o facto j) seja dado como provado.

Tal facto tem a seguinte redação:

j) Com a obra em fase de conclusão, os autores solicitaram à ré a entrega do imóvel para transportar para o mesmo toda a mobília que possuíam e que estava guardada num armazém junto ao imóvel.

A autora declarou que em 2020 tirou a mobília que estava guardada numa garagem que tinha alugado para o efeito, a qual era proveniente de uma outra casa que tinha vendido e que se estava a estragar devido à humidade, e colocou-a na casa, embora a mesma ainda não estivesse acabada. Referiu, porém, que a mobília não foi colocada nos respetivos sítios, mas antes no meio das divisões, amontoada, por forma a permitir que os trabalhos continuassem.
A colocação da mobília na casa foi igualmente confirmada pela testemunha DD e pelas testemunhas FF e GG, trabalhadores da ré, tendo a testemunha FF confirmado a versão relatada pela autora de que a mobília não foi colocada nos sítios respetivos.
O transporte da mobília foi até efetuado por trabalhadores da ré, de onde se presume que houve concordância de autores e ré quanto a essa situação.
Porém, nenhuma testemunha confirmou que o imóvel foi entregue aos autores ou que estes solicitaram a entrega, pelo que só parte do que consta na al. j) pode ser dado como provado, acrescendo os esclarecimentos mencionados quanto ao modo de colocação da mobília.

Assim sendo, os referidos elementos probatórios impõem que a al. j) seja eliminada dos factos provados e que se dê como provado que:

 28. Com a obra em fase de conclusão, os autores, mediante acordo com a ré, colocaram no mesmo toda a mobília que possuíam e que estava guardada num armazém junto ao imóvel, a qual não foi colocada nos sítios onde se destinava futuramente a permanecer, tendo ficado distribuída de forma amontoada em várias divisões.
*
A recorrente pretende que o facto n) seja dado como provado.

Tal facto tem a seguinte redação:

n) Os autores não concordaram com a proposta de resolução referida em 12., e impediram a ré de realizar a intervenção proposta.

A veracidade deste facto resulta das declarações prestadas pela autora a qual referiu, de forma direta e sem hesitações, que ou reparavam tudo ou não reparavam nada, estando-se a referir a todas as situações da obra que necessitavam de intervenção da ré. Ou seja, a autora não aceitava que a ré efetuasse apenas as reparações que ela ré reconhecia, exigindo que fizesse também aquelas sobre as quais não havia acordo e que ela autora considerava serem necessárias.
No mesmo sentido se pronunciou a testemunha DD que referiu que sempre interpretou a postura da autora nesse mesmo sentido: ou a ré fazia todas as reparações que a autora considerava necessárias ou não fazia nenhuma, incluindo as que a ré assumia e se propunha fazer.

Assim, procede a impugnação e o facto n) transita para os factos provados passando a ter o nº 29.
*
A recorrente pretende que o facto p) seja considerado como provado.

Tal facto tem a seguinte redação:

p) Todavia, até à presente acção, o período de execução da empreitada nunca foi objecto de reclamação pelos autores.

Não resulta minimamente indiciado do depoimento de qualquer testemunha a veracidade do facto p).
Das declarações prestadas pela autora resulta exatamente o contrário. A mesma começou por ser compreensiva com a demora ocorrida quanto à execução da obra e, à medida que o tempo foi passando, começou a ficar mais impaciente e aborrecida com toda a situação. Referiu, inclusivamente, que, apesar de já existir um acordo verbal entre si e a ré no que concerne ao contrato de empreitada, posteriormente exigiu a celebração de contrato escrito, a fim de vincular a ré a um prazo de execução da obra.
Decorre igualmente das suas declarações que a autora pressionava e fazia diligências junto da ré para que a obra avançasse.
É evidente que a autora mantinha interesse na conclusão do contrato para além dos 3 meses, como a recorrente refere. Aliás, a mesma mantém interesse nessa conclusão até hoje e esse é um dos pedidos formulados na presente ação; mas da manutenção desse interesse não decorre que o período de execução da empreitada nunca foi objeto de reclamação pelos autores.

Por conseguinte, improcede a impugnação quanto ao facto não provado p).
*
A recorrente pretende que o facto q) seja considerado como provado.

Tal facto tem a seguinte redação:

q) Os autores aceitaram que o contrato não fosse concluído no prazo inicialmente previsto.

Esta matéria só pode ser entendida como facto na perspetiva de existência de uma aceitação expressa pois, a ser entendida como aceitação tácita, a mesma já constitui matéria valorativa, constituindo uma conclusão a que se terá de chegar em sede de apreciação de direito, pela análise dos concretos atos ou comportamentos dos autores dos quais decorra que tal aceitação ocorreu.

Neste exato sentido, veja-se o acórdão do STJ, de 24.5.2007, (P 07A988 in www.dgsi.pt), em cujo sumário se refere que:

“- Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto;
- Se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil.

