NULIDADE DE SENTENÇA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO
SERVIDÃO DE ESCOAMENTO
Sumário


I. Reportando-se a litigância de má-fé à actuação da parte anterior à prolação da sentença, deverá a mesma ser logo condenada nesta a esse título, fixando-se também então o concreto montante da legal multa; e apenas se poderá relegar para momento posterior a determinação do concreto montante da indemnização que haja sido pedida antes pela parte contrária (por o processo ainda não dispor dos elementos necessários para o efeito, nomeadamente, do apuramento do montante dos honorários do mandatário judicial que a haja patrocinado).

II. Tendo em audiência de julgamento o Tribunal advertido repetidamente a parte de que seria condenada como litigante de má-fé, caso se viesse a apurar que mentira, tendo a sua condenação posterior assentado nos mesmos exactos factos dados como provados na sentença de mérito e tendo sido proferida em momento posterior à prolação desta decisão, pelo mesmo Tribunal, é esta decisão complementar nula (por excesso de pronúncia), por ter sido proferida quando se mostrava já esgotado o seu poder jurisdicional sobre esta precisa questão.

III. Apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), entende-se hoje, tal como então, que, quando na fundamentação de facto de uma decisão judicial se contenham, como pretensos factos, realidades hipotéticas, conceitos de direito e/ou conclusões, deverão os mesmos ter-se por não escritos (isto é, necessariamente como inexistentes, enquanto factos).

IV. Em sede de recurso de apelação, na impugnação da matéria de facto previamente julgada, distinguem-se: um ónus primário, que contende com a delimitação do objecto do recurso (e, por isso, exige que nas respectivas conclusões seja indicada a matéria de facto impugnada); e ónus secundários, que contendem com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC (permitindo, por isso, que se deixe omissa, nas conclusões de recurso - e ao contrário do que, prévia e imperativamente, se tenha feito no corpo das respectivas alegações - a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida e das exactas passagens da gravação que o fundariam).

V. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente.

VI. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

VII. A servidão de escoamento consiste no direito de derivar, para o prédio serviente, das águas que se encontram em quantidade excessiva no prédio dominante e não tenham via natural de drenagem; e pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das ditas águas sobejas, ou que provoquem a derivação das que tenderiam a ficar estagnadas naquele segundo prédio.

VIII. O regime de isenção da constituição de servidão de escoamento sobre quintal, jardim ou terreiro contíguo a prédio urbano pressupõe que o prejuízo da sua passagem por tais locais seja superior à vantagem que resulta da servidão para o titular do prédio beneficiado; e, por isso, verificando-se que a vantagem que a servidão de águas constitui para o prédio a beneficiar é superior ao sacrifício imposto ao prédio afectado, há que proceder à redução teleológica da norma consagradora daquela isenção (permitindo a constituição da servidão de águas sobre aqueles locais).

IX. A servidão de estilicídio consiste no direito de escoar naturalmente (sem acção humana) a água pluvial caída dos telhados ou outra cobertura sobre prédio alheio; e reveste duas modalidades, a servitus stillicidii recipiendi propriamente dita (quanto a água cai directamente no prédio vizinho gota a gota) e a servitus fluminis recipiendi (que tem por objecto o escoamento de água por meio de canos ou caleiras antes de cair no terreno alheio).

X. Na servidão de estilicídio, a visibilidade e a permanência dos sinais que a revelam reportam-se às obras existentes (v.g. beirais, canos, algerozes ou condutores de água, tubos de descarga, etc.) colocadas no prédio dominante; e podem ainda os canos conduzir as águas a um determinado ponto do prédio serviente e existir neste também sinais de servidão.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., União de Freguesias ..., ... e ..., no concelho ... (aqui Recorrentes), propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC, residente na Rua ..., ..., em ..., ..., e contra  DD, residente na Rua ..., em ..., ... (aqui Recorridos), pedindo que:

· se reconhecesse que eles próprios são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano (que melhor identificaram);

· se condenassem os Réus a eliminarem um orifício que abriram no muro que divide o prédio urbano de que são proprietários do prédio urbano deles próprios (aqui Autores), e que orienta e encaminha as águas pluviais que caem naquele (dos Réus) para este (deles próprios), bem como se condenassem os mesmos a impedirem que as águas pluviais que escorrem do telhado do seu prédio (dos Réus) caiam no prédio deles próprios (aqui Autores), mercê de uma cobertura que realizaram naquele primeiro;

· se condenassem os Réus a absterem-se de orientar, por qualquer forma, as águas pluviais que caem no seu prédio para o prédio deles próprios (aqui Autores), retirando todas as condutas ou meios que o permitem;

· e se condenassem os Réus a pagarem-lhes a quantia de € 2.870,00, a título de indemnização por danos já causados, bem como outra, a liquidar em execução e sentença, por outros danos que lhes viessem a causar.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem proprietários de um prédio urbano, contíguo a outro prédio urbano dos Réus (CC e DD), este constituído em propriedade horizontal, com duas fracções autónomas, sendo cada um dos Réus proprietário exclusivo daquela onde reside.
Mais alegaram que os Réus (CC e DD), em Junho de 2019, cobriram o seu logradouro com um telhado; e orientaram então a maior parte das águas que caem sobre o telhado do seu edifício, bem como sobre a nova cobertura, para o seu próprio prédio, por meio de um orifício que fizeram no muro de divisão dos dois imóveis.
Por fim, alegaram que, mercê do exposto, cada vez que chove as ditas águas pluviais invadem a sua garagem, um estábulo de animais e o seu quintal, tendo ainda, em Novembro de 2019, entrado no ... da sua casa, causando danos patrimoniais de € 370,00; e provocando-lhes ainda incómodos e tristezas, reclamando por estes uma indemnização de € 2.500.00.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (CC e DD) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada integralmente improcedente; e deduziram reconvenção, pedindo que

· se reconhecesse e declarasse que cada um deles é dono e legítimo possuidor da fracção autónoma onde reside (que melhor identificaram), condenando-se os Autores a absterem-se da prática de quaisquer actos susceptíveis de ameaçar, perturbar ou ofender esse seu direito;

· se reconhecesse e declarasse que são ambos titulares do direito de servidão de aqueduto e/ou escoamento das águas pluviais que caem sobre o seu prédio e que onera o prédio dos Autores, condenando-se estes a reconhecê-lo e a absterem-se da prática de quaisquer actos susceptíveis de ameaçar, perturbar ou ofender esse seu direito;

· se condenassem os Autores a procederem, a expensas suas e no prazo máximo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão a proferir, a reporem o status quo ante de terem actuado no sentido de impedir o funcionamento da dita servidão (nomeadamente, obstruindo o tubo de escoamento e transporte de águas pluviais, bem como a sua passagem em direcção à conduta pública);

· se condenassem os Autores a permitirem-lhes o exercício de todos os direitos inerentes à dita servidão (nomeadamente, permitindo-lhes a entrada no seu prédio, para verificarem futuros danos e/ou avarias no tubo de escoamento e transporte de águas pluviais, para o repararem, conservarem e/ou limparem);

· se condenassem os Autores a pagarem à Ré a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização de danos patrimoniais que lhe causaram;

· e se condenassem os Autores a pagarem a cada um deles a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que lhes causaram.
Alegaram para o efeito, em síntese, ser cada um deles proprietário da fracção autónoma onde reside, sendo a construção do prédio onde as mesmas se inserem anterior à construção do prédio dos Autores (AA e mulher, BB).
Mais alegaram que as águas pluviais que caem no seu prédio (no telhado do edifício e na cobertura do logradouro, aí colocada há cerca de 30 anos) foram encaminhadas desde a construção do dito prédio para uma caixa de recepção colocada junto ao muro de vedação do prédio que é hoje dos Autores (AA e mulher, BB), sendo depois conduzidas para uma conduta municipal de águas pluviais, por meio de um tubo subterrâneo situado no logradouro do prédio daqueles, o que foi feito com a autorização dos seus anteriores proprietários.
Alegaram ainda que, em Junho de 2019, substituíram as chapas de amianto da cobertura do logradouro por outras, tendo ainda o Réu (DD) cobrido o terraço situado ao nível do primeiro andar; e que mantiveram inalterado o anterior sistema de recolha, encaminhamento e escoamento das águas pluviais.
Por fim, alegaram que os Autores (AA e mulher, BB) obstruíram então o tubo de escoamento e transporte de águas pluviais com destino à conduta pública, o que provocou a inundação da fracção autónoma da Ré (CC); e que, por isso, em estado de necessidade, esta mandou abrir um orifício de drenagem no muro de vedação dos dois prédios.
Já em sede de reconvenção, os Réus (CC e DD) alegaram: terem adquirido o direito de servidão de aqueduto por usucapião; ter Ré (CC) sofridos danos na sua fracção e em bens nela existentes, cuja reparação/substituição ascende a € 2.500,00; custar € 500,00 o tapamento do buraco de escoamento no muro de vedação dos dois prédios e a reposição deste no seu anterior estado; e ter qualquer um deles sofrido desassossego, tristeza, mágoa profunda, arrelia, nervosismo e ansiedade com a conduta dos Autores (AA e mulher, BB), danos não patrimoniais indemnizáveis em € 2.500,00 para cada um.

1.1.3. Os Autores (AA e mulher, BB) replicaram, pedindo que a reconvenção fosse julgada improcedente.
Alegaram para o efeito ser falso que já existisse, antes de 2019, qualquer cobertura no logradouro do prédio dos Réus (CC e DD), e/ou que eles próprios tivessem obstruído qualquer tubo de escoamento de águas pluviais para a via pública, sendo o mesmo inexistente.
Mais alegaram que a obstrução que fizeram do orifício aberto pelos Réus (CC e DD) no muro de vedação de ambos os prédios visou apenas evitar a inundação do prédio deles próprios.

1.1.4. Foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da causa em € 23.000,01; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando, quer a acção, quer a reconvenção, parcialmente procedentes e promovendo o exercício do contraditório com vista à posterior condenação dos Autores (AA e mulher, BB) como litigantes de má-fé, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
5. - Decisão.
Pelos motivos expostos, decido:
5.1. - Julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, 
5.1.1. - Declarar que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio sito no lugar ... ou ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., do concelho ..., constituído por casa para habitação, de ... para arrumos e garagem, andar e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ...21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...37.
5.1.2. - Absolvo os réus dos demais pedidos formulados pelos autores.
5.2. - Julgar a presente reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, 
5.2.1. - Declarar que a reconvinte CC é, com exclusão de outrem, dona e legítima possuidora do prédio identificado em 2. da reconvenção.
5.2.2. - Declarar que o reconvinte DD é, com exclusão de outrem, dono e legítimo possuidor do prédio identificado em 3. da reconvenção.
5.2.3. - Declarar que os reconvintes são titulares do direito de servidão de aqueduto e/ou escoamento das águas pluviais, nos termos 22 a 53 dos factos provados.
5.2.4. - Condenar os reconvindos a reconhecer que sobre o seu prédio identificado em 5.1.1. encontra-se constituída uma servidão de aqueduto e escoamento a favor das duas frações dos reconvintes, com o conteúdo e modo de exercício que melhor se descreve em 22 a 53 dos factos provados.
5.2.5. - Condenar os reconvindos a procederem, a expensas suas, no prazo máximo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão a proferir, à reposição do status quo antes, designadamente à desobstrução do tubo de escoamento e transporte, bem como à reposição da passagem das águas pluviais dos prédios dos reconvintes em direção à conduta pública, sem prejuízo de não o fazerem, manter-se o escoamento através do muro de delimitação das propriedades existente na presente data. 
5.2.6. - Condenar os reconvindos a permitir que os reconvintes exerçam todos os direitos inerentes a essa servidão, nomeadamente a permitir que os reconvintes entrem no prédio identificado em 5.1.1. para verificar futuros danos e/ou avarias no tubo, repará-lo, praticando todos os atos necessários à sua conservação e limpeza, sempre que tal for necessário para a passagem da água.
5.2.7. - Condenar os reconvindos a abster-se da prática de quaisquer atos suscetíveis de ameaçar, perturbar ou ofender a posse e o direito de propriedade dos reconvintes sobre as duas frações, bem como a posse e o direito de servidão reivindicada. 
5.2.8. - Condenar os reconvindos pagar à reconvinte CC a quantia de setecentos e cinquenta euros a título de danos não patrimoniais
5.2.9. - Absolver os reconvindos dos demais pedidos formulados pelos reconvintes.
5.3. - Custas da ação a cargo dos autores e réus, na proporção de 3/4 para os autores e 1/4 para os réus.
5.4. - Custas da reconvenção a cargo dos reconvintes e reconvindos, na proporção de 1/9 para os reconvintes e 8/9 para os reconvindos.
5.5. - Registe.
5.6. - Notifique.
5.7. - Após trânsito em julgado da presente sentença, remeta certidão da mesma, dos relatórios periciais e ficheiro áudio da audiência de julgamento aos serviços do ministério público 48 para os fins tidos por convenientes.
5.8. - Após trânsito em julgado da presente sentença, dê conhecimento da mesma e dos relatórios periciais à Câmara Municipal ... com vista ao apuramento da legalidade administrativa do sistema de escoamento de águas do prédio dos réus/reconvintes. 

***
Após o decurso do prazo agora concedido aos autores, abra conclusão a fim do tribunal apreciar a má fé processual dos autores.
(…)»

1.1.6. Os Autores (AA e mulher, BB) responderam, defendendo não deverem ser condenados como litigantes de má-fé.
Alegaram para o efeito existirem sérias dúvidas sobre qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente que lhes pudesse ser imputável (nomeadamente, que tivessem adulterado factos do seu conhecimento pessoal, ou que tivessem agido de forma consciente e manifestamente reprovável com vista a entorpecer a acção da justiça, de modo desconforme com o respeito devido ao Tribunal e às partes).

1.1.7. Foi proferida decisão, condenando os Autores (AA e mulher, BB) como litigantes de má-fé, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
5.- Decisão:
Pelos motivos expostos, decido:
5.1. - Condenar os autores como litigantes de má fé numa multa cujo montante se fixa em 100 Ucs e ainda no pagamento aos réus não só das custas de parte, mas também da totalidade dos honorários que estes pagaram ao seu ilustre mandatário no âmbito dos presentes autos, a liquidar, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão.
5.2. - Após trânsito da condenação dos autores como litigantes de má fé, informe o Instituto da Segurança Social da decisão com vista ao cancelamento do benefício de apoio judiciário concedido aos autores - cfr. artigo 10.º, n.º 1, al. d), da L.A.J.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os Autores (AA e mulher, BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida, julgando procedente a acção e improcedente a reconvenção, sendo ainda eles próprios absolvidos da condenação respectiva como litigantes de má-fé.
 
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

PRIMEIRA: O Tribunal Recorrido considerou provada a existência de uma servidão de aqueduto em benefício do prédio dos recorridos, beneficiando o prédio dos recorrentes.

SEGUNDA: Mencionando que da conjugação do depoimento de parte do autor com o teor do relatório pericial que descreve as obras executadas no logradouro para permitir o escoamento das águas pluviais que caem do prédio dos réus tem mais de 20 anos e sempre exerceu a sua função até ao seu, também indiscutível, porque confirmado pelo sr. Perito no seu relatório entupimento. Adianta ainda que os autores não podem desconhecer a existência do sistema de escoamento e que o respetivo sistema de esgotos existe há mais. 

TERCEIRA: Baseia-se o Tribunal Recorrido no confronto dos depoimentos dos recorrentes com o relatório pericial bem como no depoimento muito adjetivado: desinteressado, espontâneo e coerente do a testemunha EE.

QUARTA: Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal Recorrido, fez uma incorreta daquela prova. 

QUINTA: Por isso, se impugnam os seguintes factos da matéria considerada provada. 

SEXTA:  Com efeito, o Tribunal Recorrido considerou provado - Item 25 da decisão da matéria de facto:
«Que da caixa coletora localizada a escassos centímetros do muro de vedação do lado sul dos prédios dos recorridos, segue subterraneamente um tubo em PVC que atravessa o jardim e o logradouro da fração dos recorrentes até atingir a estrada municipal, desembocando numa conduta de águas pluviais que segue o trajeto dessa mesma estrada, onde é visível uma caixa ou óculo de visita».

SÉTIMA: a única prova produzida sobre esta matéria resulta do teor do relatório pericial que a (fls. 8) refere que a água recolhida na caixa coletora de águas é conduzida através de um tubo de PVC que se prolonga para lá do muro da vedação. Acrescentando nos seus esclarecimentos de (fls. 5) que o referido tubo se encontra obstruído a cerca de 1,50 m da caixa coletora de águas, e no interior do prédio dos autores a cerca de 90 cm do muro de vedação.

OITAVA: Sendo que a referida caixa de visita existente na estrada não é uma caixa coletora de águas, mas uma caixa da rede pública de saneamento, como vem descrita e ilustrada a fls. 13 do relatório pericial.

NONA: Nos esclarecimentos de (fls. 7) do relatório pericial, vem referido que no logradouro do prédio dos autores foram identificadas duas caixas coletoras, uma situada próximo da confrontação sudoeste do prédio dos réus e outra situada próximo do muro de vedação da propriedade dos autores com a Rua .... Que não foram identificadas outras caixas nas imediações do prédio dos réus e que foram abertas as duas caixas referidas, tendo-se constatado que não se tratam de caixas de receção/ derivação de águas pluviais, mas sim de caixas da rede de esgotos, encontrando-se com detritos e com fezes.

DÉCIMA: Assim sendo, não resulta do Relatório Pericial que o tubo se prolonga para além do local onde se encontra obstruído, ou seja, que o tubo se prolonga para além da referida distância de 90 cm do limite do prédio dos recorridos.   

DÉCIMA PRIMEIRA: Se do relatório pericial não resultam provados tais factos, o mesmo se verifica em relação ao seguinte depoimento da testemunha EE.  

DÉCIMA SEGUNDA: Vejamos: 
(00: 13: 07) Meritíssimo Juiz
Já falou aqui um senhor que esteve a fazer essa obra. E o tubo, o buraco, o novo buraco que tem um tubo para o terreno do ser Sr. AA é um tubo de quanto… qual é o comprimento desse tubo? Será um metro, dois metros?
(00:13:34) EE
Ah, aquilo deve ter … aquilo deve ter… aquilo deve ter… eu não sei se foi um buraco inteiro, ou se levou emenda. Mas deve ter pelo menos cinco ou seis metros.    
(00:18:06) Meritíssimo Juiz 
Mas o que é que aconteceu primeiro, foi o buraco ou o muro ?
(00:18:16) EE
Ah não, o buraco já estava lá.
(00: 05:57) Meritíssimo Juiz:
E esse buraco era para quê?
(00:06:00) EE 
Era para sair a água da chuva.
(00:22:56) Advogado 2 
Quando cedeu esse terreno o sr. AA havia já o muro e o tal buraco?
(00:23:05) EE:
Tinha ali naquele sítio, tinha ali já começado o muro. Mas só um bocadinho, só tinha ali um bocadinho.
(00:23:10) Advogado 2
E o buraco? 
(00:23:11) EE:
Tinha lá começado o buraco.
(00:026:37) Advogado 2.
Ao construírem o muro um espaço de um bloco ou de um tijolo ficou aberto para saírem as águas? Para escoarem as águas?
(00: 26:48) EE
Para saírem as águas da chuva.
00:27:05) Advogado 2
Não havia outra saída?
(00:27:06) EE: 
Não, não havia nem há.    
(00: 26: 49) Advogado 2
Todas as águas das chuvas que caíam no logradouro, que caíam no telhado, que caíam pelos caleiros escoavam-se por esse buraco ?
(00:27:04) EE:
Aí si, sim, sim.
(00:27:05) Advogado 2
Não havia outra saída?
(00:27:06) EE:
Não, não havia nem há. A não ser que esteja agora outra. 
A referida testemunha, despois de muito titubear acerca da data em que colocou o tubo respondeu.
(00:49:29 ) Advogado 1.
Mas é mais ou menos que eu… E é mais ou menos que eu lhe pergunto, Sr. EE. Mais ou menos há quanto tempo é que meteram esse tubo para a caixa de saneamento?
(00:07:39) EE:
Ai, já foi há alguns anos, Já foi há uns anos, portanto, eu estava lá. Eu estou divorciado há 10 (dez) anos portante, 10, 11 anos mais ou menos, 2010.  
Todavia, já tinha referido que o tubo foi metido muito depois do buraco que abriram no muro.
Existe, por isso, uma contradição entre o depoimento desta testemunha, apesar de o Tribunal Recorrido o considerar espontâneo, desinteressado e coerente com o relatório pericial  Decisão da matéria de facto.  
(00:04:34) Meritíssimo  Juiz:
... E a água da chuva que caía no telheiro corria para onde?
(00:04:34 ) EE:
Caía para um buraco que ficou na parede do lado esquerdo daquela cobertura … 
(00:26:37) Advogado 2:
Muito bem. Estou a perceber. Ao construírem o muro um espaço de um bloco ou de um tijolo ficou aberto para saírem as águas? Para escoamento das águas?
(00:26:48) EE:
Para saírem as águas da chuva.  
(00:26:49) Advogado 2:
Está esclarecido. Todas as águas da chuva que caíam no logradouro, que caíam no telhado, que desciam pelos caleiros escoavam-se por esse buraco?
(00:27:04) EE:
Aí, sim, sim, não havia outra saída.

DÉCIMA TERCEIRA: Para além de não nos parecer, por si só, coerente, o referido depoimento nenhuma coerência tem com o depoimento prestado pela mesma testemunha, no Procedimento Cautelar onde da Motivação da Decisão consta e passamos a citar:
«….detetaram-se falhas, contradições e incongruências no, acalorado, depoimento de EE que avançou e recuou, de modo algo inconstante, ora dizendo que o dito tubo servia ao escoamento às águas pluviais, ora dizendo que só servia às águas domésticas porque é proibido escoara águas pluviais pelo saneamento e, sobretudo, porquanto contradiz a versão dos próprios requeridos ( aqui réus ) que atribuem a autorização para a execução da obra aos anteriores proprietários, FF e GG, ao passo que a testemunha assevera que foi o próprio requerente ( ora autor ) que propôs e autorizou o encanamento pelo seu prédio das águas pluviais e/ou saneamento do logradouro da fração .... ».

DÉCIMA QUARTA: Porém, e apesar da referida contradição que a referida testemunha agora tentou contornar, o que não é de estranhar, por ser este o seu segundo depoimento, foi com base, essencialmente, neste mesmo depoimento que presente ação foi julgada improcedente e procedente o pedido reconvencional.

DÉCIMA QUINTA: No item 26 da Decisão da matéria de facto vem mencionado que:
«O referido tubo de escoamento e/ou transporte das águas pluviais identificados em 25, foi colocado aquando da construção da habitação dos autores, com o seu conhecimento e autorização, dado que trespassam o logradouro do seu prédio até à via pública».
 
DÉCIMA SEXTA: Consta do item 46 da matéria de facto provada que:
«O referido tubo de escoamento e/ou transporte identificado em 25 foi enterrado há mais de 20 e 30 anos naquele local pelo extinto casal EE e CC, com autorização expressa dos então donos do prédio confinante - FF e mulher, GG - antepossuidores dos aqui autores».

DÉCIMA SÉTIMA:  Como se pode verificar, a contradição entre os referidos factos provados é ostensiva.

DÉCIMA OITAVA: Foi essa e outras contradições que levou a que na Decisão do Procedimento Cautelar o depoimento dessa mesma testemunha, não teve qualquer valor probatório, porque acalorado, com falhas, contradições e incongruências.

DÉCIMA NONA: Assim, tendo em conta a referida contradição, e na hipótese de não se considerar a Sentença, ora em crise, ferida de nulidade, sempre terá de considerar-se que existe um erro ou vício da decisão de facto, ou erro de julgamento, que levará à sua modificabilidade, nos termos do disposto no artº 662º do C.P.Civil. 

VIGÉSIMA:  Por outro lado, e no que se refere à matéria do item 26, que considera que o tubo atravessa o logradouro dos recorrentes, sem especificar o local da passagem, não foi feita qualquer prova. 

VIGÉSIMA PRIMEIRA: Não tendo sido feita essa prova, nem, existindo sinais visíveis ou aparentes da existência de qualquer tubo, não poderia ter sido considerado provado que havia um tubo no prédio dos recorrentes e do qual estes tinham conhecimento. 

VIGÉSIMA SEGUNDA: Efetivamente, não existem quaisquer sinais visíveis ou aparentes no prédio dos recorrentes, pois, o sr. Perito, com recurso a meios técnicos, apenas detetou que, dentro do prédio dos recorrentes, havia um tubo a 1 metro de profundidade e obstruído a 90 centímetros de distância do limite do prédio dos Recorridos.

VIGÉSIMA TERCEIRA:  Para além de não ter detetado quaisquer sinais de prosseguimento do dito tubo pelo logradouro do prédio dos recorrentes, o sr. Perito também não encontrou qualquer outra conduta dentro daquele prédio. As caixas encontradas no prédio dos recorrentes são caixas de saneamento, como está sobejamente descrito e ilustrado no relatório pericial.

VIGÉSIMA QUARTA:  Do item 28 da Decisão da matéria de facto consta que
«Todas as águas aí referidas eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de receção até à conduta pública existente na estrada municipal, acrescentando no item 34 que as águas pluviais que caem do telhado das casas sobre o terraço são encaminhadas para a caixa de receção e tubo de escoamento, e transporte com destino à conduta pública identificada no supra item 25». 

VIGÉSIMA QUINTA: Desde já se refere, que não foi feita prova de que existe uma conduta de águas pluviais na via pública, pois, vem mencionado e resulta do teor do relatório pericial, a caixa existente na via pública é uma caixa coletora de saneamento.    

VIGÉSIMA SEXTA: Além disso, e como vem referido no relatório pericial as caixas de receção são caixas de saneamento da casa dos recorrentes e não de águas pluviais.

VIGÉSIMA OITAVA:  Sendo que, os tubos de entrada na caixa de saneamento que vêm da casa dos recorrentes têm o mesmo diâmetro dos tubos de saída dessas mesmas caixas para o lado da Rua ....

VIGÉSIMA NONA: Ora, ao admitir-se que as águas pluviais da casa dos recorridos eram escoadas através das mesmas caixas, sempre os tubos de saída teriam de ser bem mais largos do que os de entrada para suportarem o acréscimo do volume das águas pluviais referidas.

TRIGÉSIMA: O sr. perito, a pág. 7 dos esclarecimentos ao Relatório Pericial, afirma que: «Foram abertas as duas caixas referidas tendo-se constatado que não se tratam de caixas de receção/derivação de águas pluviais, mas sim de caixas da rede de esgotos, encontrando-se com detritos e fezes». Não fazendo qualquer menção à existência de um outro tubo de águas pluviais vindas do prédio dos recorridos, nem outros vestígios de entrada de águas pluviais.      

TRIGÉSIMA PRIMEIRA: Nos itens 36 e 37 refere-se que o tubo PVC identificado em 25, encontra-se obstruído a cerca de 1,50 m da referida caixa coletora e numa área correspondente ao logradouro do prédio dos recorrentes e a cerca de 0,90 m do muro de vedação dos dois prédios.

TRIGÉSIMA SEGUNDA: Por outro lado, e se do relatório pericial, apenas, resultou provado que o tubo se encontra obstruído, não foi feita qualquer prova acerca da autoria dessa obstrução e da data em que ocorreu.

TRIGÉSIMA TERCEIRA: Se e o tubo não era visível, se tinha sido colocado na sua ausência e se não existem quaisquer sinais que revelem a passagem do tubo, os recorrentes não sabiam nem eram obrigados a saber da existência da servidão.

TRIGÉSIMA QUARTA: Pelo que, foi indevidamente considerado provada a aquisição do direito de aqueduto por via da usucapião, não estão provados, para o efeito, os respetivos requisitos, nomeadamente, a existência de sinais visíveis e permanente no prédio dos recorrentes.  

TRIGÉSIMA QUINTA: Tanto mais que, se houvesse dúvidas acerca da existência de qualquer outro tubo, seria feita a necessária prospeção em sede de peritagem.

TRIGÉSIMA SEXTA: Também não consta do Relatório que as águas pluviais do prédio dos recorridos sejam direcionadas para essas caixas de saneamento. Aliás, o Relatório adianta que a caixa situada próximo da confrontação sudeste do prédio dos réus possui um tubo de entrada de 125mm de diâmetro (direcionado para a morada dos recorrentes) e um tubo de saída com 125mm (direcionado para a Rua ...) e que a outra caixa de esgotos situada próximo da zona de vedação da propriedade dos autores  com a Rua ... tem no seu interior  um tubo com o 125 mm de diâmetro (também direcionado para a casa dos recorrentes) e um tubo de saída aparentemente com 125 mm (direcionado para a Rua ...). E nada mais consta, nomeadamente, que existe qualquer tubo ou sinal da sua existência direcionado para a casa dos recorridos. 

TRIGÉSIMA SÉTIMA:  Não existindo qualquer tubo condutor das águas pluviais dos recorridos no prédio dos recorrentes, prejudicados estão todos os restantes requisitos da usucapião, nomeadamente, o exercício da posse, pública, pacífica e de boa fé do respetivo direito.

TRIGÉSIMA OITAVA: O Tribunal recorrido, para além de ter indevidamente considerados provados tais factos, quando não havia prova bastante, também violou o disposto nos artºs. 1547º, nº 1 e 1548º do C. Civil, ao considerar constituída a servidão de aqueduto. 

TRIGÉSIMA NONA: No que respeita à passagem das águas pluviais pelas caixas de saneamento, foi entendimento do Conselho Superior da Magistratura - ECLI-TRE: 2011/1067.8.7TABT.72, que as servidões não podem constituir-se em proibições em matéria de relações de vizinhança podem ser prescindidas pelos particulares, a pontos de se poderem converter, por usucapião, numa servidão em benefício do fruidor da utilidade consentida, tal não é o caso das proibições que contendam com um interesse considerado público e com normas básicas de ordem pública.
 Na verdade, as águas residuais contêm químicos e poluentes, químicos, físicos e biológicos, gerando prejuízos ao meio ambiente e gastos para o seu tratamento, ficando as águas das chuvas poluídas, indo em maior volume, para a estação de tratamento de esgotos.   
Tal mistura pode ocasionar retorno do esgoto para o interior do prédio dos recorrentes.

QUADRAGÉSIMA: Efetivamente, esta situação proibida por lei não é suscetível de configurar um direito de servidão, não podendo uma sentença judicial declarar existente e válida aquela, em oposição a normas e princípios de direito público.
 Assim sendo e dada a prova produzida, consideram-se indevidamente julgados, pois não deveriam ter sido considerados provados os factos referidos nos itens 25, 26, 27, 28, 34, 35, 36, 37, 38, 45, 46, 51, 52, 53, 54, 56, 57, 57 e 58 da matéria de facto.

DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA: Por todo o exposto, os recorrentes não poderiam ser condenados como litigantes de má fé.

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA: Na ata de julgamento foi proferido douto Despacho, ordenando a notificação dos autores para se pronunciarem quanto à sua eventual condenação como litigantes de má-fé, concedendo-lhe 48 horas para exercerem o contraditório.

QUADRAGÉSIMA TERCEIRA: Tendo-lhe sido concedido de 48 horas para se pronunciarem sobre a sua eventual condenação, mas de nada lhes valeram os argumentos apresentados, pois nenhuma referência foi feita ao teor da resposta apresentada.

QUADRAGÉSIMA QUARTA: Foram, assim, condenando os autores como litigantes de má-fé e, consequentemente, numa multa correspondente a 100 Ucs, montante máximo, cujo mínimo é de 2 UCS nos termos do disposto no nº 3 do artº 27º do Reg. das Custas Judiciais.

QUADRAGÉSIMA QUINTA: Foram, ainda, condenados no pagamento aos réus não só das custas de parte, mas também na totalidade dos honorários que estes pagaram ao seu ilustre mandatário no âmbito dos presentes autos e ainda, após o trânsito em julgado o cancelamento do benefício de apoio judiciário!    

QUADRAGÉSIMA SEXTA: Sendo que, na dita Decisão não foi tida em conta a sua precária situação económica, beneficiários do apoio judiciário.

QUADRAGÉSIMA OITAVA:  Efetivamente, foram os autores, assim, condenados como litigantes de má fé. 

QUADRAGÉSIMA NONA: Ora, mesmo a considerar-se que os autores não provaram aquilo que alegaram na ação, só por si, não era fundamento para a sua condenação como litigantes de má fé.

QUINQUAGÉSIMA: Pois, os recorrentes alegam na presente ação, que não existe qualquer servidão de aqueduto ou de escoamento, no seu prédio, das águas advindas do prédio dos réus, uma vez que não são visíveis quaisquer sinais que a evidenciem, nomeadamente, a existência de qualquer tubo de ligação de água.

QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA: Nem o relatório pericial é esclarecedor. Diz o mesmo relatório que o coletor existente na via pública é um coletor de saneamento e não de quaisquer águas pluviais.

QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA:  O facto de haver um tubo colocado subterraneamente a cerca de 1 metro de profundidade numa distância de cerca de 0,90 cm dentro da propriedade dos réus, como consta do relatório pericial, não poderá ser indiciador da existência de qualquer servidão.

QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA:  Sendo que, os recorrentes desconheciam a existência daquele pequeno tubo de 90 cm de comprimento, dentro da sua propriedade, que sai diretamente do prédio dos réus/reconvintes, encontrando-se a uma profundidade de 1 metro, não tendo dado qualquer autorização para a sua colocação, como acima vem referido.