Analisando o facto impugnado na perspetiva de existência de uma aceitação expressa por parte dos autores de que o contrato não fosse cumprido no prazo inicialmente acordado verifica-se que não resulta minimamente indiciado do depoimento de qualquer testemunha ou da autora a veracidade do facto q), pelas razões que já explicámos a propósito do facto p).

Por conseguinte, improcede a impugnação quanto ao facto não provado q).
*
Em decorrência da impugnação deduzida e das alterações/correções oficiosas supra determinadas, a matéria de facto provada a considerar na decisão a proferir é a seguinte (optou-se por manter a anterior numeração, apesar da eliminação de factos, constando a negrito a factualidade alterada):

1. A ré dedica-se à actividade de serralharia civil e ainda à construção de edifícios, residenciais e não residenciais, fazendo-o de forma continuada e com intuito lucrativo. 
2. Por contrato celebrado em 16 de abril de 2019, a autora esposa e a ré celebraram um contrato de empreitada para a construção de uma casa em estrutura metálica com 46 m2, incluindo base em betão, pavimento, estrutura metálica e revestimentos em fachadas e cobertura em painéis isotérmicos, acabamentos interiores, num terreno sito na Rua ..., em ..., ..., propriedade daquela.
3. O preço da empreitada era de € 33.000,00, com IVA incluído, a pagar nos termos da cláusula sétima do contrato de empreitada de fls. 9 e 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. A descrição da obra a realizar era a constante do orçamento elaborado pela ré denominado de 024BotaC00_18 que é parte integrante do contrato de empreitada de fls. 9 e 10, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
5. O prazo de execução da obra era de três meses após a emissão do alvará de construção. 
7. Em 27 de Agosto de 2019, as partes acordaram uma adenda ao contrato de empreitada, junta a fls. 12 e 13 e que aqui se dá por reproduzida.
9. Para melhor apuramento das situações existentes na obra, os autores solicitaram a um Engenheiro Civil a realização do Relatório Pericial de fls. 14 a 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. A obra apresenta, entre as mais, as seguintes situações:
a. a porta da entrada da habitação apresenta ainda uma película plástica de proteção ao painel que, como não foi removida, com a exposição ao sol se deteriorou, tornando muito difícil a sua remoção; na soleira da porta falta colocar o perfil de transição/remate com o pavimento flutuante da sala/cozinha;
b. a torneira de lavatório de casa de banho, tipo misturadora, na posição de água quente, deixa passar água fria, não atingindo a temperatura quente máxima e com o passador quente fechado a temperatura aumenta consideravelmente;
c. o mecanismo de descarga do tanque da sanita tem um mau funcionamento, ficando preso após a descarga em posição aberta.
d. as arestas dos azulejos da janela de casa de banho não estão acabadas conforme as boas normas de construção;
e. os azulejos estão rematados com massa de betume, com um boleado imperfeito, e que em muito ultrapassa a espessura permitida para a aplicação de betume;
f. são visíveis fissuras no betume e ainda azulejos cortados e desalinhados;
g. a altura da tomada da eletricidade encontra-se muito próxima do ponto de água do lavatório da casa de banho (25 cm medidos na vertical da base do lavatório e 25 cm medido na horizontal da parede), quando é aconselhado por segurança que a altura seja superior à atual; por razões de segurança e boas práticas de construção, a tomada elétrica deveria ter sido instalada com um afastamento entre 60 cm a 1 m do ponto de água, ou, em alternativa, deveria ter sido instalada uma tomada elétrica própria para ambientes exteriores;
h. dada a dimensão e localização da janela da sala em relação à parede em que está inserida, a portada do lado direito da janela da sala não abre completamente, por as suas dimensões serem superiores ao espaço disponível de parede, e a portada do lado esquerdo da janela da sala quando se encontra completamente aberta fica sobreposta à porta que permite o acesso ao interior da moradia;
i. alguns parafusos dos batentes das portadas apresentam uma anormal oxidação;
j. o revestimento da rampa (Deck compósito) nas zonas de transição de inclinação encontra-se degradado e em alguns sítios partido;
k. a caixilharia de alumínio não tem corte térmico; o mecanismo de abertura das janelas do tipo manivela não tem sistema oscilobatente, permitindo apenas a abertura e fecho do vão envidraçado; as portadas são compostas por lamelas fixas e não têm qualquer tipo de regulação/manivela que permita ajustar as lamelas e tornar a portada completamente estanque à luz;
l. junto à base do vão envidraçado não existe qualquer tipo de sistema de drenagem que permita o escoamento de águas;
m. não foi colocado o portão de acesso ao terreno da habitação;
n. existem dispersos por todo o terreno alguns restos de entulho como por exemplo blocos de cimento, vigas e pedras.
11. No sistema de saneamento, existem ainda as seguintes situações:
a. a tubagem de drenagem de águas residuais domésticas (saneamento), encontra-se semienterrada. De acordo com as boas práticas da construção e de forma a preservar o coletor de drenagem da rede de saneamento, este deveria estar assente sobre almofada de areia, gravilha ou outro material similar, no mínimo com 15 cm de altura em volta de toda a tubagem e aterrado a uma profundidade não inferior a 80 cm medidos entre a geratriz superior externa do tubo e o nível do pavimento, coberto com terra cirandada.
b. as tampas de saneamento não são estanques ao cheiro do saneamento e não são certificadas para o efeito;