QUINQUAGÉSIMA QUARTA: Por sua vez, no seu depoimento de parte, os recorrentes mantiveram a versão de que não existia na sua propriedade qualquer tubo de canalização que levasse as águas pluviais das casas dos recorridos para o coletor de saneamento da rede pública, localizado na estada.

QUINQUAGÉSIMA QUINTA: Foi, essencialmente, pelo facto de os autores afirmarem, no seu depoimento de parte, que não existia o referido tubo, que foram condenados como litigantes de má fé.

QUINQUAGÉSIMA SEXTA: Por outro lado, não afirmaram que não havia tubo na sua propriedade, afirmaram que não havia tubo na sua propriedade que levasse as águas pluviais até à via pública.  

QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA: A condenação dos recorrentes, como litigantes de má-fé, baseia-se, também, no relatório pericial, corroborado pela testemunha, EE, que, tal como consta da resposta aos costumes diz ser ex-marido da ré e avô do réu, tendo, por isso, uma ligação próxima dos dois, com a inerente interesse na decisão da causa. 

QUINQUAGÉSIMA OITAVA: Além disso, a questão da litigância de má-fé, nem sequer foi suscitada pela parte contrária, tendo sido suscitada, oficiosamente, no momento da sentença. E era nessa altura que a mesma deveria ter sido conhecida e relegada para momento posterior, apenas, a fixação da multa e as restantes consequências.

QUINQUAGÉSIMA NONA: Não tendo sido decidida a questão na sentença, apenas tendo sido ali determinada a notificação dos autores para dela se pronunciarem, a decisão proferida, posteriormente, que veio a condenar os autores como litigantes de má-fé é nula por excesso de pronúncia, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do Juiz. Cfr. Artº 613, nº 1 do C.P. Civil.   

SEXAGÉSIMA:  Não tendo sido decidida a questão da litigância de má-fé, na sentença, apenas se tendo ali determinado a notificação das partes para se pronunciarem sobre a mesma, a decisão proferia posteriormente que veio a condenar a parte como litigante de má-fé é nula por excesso de pronúncia, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz, conforme o disposto no nº 1 do artº 613º do C.P.Civil. Proferida sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, quanto à matéria da causa.

SEXAGÉSIMA PRIMEIRA:  Tendo em conta a pretensão dos autores e toda a prova produzida, não se pode considerar que aqueles atuaram com dolo, nem com negligência grave, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento, nos termos do disposto no artº 542º do C.P.Civil.  
*
1.2.2. Contra-alegações
Os Réus (CC e DD) contra-alegaram, pedindo que se mantivesse nos seus exactos termos a sentença recorrida.

Concluíram as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. Os autores/reconvindos faltaram dolosamente à verdade.

II. Instauraram acção, cuja falta de fundamento não ignoravam.

III. Contestaram a reconvenção, bem sabendo da falta de fundamento da oposição.
 
IV. Em face do exposto, os autores/reconvindos só podiam ser, como foram, condenados como litigantes de má fé.

V. Os autores/reconvindos faltaram dolosamente à verdade, deduziram pedidos cuja falta de fundamento não ignoravam e contestaram a reconvenção, bem sabendo serem fundados os pedidos reconvencionais.

VI. Agiram com dolo directo e com consciência da ilicitude de tal actuação processual, com o propósito de obtenção de uma decisão injusta.

VII. Pelo que, estão preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos da condenação dos autores/reconvindos como litigantes de má fé.

VIII. Uma vez que os Apelantes não põem em causa o quantum da condenação, deve confirmar-se a Douta Decisão recorrida, mantendo-se a condenação dos autores/reconvindos nos exactos termos decididos pelo Tribunal a quo.
 
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e mulher, BB), 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a decisão recorrida nula, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque  

. não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 25 («Dessa caixa colectora, localizada a escassos centímetros do muro de vedação do lado sul dos prédios dos Réus, segue subterreamente um tubo em PVC que atravessa o jardim e o logradouro da fracção dos Autores até atingir a estrada municipal, desembocando numa conduta de águas pluviais que segue o trajecto dessa mesma estrada, onde é visível à entrada do prédio dos Autores uma caixa ou óculo de visita»), sob o número 26 («O referido tubo de escoamento e/ou transporte das águas pluviais identificado no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25, foi colocado aquando da construção da habitação dos Autores, com o seu conhecimento e autorização, dado que trespassam o logradouro do seu prédio até à via pública»), sob o número 27 («O referido tubo sempre exerceu, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus»), sob o número 28 («Todas as águas que caíam na água do telhado voltada para sul, no terraço e no logradouro voltados para sul do prédio dos Réus eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de recepção até à conduta pública existente na estrada municipal»), sob o número 34 («Dessa cobertura são encaminhadas para a caixa de recepção e tubo de escoamento e transporte com destino à conduta pública identificado no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25»), sob o número 35 («Sem que nada o fizesse prever, após a obra de cobertura do terraço do primeiro andar, os Autores obstruíram o tubo referido no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25, na parte em que este ocupa o seu logradouro»), sob o número 36 («O tubo em PVC no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25 encontra-se obstruído a cerca de 1,50m da referida caixa colectora e numa área já correspondente ao logradouro do prédio dos Autores»), sob o número 37 («O tubo em PVC referido no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25 encontra-se obstruído no logradouro do prédio dos Autores, a cerca de 0,90m do muro de vedação dos dois prédios»), sob o número 38 («No logradouro do prédio dos Autores encontra-se o tubo referido no facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25, enterrado a mais de um metro de profundidade »), sob o número 45 («As águas pluviais que caem na habitação dos Autores são recolhidas por caleiros que as conduzem a quatro tubos de queda de água que as conduzem para o logradouro pavimentado e para o seu jardim»), sob o número 46 («O referido tubo de escoamento e/ou transporte referido no facto provado identificado na sentença recorrida sob o número 25 foi enterrado há mais de 20 e 30 anos naquele local pelo extinto casal EE e CC, com autorização expressa autorização dos então donos do prédio confinante - FF e mulher GG -, antepossuidores dos aqui Autores»), sob o número 51 («Há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, dia após dia, noite após noite, as referidas águas da chuva são conduzidas pelo referido tubo que atravessa o prédio dos Autores em direção à caixa de recepção existente na conduta pública»), sob o número 52 («Tudo isto tem sido levado a cabo pelos Réus, e antecessores, sem qualquer interrupção até hoje, de dia e de noite, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com ânimo de únicos e exclusivos titulares do direito de servidão de aqueduto e/ou escoamento»), sob o número 53 («Antes da realização destas obras com vista ao escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos Réus, o escoamento era efectuado através de um orifício no muro de divisão das duas propriedades e, assim, as águas escoavam para o prédio dos Autores»), sob o número 54 («Em consequência da referida obstrução, as águas das chuvas acumularam-se no logradouro privativo da fracção ... e, inexistindo qualquer outra saída ou canal de escoamento, foram formando um lençol de água, que rapidamente foi ganhando volume e inundou o ... da fracção ..., molhando os seus tapetes e pavimento»), sob o número 56 («Na audiência de julgamento, os Autores referiram que no seu prédio não existe qualquer tubo que permita o escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus, bem sabendo que esta sua afirmação, como resulta do teor do relatório pericial, não corresponde à realidade dos factos»), sob o número 57 («Os Autores, sabendo que o tubo que escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus e que onera o seu prédio está entupido, pretendem obter uma vantagem proveniente desse entupimento que sabem que contraria a servidão que onera o seu prédio») e sob o número 58 («Os Autores, sabendo da existência de um tubo que permite o escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus, entupiram-nos e pretendem com este seu acto ilícito obter uma vantagem patrimonial com a presente ação, bem sabendo que não têm direito a ela»)?

3.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente, a reconvenção totalmente improcedente e não se condenem os Autores como litigantes de má-fé ?
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2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pelos Recorrentes (AA e mulher, BB) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia à demais questão objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da demais [2].
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III - QUESTÃO PRÉVIA

3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [3].
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [4] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [5].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [6].
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [7], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.2. Nulidade da sentença - Excesso de pronúncia
3.2.1.1. Definição do excesso de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. excesso de pronúncia - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
«Questões», para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143) [8].
Logo, «questões» são aqui os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não também as «razões» ou os «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que se afirme que «as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220).
           
Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Compreende-se, por isso, que se lesse no art.º 264.º, n.º 2, do anterior CPC, que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no art.º 664.º do mesmo diploma que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º».
Contudo, com a última reforma do CPC, mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no art.º 5.º, n.º 1 e n.º 2 do actual CPC que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no n.º 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».
Compreende-se, por isso, que a regra enunciada no n.º 1, do art.º 609.º, do CPC, deva ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo; ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela (conforme Ac. do STJ, de 23.01.2004, Ferreira Girão).
Do mesmo modo o vem entendendo o STJ, na uniformização da jurisprudência que lhe incumbe fazer, nomeadamente: no Assento n.º 4/95, de 28 de Março (DR, I Série A, de 17.05.1995, onde se consignou que, quando «o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289.º, n.º 1 do CC»); ou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001, de 23 de Janeiro (DR, I Série A, de 09.02.2001, onde se consignou que, tendo «o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (art. 616.º, n.º 1 do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664.º do CPC», hoje, art.º 5.º, n.º 3 do mesmo diploma).
Deverá, porém, em hipóteses como estas ser assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, salvo caso de manifesta desnecessidade, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente contraditando (art.º 3.º, n.º 3, do CPC).
Concluindo, o «juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes»; e, «na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, págs. 67 e 68).
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3.2.1.2. Decisão imediata de mérito versus Reenvio à primeira instância
Lê-se ainda, no art.º 665.º, do CPC, que, ainda «que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação» (n.º 1); e, se «o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários» (n.º 2).
Defende-se, assim, que, «ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2». Logo, «a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários», já que só «nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo»  (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 261).
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
3.2.2.1. Excesso de pronúncia
Concretizando, vieram os Autores (AA e mulher, BB) recorrentes arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art.º 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC.
Com efeito, e segundo eles, não tendo «a questão da litigância de má-fé» sido «sequer (…) suscitada pela parte contrária, tendo sido suscitada, oficiosamente, no momento da sentença», seria necessariamente «nessa altura que a mesma deveria ter sido conhecida», relegando-se apenas «para momento posterior (…) a fixação da multa e as restantes consequências».
Contudo, não «tendo sido decidida a questão na sentença», sendo aí «apenas (…) determinada a notificação dos autores para dela se pronunciarem, a decisão proferida, posteriormente, que veio a condenar os autores como litigantes de má-fé, é nula por excesso de pronúncia, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do Juiz».
O Tribunal a quo, a contrário do que lhe impunha o art.º 617.º, n.º 1, do CPC [9], não se pronunciou sobre a nulidade invocada, no despacho de admissão do recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e mulher, BB).

Lê-se, a propósito, no art.º 542.º, n.º 1, do CPC, que, tendo «litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir»; e lê-se no art.º 543.º, do mesmo diploma, que, podendo a indemnização consistir no «reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos» (n.º 1, al. a)), se «não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte» (n.º 3).
Resulta, assim, da lei que, reportando-se a litigância de má-fé à actuação da parte anterior à prolação da sentença, deverá a mesma ser logo condenada nesta a esse título, fixando-se também então o concreto montante da legal multa; e apenas se poderá relegar para momento posterior a determinação do concreto montante da indemnização que haja sido pedida antes pela parte contrária (por o processo ainda não dispor dos elementos necessários para o efeito, nomeadamente, do apuramento do montante dos honorários do mandatário judicial que a haja patrocinado).
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, assiste efectivamente razão aos Recorrentes (AA e mulher, BB), quando afirmam que, entendendo o Tribunal a quo que teriam litigado de má-fé, deveria tê-los condenado a esse título na sentença de mérito proferida nos autos (fixando simultaneamente o concreto montante da multa devida); e não, como o fez, determinar aí a sua audição para esse efeito, proferindo depois decisão complementar daquela sentença (onde os condenou a esse título, em multa de 100 unidades de conta e no pagamento de uma indemnização - que não fora pedida e, por isso, nunca poderia ter sido oficiosamente determinada [10] -, correspondente à «totalidade dos honorários» que os Réus «pagaram ao seu ilustre mandatário no âmbito dos presentes autos»).

Lê-se, a propósito, no art.º 613.º, n.º 1, do CPC, que, proferida «a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», isto é, toda aquela que nela foi, ou deveria, ter sido apreciada.
Ora, assim sendo, qualquer questão que aí devesse ter sido apreciada, e que o não tenha sido, não poderá sê-lo posteriormente pelo Tribunal que a haja proferido (por se ter esgotado, quanto a ela, o seu poder jurisdicional), consubstanciando, por isso, e no dito momento posterior, «questão de que não podia tomar conhecimento». Sendo desrespeitado este imperativo legal, a decisão que venha a ser proferida é, efectivamente, nula.
Logo: tendo a condenação dos Autores (AA e mulher, BB) como litigantes de má-fé assentado nos mesmos exactos factos já dados como provados na sentença de mérito proferida pelo Tribunal a quo [11]; tendo em audiência de julgamento o Tribunal a quo advertido repetidamente o Autor (AA) que ele e a mulher seriam condenados como litigantes de má-fé, caso se viesse a apurar a existência do tubo subterrâneo de escoamento de águas pluviais no seu logradouro (alegada pelos Réus na sua contestação e por ele negada naquela diligência) [12]; e tendo sido proferida a dita condenação dos Autores (AA e mulher, HH) como litigantes de má-fé em momento posterior à prolação da sentença de mérito, pelo mesmo Tribunal a quo, é a dita decisão complementar efectivamente nula, por ter sido proferida quando se mostrava já esgotado o seu poder jurisdicional sobre esta precisa questão [13].

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando nesta parte procedente o recurso dos Autores (AA e mulher, BB), declarando nula, por excesso de pronúncia, a sua condenação como litigantes de má-fé.
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3.2.2.2. Conhecimento do remanescente objecto do recurso
Concretizando novamente, a nulidade da decisão complementar da sentença de mérito proferida nos autos não impede o conhecimento do remanescente objecto do recurso de apelação interposto, que agora fica reduzido precisamente à sindicância da apreciação feita pelo Tribunal a quo do mérito da acção e da reconvenção (nos precisos termos em que a dita sindicância foi efectuada no referido recurso).   
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Exclusão de juízos conclusivos e de direito
É apodíctico que a fundamentação de facto se deve cingir à matéria de facto.
Com efeito, e apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito» [14]), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto, direito e conclusão: pretende-se que a decisão de facto contenha apenas o facto simples, assertivamente afirmado e demonstrado; e dela sejam excluídos, quer meras realidades hipotéticas, quer conceitos de direito (salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto, e desde que não constituem eles próprios o thema decidendu), quer conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas [15].
Logo, quando na fundamentação de facto de uma decisão judicial se contenham, como pretensos factos, realidades hipotéticas, conceitos de direito e/ou conclusões, deverão os mesmos ter-se por não escritos (isto é, necessariamente como inexistentes, enquanto factos).
Neste sentido depõe hoje o art.º 607.º, n.º 4, do CPC, onde se lê que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados», tomando «ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência». Logo, o objecto da sua pronúncia aqui prevista limita-se, tão só e apenas, a factos, dela estando necessariamente excluída matéria conclusiva ou de direito.
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Ora, verifica-se que na sentença recorrida, na sua fundamentação de facto, encontram-se enunciados como tais puros conceitos de direito e/ou juízos conclusivos, que, por isso, se têm de considerar como não escritos, não a podendo integrar.

É, esse, precisamente o caso dos ali enunciados sob os números 12 e 49:

. «12 - Os Réus, por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, tem estado, respetivamente, na posse titulada, pacífica, de boa-fé, contínua e pública, em relação aos acima referidos prédios/frações», sendo que os factos que traduzem este juízo se discriminaram de seguida, sob os números 13 a 18;

. «49 - Os Réus, por si e antepossuidores, há mais de 20 e 30 anos, tem estado, respetivamente, na posse titulada, pacífica, de boa-fé, contínua e pública, em relação ao acima descrito aqueduto ou tubo de escoamento de águas pluviais que atravessa o prédio dos Autores», sendo que os factos que traduzem este juízo se discriminaram de seguida, sob os números 51 e 52. 
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Do mesmo modo se terá de decidir quanto aos factos enunciados na sentença recorrida sob os números 56, 57, 58 e 59, exclusivamente pertinentes à condenação dos Autores (AA e mulher, BB) como litigantes de má-fé, agora tida como nula. Com efeito, lê-se nos mesmos:

. «56 - Na audiência de julgamento, os Autores referiram que no seu prédio não existe qualquer tubo que permita o escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus, bem sabendo que esta sua afirmação, como resulta do teor do relatório pericial antes junto aos autos, não corresponde à realidade dos factos»;

. «57 - Os Autores, sabendo que o tubo que escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus e que onera o seu prédio está entupido, pretendem obter uma vantagem proveniente desse entupimento, que sabem que contraria a servidão que onera o seu prédio»
. «58 - Os Autores, sabendo da existência de um tubo que permite o escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus, entupiram-no e pretendem com este seu acto ilícito obter uma vantagem patrimonial com a presente acção, bem sabendo que não têm direito a ela»;

. «59 - Os Autores alicerçaram a presente ação numa mentira, que foi identificada pela perícia realizada no seu prédio».