c. a passagem dos tubos de saneamento no lintel de betão não está rematada com argamassa, possibilitando a passagem de água, animais, etc., para o interior da laje;
d. faltam grelhas de ventilação, os tubos que permitem a ventilação não apresentam grelhas como é aconselhável.
12. Interpelada a ré para resolver estas situações, esta apresentou uma proposta de resolução, junta a fls. 21 e 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aceitando: 
a. a substituição da porta da entrada;
b. a verificação e, eventual, substituição da torneira, bem como a substituição da descarga de tanque da sanita;
c. a execução dos remates da orla da janela da casa de banho, bem como a colocação do azulejo pedido para a zona da cozinha;
d. a colocação de uma tampa na tomada junto ao móvel da casa de banho;
e. que as tubagens não foram envoltas da melhor forma, estando disponíveis o exposto e envolver as tubagens corretamente, bem como, seguir as indicações do relatório pericial apresentado pelos autores quanto às tampas de saneamento, ao remate das tubagens e às grelhas;
f. que a solução encontrada quanto às portadas não foi a melhor;
g. a substituição dos parafusos oxidados;
h. a colocação de nova rampa conforme as indicações preconizadas no relatório pericial. 
13. Os autores, em resposta, remeteram à ré, por correio electrónico, a comunicação junta a fls. 24, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando, entre o mais, os seguintes esclarecimentos:
“3.5 – Recentemente constatei o que já suspeitava, que V.ª Ex.ª utilizaram resíduos da demolição de uma habitação no aterro na nossa propriedade, nomeadamente, parede e vigas.
Assim, gostaria de saber se estamos perante um despejo ilegal de inertes ou se pelo contrário esses resíduos cumprem as exigências legais.
3.6. – A resposta a este ponto não entendo se não vão resolver o problema das portadas ou se sim, qual a solução que entendem mais correta.
3.8.2. – Todos concordamos que a caixilharia de alumínio colocada não tem o melhor comportamento térmico. Recordo, posteriormente ao orçamento inicial, foi por nós acordado a colocação de uma caixilharia de alumínio com corte térmico e para não inflacionar o preço do orçamento acordamos em retirar da obra a realizar a estufa, que não foi construída, contudo o seu preço não foi retirado do custo da obra. Agradeço o seu comentário.
3.10 - Pela informação que nos foi facultada não é possível a pintura da casa, pelo que entendemos que essa não deverá ser a solução.”
14. Em 19 de Outubro de 2020, também por correio eletrónico, junto a fls. 25 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a ré respondeu aos autores da seguinte forma:
“3.5- A EMP01... não efetuou na sua obra qualquer descarga ilegal e custa-nos entender a boa fé desse comentário. Aliás, a D.ª AA tem pleno conhecimento que não tínhamos necessidade de recorrer a essa solução, dado que são vários os telhados executados em ... onde as descargas dos resíduos são efetuadas nos locais convenientes.
3.6 – Assumimos a totalmente resolução da portada dentro daquilo que for tecnicamente possível.
3.8.2 – Não temos registo de qualquer email nesse sentido na data em causa. Mais, nunca foi sequer uma possibilidade executar uma estufa (se é esse o termo correto que pretendia aplicar) na sua obra. Aliás, não existe sequer espaço útil no terreno para tal.
3.10 – Assumimos a pintura da residência, dando total garantia do serviço. 
15. A ré, sem o conhecimento dos autores, decidiu, por sua conta e responsabilidade, para aplanar o terreno onde construiu a habitação, colocar resíduos da demolição de uma habitação, nomeadamente, restos de paredes, vigas e telhados. 
17. Autores e ré acordaram o fornecimento e colocação de um recuperador de calor de preço de venda ao público de € 850,00, contra o pagamento do preço de € 1.062,50, a que acresceria ainda o IVA à taxa em vigor. 
18. Mais tarde, ambas as partes acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado e o fornecimento e colocação caixilharia e vidro térmicos, mantendo-se o preço acordado no orçamento.
19. Não foi efetuada a pré-instalação do ar condicionado.
21. A obra ainda não está devidamente licenciada, faltando a licença de habitabilidade a emitir pelo Município ....
22. Os autores pagaram à ré os seguintes montantes por conta da empreitada:
a) € 7.500,00 na data de adjudicação da obra à ré, em 15/04/2019,
b) € 2.500,00 em 18/04/2019, conforme recibo ...6,
c) € 7.515,14 em 31/05/2019, referente à fatura ...01, e
d) € 5.000,00 em 02/09/2019, referente à fatura ...89.
23. Em 28/07/2019, a ré assumiu o pagamento aos autores das despesas que estes tiveram com a emissão do alvará de construção, no valor de € 947,62 conforme mensagem de correio eletrónico junta fls. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25. Dispõe a cláusula nona do contrato de empreitada que o prazo para a conclusão da obra é de três meses após a emissão do alvará de construção.
26. O alvará de construção foi emitido em .../.../2019 pela Câmara Municipal ....
27. Dispõe a cláusula décima do mesmo contrato que “Caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir ao dono da obra em mil euros por cada mês de atraso e suportar as despesas associados com o aluguer de um espaço para salvaguarda dos bens do cliente”.
28. Com a obra em fase de conclusão, os autores, mediante acordo com a ré, colocaram no mesmo toda a mobília que possuíam e que estava guardada num armazém junto ao imóvel, a qual não foi colocada nos sítios onde se destinava futuramente a permanecer, tendo ficado distribuída de forma amontoada em várias divisões.
29. Os autores não concordaram com a proposta de resolução referida em 12., e impediram a ré de realizar a intervenção proposta.

III – Reapreciação jurídica à luz da alteração introduzida na matéria de facto

Autora e ré celebraram, em 16.4.2019, um contrato no qual a ré se obrigou a construir uma casa num terreno propriedade da autora, mediante o pagamento da quantia de € 33 000,00, nos termos constantes dos factos provados 2 a 5.
Tal contrato configura um contrato de empreitada, conforme a definição constante do art. 1207º, do CC, segundo o qual empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço, estando o seu regime previsto nos arts. 1208º a 1230º, do CC (diploma ao qual pertencem todas normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem).

De acordo com o disposto no art. 1208º, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Caso existam defeitos, e uma vez denunciados, se os mesmos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir a sua eliminação, a menos que as despesas sejam desproporcionadas em relação ao proveito (arts. 1220º e 1221º).

No caso dos autos, o primeiro pedido formulado pelos autores é precisamente o de que sejam eliminados defeitos existentes na obra e que sejam realizados alguns trabalhos em falta.

A sentença recorrida condenou a ré a reparar ou substituir os defeitos elencados em 10, 11 e 12 dos factos provados, discordando a ré desta condenação por entender que nada tem a reparar, para além das situações que reconheceu e que constam do facto 12.

Vejamos a questão.

O art. 1208º impõe duas obrigações essenciais ao empreiteiro. A primeira é a de deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, obrigação que já decorreria da norma geral do art. 406º, nº 1, segundo o qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
A segunda é a de que deve executar a obra sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Verifica-se que as situações descritas nos factos provados 10 a. a 10 j. e 11 constituem defeitos da obra porquanto se trata de trabalhos mal executados, à luz das boas regras de construção, e comprometem negativamente a aptidão da obra para o uso normal a que se destina.
Aliás, a própria ré reconhece expressamente que esses trabalhos foram efetuados de forma deficiente ou incorreta, propondo a eliminação desses defeitos, conforme resulta do facto provado nº 12.

Assim, a ré tem que proceder à eliminação desses defeitos, cuja existência ela própria reconheceu, aceitou e se propôs eliminar, cumprindo salientar, no que se refere à rampa, que a reparação não se limita ao descrito em 10 j., devendo antes proceder à colocação de nova rampa, conforme as indicações preconizadas no relatório pericial junto com a p.i., relatório esse que é o referido no facto 9, pois a ré assumiu nesses termos essa obrigação, conforme resulta do facto 12 h.

Importa agora analisar as situações descritas nas als. k., l., m. e n. do facto 10.

Na ótica da ré, a mesma não se obrigou a executar os trabalhos descritos em 10 k. e l.

Sucede que se provou que, inicialmente, as partes acordaram o fornecimento e colocação de um recuperador de calor e, mais tarde, acordaram em substituir o fornecimento e colocação desse recuperador de calor pela pré-instalação de ar condicionado e pelo fornecimento e colocação de caixilharia e vidro térmicos, mantendo-se o preço acordado no orçamento (factos 17 e 18).

Assim, as situações descritas em 10 k. e l. integram trabalhos contratualizados e não realizados em conformidade com o acordado, devendo a ré proceder à sua correta realização.

Também a situação referida em 10 m. integra um trabalho contratualizado e não realizado pois, conforme resulta da adenda ao contrato de empreitada, cujo teor foi dado como reproduzido no facto provado 7, as partes acordaram na execução de vários trabalhos designadamente no “[f]ornecimento e colocação de um portão de entrada novo, em ferro (perfil tubular), metalizado e pintado à cor (castanho)” (cláusula primeira, al. c).