Logo, deixaram de ser relevantes para a decisão da causa (e sindicância - em sede de recurso - da mesma); e, por isso, não integram igualmente a fundamentação de facto da decisão de mérito dos autos.
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4.1.2. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, o mesmo considerou que se provaram os seguintes factos, «com relevância para a decisão da causa» (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [16] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas, próprias apenas dos articulados [17], reidentificados e completados, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC):

1 - No lugar ... ou ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., do concelho ..., está situado o seguinte prédio urbano: casa para habitação, de ... para arrumos e garagem, andar e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo ...21, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...37 (conforme documento n.º ... junto com o requerimento da providência cautelar apensa, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

2 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 foi comprado por AA e mulher, BB (aqui Autores) a FF e mulher, GG, por escritura celebrada no Cartório Notarial ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

3 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 está registado em nome dos Autores desde 06 de Março de 1998 (AA e mulher, BB) (conforme documento n.º ... junto com o requerimento da providência cautelar apensa, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos).
 (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

4 - Os Autores (AA e mulher, BB) estão na posse do prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1, por seus antepossuidores, há mais de 10, 15 e 20 anos, ininterruptamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem a oposição de ninguém, pagando os inerentes impostos, no ânimo e espírito de quem exerce um direito seu de propriedade.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

5 - As águas pluviais que caem na habitação dos Autores (AA e mulher, BB) são recolhidas por caleiros, que as conduzem a quatro tubos de queda de água, que as conduzem para o logradouro pavimentado e para o seu jardim.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 45)

6 - Na mesma rua e freguesia, está situado um edifício de ..., primeiro andar e logradouro, anteriormente inscrito na matriz sob o artigo ...57, registado na Conservatória sob o n.º ...81, da freguesia ... (conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com o requerimento da providência cautelar apensa, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

7 - O prédio referido no facto provado enunciado sob o número 6 confronta pelos seus lados sul e nascente com o prédio dos Autores (AA e mulher, BB), do qual é delimitado por um muro de vedação, com cerca de 3 metros de altura.
(factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 7 e 19)

8 - Em virtude da sua constituição em propriedade horizontal, o prédio referido no facto provado enunciado sob o número 6 passou a ser composto por duas fracções autónomas, ou seja, pela:
. fracção ... - de ..., para habitação, ..., com uma arrecadação e dois logradouros privativos, um na parte de trás do edifício e outro na sua parte da frente, inscrita na matriz sob o artigo ...25, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...81...;
. e fracção ... - primeiro andar, para habitação, Tipo T-dois, dois terraços privativos, um na parte de trás do edifício e outro na sua parte da frente, e logradouro privativo na parte da frente do edifício, inscrita na matriz sob o artigo ...25, descrita na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ...81...
(conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com o requerimento da providência cautelar apensa, cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

9 - A fracção ... é propriedade de CC (aqui Ré), em nome da qual se encontra registada, e a fração ... pertence a DD (aqui Réu), em nome de quem se encontra registada.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

10 - O logradouro da fracção ... confronta com o prédio dos Autores (AA e mulher, BB), tem cerca de 59 m2, e encontra-se vedado com um muro em alvenaria de tijolo, com cerca de 2 a 3 metros de altura, rebocado em parte.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

11 - Esse logradouro possui o pavimento em betonilha (existindo apenas uma pequena área pavimentada a cerâmico), encontrando-se parcialmente coberto - cerca de 40 m2 -, com chapa metálica, sobre estrutura de ferro e alumínio.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 11)

12 - Os Réus (CC e DD), por si e antecessores, decorridos mais de 20 e 30 anos, tem procedido à limpeza e realização de obras de melhoramento e transformação dos acima identificados prédios/fracções. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 13)

13 - Desses mesmos prédios/fracções, os Réus (CC e DD) têm retirado, colhido e feitos seus, com exclusão de outrem, todos os frutos, utilidades e proveitos, que produzem e a que se destinam. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 14)

14 - Os Réus (CC e DD) têm, designadamente, procedido à habitação dos edifícios e ao uso e fruição das demais partes integrantes (nomeadamente, terraços e logradouros). 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 15)

15 - Os Réus (CC e DD), por si e antecessores, sempre custearam todas as despesas com a conservação dos aludidos prédios/fracções.
 (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 16)

16 - Os Réus (CC e DD), por si e antecessores, pagaram os impostos e demais devidos e inerente aos referidos prédios/fracções. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 17)

17 - O referido nos factos provados enunciados sob os números 12 a 16 tem sido levado a cabo pelos Réus (CC e DD), e antecessores, sem qualquer interrupção até hoje, de dia e de noite, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com ânimo de únicos e exclusivos donos de cada uma das fracções ... e ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 18)

18 - O edifício implantado no prédio propriedade dos Réus (CC e DD) é de construção muito anterior ao edifício implantado no prédio dos Autores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 20)

19 - A cobertura do edifício construído no prédio hoje propriedade dos Réus (CC e DD) é dotada de um telhado de duas águas, tendo uma das águas descaimento para o lado norte e a outra oposta para o lado sul. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o primeiro número 21)

20 - Voltado para o lado sul, o edifício implantado no prédio dos Réus (CC e DD) tem um terraço ao nível do primeiro andar e um logradouro privativo ao nível do ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o segundo número 21)

21 - As águas da chuva que acorriam ao telhado do prédio dos Réus (CC e DD) eram captadas por um caleiro e encaminhadas por um tubo de escoamento que, no sentido descendente, as encaminhava para uma caixa de recepção construída no logradouro referido antes, voltado para sul. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 22)

22 - As águas da chuva que caíam no terraço do prédio dos Réus (CC e DD) eram captadas por um tubo de escoamento que, também no sentido descendente, as transportava para a já referida caixa de recepção. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 23)

23 - Antes da cobertura dos dois logradouros das duas fracções ... e ... com chapa metálica, e actualmente, as águas pluviais que caíam na cobertura desse prédio e caem nas actuais coberturas em chapa metálica, são encaminhas por tubo e pelo caleiro da cobertura da fracção ... para uma caixa colectora em PVC, com cerca de 90mm de diâmetro, embutida no piso do logradouro da fracção ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 24)

24 - Dessa caixa colectora, localizada a escassos centímetros do muro de vedação do lado sul do prédio dos Réus (CC e DD), segue subterreamente um tubo em pvc, que atravessa o jardim e o logradouro da fracção dos Autores (AA e mulher, BB) até atingir a estrada municipal, desembocando numa conduta de águas pluviais que segue o trajecto dessa mesma estrada, onde é visível à entrada do prédio dos Autores uma caixa ou óculo de visita. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25)

25 - No logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB), encontra-se o tubo identificado no facto provado enunciado sob o número 24, enterrado a mais de um metro de profundidade.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 38)

26 - O referido tubo de escoamento e/ou transporte identificado no facto provado enunciado sob o número 24 foi enterrado, há mais de 20 e 30 anos, naquele local pelo extinto casal EE e CC, com autorização expressa dos então donos do prédio confinante, FF e mulher, GG (antepossuidores dos aqui Autores). 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 46)

27 - O referido tubo de escoamento e/ou transporte das águas pluviais identificado no facto provado enunciado sob o número 24 foi colocado aquando da construção da habitação dos Autores (AA e mulher, BB), com o seu conhecimento e autorização, dado que trespassa o logradouro do seu prédio até à via pública.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 26)

28 - Todas as águas que caíam na água do telhado voltada para sul, no terraço e no logradouro voltados para sul, do prédio dos Réus (CC e DD), eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de recepção até à conduta pública existente na estrada municipal. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 28)

29 - O referido tubo sempre exerceu, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus (CC e DD). 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 27)

30 -  Todas as águas que caíam na água do telhado voltada para sul, no terraço e no logradouro voltados para sul, do prédio dos Réus (CC e DD) eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de recepção até à conduta pública existente na estrada municipal. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 48)

31 - O referido tubo sempre exerceu, há mais de 20 e 30 anos, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus (CC e DD). 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 47)

32 - Os Réus (CC e DD), por si e antecessores, decorridos que são mais de 20 e 30 anos, têm usado e fruído das utilidades proporcionadas pelo referido tubo para escoamento e transporte das referidas águas pluviais em direção à conduta de saneamento pública. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 50)

33 - Há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, dia após dia, noite após noite, as referidas águas da chuva são conduzidas pelo referido tubo que atravessa o prédio dos Autores (AA e mulher, BB) em direção à caixa de recepção existente na conduta pública. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 51)

34 - O referido nos factos provados enunciados sob os números 30 a 33 tem sido levado a cabo pelos Réus (CC e DD), e antecessores, sem qualquer interrupção até hoje, de dia e de noite, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com ânimo de únicos e exclusivos titulares do direito de servidão de aqueduto e/ou escoamento.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 52)

35 - Antes da realização destas obras com vista ao escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos Réus (CC e DD), o escoamento era efectuado através de um orifício no muro de divisão das duas propriedades; e, assim, as águas escoavam para o prédio dos Autores (AA e mulher, BB). 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 53)

36 - Há cerca de 20 anos, os antepossuidores do prédio melhor identificado no facto provado enunciado sob o número 6 - a Ré (CC) e o ex-marido, EE - procederam à cobertura, em chapas de amianto, do logradouro voltado para o lado sul.        
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 29)

37 - Em consequência dessa cobertura, as águas provindas do terraço situado ao nível do primeiro andar, em vez de descerem em tubo para o logradouro, passaram a cair sobre a referida cobertura, e daí eram recebidas por caleiro e tubo descendente, com destino à caixa de recepção.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 30)

38 - Em Junho de 2019, a Ré (CC) procedeu à substituição das chapas de amianto por chapas do tipo “painel sandwich”, tendo mantido a mesma metodologia de recepção e transporte das águas pluviais. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 31)

39 - Em momento temporal coincidente, o Réu (DD) procedeu à cobertura do terraço situado ao nível do primeiro andar e voltado para o lado sul, mediante a colocação de uma estrutura em ferro dotada de cobertura em chapas do tipo “painel sandwich”. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 32)

40 - A referida cobertura recebe as águas da chuva provindas do telhado e as águas da chuva que caíam sobre o terraço, águas essas que são rececionadas por um caleiro dotado de um tubo descendente, que as encaminha para a cobertura existente sobre o logradouro. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 33)

41 - Dessa cobertura, são encaminhadas para a caixa de recepção e tubo de escoamento e transporte, com destino à conduta pública referida no facto provado enunciado sob o número 24. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 34)

42 - Sem que nada o fizesse prever, após a obra de cobertura do terraço do primeiro andar, os Autores (AA e mulher, BB) obstruíram o tubo referido no facto provado enunciado sob o número 24, na parte em que este ocupa o seu logradouro.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 35)

43 - O tubo em pvc referido no facto provado enunciado sob o número 24 encontra-se obstruído a cerca de 1,50m da referida caixa colectora e numa área já correspondente ao logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 36)

44 - O tubo em pvc referido no facto provado enunciado sob o número 24 encontra-se obstruído no logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB), a cerca de 0,90m do muro de vedação dos dois prédios.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 37)

45 - Em consequência da referida obstrução, as águas das chuvas acumularam-se no logradouro privativo da fracção ... e, inexistindo qualquer outra saída ou canal de escoamento, foram formando um lençol de água, que rapidamente foi ganhando volume e inundou o ... da fracção .... 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 39)

46 - Em absoluto estado de desespero e necessidade, e nada mais podendo fazer para evitar a continuação da inundação da fracção ..., a Ré (CC) mandou proceder à abertura de um orifício no muro de vedação, ao nível da cota do pavimento, com vista a drenar a água acumulada no logradouro e no .... 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 40)

47 -  Em consequência de tal abertura, a água concentrada no logradouro e no ... escapou-se para o logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 41)

48 - Desde a data em que os Autores (AA e mulher, BB) obstruíram o tubo de escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos Réus (CC e DD) e que ocupa a parte subterrânea do seu logradouro, as águas pluviais são todas encaminhadas para o logradouro do seu prédio.
 (facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 42)

49 - O encaminhamento das águas pluviais referidas no facto anterior é feito através do buraco aberto pela Ré (CC), com cerca de 0,50mx0,20m, no muro de vedação que separa ambos os prédios.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 43)

50 - Desde a abertura deste buraco que as águas pluviais que caem nas coberturas do prédio dos Réus (CC e DD) e respectivas frações, e que eram encaminhadas pelo tubo referido no facto provado enunciado sob o número 24, são agora escoadas através do buraco referido nos factos provados enunciados sob os números 40, 42 e 43.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 44)

51 - Em consequência da referida obstrução, as águas das chuvas acumularam-se no logradouro privativo da fracção ... e, inexistindo qualquer outra saída ou canal de escoamento, foram formando um lençol de água, que rapidamente foi ganhando volume e inundou o ... da fracção ..., molhando os seus tapetes e pavimento.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 54)

52 - Na sequência da conduta dos Autores (AA e mulher, BB) e de acções em que são visados por eles - como alegados responsáveis de conduta ilícita que lhes é imputada -, os Réus (CC e DD) sofreram arrelias, nervos e ansiedade.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 55)
*
4.1.3. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou que não «se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes» (aqui apenas reidentificados, com «’», para melhor se distinguirem da enumeração dos factos provados):

1’ - No mês de Novembro de 2019, com o aumento da pluviosidade, grandes quantidades de águas pluviais invadiram e inundaram, mais uma vez, o prédio dos Autores (AA e mulher, BB).

2’ - As águas pluviais entraram no ... da casa dos Autores (AA e mulher, BB), que serve de garagem e de arrecadação, danificando a instalação eléctrica, bem como uma máquina de lavar, cujo valor ascende à quantia de € 270,00.

3’ - As águas pluviais invadiram um estábulo para animais, provocando o afogamento de dois cabritos que aí se encontravam, cujo preço era de € 100,00.
 
4’ - Todas as restantes águas pluviais escorreram ao longo do logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB) para o seu quintal, destruindo as suas plantas hortícolas.

5’- Para além dos danos patrimoniais acima referidos, no valor de € 370,00, a invasão da sua propriedade dos Autores (AA e mulher, BB) pelas águas pluviais causa-lhes grandes incómodos e tristeza.

6’ - Os Autores (AA e mulher, BB) são obrigados a usar galochas de cano alto para se poderem deslocar dentro da sua propriedade.

7’ - Na sequência da inundação da sua fracção ..., após a obstrução do tubo de escoamento identificado no facto provado enunciado sob o número 24, a Ré (CC) sofreu um prejuízo no montante de € 2.500,00.  
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto
4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art.º 607.º, do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art.º 662.º representa uma clara evolução [face ao art.º 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art.º 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [18] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
 «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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4.2.2.3. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
Concretizando, considera-se que os Recorrentes (Autores) cumpriram grosso modo o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).

Com efeito, os Recorrentes (Autores) indicaram: no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso, os concretos pontos de facto que consideravam incorrectamente julgados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 25, 26, 27, 28, 34, 35, 36, 37, 38, 45, 46, 51, 52, 53 e 54); e no corpo das alegações, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação da prova pericial e do depoimento da testemunha EE), as exactas passagens das gravações do depoimento seleccionado para fundar a sua sindicância (que inclusivamente reproduziram), e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 25, 26, 27, 28, 34, 35, 36, 37, 38, 45, 46, 51, 52, 53 e 54).

Precisa-se, face nomeadamente às contra-alegações dos Réus (CC e DD), que, servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos que constem de forma explícita na motivação do recurso.
Com efeito, importa distinguir: um ónus primário, que contende com a delimitação do objecto do seu recurso e,  por isso, exige que nas respectivas conclusões seja indicada a matéria de facto impugnada (limitando desse modo o recurso, e inexoravelmente, a sindicância da matéria de direito); e ónus secundários, que contendem com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, do CPC, permitindo, por isso, que se deixe omissa nas conclusões de recurso (e ao contrário do que, prévia e imperativamente, se tenha feito no corpo das respectivas alegações) a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida e das exactas passagens da gravação que o fundariam.
Compreende-se que assim seja, já que, nesta segunda situação, a impugnação da matéria de facto - bem ou mal feita - faz parte do objecto do recurso [19]; e «o prazo de interposição do recurso é pela lei fixado em função do modo como o recorrente concebe o respectivo objecto» (Ac. da RG, de 07.04.2016, José Amaral, Processo n.º 4247/10.3TJVNF.G1).
Tendo a jurisprudência sufragado maioritariamente ente entendimento [20], viu o mesmo ser consagrado no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Outubro de 2023, onde se lê que: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações» [21].

Precisa-se ainda que os Autores (AA e mulher, BB) apenas excluíram do cumprimento do ónus de impugnação já explicitado os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 45 («As águas pluviais que caem na habitação dos Autores são recolhidas por caleiros, que as conduzem a quatro tubos de queda de água, que as conduzem para o logradouro pavimentado e para o seu jardim») e sob o número 54 («Em consequência da referida obstrução, as águas das chuvas acumularam-se no logradouro privativo da fracção ... e, inexistindo qualquer outra saída ou canal de escoamento, foram formando um lençol de água, que rapidamente foi ganhando volume e inundou o ... da fracção ..., molhando os seus tapetes e pavimento»), relativamente aos quais nada consta no corpo das alegações do seu recurso, quanto à respectiva sindicância.
Crê-se, mesmo, que a indicação daquele primeiro facto nas conclusões do dito recurso terá resultado de um lapso, já que a matéria que dele consta é absolutamente irrelevante para a pretendida alteração da sentença recorrida.
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Já relativamente ao juízo crítico próprio dos Recorrentes (Autores), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer da prova pericial e do depoimento da testemunha EE.
Recorda-se, a propósito, que os art.ºs 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente as declarações e os depoimentos escolhidos, e examinou a prova pericial e/os documentos selecionados, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
No caso dos autos, os Recorrentes (Autores) reiteraram sobretudo as considerações já antes expendidas nas suas alegações finais, concluindo (subjectivamente) pela suficiência da prova produzida para o sucesso da respectiva tese.
Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação [22].
Está, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art.º 640.º, do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pelos Autores (AA e mulher, BB), aqui recorrentes (à excepção, como já se referiu, dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 45 e 54).
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4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto
4.3.1. Tubo subterrâneo de condução de águas pluviais
Vieram os Recorrentes (Autores) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a colocação, sob o seu logradouro, de um tubo subterrâneo de escoamento de águas pluviais provenientes do prédio dos Réus (CC e DD), direcionando-as para uma conduta pública de águas pluviais, bem como o seu funcionamento - ininterrupto, público e pacífico - há mais de vinte anos, substituindo um anterior orifício que existiria no muro de vedação das suas propriedades.
Esta matéria encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob: o número  25 («Dessa caixa colectora, localizada a escassos centímetros do muro de vedação do lado sul do prédio dos Réus, segue subterreamente um tubo em PVC, que atravessa o jardim e o logradouro da fracção dos Autores até atingir a estrada municipal, desembocando numa conduta de águas pluviais que segue o trajeto dessa mesma estrada, onde é visível à entrada do prédio dos Autores uma caixa ou óculo de visita»);  o número  26 («O referido tubo de escoamento e/ou transporte das águas pluviais identificado no facto provado enunciado sob o número 25 foi colocado aquando da construção da habitação dos Autores, com o seu conhecimento e autorização, dado que trespassa o logradouro do seu prédio até à via pública»); o número  27 («O referido tubo sempre exerceu, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus»); o número  28 («Todas as águas que caíam na água do telhado voltada para sul, no terraço e no logradouro voltados para sul, do prédio dos Réus, eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de recepção até à conduta pública existente na estrada municipal»);  o número  34 («Dessa cobertura, são encaminhadas para a caixa de recepção e tubo de escoamento e transporte, com destino à conduta pública referida no facto provado enunciado sob o número 25»);  o número  38 («No logradouro do prédio dos Autores, encontra-se o tubo identificado no facto provado enunciado sob o número 25, enterrado a mais de um metro de profundidade»);  o número  46 («O referido tubo de escoamento e/ou transporte identificado no facto provado enunciado sob o número 25 foi enterrado, há mais de 20 e 30 anos, naquele local pelo extinto casal EE e CC, com autorização expressa dos então donos do prédio confinante, FF e mulher, GG (antepossuidores dos aqui Autores)»);  o número  51 («Há mais de 20 e 30 anos, ininterruptamente, dia após dia, noite após noite, as referidas águas da chuva são conduzidas pelo referido tubo que atravessa o prédio dos Autores  em direção à caixa de recepção existente na conduta pública»);  o número  52 («O referido nos factos provados enunciados sob os números 47 a 51 tem sido levado a cabo pelos Réus, e antecessores, sem qualquer interrupção até hoje, de dia e de noite, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com ânimo de únicos e exclusivos titulares do direito de servidão de aqueduto e/ou escoamento») e o número  53 («Antes da realização destas obras com vista ao escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos Réus, o escoamento era efetuado através de um orifício no muro de divisão das duas propriedades e, assim, as águas escoavam para o prédio dos Autores»). 
Estranha-se, porém, que não tenham sido igualmente sindicados pelos Autores (AA e mulher, BB) outros factos provados que reafirmam categoricamente a existência e funcionamento do dito tubo subterrâneo de águas pluviais (o que os mesmos contestam no seu recurso) [23].

Invocaram os Autores (AA e mulher, BB), para a sua sindicância, uma indevida valorização da perícia realizada nos autos e do depoimento da testemunha EE (ex-marido da Ré e avô materno do Réu).
Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Autores).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes):
«(…)
Os depoimentos dos autores foram suficientemente esclarecedores do animus com que pleiteiam e da mentira que escondem.
Vejamos porquê:
No essencial, os autores afirmaram que as coberturas que os RR recentemente colocaram nos seus logradouros retêm mais águas das chuvas e essa água é agora derivada para o seu prédio por um orifício que os RR fizerem no muro de delimitação entre os dois prédios.
Acrescentam ainda que as coberturas que os réus colocaram nos logradouros das suas frações fazem derivar “mais” água para o seu prédio, causando inundações no seu prédio e danos nos seus bens.
Por fim, em desabono da tese inscrita na contestação/reconvenção, afirmaram, confirmaram e reiteraram que no seu logradouro/jardim não existe qualquer tubo que conduza as águas pluviais que caem nas coberturas do prédio dos RR. para a rede pública de saneamento.
Acontece que esta última afirmação dos autores é mentirosa e prejudica irremediavelmente qualquer vantagem que os mesmos pretendiam obter com a presente ação. 
Com efeito, conforme resulta do relatório pericial apresentado pelo Sr. Perito (destacando-se a última inspeção efetuada pelo Sr. Perito), é indiscutível a existência de um tubo subterrâneo que onera o logradouro dos autores, proveniente do logradouro da fração ... da R. e que permite o escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos RR até à conduta pública de esgotos existentes na via pública.
Note-se que quando confrontados com esta única verdade, os autores negaram expressamente que no seu logradouro exista qualquer tubo subterrâneo que permita o escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos RR. para a rede de esgotos que existem na via pública.
Ainda em desabono desta tese temerária dos autores, importa realçar que esta estrutura de escoamento das águas pluviais que caem nas coberturas do prédio dos RR, nunca podia ter sido construída à revelia dos autores, pois ocupa e onera com um tubo subterrâneo e com uma caixa de visita o seu logradouro.
Acresce que essa caixa de visita também recebe os esgotos da habitação dos autores, ou seja, a existência desse sistema de escoamento das águas pluviais que onera o logradouro do seu prédio não só não é do desconhecimento dos autores com foi executada pelos autores. – cfr. último relatório apresentado pelo Sr. Perito.
Neste contexto, confrontando a mentira dos autores com o teor do relatório pericial, podemos, desde já, ajuizar pela indiscutível existência do sistema de escoamento de águas pluviais que caem no prédio dos RR, nos termos por estes descritos na douta contestação/reconvenção.
Note-se, mais uma vez e desabono das inverdades propaladas pelos autores aquando do seu depoimento de parte, esse sistema de escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos RR está devidamente evidenciado no relatório pericial apresentado no passado dia 28-02-2022 e 23-05-2023.
Confirmada, assim, a existência do sistema de escoamento de águas descrito pela R em depoimento de parte e confirmado pelo relatório apresentado pelo Sr. Perito, importa agora dizer, atentas as declarações do autor, que esse sistema de escoamento foi construído há mais de 20 anos.
E dizemos que esse sistema de escoamento já existe há mais de 20 anos porquanto existe um tubo em PVC que está lidado à caixa de esgotos da habitação dos AA e esta habitação foi construída, como afirmou o autor, há mais de 20 anos (“comecei em 1987 e 2000”- sic:).
Neste contexto, ou seja, da conjugação do depoimento de parte do autor com o teor do relatório pericial que descreve as obras executadas no logradouro para permitir o escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos RR., tem mais de 20 anos e sempre exerceu a sua função até ao seu, também indiscutível, porque confirmado pelo Sr. Perito no seu relatório, entupimento.
Assim, atento o quadro probatório supra evidenciado, temos como indiscutível que existe um sistema de escoamento das águas pluviais que caem nas frações dos RR que onera o logradouro do prédio dos AA.; que os autores construíram a sua habitação e vedaram o seu prédio há mais de 20 anos; que os autores não podem desconhecer a existência do sistema de  escoamento das águas pluviais que caem nas frações dos RR, porquanto essa estrutura está conectada à caixa de esgotos da habitação dos AA.; que o sistema de escoamento das águas pluviais que caem nas frações dos RR integra o sistema de esgotos da habitação dos AA; e que a construção da habitação dos AA e respetivo sistema de esgotos existe há mais de 20 anos.
Note-se, mais uma vez, que estas verdades resultaram apenas da conjugação dos depoimentos dos autores com o relatório pericial junto aos autos.
Mas se dúvidas existissem desta realidade, as mesmas foram categoricamente dissipadas pelo depoimento da testemunha EE.
Com efeito, esta testemunha, de um modo espontâneo, desinteressado e coerente com o relatório pericial junto aos autos, asseverou que na sequência de um pedido do autor, há vários anos, mas ainda quando estava casado com a ré e habitava o respetivo prédio dos RR., aceitou canalizar as águas pluviais que caiam no então seu prédio, através de um tubo em PVC que ligava uma caixa de escoamento de águas existente no logradouro da então sua habitação a uma caixa de esgotos existente no logradouro do prédio dos AA..
Note-se, mais uma vez e em abono da já identificada mentira dos autores, que esta testemunha afirmou categoricamente que essa obra de desvio das águas pluviais que caem no prédio dos RR não só existe por causa de um pedido do autor, como até foi executada com a sua ajuda.
Por fim, esta testemunha também disse que esta obra executada a pedido dos autores, teve com o único fito evitar o escoamento das águas através de um orifício que existia no muro que devia as propriedades.
(…)»

Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, bem como compulsado o teor da prova pericial junta aos autos, afirma-se desde já que se sufraga o juízo de prova do Tribunal a quo, apenas com a correcção do que se consideram terem sido manifestos lapsos de escrita seus, bem patentes quando se confrontam os diversos factos provados e o seu juízo crítico quanto aos mesmos.
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Com efeito, e começando pelos referidos e manifestos lapsos, resulta, quer do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 26, quer da fundamentação do juízo probatório do Tribunal a quo, que o tubo em pvc que atravessa o jardim e o logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB) foi aí colocado, não só com os seus conhecimento e autorização, mas inclusivamente a seu pedido, por forma a que o escoamento das águas pluviais deixasse de ser feito através do orifício existente no muro de divisão das duas propriedades.
Deverá, assim, ser alterada a redacção do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 46.

Resulta igualmente, quer do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 50, quer da fundamentação do juízo probatório do Tribunal a quo, que a condução das águas pluviais provenientes do prédio dos Réus (CC e DD), feita pelo tubo em pvc que atravessa o jardim e o logradouro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB), dirige-se para a caixa de saneamento de esgotos dos mesmos e desta para a conduta de saneamento de esgotos pública, e não para qualquer conduta de águas pluviais.
Deverá, assim, ser alterada a redacção do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25.
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Prosseguindo, e considerando agora o teor da prova pericial, resulta indiscutivelmente da mesma que: no logradouro dos Réus (CC e DD) «existe apenas um ponto de recolha de água constituído por uma pequena caixa coletora em PVC embutida no pavimento», aparentando ambos «ter já vários anos»; «a água recolhida na caixa coletora de águas é conduzida através de um tubo de PVC, com diâmetro de 90 mm, que se prolonga para lá do muto de vedação (prolonga-se para dento do prédio dos Autores)»; estima-se «em 1,5 m o comprimento do tubo de PVC proveniente do logradouro do prédio dos Réus no interior do prédio dos Autores»; no «prédio dos Autores existe um coletor privativo, enterrado, que efetua a recolha dos esgotos da moradia e os conduz a uma caixa da rede pública de saneamento que se encontra na Rua ..., em frente do prédio»; pela «direção do tubo de PVC, e de acordo com as indicações do Autor, Sr. AA, deduz-se que o referido coletor privado passa enterrado no jardim existente no logradouro frontal da moradia, no topo norte desse logradouro, próximo da confrontação com o logradouro dos Réus»; não «foi identificada qualquer outra tubagem situada próximo do logradouro do prédio dos Réus, nessa zona do prédio dos Autores», tendo o «Sr. AA» informado «não existir mais qualquer tubagem nesse local».
O Perito, do que viu, ouviu e testou no local, concluiu que: «existiu ligação da caixa coletora de águas existente no logradouro do prédio dos Réus, através do tubo de PVC com diâmetro de 90 mm que se prolonga para o interior do prédio dos Autores»; «essa ligação se encontrava efetuada a esse tubo de 125 mm que conduz os esgotos da moradia à caixa da rede pública de saneamento»; e, desse modo, as «águas provenientes do logradouro do prédio dos Réus, após a passagem pelo tubo de PVC com 90 mm, percorrem, posteriormente, cerca de 14 m do coletor privativo do prédio dos Autores até ao limite do prédio».

Dir-se-á ainda que, tendo os Autores (AA e mulher, BB) vindo reclamar do relatório pericial, não sindicaram o seu conteúdo, mas apenas o facto de, tendo «no seu requerimento da perícia» pretendido «ver esclarecido por via daquele meio de prova, várias matérias», não lhes ter «o Sr. Perito» respondido, «inteira ou parcialmente».
Tais matérias não têm, porém, qualquer relação com a existência, ou inexistência, e funcionamento do tubo de pvc de escoamento de águas pluviais provenientes do prédio dos Réus (CC e DD) antes referido, mas sim com as novas coberturas (do logradouro e do terraço do primeiro andar), e seus efeitos, colocadas no dito prédio.
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Prosseguindo novamente, e agora considerando a prova pessoal produzida nos autos, quer o depoimento de parte da Ré (CC), quer o depoimento da testemunha EE (que foi seu marido e construtor do edifício que hoje é dela e do Réu, neto de ambos) se mostraram inteiramente conformes com o teor da prova pericial.
Explicaram ambos, de forma segura e coerente entre si, que inicialmente a drenagem das águas pluviais que caíam no seu prédio se fazia, por gravidade, para o prédio que seria depois dos Autores (AA e mulher, BB); e, uma vez levantado o muro de vedação entre ambos, se fazia por um orifício deixado para esse efeito no dito muro.
Mais esclareceram que foi o Autor (AA) quem, posteriormente (na altura da construção da sua própria moradia), lhes pediu que as ditas águas pluviais fossem escoadas através do seu prédio por meio de um tubo de pvc, enterrado, com ligação à sua caixa de saneamento, sendo depois conduzidas ao colector público de esgotos; e que foi também o Autor (AA) quem lhes facultou o acesso ao seu prédio, quem lhes indicou a localização da caixa colectora de esgotos própria e quem, inclusivamente, os ajudou na execução de tais trabalhos.
Esclareceram ainda que, só quando em 2019 a Ré (já divorciada) e o Réu decidiram substituir a cobertura do seu logradouro sul e construir outra sobre o terraço do primeiro andar, é que os Autores (AA e mulher, BB) obstacularam à drenagem de águas pluviais que sempre tinha sido feita das duas sucessivas formas indicadas.
Recorda-se, a propósito, que os Autores (AA e mulher, BB) defenderam, nos seus articulados e em sede de audiência de julgamento, que tais coberturas retêm, e fazem derivar para o seu próprio prédio, mais água das chuvas do que anteriormente (o que a perícia, porém, não corroborou), causando inundações no mesmo e danos nos seus bens (o que igualmente não se provou em julgamento, sem posterior sindicância sua, no recurso em apreciação).
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Atendendo agora às regras da experiência, e tendo a perícia constactado a existência de um tudo em pvc ligado à caixa de recolha de águas pluviais instalada no prédio dos Réus (CC e DD), junto ao muro de vedação com o prédio dos Autores (AA e mulher, BB),  prosseguindo o mesmo em direcção - e já atravessando - este último prédio, será expectável que esta obra humana tenha sido feita com o propósito que ela própria evidencia, isto é, drenagem de águas pluviais.
Dir-se-á ainda que só com o consentimento e autorização dos Autores (AA e mulher, BB), já então proprietários do prédio contíguo ao dos Réus (CC e DD), seria possível enterrar um tubo no seu jardim e logradouro e ligá-lo ao seu colector privativo de esgotos, cuja localização em princípio só eles próprios conheceriam.
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Face a esta plúrima e coerente prova, e à verosímil e expectável versão da realidade que retrata, restou apenas aos Autores (AA e mulher, BB) a singela negação do seu resultado (por meio dos depoimentos que prestaram), sem qualquer arrimo noutra prova que sustentasse a dita negação; e não deixando, porém, os mesmos de então esclarecerem que a respectiva moradia foi construída há mais de vinte anos.
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Dir-se-á, assim, que a prova efectivamente produzida nos autos, e que permitiu ao Tribunal a quo dar como provados os factos enunciados na sentença recorrida sob os números 25 (com a rectificação/alteração já referida supra), 26, 27, 28, 34, 38, 46 (com a rectificação/alteração já referida supra), 51, 52 e 53, não foi suficientemente abalada pela invocada pelos Recorrentes (Autores), isto é, não conseguiu esta última tornar sequer duvidosa aquela factualidade, nos termos do art.º 346.º, do CC.