Por último, e quanto à situação relativa à existência de restos de entulho no terreno, como sejam blocos de cimento, vigas e pedras, referida em 10 n., resultou provado que a ré, sem o conhecimento dos autores, decidiu, por sua conta e responsabilidade, para aplanar o terreno onde construiu a habitação, colocar resíduos da demolição de uma habitação, nomeadamente, restos de paredes, vigas e telhados (facto 15). Terá de remover esse entulho ou resíduos que aí colocou e que ainda se encontram visíveis no local pois a permanência desses materiais no terreno constitui um defeito porquanto reduz a sua aptidão para o uso normal a que se destina.
Acresce ainda que na adenda ao contrato de empreitada, cujo teor foi dado como reproduzido no facto provado 7, as partes acordaram na execução de vários trabalhos designadamente no nivelamento da cota do terreno com terra apropriada mediante as carências apresentadas e por forma a não comprometer a eficiência da casa (cláusula primeira, al. f).

Assim, e em conclusão, a ré tem que eliminar os defeitos e realizar os trabalhos em falta, nos termos elencados nos factos provados 10 a. a 10 i., 10 k. a 10 n e 11.[1], e proceder à colocação de nova rampa, conforme as indicações preconizadas no relatório pericial junto com a p.i., sendo de manter, no essencial, a condenação constante da al. a) da sentença recorrida, embora com diferente redação, decorrente de precisões e de alterações de parte da factualidade provada.
*
A sentença, na al. b), condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 947,62 relativa a despesas com o licenciamento da construção.

Nenhum reparo há a fazer a esta condenação porquanto se provou que, em 28/07/2019, a ré assumiu o pagamento aos autores das despesas que estes tiveram com a emissão do alvará de construção, no valor de € 947,62 (facto provado 23).
*
Na al. c) a sentença condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 1.000,00 por cada mês de atraso, desde o mês de agosto de 2019 até à data de entrega da obra.

Quanto a esta condenação, a sentença recorrida considerou, no essencial, que o prazo de execução da obra era de 3 meses após a emissão do alvará, emissão que teve lugar em 30.4.2019, pelo que a obra deveria estar concluída até final de julho de 2019, o que não sucedeu.
Com base neste pressuposto e no teor da cláusula 10ª do contrato, considerou que a ré tinha que indemnizar a autora no montante de mil euros por cada mês de atraso na execução da obra.
Considerou ainda que a cláusula 10ª se encontra em vigor, não tendo sido tacitamente revogada pela celebração da adenda ao contrato de empreitada, referindo, como fundamento desta conclusão, que “o facto de os autores terem celebrado uma adenda ao contrato celebrado – e após o decurso do prazo contratado – não implica qualquer aceitação tácita de que a obra não fosse realizada no prazo contratado ou uma indefinida extensão do mesmo (o que, entendemos, não é sequer razoável, à luz das regras da experiência comum, defender). Ou seja, não pode tal adenda ser entendida como uma revogação daquela cláusula, até porque nada estabeleceu a propósito de prazos, logo, deve considerar-se que entenderam as partes manter o prazo já inicialmente contratado.

A recorrente defende que a cláusula 10ª foi tacitamente revogada com a celebração da adenda ao contrato de empreitada.
Fundamenta esta sua pretensão dizendo que “quando o prazo foi estipulado as partes não tiveram em mente as circunstâncias especificas que acabaram por suceder, nomeadamente com o problema da impossibilidade de executar o projeto conforme aprovado pelo próprio município.
Foi necessário alterar a estrutura do edifício por forma a não abrir uma janela.  Determinando a alteração de diversas circunstâncias da execução da empreitada.
O que não foi impeditivo para as partes se entenderem quanto à solução e alteração das condições de execução do contrato.
Tendo as partes outorgado um aditamento ao mesmo um mês depois do primitivo prazo.
É para nós claro que o comportamento das partes aquando da outorga do aditamento é no sentido de aceitar a execução da parte em falta do contrato de empreitada para além daquele prazo de três meses, aliás, impossível de cumprir face as diversas vicissitudes ocorridas. 
O comportamento de cada uma das partes, nomeadamente dos Recorridos inculcou nos demais (Recorrente) a aceitação da execução de obra para além do prazo estipulado inicialmente.

Analisemos, então, se a cláusula 10ª do contrato, a qual dispõe que “Caso o empreiteiro não cumpra com o prazo definido deverá restituir ao dono da obra em mil euros por cada mês de atraso e suportar as despesas associados com o aluguer de um espaço para salvaguarda dos bens do cliente”, se encontra, ou não, tacitamente revogada na sequência da celebração da adenda ao contrato de empreitada.

Conforme disposto no art. 217º:

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.

O art. 217º consagra o princípio da liberdade declarativa, podendo o declarante, salvos os casos especialmente ressalvados na lei, optar livremente pela emissão de uma declaração expressa ou tácita, tendo ambas igual valor declarativo.

Nas declarações expressas, importa que seja usado um meio direto de manifestação da vontade: palavras, escrita, linguagem gestual ou movimentos com relevância declarativa típica (por exemplo acenar com a cabeça para aceitar ou um aperto de mão para concluir um negócio), obrigando as mesmas, pelo menos, à utilização de um meio de comunicação típico, seja este universal, ou usado apenas por um determinado grupo social (cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Vol. I, Universidade Católica Editora, pág. 491).

Nas declarações tácitas “a vontade negocial é manifestada indiretamente, através de comportamentos realizados com outra finalidade mas que, com toda a probabilidade, segundo as regras da experiência, contêm implícita uma determinada vontade negocial (...); estes comportamentos, de onde a vontade negocial se deduz, são os factos concludentes” (Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord), Vol. I, pág. 303).

 “Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles” (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, página 60) cabendo ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indireto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.

Os factos concludentes podem revestir as mais variadas formas, podendo mesmo resultar de palavras, de forma escrita ou até estar incluídos em outras declarações negociais expressas, importando apenas a probabilidade plena de revelarem uma declaração (cf. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Vol. I, Universidade Católica Editora, pág. 491).

Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa, de 5.2.2019, (P 6889/17.7T8ALM.L1-7 in www.dgsi.pt) “[o] que distingue, portanto, as duas formas de declaração é a forma direta ou indireta pela qual se manifestam. Uma declaração tácita pode ser escrita, desde que ela não resulte de forma imediata do que está escrito. O n.º 2 do artigo evidencia o que acabamos de dizer («o caráter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente…»). Como escreve Carlos Ferreira de Almeida, «as palavras não são nem o único meio adequado às declarações expressas nem são meio exclusivo destas. As declarações tácitas podem também ser deduzidas a partir da linguagem, como resulta do n.º 2 do preceito, no qual se prevê a emissão tácita de declarações cuja base significante consta de documento escrito.» (Contratos I, 4.ª ed., Almedina, 2008, p. 97).”

Em suma e em conclusão, podemos afirmar, recorrendo às palavras usadas no Acórdão do STJ, de 24.5.2007 (P 07A988 in www. dgsi.pt), que“[n]a determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, «baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende» (AA. ob. e loc. cits.; RUI DE ALARCÃO, (“A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, 192); Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ).”

Concomitantemente com o expendido, importa ainda ter em consideração que, uma vez que, quer na negociação/formação, quer no cumprimento/execução dos contratos e no exercício de direitos correspondentes, as partes devem sempre proceder de acordo com as regras da boa-fé (arts. 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2), é também à luz destas regras da boa-fé que se devem analisar e interpretar as atuações dos contratantes enquanto integradoras de factos concludentes.

No caso em análise, como supra analisámos a propósito do facto não provado q), não houve uma aceitação, mediante declaração expressa, de que o contrato não fosse concluído no prazo inicialmente previsto.
Mas, à luz das regras e princípios atrás enunciados, entendemos que houve uma aceitação tácita de tal situação e uma consequente revogação, igualmente tácita, quer da cláusula 9ª, que estabelecia o prazo de execução, quer, como consequência, da cláusula 10ª, que impunha a restituição da quantia mensal de € 1 000,00 por cada mês de atraso na execução a obra.

Com efeito as partes celebraram em 16.4.2019 o contrato de empreitada de forma escrita.
Relembramos que, de acordo com as declarações da própria autora, o contrato já tinha sido celebrado verbalmente em momento anterior e a redução a escrito ocorreu por exigência da autora, com a finalidade de vincular a ré a um prazo para executar a obra.
Nesse contrato escrito estipularam, na cláusula 9ª, que a obra deveria ser executada no prazo de três meses após a emissão do alvará (facto 25).
Assim, o prazo de três meses para a execução da obra terminou em 1.8.2019, pois iniciou-se em 1.5.2019, dia seguinte àquele em que foi emitido o alvará de construção (cf. factos 5, 25 e 26).

As partes celebraram a adenda ao contrato de empreitada em 27.8.2019 (facto 7), altura em que o prazo de execução já tinha sido ultrapassado em 26 dias.

Na referida adenda as partes declararam, na cláusula primeira, que acordavam na execução dos trabalhos elencados nas als. a) a f), “em consequência da alteração de uma fachada da casa, ou seja, da anulação de uma das janelas”, e, na cláusula segunda, que com a assinatura dessa adenda a primeira outorgante (a autora/recorrida) se comprometia a libertar logo que possível novo pagamento em favor da segunda outorgante (a ré/recorrente).
Em 2.9.2019, a autora/recorrida efetuou um pagamento no valor de € 5 000,00, (facto 21, d), referente a uma fatura emitida pela ré, o que se tem de considerar como sendo cumprimento do acordado na cláusula segunda da adenda.