Dir-se-á, por fim, que ainda que subsistisse alguma dúvida residual quanto a esta concreta factualidade - que para este Tribunal ad quem não existe - face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609, com bold apócrifo).
Recorda-se, ainda, que, de acordo com os art.ºs 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, ambos do CPC, a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta.
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Deverá decidir-se em conformidade, julgando nesta parte improcedente o recurso sobre a matéria de facto; e, em consequência, mantendo-se o juízo probatório do Tribunal a quo, quanto aos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 25, 26, 27, 28, 34, 38, 46, 51, 52 e 53, sem prejuízo de se rectificar a redacção dos ali referidos sob os números 25 e 46.
Passará, assim, e respectivamente, a ler-se nos mesmos:

24 - Dessa caixa colectora, localizada a escassos centímetros do muro de vedação do lado sul do prédio dos Réus (CC e DD), segue subterreamente um tubo em pvc, que atravessa o jardim e o logradouro da fracção dos Autores (AA e mulher, BB) até atingir a estrada municipal, desembocando numa conduta pública de saneamento que segue o trajeto dessa mesma estrada, onde é visível à entrada do prédio dos Autores uma caixa ou óculo de visita. 
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 25)

26 - O referido tubo de escoamento e/ou transporte identificado no facto provado enunciado sob o número 24 foi enterrado, há mais de 20 e 30 anos, naquele local pelo extinto casal EE e CC, não só com autorização expressa dos donos do prédio confinante, os aqui Autores, como inclusivamente a pedido dos mesmos, por forma a que o escoamento das águas pluviais deixasse de ser feito através de um orifício existente no muro de divisão das duas propriedades.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 46)
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4.3.2. Obstrução pelos Autores do tubo subterrâneo (de condução de águas pluviais)
Vieram ainda os Recorrentes (Autores) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a obstrução, por si, do tubo subterrâneo de escoamento de águas pluviais provenientes do prédio dos Réus (CC e DD), cuja existência tinham previamente negado.
Esta matéria encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob: o número 35 («Sem que nada o fizesse prever, após a obra de cobertura do terraço do primeiro andar, os Autores obstruíram o tubo referido no facto provado enunciado sob o número em 25, na parte em que este ocupa o seu logradouro»); o número 36 («O tubo em pvc referido no facto provado enunciado sob o número em 25 encontra-se obstruído a cerca de 1,50m da referida caixa coletora e numa área já correspondente ao logradouro do prédio dos Autores»); e o número  37 («O tubo em pvc referido no facto provado enunciado sob o número em 25 encontra-se obstruído no logradouro do prédio dos Autores, a cerca de 0,90m do muro de vedação dos dois prédios»). 
Estranha-se, porém, que não tenha sido igualmente sindicado pelos Autores (AA e mulher, BB) outro facto provado que reafirma categoricamente a obstrução, por si, do dito tubo [24].

Invocaram os Autores (AA e mulher, BB), para a sua sindicância, a mesma indevida valorização da perícia realizada nos autos e do depoimento da testemunha EE (ex-marido da Ré e avô materno do Réu).
De novo se começa por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pelos Recorrentes (Autores).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes):
«(…)
Confirmada, assim, a existência desse tubo subterrâneo no logradouro do prédio dos AA., temos igualmente como indiscutível, atento o teor do relatório pericial e o depoimento de parte da ré, que esse tubo foi obstruído pelos autores (únicas pessoas que podem aceder a à zona onde esse tubo subterrâneo está obstruído).
Por seu lado, escusado será evidenciar que esta obstrução, como resulta do relatório pericial e das regras de experiência 30 comum, impede o escoamento das águas pluviais provenientes do prédio dos RR. através do tubo em PVC que existe no logradouro do prédio dos AA.
(…)»

Ora, afirma-se desde já que se sufraga o juízo de prova do Tribunal a quo.
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Com efeito, e começando pelo teor da prova pericial, resulta indiscutivelmente da mesma que, para «verificar o escoamento de água através do tubo» foi «efetuado um pequeno ensaio, com auxílio de uma mangueira, tendo-se verificado que o tubo encheu rapidamente (menos de 2 minutos), e que se manteve cheio durante o período em que decorreu a inspeção - constata-se, assim, que o tubo se encontra obstruído».
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Prosseguindo novamente, e agora considerando o depoimento de parte da Ré (CC), confirmou a mesma que, quando efectuava as obras de substituição da cobertura do logradouro do seu prédio, bem como as obras de cobertura do terraço do seu primeiro andar, o Autor (AA) anunciou desde logo que iria obstruir o tubo subterrâneo de drenagem de águas pluviais existente sob os seus jardim e logradouro; e que, de facto, o fez, como constactaram posteriormente, quando choveu, mercê da falta de drenagem das ditas águas (de forma inédita, considerando a sua prévia instalação e funcionamento).
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 Atendendo agora às regras da experiência, situando-se o dito tubo de drenagem de águas pluviais nos jardim e logradouro dos Autores (AA e mulher, BB), neles enterrado, só estes saberiam a sua exacta localização e teriam acesso ao mesmo.
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Face a esta plúrima e coerente prova, e à verosímil e expectável versão da realidade que retrata, restou novamente aos Autores (AA e mulher, BB) a singela negação do seu resultado (por meio dos depoimentos que prestaram), sem qualquer arrimo noutra prova que sustentasse a dita negação.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando também nesta parte improcedente o recurso sobre a matéria de facto; e, em consequência, mantendo-se o juízo probatório do Tribunal a quo, quanto aos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 35, 36 e 37.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Escoamento de águas pluviais
5.1.1. Escoamento natural de águas pluviais (servidão imprópria fluminis recipiendi)
Lê-se no art.º 1305.º, do CC, que o «proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
Logo, sem prejuízo da afirmação da natureza exclusiva do direito de propriedade (o proprietário pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, nomeadamente de usarem e fruírem a coisa sua, ou de praticarem actos que afectem o exercício do direito de propriedade dele próprio sobre ela), inclui-se na sua definição, como elemento normal, os limites resultantes da lei para o gozo do proprietário (enfatizando a função social do direito sujectivo, que não pode ser exercido de forma absoluta, desligado do quadro social que o outorga e reconhece).
Um desses limites, de natureza privada, é o que resulta de relações de vizinhança [25].

Mais se lê, no 1351.º, do CC (sob a epígrafe «Escoamento natural das águas»), que os «prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente» (n.º 1); e nem «o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida» (n.º 2).
«A própria natureza impõe que as águas escoem dos prédios superiores para os inferiores, sem o que aqueles ficariam submersos e inutilizados para os fins primaciais a que se destinam». Ora, as «águas pluviais que caem directamente sobre qualquer prédio podem ser livremente ocupadas ou usufruídas pelo dono do dito prédio, o qual pode abrir em parede divisória buracos para o escoamento» (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, págs. 403 e 435).

Está-se, assim, perante uma restrição ao direito de propriedade (já que o proprietário do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente para o seu prédio), que é imposta directamente por lei (não derivando de qualquer acto constitutivo, como sucede com as servidões, que constituem um encargo excepcional) [26]; e cujo âmbito inclui as águas pluviais, as águas provenientes da liquefação das neves e gelos, as que se infiltram no terreno e as das nascentes que brotam naturalmente num prédio [27].
Exige-se, porém, para este efeito que as águas fluam do prédio superior para o prédio inferior naturalmente, isto é, sem qualquer intervenção ou acção humana (v.g. sem a realização de qualquer obra de derivação ou condução das águas) [28].
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5.1.2. Escoamento não natural (condicionado) de águas pluviais
5.1.2.1. Servidão de escoamento (em sentido próprio)
Existindo a realização de obras de derivação ou condução de águas, poderá então haver lugar à constituição forçada de uma servidão de escoamento (excluindo, do mesmo passo, a aplicação do art.º 1351.º, do CC).
Lê-se, a propósito, no art.º 1563.º, n.º 1, do CC, que a mesma «é permitida, precedendo indemnização do prejuízo», quando: «por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio»; «se pretenda dar direcção definida a águas que seguiam o seu curso natural»; em «relação às águas provenientes de gaivagem, canos falsos, valas, guarda-matos, alcorcas ou qualquer outro modo de enxugo de prédios»; ou «haja concessão de águas públicas, relativamente às sobejas».
Precisa-se que o «escoamento das águas torna-se indispensável, sempre que no prédio existam águas sobejas, quer estas provenham duma corrente ou das chuvas, quer tenham brotado no solo por obra do homem, quer também tenham sido conduzidas doutro prédio» [29]. Reitera-se, porém, que a «servidão de escoamento pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das águas ou que provoquem a derivação de águas que tenderiam a ficar estagnadas no prédio dominante»  (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 660, com bold apócrifo) [30].
Contudo, e de acordo com o n.º 4, do mesmo art.º 1563.º, do CC, só «estão sujeitos à servidão de escoamento os prédios que podem ser onerados com a servidão legal de aqueduto».

Lê-se, então, no  art.º 1561.º, n.º 1, do CC, a propósito da servidão de aqueduto, que, em «proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente».
Estende-se, assim, à servidão de escoamento a protecção especial de que gozam «quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação» [31]: evita-se, «aqui, o devassamento da propriedade e violação da intimidade familiar alheia», já que é sabido «que aquelas glebas de terreno são, por via de regra, destinadas a usos particulares de prazer, recreio e exploração agrícola ou similar», defendendo-se «a utilidade pessoal que as pessoas delas retiram (valor estimativo, de descano, mais valia, etc.)» (José Cândido de Pinho, As Águas no Código Civil. Comentário. Doutrina, Jurisprudência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2005, págs. 263).
Contudo, o «regime de isenção da constituição da servidão supõe que, habitualmente, o prejuízo da passagem de uma servidão de presa através deste tipo de prédios, porque contíguos a prédios destinados a habitação, é superior à vantagem que resulta da servidão para o titular do prédio beneficiado». Admite-se, porém, que, «na prática pode dar-se precisamente o caso contrário, verificando-se que a vantagem que a servidão de águas constitui para o prédio a beneficiar é superior ao sacrifício imposto ao prédio afetado, ainda que seja um quintal, jardim ou terreiro contíguo a prédio urbano. Nestes casos, há que proceder à redução teleológica da norma constante da antepenúltima parte do n.º 2 do art. 1560.º, sujeitando o prédio à servidão» (Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 434, com bold apócrifo).
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5.1.2.2. Servidão de estilicídio
Lê-se no art.º 1365.º, n.º 1, do CC, que o «proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo».
Está-se perante uma nova limitação legal do direito de propriedade, desta feita do proprietário do prédio telhado ou com outra cobertura; mas, uma vez respeitada (nomeadamente, a distância entre ambos os prédios contíguos), o proprietário do prédio para onde goteja a água da chuva terá de a receber: o «espaço de cinco decímetro fixado por lei foi o que se considerou necessário para conciliar os interesses conflituantes dos proprietários vizinhos», já que, «caindo as águas directamente no prédio superior, elas infiltram-se no respectivo terreno ou espraiam-se por toda a sua superfície e, por virtude disso, quando atingem os prédios inferiores não lhes causam já os mesmos prejuízos que originariam, se aí caíssem directamente»  (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 228, com bold apócrifo).
Precisa-se, porém, que «a expressão “gotejar” usada pela lei é meramente exemplificativa pois o que se quis dizer é que a água corra naturalmente da cobertura do prédio superior, não sendo necessário que pingue gota a gota» (Ac. da RP, de 21.12.2000, Pires Condesso, Processo n.º 0031207). Compreende-se, por isso, que se afirme «que a distinção entre gotejamento e escoamento, entre gotejamento e desaguamento ou entre gotejamento e condução das águas (…) é uma distinção artificial e que em momento algum poderia funcionar como argumento para sustentar a desaplicação do artigo 1365.º do CC» (Ac. do STJ, de 14.07.2021, Catarina Serra, Processo n.º 33/15.2T8ALD.C1.S1).

Contudo, lê-se no n.º 2, do mesmo art.º 1365.º, que, constituída «por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante».
Dir-se-á que, tendo o legislador pretendido evitar o estilicídio (isto é, o gotejamento da cobertura para o prédio vizinho), «pelo respeito de um intervalo de meio metro - se não houver alternativa (obviamente, o processo normal de evitar o gotejamento não é esse intervalo, mas sim a construção de algerozes)», admite, porém, que se possa «consolidar uma situação de violação da regra legal, por meio da constituição de uma “servidão de estilicídio”, sempre que a situação em causa se prolongue pelo prazo de usucapião» (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Principia, pág. 100).
Considera-se, assim, ser uma servidão de estilicídio aquela que «consiste no direito de escoar a água pluvial caída dos telhados ou outra cobertura sobre prédio alheio»; e reveste «duas modalidades: a servitus stillicidii recipiendi propriamente dita, quanto a água cai directamente no prédio vizinho gota a gota (gutatim) e a servitus fluminis recipiendi, que tem por objecto o escoamento de água por meio de canos ou caleiras (fumen) antes de cair no terreno alheio» (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 438, com bold apócrifo).
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5.1.3. Servidão predial - Constituição
5.1.3.1. Definição
Precisando, então, o conceito de servidão predial, lê-se no art.º 1543.º, do CC, que a mesma «é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia».
Logo, compreende-se que se afirme que são «quatro as notas destacadas neste conceito legal: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 613, com bold apócrifo) [32].

Mais se lê, no art.º 1544.º, do CC, que podem «ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor».
Logo, não vigora aqui qualquer princípio de tipicidade, muito pelo contrário: na categoria genérica da servidão, os particulares podem livremente definir o seu conteúdo [33]: o que é «essencial à constituição» da servidão é «que dela resulte alguma vantagem para os prédios servientes», embora seja «susceptível de se traduzir em mera comodidade para os respectivos titulares» (Ac. do STJ, de 30.10.2003, Salvador da Costa, Processo n.º 03P3316).

As servidões prediais caracterizam-se pela inseparabilidade (face aos prédios a que pertencem, activa ou passivamente, conforme art.º 1545.º, do CC); e pela indivisibilidade (subsistindo ainda que o prédio serviente ou o prédio dominante sejam divididos, conforme art.º 1546.º, do CC).
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5.1.3.2. Constituição
Lê-se no art.º 1547.º, n.º 1, do CC, que as «servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família».

Precisando a constituição por usucapião, recorda-se que esta possibilita a aquisição do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo pela actuação do possuidor que exerça uma posse conforme, por certo lapso de tempo (art.º 1287.º, do CC).
Recorda-se ainda que posse «é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real» (art.º 1251.º, do CC) [34]; e que, em «caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto» (art.º 1252.º, n.º 2, do CC) [35].
Logo, para que um terceiro possa adquirir, por usucapião, o direito de propriedade ou outro direito real sobre imóveis, será necessário que se verifiquem todos os requisitos da usucapião de imóveis, previstos nos art.ºs 1293.º e seguintes, do CC (nomeadamente, a existência do corpus e do animus, enquanto elementos tradicionalmente indispensáveis à afirmação da posse, pelo tempo exigido em função das suas características).
Precisa-se que, não havendo registo do título de aquisição[36], nem registo de mera posse, mas estando o possuidor de boa fé[37], e sendo a posse pacífica[38] e pública[39], a usucapião pode dar-se ao fim de quinze anos,  contados do momento em que se iniciou (art.ºs 1296.º e 1297.º, este último a contrario, do CC).
Contudo, aquele «que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor» (art.º 1256.º, do CC).
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Lê-se, porém, no art.º 1548.º, do CC, que as «servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião» (n.º 1), considerando-se como tais «as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes» (n.º 2).
Precisando o que seja a «visibilidade» dos sinais, dir-se-á que «os mesmos devem manifestar a servidão erga omnes, podendo não apenas o dono do prédio serviente mas também qualquer outra pessoa» observá-los; e precisando a «permanência» dos sinais, dir-se-á que «os mesmos existem sempre, mesmo que se possa verificar a sua substituição ou transformação» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, pág. 401).
Ora, a «visibilidade destina-se a garantir a não clandestinidade e a permanência da obra ou de sinais torna seguro que não se trata de acto praticado a título precário, mas dum encargo preciso, estável e duradouro, próprio duma servidão» (A. Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Julho de 2012, pág. 425, com bold apócrifo) [40].
Compreende-se a preocupação da lei, sabedora «que se torna as mais das vezes difícil distinguir entre as servidões não aparentes e os actos de mera tolerância, consentidos jure familiaritatis, que não reflectem uma relação possessória capaz de conduzir à usucapião. No mesmo sentido milita ainda a circunstância de, não havendo sinais visíveis e permanentes reveladores da servidão, sendo essa porventura exercida só clandestinamente, a atitude passiva do proprietário poder ser apenas devida à ignorância da prática dos actos constitutivos da servidão» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 629, com bold apócrifo) [41].
Acresce que, conforme referido supra, «um dos requisitos para a aquisição de um direito real de gozo por usucapião» é «o exercício de uma posse pública, à luz do art. 1297.º»: «nas servidões aparentes, a posse nos termos do direito de servidão é exercida publicamente, isto é, de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art. 1262.º). Já nas servidões não aparentes, o exercício da posse respetiva pode ser desconhecido dos interessados, máxime do titular do prédio serviente» (Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, págs. 415 e 416).