Apesar de o prazo de execução da obra já ter terminado há quase um mês na altura em que foi celebrada a adenda, as partes nada fizeram constar na mesma quanto ao prazo já esgotado e não estabeleceram qualquer prazo adicional para a obra ser executada. No entanto, aditaram um conjunto de trabalhos que cumpria à ré efetuar os quais, necessária e obrigatoriamente, tinham que ser realizados depois de esgotado o prazo de três meses previsto no contrato inicial, pois este já tinha decorrido.
Para além de nada terem feito constar quanto a um prazo adicional de execução da obra, quando ambas sabiam que o prazo anteriormente acordado não podia ser cumprido, aditaram a cláusula segunda nos termos da qual a autora/recorrida se comprometia a libertar novo pagamento em favor da a ré/recorrente, pagamento esse, no valor de € 5 000,00, que veio a ser efetuado.

Ora, da conjugação destes factos, interpretados à luz das regras da boa-fé, deduz-se e presume-se que ambas as partes aceitaram que o contrato não fosse executado no prazo inicialmente previsto, ou seja, revogaram tacitamente a cláusula 9ª onde se estabelecia o prazo de três meses para execução da obra.

Na verdade, se assim não fosse, e tendo sempre presentes as regras da boa-fé, pelas quais se devem pautar as condutas das partes, não faria sentido que a autora, havendo já cerca de um mês de incumprimento por parte da ré, e tendo já direito a que lhe fosse restituída a quantia de € 1 000,00, conforme estabelecido na cláusula 10ª do contrato inicial, aceitasse nada dizer na adenda sobre essa situação e aceitasse a cláusula segunda, a qual se refere à retoma de pagamentos da empreitada, em termos normais, sem qualquer consideração de valores de restituição por atraso na execução que à data já estavam em dívida.
E também não se compreenderia que a ré tivesse aceitado a introdução dessa mesma cláusula relativa à retoma de pagamentos por parte da autora (a qual, naturalmente a beneficiava), mas nada tivesse cuidado de salvaguardar quanto à questão da cláusula de penalização, sabendo que, à luz da mesma, já estava constituída na obrigação de restituição porquanto já havia decorrido quase um mês de atraso relativamente ao prazo de execução da obra.
E, como anteriormente referido, não se compreenderia que fossem aditados novos trabalhos a realizar necessariamente após o término do prazo de execução da obra, ou seja, já em situação de incumprimento por parte da ré, sem nada estabelecerem quanto a um prazo adicional. Tal implicaria necessariamente para a ré a obrigação de pagamento de penalização quanto aos novos trabalhos abrangidos pela adenda.
E para a autora, como a própria declarou, era essencial a vinculação da ré à existência de um prazo de execução da obra, daí a sua exigência de assinatura de um contrato escrito, apesar de o mesmo já ter sido celebrado anteriormente de modo verbal.
Dada esta essencialidade, mal se compreenderia que aceitasse a celebração da adenda, introduzindo novos trabalhos, sem estabelecimento de novo prazo e em situação de impossibilidade de cumprimento do prazo inicial. E, à luz das regras da boa-fé, não é sustentável nem presumível que o tenha feito com vista a prevalecer-se do prazo inicial já terminado e com vista a poder receber a penalização mensal de € 1 000,00.
Pelo contrário, e sempre partindo de uma atuação em conformidade com as regras da boa-fé, presume-se e deduz-se que a autora o fez porque aceitou que a obra não podia ser executada e concluída no prazo inicial.
Importa contextualizar que o acordo de realização dos trabalhos que constam da adenda “em consequência da alteração de uma fachada da casa, ou seja, da anulação de uma das janelas” decorre de um problema surgido na execução da obra resultante de existir uma janela aberta para o terreno de um vizinho, primo da autora, a uma distância inferior à legalmente permitida, o que motivou a necessidade de efetuar alterações na obra. Tal consta das declarações prestadas pela autora, conjugadas com o depoimento da testemunha DD, sendo neste concreto e especial circunstancialismo que surge a necessidade de celebrar a aludida adenda a qual, em nosso entender, espelha a solução a que as partes consensualmente chegaram para ultrapassar o problema surgido na obra numa altura em que já tinha decorrido o prazo contratual inicialmente estabelecido para a sua execução.
E deduz-se ou presume-se que não foi estabelecido novo prazo de execução, não porque as partes aceitavam uma “indefinida extensão do mesmo”, o que, naturalmente, não é razoável defender, à luz das regras da experiência comum, mas provavelmente porque não conseguiam prever de forma quantificada qual seria o prazo razoável e necessário para o efeito, dadas as vicissitudes surgidas.

Neste contexto, atendendo, por um lado, que o prazo de execução já tinha decorrido e, por outro lado, que foram acrescentados novos trabalhos, sem estabelecimento de prazo adicional para a respetiva execução, conclui-se que houve aceitação tácita da autora de que o contrato não fosse concluído no prazo inicialmente previsto.