Compreende-se, por isso, que se afirme que as servidões não aparentes se distinguem das servidões aparentes pelo modo de exercício (pela forma como a relação entre os prédios se apresenta externamente): «no caso das servidões aparentes, ele é realizado por meio de atos que produzem consequências - sinais - no prédio serviente ou dominante que permitem o conhecimento da existência da servidão pelos interessados. Já no caso das servidões não aparentes, a atuação do seu titular sobre o prédio dominante ou serviente não é percetível para terceiros interessados» (Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 415).

Ora, sabendo-se que, na  aferição da existência de sinais visíveis e aparentes da servidão, há que levar em conta o concreto tipo de utilidade que integra o conteúdo dessa servidão [42], dir-se-á, particularizando quanto à servidão de estilicídio, que a «visibilidade e a permanência revelam-se naturalmente pelas obras e sinais existentes - beirais, canos, algerozes ou condutores de água, tubos de descarga, etc. - colocados no prédio dominante. Porém, como ensina Guilherme Moreira, podem os canos conduzir as águas a um determinado ponto do prédio serviente e existir neste também sinais de servidão» (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 439).
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5.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
5.2.1. Servidão de estilicídio
Concretizando, verifica-se que, sendo os Autores (AA e mulher, BB) e os Réus (CC e DD) proprietários há mais de vinte anos de dois prédios urbanos contíguos, o dos primeiros inferior (em termos de cota) e de construção mais recente e o dos segundos superior (em termos de cota) e de construção muito mais antiga, aquele recebeu sempre as águas pluviais que caem neste, nomeadamente na água sul do telhado do seu edifício, e nos seus logradouro e terraço do primeiro andar voltados para sul
Mais se verifica que essas águas pluviais eram recolhidas previamente por um caleiro e encaminhadas por um tubo de escoamento que, no sentido descendente, as encaminhava para uma caixa de recepção ou colectora, em pvc e com cerca 90mm de diâmetro, embutida no piso do logradouro voltado para sul do prédio dos Réus (CC e DD), a escassos centímetros do muro de vedação dos dois prédios; e que o seu escoamento se fazia inicialmente por um buraco existente no dito muro de vedação.
Verifica-se ainda que depois, a pedido do próprio Autor (AA), formulado há mais de 20 ou 30 anos, na altura da construção da sua habitação, esse escoamento das águas pluviais que caíam no prédio dos Réus (CC e DD) passou-se a  fazer por meio de um tubo de pvc, enterrado a mais de um metro da superfície dos jardim e logradouro do prédio dos Autores, com o seu conhecimento e autorização, ligando a caixa de recepção respectiva até à caixa de saneamento de esgotos destes últimos, e desta ao colector público de saneamento, existente na estrada municipal, sendo visível à entrada do prédio dos Autores (AA e mulher, BB) uma caixa ou óculo de visita. 
Verifica-se igualmente que o escoamento das águas pluviais do prédio dos Réus (CC e DD) se manteve desde então inalterado, não obstante há cerca de 20 anos aqueles tenham colocado uma cobertura no seu logradouro sul, passando então as águas provindas do terraço situado ao nível do primeiro andar - em vez de descerem em tubo para o referido logradouro - a cair sobre a referida cobertura, sendo aí recebidas por caleiro e tubo descendente, com destino à mesma caixa de recepção, colocada junto ao muro divisório dos dois prédios.
Por fim, verifica-se que, quer inicialmente o buraco existente no muro de divisão dos dois prédios, quer depois o tubo de pvc enterrado no jardim e no logradouro do prédio dos Autores (a seu pedido, e com o seu consentimento e autorização), sempre exerceram, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus. 

Ora, escoando as águas das chuvas que caíam na água sul do telhado do edifício dos Réus (CC e DD) e na cobertura do seu logradouro sul - que não dista meio metro do prédio dos Autores (AA e mulher, BB) - por acção natural (isto é, meramente gravítica) para este último prédio, estar-se-ia perante uma situação de facto susceptível de vir a permitir a constituição de uma servidão de estilicídio (onerando o prédio dos Autores em benefício do prédio dos Réus), na modalidade de servitus fluminis recipiendi (já que o escoamento da água se faz por meio de caleiras e canos, antes de cair no terreno alheio).
Crê-se não obstar a tanto a posterior colocação (a pedido do Autor, com o seu conhecimento e autorização) do tubo de pvc subterrâneo, sob os jardim e logradouro do seu próprio prédio, já que o mesmo não se destinou a trazer até ele águas pluviais que de outro modo ali não acorreriam, mas apenas (e face aquela que considerou ser a sua maior comodidade) a concentrá-las e conduzi-las, já depois de naturalmente (por mera acção gravítica) as ter recebido.
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Contudo, a entender-se de outro modo (como o fez o Tribunal a quo), considerando estar-se perante uma situação de facto susceptível de vir a permitir a constituição de uma servidão de escoamento, sempre se dirá que à mesma não obstaria o facto de atravessar jardim e terreiro contíguo a casa de habitação.
Com efeito, resultou expressamente da perícia realizada nos autos que a vantagem que a drenagem das águas pluviais caídas no prédio dos Réus (CC e DD) para o prédio dos Autores (AA e mulher, BB) é superior ao prejuízo causado por essa drenagem a estes últimos [43] (permitindo, por isso, uma redução teleológica do art.º 1561.º, n.º 1, do CC, aqui aplicável ex vi do art.º 1563.º, n.º 4, do mesmo diploma).

Acresce ainda que, mesmo que aquela majoração do benefício dos Réus (CC e DD) não se verificasse no caso dos autos, tendo a colocação do dito tubo de pvc ocorrido a pedido do Autor (AA), não poderia depois o mesmo pretender valer-se dela para obstacular à eventual constituição da dita servidão de escoamento (com aquele preciso fundamento), por agir então em manifesto abuso de direito, nos termos do art.º 334.º, do CC (na modalidade de venire contra factum proprium) [44].
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5.2.2. Constituição (de servidão de estilicídio)
Concretizando novamente, verifica-se que, há mais de 20 e 30 anos, com total eficácia e pleno desempenho, o inicial orifício aberto no muro de divisão dos dois prédios, e depois dele o tubo de pvc enterrado no jardim e no logradouro dos Autores (AA e mulher, BB), sempre exerceram a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus (CC e DD); e que estes, nesse período de tempo, têm usado e fruído das utilidades proporcionadas pelo referido tubo para escoamento e transporte das águas pluviais em direcção à conduta de saneamento pública, o que fizeram ininterruptamente (dia após dia, noite após noite), à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e com ânimo de únicos e exclusivos titulares de direito próprio que assim o permitia.

Verifica-se ainda que é sobejamente visível: no prédio dos Réus (CC e DD), as caleiras, o tubo de condução e a caixa colectora de águas pluviais; à entrada do prédio dos Autores (AA e mulher, BB), uma caixa ou óculo de visita; e inicialmente no muro de divisão dos dois prédios, o buraco aberto por onde, por mera acção da gravidade, se escoavam as águas pluviais caídas na parte sul do prédio dos Réus.
Reitera-se que, sendo tais sinais visíveis e permanentes, a mera substituição, a pedido do Autor (e com o seu consentimento e autorização), do dito buraco aberto no muro por um tubo de pvc subterrâneo não é idónea a obstar à constituição, por usucapião, da servidão de estilicídio referida supra. Com efeito, não só permaneceriam todos os demais sinais permanentes, como a superveniente invisibilidade do antes detectável no prédio dos Autores (AA e mulher, BB), não só não poderia ser invocada por estes (face ao manifesto abuso de direito próprio, já denunciado por este Tribunal ad quem) [45], como não invalidaria (face às circunstâncias do caso concreto apuradas) o efectivo reconhecimento por parte deles próprios do direito de escoamento de águas pluviais dos Réus (CC e DD), até às obras que estes realizaram em 2019, de substituição de cobertura do logradouro sul e de colocação de nova cobertura do terraço sul do primeiro andar.

Ora, estando-se perante uma servidão aparente (quer se considere a mesma como servidão de estilicídio, como o faz este Tribunal ad quem, quer se considere a mesma como uma servidão de escoamento, como o fez o Tribunal a quo), e tendo a posse sobre ela - de boa fé, pacífica e pública - sido exercida pelos Réus (CC e DD) ininterruptamente por mais de 20 anos, permitiu-se desse modo a sua constituição por usucapião.

Precisa-se, ainda, que, uma vez constituída, à mesma não poderia obstar a mera substituição da cobertura do logradouro sul dos Réus (CC e DD) e a nova cobertura do terraço do primeiro andar voltado igualmente a sul, desde que tais obras não tornassem a servidão do prédio dos Autores (AA e mulher, BB) mais onerosa (o que, pese embora tenha sido alegado por eles nos autos, não se provou) [46].
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Por fim, dir-se-á, e tal como o fez o Tribunal a quo, que «é exclusivamente no âmbito dos artigos 1305.º, 1346.º, 1347.º e ss., do código civil que tem de ser apreciado» o litígio e não «ao abrigo da legislação administrativa do RGEU e/ou do PDM e/ou do RJUE e/ou nas normas referentes ao licenciamento e legalidade do escoamento de águas pluviais para a rede de saneamento pública, sem prejuízo, obviamente, da edilidade» se pronunciar «sobre a legalidade de tal escoamento agora reconhecido»
Para o efeito ordenou o mesmo Tribunal a quo, na sentença recorrida, que, após «trânsito em julgado da presente sentença, dê conhecimento da mesma e dos relatórios periciais à Câmara Municipal ... com vista ao apuramento da legalidade administrativa do sistema de escoamento de águas do prédio dos réus/reconvintes» [47].
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Concluindo, mostra-se igualmente improcedente o recurso sobre a matéria de direito apresentado pelos Autores (precisando que no mesmo se limitaram a contestar a existência do direito dos Réus de escoarem as águas pluviais caídas no lado sul do seu prédio para o prédio contíguo, sem nada sindicarem quando às demais condenações - para além da litigância de má-fé - de que foram alvo, mercê precisamente da violação que fizeram daquele direito).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela parcial procedência e pela parcial improcedência do recurso de apelação dos Autores (AA e mulher, BB).
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e mulher, BB), e, em consequência, em

A. Declarar nula, por excesso de pronúncia, a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.

B. Confirmar o remanescente da sentença recorrida, precisando embora que o direito invocado pelos Réus (de condução e escoamento das águas pluviais que caem no seu prédio para o prédio dos Autores) consubstancia uma servidão de estilicídio, e não de aqueduto e/ou escoamento.
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Custas da apelação pelos Autores recorrentes (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 18 de Janeiro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.º Adjunto - Fernando Manuel Barroso Cabanelas.