Por conseguinte, de toda a descrita atuação das partes, no contexto e circunstancialismo concretos que tornaram necessária a celebração da adenda ao contrato, interpretadas à luz das regras da boa-fé, de acordo com os usos sociais normais e aferidas por um critério prático, decorre que houve aceitação tácita que o contrato não fosse concluído no prazo de três meses inicialmente previsto e que, consequentemente, houve revogação tácita da cláusula 9ª do contrato inicial, o qual estabelecia o prazo de execução da obra.
Por decorrência, há revogação tácita da cláusula 10ª, pois que esta pressupõe a existência de um prazo de execução, que não foi definido após a revogação tácita da cláusula 9ª relativa ao prazo de execução inicial, deixando a mesma de ter objeto e estando também ela tacitamente revogada, como consequência e decorrência da revogação tácita do prazo de execução de três meses.

Em conformidade com o exposto, dada a revogação tácita da cláusula 10ª do contrato de empreitada, o recurso procede parcialmente e deve ser revogada a al. c) da sentença recorrida, que condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 1.000,00 por cada mês de atraso, desde o mês de agosto de 2019 até à data de entrega da obra, absolvendo-se a ré deste pedido.

Como consequência, o decaimento da ação para efeitos de pagamento de custas deve ser fixado em 30% para os autores e 70% para a ré.
*
Na sequência do que se acaba de concluir, e ainda porque as restantes matérias suscitadas pela recorrente apenas foram invocadas a título subsidiário, fica prejudicado o conhecimento das mesmas.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente, as custas devem ser suportadas por recorrente e recorridos, na proporção de 2/3, 1/3, respetivamente, porquanto, embora os recorridos não tenham contra-alegado, sustentaram no processo posição que veio a ser revogada no recurso, sendo de considerar parte vencida para efeitos da citada norma.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

1. alteram a al. a) da sentença recorrida, condenando a ré a, no prazo máximo de trinta dias, eliminar os defeitos e a realizar os trabalhos em falta, nos termos elencados nos factos provados 10 a. a 10 i., 10 k. a 10 n e 11., e a proceder à colocação de nova rampa, conforme as indicações preconizadas no relatório pericial junto com a p.i.;
2. mantêm a condenação constante da al. b) da sentença recorrida;
3. revogam a condenação constante da al. c) da sentença recorrida e absolvem a ré do pedido de condenação no pagamento da quantia de € 1.000,00 (mil euros) por cada mês de atraso, desde o mês de agosto de 2019 até à data de entrega da obra;
4. condenam autores e ré nas custas da ação, na proporção do respetivo decaimento, que fixam, respetivamente, em 30% e 70%.

Mantém-se inalterada a al. d) da sentença, a qual não foi objeto do recurso.

Custas do recurso por recorrente e recorridos, na proporção de 2/3, 1/3, respetivamente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual que se encontram taxativamente previstos no art. 615º, nº 1, do CPC, e respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
II - A nulidade da sentença decorrente da omissão de pronúncia tem uma ligação direta apenas com a delimitação do que constitui objeto de cognição obrigatória do tribunal e não com o acerto ou desacerto da decisão jurídica proferida, pois que esta última é matéria que apenas releva enquanto erro de julgamento.
III - A sentença não padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre duas matérias jurídicas que, embora sendo de conhecimento oficioso, integram exceções de direito material que nunca foram suscitadas ao longo do processo e apenas foram invocadas nas alegações orais, não integrando as mesmas o conceito de questão que a sentença devesse obrigatoriamente apreciar para efeitos de preenchimento do art. 615º, nº 1, al. d) conjugado com o art. 608º, nº 2 (embora tivesse a possibilidade de efetuar essa apreciação).
IV - O art. 217º do CC consagra o princípio da liberdade declarativa, podendo o declarante, salvos os casos especialmente ressalvados na lei, optar livremente pela emissão de uma declaração expressa ou tácita, tendo ambas igual valor declarativo.
V - Nas declarações tácitas “a vontade negocial é manifestada indiretamente, através de comportamentos realizados com outra finalidade mas que, com toda a probabilidade, segundo as regras da experiência, contêm implícita uma determinada vontade negocial (...); estes comportamentos, de onde a vontade negocial se deduz, são os factos concludentes”.
VI - Os factos concludentes podem revestir as mais variadas formas, podendo mesmo resultar de palavras, de forma escrita ou até estar incluídos em outras declarações negociais expressas, importando apenas a probabilidade plena de revelarem uma declaração cabendo ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indireto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.
VI - Concomitantemente com o expendido, importa ainda ter em consideração que, uma vez que, quer na negociação/formação, quer no cumprimento/execução dos contratos e no exercício de direitos correspondentes, as partes devem sempre proceder de acordo com as regras da boa-fé (arts. 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2), é também à luz destas regras da boa-fé que se devem analisar e interpretar as atuações dos contratantes enquanto integradoras de factos concludentes.
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Guimarães, 18 de janeiro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Alexandra Maria Viana Parente Lopes


[1] Excluindo-se a referência que constava da sentença ao facto 12 porquanto o mesmo contém uma mera proposta de resolução, sendo nos factos 10 e 11 que constam as situações juridicamente qualificadas como defeitos e trabalhos em falta.