[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[3] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[4] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
[5] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[6] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação».
[7] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo, porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[8] No mesmo sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª edição, Almedina, Lisboa 2001, pág. 180, onde se lê que «devem arredar-se os “argumentos” ou “raciocínios” expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir “questões”, em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz».
[9] Recorda-se que se lê no art.º 617.º, do CPC, que, se «a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento» (n.º 1); e, omitindo «o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido» (n.º 5). 
[10] Neste sentido, de que a indemnização tem de ser pedida pela parte contrária ao litigante de má-fé, não podendo ser oficiosamente determinada: Ac. da RG, de 02.06.2016, Jorge Seabra, Processo n.º 128/12.4TBVLN.G2; Ac. da RG, de 11.05.2017, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 1639/14.2 TBVCT.G2; Ac. da RP, de 26.03.2019, Ana Lucinda Cabral, Processo n.º 611/12.1TYVNG.P1; ou Ac. da RC, de 08.09.2020, Fonte Ramos, Processo n.º 197/17.0T8TND.C2.
[11] Lê-se, inclusivamente, na sua decisão complementar, proferida posteriormente sobre a litigância de má-fé, que «2. - Da sentença proferida resultam provados os seguintes factos com relevância para a decisão», reproduzindo-se de seguida ipsis verbis os mesmos.
[12] A audição da gravação áudio da audiência de julgamento, mormente da audição dos Autores e da Ré, documenta a forma repetida e enfática com que o Tribunal a quo foi advertindo o Autor (dirigindo-se-lhe directamente) da possibilidade da sua futura condenação como litigante de má-fé, caso se apurasse que mentira sobre a inexistência do dito tubo subterrâneo de escoamento de águas pluviais, adiantando inclusivamente que, se o fizesse, lhe aplicaria o máximo da multa legalmente prevista (100 unidades de conta).
[13] Neste sentido:
. Ac. da RG, de 02.06.2016, Jorge Seabra, Processo n.º 128/12.4TBVLN.G2 - onde se lê que, assumindo «a conduta processual da parte, na pendência da causa e até à prolação da sentença, contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o juiz que o afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa».
Logo, não «é consentido ao juiz, salvo casos excepcionais (de incidentes ou factos supervenientes à sentença), relegar tal decisão quanto à litigância de má-fé para momento posterior à sentença, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da mesma», sendo apenas «quanto à indemnização a arbitrar a favor da parte contrária (e se esta se mostrar pedida)» que «é consentido ao juiz relegar a sua quantificação para momento posterior à sentença e se os autos não contiverem elementos que o habilitem a fazer, desde logo, na sentença, essa quantificação».
«Todavia, essa quantificação só é viável se, previamente e na sentença, o juiz tiver proferido decisão no sentido de declarar e condenar a parte como litigante de má-fé, ali fixando a multa processual devida em quantia certa»; e, se «tal não tiver sucedido, o poder jurisdicional do tribunal quanto a essa matéria mostra-se esgotado, não sendo lícito reabrir a instância para tal fim», pelo que o «despacho proferido, após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo, à luz do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d)- do CPC. e de acordo com a sua interpretação extensiva, é nulo por excesso de pronúncia».
. Ac. da RC, de 08.09.2020, Fonte Ramos, Processo n.º 197/17.0T8TND.C2 - onde se lê que a «apreciação da má fé da parte e a sua condenação em multa e indemnização, por via da actuação na lide na fase que antecedeu a sentença, não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, embora já não assim quanto à fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, o não habilite a determiná-lo».
«Nestas circunstâncias, não se tratando de conduta superveniente relativamente à sentença, com a prolação da sentença, que não apreciou da relevância da conduta da parte em sede de litigância de má fé, esgotado fica o poder jurisdicional relativamente a esta matéria»; e, por isso, é «nulo por excesso de pronúncia o despacho proferido após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo (art.ºs 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1 al. d), 2ª parte, do CPC)».  
. Ac. da RG, de 24.03.2022, Margarida Almeida Fernandes, Processo n.º 7105/19.2T8GMR-A.G1- onde se lê que,  «numa situação em que nenhuma das partes pede a condenação como litigante de má fé da contraparte, mas o julgador, no momento da elaboração da sentença, se apercebe da existência de factos subsumíveis a tal conceito, o seu comportamento correcto será abster-se de proferir de imediato a sentença, reabrir a audiência (art. 607º nº 1), proceder à audição das partes (art. 3º nº 3) e só depois proferir tal decisão, na qual conheça do mérito da causa, bem como da litigância de má fé»; mas já quando «a questão da litigância de má fé é suscitada oficiosamente pelo Tribunal num momento processual prévio à sentença e disso é dado conhecimento às partes não se afigura necessário dar cumprimento ao princípio do contraditório».
Assim, «é na sentença que o julgador tem que se pronunciar acerca da questão da litigância de má fé que se reporte a factos ou incidentes anteriores àquele momento processual, aí condenando a parte a tal título e fixando a multa e indemnização respectivas ou absolvendo a mesma, sob pena de se mostrar esgotado o poder jurisdicional (sendo que apenas pode relegar para momento posterior a fixação da indemnização pedida caso não haja no processo os elementos para tal). Naturalmente que, no que concerne a factos ou incidentes supervenientes à sentença, que possam configurar litigância de má fé, pode e deve proferir, em momento posterior àquela, decisão em que conheça dessa questão.
O vício da decisão proferida após o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal é o da nulidade por excesso de pronúncia nos termos do art. 615º nº 1 d) 2ª parte do C.P.C.».   
Contudo, em sentido contrário, Ac. da RG, de 11.05.2023, Antero Veiga, Processo n.º 2925/21.0T8BCL.G1, onde se lê que o «art.º 613º do CPC, relativo à extinção do poder jurisdicional, deve ser interpretado no sentido de que apenas se esgota com a prolação da sentença o poder jurisdicional relativo ao mérito da causa, sobre as questões aí concretamente decididas»; e, por isso, nada «se referindo quanto à má-fé, esgota-se quanto a tal matéria o poder jurisdicional.
Diferente é o caso de em sede de sentença a questão ser abordada, “abrindo-se “aí o incidente, relegando-se a sua apreciação para momento posterior, dando às partes a possibilidade de se pronunciarem, em cumprimento do artigo 3º do CPC. Entender em tal caso que ocorre o esgotamento do poder jurisdicional, constitui além do mais um paradoxo, já que assumidamente o juiz sobrestou na apreciação da questão incidental, para cumprimento contraditório, relegando-a para momento posterior».
[14] Precisa-se, a propósito, que apesar «da citada disposição legal não referisse direta e expressamente sobre» preposições de «matéria de facto que fossem vagas, genéricas ou conclusivas o certo é que na jurisprudência consolidou-se o entendimento de que tal disposição legal era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendu, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova» (Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1).
[15] Neste sentido:
. na doutrina -  António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».               
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312, onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica».
. na jurisprudência, entre muitos - Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art.º 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta».
«Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes.
Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio».               
Ainda Ac. da RE, de 28.06.2018, Florbela Moreira Lança, Processo n.º 170/16.6T8MMN.E1, onde se lê que, «sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado».
[16] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[17] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[18] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
[19] Serão, por exemplo, os casos em que o recorrente, enunciando os pontos de facto que pretende impugnar, é porém omisso quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida (Ac. da RP, de 10.07.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 391/11.8TBCHV.P1), ou não cumpre os ónus secundários do n.º 2 do art.º 640.º do CPC, designadamente, de exacta indicação das passagens da gravação (Ac. do STJ, de 22.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 26.11.2015, António Leones Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1).
[20] Neste sentido: Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1; Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º  2180/09.0TTLSB.L1.S2; Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1; Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1; Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1; Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1; Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1; Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1; Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14; ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2.
[21] O AUJ nº 12/2023 (de 17.10.2023, Ana Resende, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1), foi publicado no DR-220/2023, SÉRIE I, de 14 de Novembro de 2023.
[22] Neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1.   
[23] É, nomeadamente, o caso dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob o: 
. número 44 - «Desde a abertura deste buraco que as águas pluviais que caem nas coberturas do prédio e respetivas fracções e eram encaminhadas pelo tubo identificado em 25 são agora escoadas através do buraco identificado em 42 e 43»;
. número 47 - «O referido tubo sempre exerceu, há mais de 20 e 30 anos, com total eficácia e pleno desempenho, a sua função de escoamento e transporte das águas da chuva que caíam no prédio dos Réus»;
. número 48 - «Todas as águas que caíam na água do telhado voltada para sul, no terraço e no logradouro voltados para sul, eram captadas e transportadas pelo referido tubo, desde a atrás referida caixa de receção até à conduta pública 24 existente na estrada municipal»;
. e número 50 - «Os Reconvintes, por si e antecessores, são decorridos mais de 20 e 30 anos, têm usado e fruído das utilidades proporcionadas pelo referido tubo para escoamento e transporte das referidas águas pluviais em direção à conduta de saneamento pública».
[24] É, nomeadamente, o caso da parte inicial do facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 42 - «Desde a data em que os Autores obstruíram o tubo de escoamento das águas pluviais que caem no prédio dos RR e que ocupa a parte subterrânea do seu logradouro, as águas pluviais são todas encaminhadas para o logradouro do prédio dos Réus…».
[25] As relações de vizinhança têm «em vista regular os conflitos de interesses, que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 95).
[26] Neste sentido:
. José de Oliveira Ascensão, Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1983, págs. 450 e 451 - onde se lê que da «servidão de escoamento se deve distinguir a obrigação que recai sobre os donos de prédios inferiores de receberem as águas que decorrem “naturalmente e sem obra do homem” dos prédios superiores. Nestas hipóteses não há uma limitação anormal da propriedade, mas uma situação normal; não há uma servidão, mas uma relação propter rem de vizinhança. Por isso o Código regulou esta matéria no artigo 1351.º, integrado nas relações de vizinhança».
. Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 17 - onde se lê que o «termo “sujeitos” quer apenas dizer que os donos dos prédios inferiores devem deixar escoar naturalmente as águas, não significando que a norma crie uma servidão sobre o prédio inferior a favor do prédio superior. Na verdade, não apenas o dono do prédio inferior não pode fazer obras que estorvem esse escoamento, o que prejudicaria o prédio superior, como também o dono do prédio superior não pode fazer obras capazes de agravar esse mesmo escoamento para o prédio inferior (n.º 2). Há aqui, portanto, direitos e obrigações recíprocos entre os donos dos prédios em questão, próprios de uma relação jurídica real de vizinhança». 
[27] Neste sentido: Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 191; ou Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 406.
[28] Neste sentido:
. Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 62 - onde se lê que as «águas pluviais, em princípio, deverão seguir a direcção determinada pela inclinação natural do terreno, sendo vedado ao proprietário do prédio onde caem desviá-las desse curso normal».
. José Cândido de Pinho, As Águas no Código Civil. Comentário. Doutrina, Jurisprudência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2005, pág. 277 - onde se lê que, na «moderna terminologia, a servidão implica, regra geral, a construção de obras no prédio onerado, além de conter ínsita, sempre, a ideia de querer o seu estabelecimento por banda do dono do prédio dominante. Ora, aqui não há obras humanas, nem o dono do prédio superior quer que a água se escoe para o prédio inferior - elas escorrem, simplesmente, por efeito do declive do terreno. Não se pode falar, por isso, em servidão propriamente dita. Será, quando muito, uma servidão imprópria.
O Código de 1966 coloca o escoamento natural ao lado de outras restrições do direito de propriedade absoluto. São obrigações que resultam da própria existência da coisa (propier rem)e não de um facto constitutivo».
[29] Neste sentido:
. Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 402 - onde se lê que a servidão de escoamento «visa ainda solucionar a situação decorrente das águas estagnadas ou pluviais ou de todas aquelas que, mediante acção do homem, brotem em qualquer prédio ou nele hajam penetrado e não tenham uma via natural de escoamento».
. Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 436 - onde se lê que a «servidão legal de escoamento consiste na derivação, para o prédio serviente, das águas que se encontram em quantidade excessiva no prédio dominante e não tenham via natural de drenagem».
[30] Neste sentido:
. José Cândido de Pinho, As Águas no Código Civil. Comentário. Doutrina, Jurisprudência, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2005, pág. 295 - onde se lê que «é suposto que as águas escorram por obra do homem. Não é de considerar na figura o encargo de os prédios inferiores receberem as águas que decorrem dos superiores naturalmente e sem obra do homem. Nestas condições, o escoamento não figura como um encargo excepcionalmente imposto. Passa a ser, apenas, um ónus (propter rem) normal, resultante da própria situação dos prédios. É, afinal, um caso típico de regulamentação do direito de propriedade e não de uma limitação excepcional a esse direito»; 
. A. Santos Justo, Direitos Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Julho de 2012, pág. 424 - onde se lê que «a doutrina observa que nem sempre se pode falar em servidão de escoamento: se as águas correm naturalmente e sem obra do homem, de um prédio superior para outro inferior, haverá uma simples limitação do direito de propriedade que decorre imediatamente da lei e não de um encargo excepcional. A servidão de escoamento pressupõe a realização de obras que desviem o curso natural das águas ou provoquem a derivação de águas que tenderiam a ficar estagnadas no prédio dominante».
. Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, págs. 436 e 437 - onde se lê que a «pedra de toque é, aqui, a realização de obras para o escoamento de águas sobrantes, a qual permite distinguir a servidão dos casos em que as águas seguem naturalmente o seu curso do prédio dominante para o prédio serviente».
[31] No mesmo sentido, José de Oliveira Ascensão, Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1983, pág. 451, onde se lê que «os prédios isentos [da servidão de escoamento] são os mesmos que estão também isentos da servidão legal de aqueduto».
[32] Precisando, trata-se «de um encargo que recai sobre o prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão». Logo, e precisamente face a este «carácter real da servidão», é a mesma oponível, não «apenas ao proprietário do prédio onerado (por ela especialmente atingido no seu dominium), mas a todos os terceiros (credores, arrendatários do prédio, titulares de outras servidões, etc.)»; e «vale tanto em relação ao primitivo proprietário, como em relação aos futuros adquirentes».
Dir-se-á, porém, que a «servidão, como relação jurídica que é, não pode deixar de constituir uma relação intersubjectiva, criadora de um vínculo entre pessoas»; e, por isso, quando na sua definição «a lei aponta directamente para os prédios, não pretende de modo nenhum contestar semelhante realidade», enfatizando apenas, quer a sua inerência «aos prédios a que activa ou passivamente respeita», quer «a circunstância de não ser lícita (pelo menos com o carácter real, próprio da servidão) a imposição de quaisquer encargos que não se relacionem com as necessidades próprias de outro prédio». 
Dir-se-á ainda que, incidindo «em princípio sobre o prédio, considerado como um todo», haverá «muitas vezes que distinguir entre o objecto da servidão, que é o prédio, e o local do exercício dela, que pode ser uma parte limitada do prédio. Sempre que se verifique esta última hipótese, para certos efeitos (vide, por ex., o art. 1546.º e o n.º 4 do art. 1567º) tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobre a parte do prédio sujeita ao seu exercício».
Por fim, dir-se-á ser compreensível a exigência da pertença dos dois prédios (serviente e dominante) a dois donos diferentes, face ao «conteúdo de tal modo rico e elástico» do direito de propriedade, onde «cabem todas as faculdades de que o seu titular goze em relação à coisa» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, págs. 614 a 617, com bold apócrifo).
[33] Neste sentido:
. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Reais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1983, pág. 435 - onde se lê que «a servidão representa um direito unitário, desenhado de forma a abranger todas as modalidades de gozo, de modo que se algum conteúdo for excluído isso representará uma excepção». 
. Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, Almedina, Coimbra, págs. 327 e 328 - onde se lê que há «aqui uma certa atipicidade, uma vez que, dentro do desenho típico, os encargos impostos num prédio, que possam ser gozados por intermédio de outro prédio (…) podem ser objecto de servidão»; e pode «tratar-se de vantagens de mera comodidade».
. José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2016, Almedina, Fevereiro de 2016, pág. 725 - onde se lê que este «conteúdo sugere um tipo aberto, com múltiplas possibilidades de concretização, tantas quantas as utilidades que um imóvel possa fazer beneficiar outro e sem que seja necessário que aquelas estejas todas definidas pela lei».
. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, Princípia, Setembro de 2020, pág. 311 - onde se lê que, para «enriquecer a noção de servidão, sublinhe-se que o seu conteúdo não está sujeito a quaisquer restrições especiais. O princípio da tipicidade dos direitos reais não se estende a tal conteúdo».
[34] A doutrina tradicional considera encontrar-se aqui consagrada uma concepção subjectiva do instituto possessório, nos termos da qual «posse» se decompõe em dois elementos: o «corpus» (ou elemento material), que se traduz no domínio de facto sobre a coisa, constituído pelo efectivo exercício de poderes materiais de facto sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício (isto é, basta aqui uma fruição da coisa mediante a recolha das vantagens económicas desta); e o «animus» (ou elemento psicológico), que consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto, aos actos realizados
[35] Reconhece-se, assim, que muitas vezes é difícil a prova duma intenção subjectiva, consagrando-se por isso esta presunção legal relativa (art.º 349.º, do CC), isto é: uma ilação que a lei tira de um facto conhecido, o facto-base da presunção (no caso, o exercício do poder de facto sobre uma coisa) para firmar um facto desconhecido, o facto presumido (no caso, a efectiva existência de um animus sibi possidendi).
[36] Diz-se titulada, «a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico» (art.º 1259.º, n.º 1, do CC).
[37] Diz-se de boa fé, a posse que o possuidor adquiriu ignorando que lesava o direito de outrem, assim se presumindo a titulada (art.º 1260.º, n.º 1 e n.º 2, do CC).
[38]  Diz-se pacífica, a posse «que foi adquirida sem violência», isto é, sem que o possuidor haja para o efeito usado de coacção física ou coacção moral (art.º 1261.º, do CC).
[39] Diz-se pública, a posse «que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados» (art.º 1262.º, do CC).
[40] No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 630, onde se lê que, para a constituição por usucapião de servidão predial, é «necessário que, além de visíveis (sendo a visibilidade destinada a garantir a não clandestinidade), os sinais reveladores da servidão sejam permanentes»: a «permanência da obra ou sinal torna seguro que não se trata de um acto praticado a título precário, mas de um encargo preciso, de carácter estável ou duradouro como é próprio da servidão».
[41] No mesmo sentido, Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, Almedina, pág. 321, onde se lê «que as servidões não aparentes, não se revelando por sinais visíveis, confundem-se, por isso, muitas das vezes com actos de mera tolerância do proprietário do prédio serviente.
Por outro lado, na medida em que não há sinais visíveis ou permanentes, podem as servidões estar a ser exercidas na ignorância do dono do prédio serviente».
[42] Neste sentido, Ac. da RG, de 16.02.2023, Rosália Cunha, Processo n.º 102/19.0T8PTB.G1.
[43] Lê-se, a propósito, no relatório pericial que «o benefício da servidão de escoamento e aqueduto para o prédio dos Réus corresponde a 1.524€ + IVA= 1.874,52€, valor que se arredonda para 1.875 €», enquanto que «o ónus de servidão de escoamento e aqueduto para o prédio dos Autores corresponde a 357 €».
[44] Lê-se no art.º 334.º, do CC, que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Está-se, assim, perante situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça. O instituto assenta, por isso, na existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual, resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito exercido.
Uma das suas possíveis modalidades revela-se pela locução venire contra factum proprium, que traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente: perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa (tomando disposição ou organizando planos de vida de que lhe advirão danos, se a sua confiança vier a ser frustrada).
[45] De forma idêntica se decidiu no Ac. da RE, de 10.07.2014, Francisco Xavier, Processo n.º 27/10.4TBAVS.E1, onde se lê que a «existência de uma entrada lateral que serve de acesso às traseiras das casas dos autores e respectivos antepossuidores e o uso por estes dessa passagem durante mais de 40 anos, passando a pé, quer utilizando carro de mão e automóvel, para transportarem lenha e outros bens e utensílios ou fazerem cultivo, constituem sinais visíveis e permanentes reveladores de uma servidão aparente».
«Não obsta a tal qualificação o facto de não serem visíveis outros sinais dessa utilização, como, a existência de terra batida, trilhada, e sem vegetação nessa passagem, porque se os autores não podem agora demonstrar tais evidências, que mais não são do que o resultado do uso da passagem que os autores vinham fazendo pelo prédio dos réus, tal não lhes pode ser imputável, pois provou-se que os réus, desde 2000 impedem os autores de por ali passarem e que em 2003 colocaram pedras que impedem a circulação de quaisquer veículos».
[46] Neste sentido, Ac. da RG, de 11.03.2021, Raquel Baptista Tavares, Processo n.º 2888/17.7T8VCT.G2, onde se lê que, em «caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício da servidão, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (cfr. artigo 1565º n.º 2 do Código Civil)»; e as «necessidades a satisfazer por meio da servidão são as já existentes no momento da sua constituição e ainda todas aquelas decorrentes das modificações naturais e previsíveis do prédio dominante, excluindo-se o que torne a servidão mais onerosa, sendo fundamental que se respeite a função da servidão e que as modificações não se traduzam num agravamento da mesma».
Ora, correspondendo «o conteúdo de uma servidão de estilicídio à circunstância do escoamento das águas pluviais que gotejam da beira do telhado ou outra cobertura se fazer para o prédio vizinho, o seu exercício deverá medir-se pelo efetivo escoamento no prédio serviente dessas águas»; e, por isso, não «será de falar em agravamento da servidão de estilicídio se por força das alterações introduzidas pelas obras que os réus pretendem realizar se verificar que o escoamento das águas pluviais se manterá pelo beiral antigo, não resultando demonstrado que, mantendo-se tal modo de escoamento, resulte das obras em causa que caia mais água ou com maior velocidade no prédio dos autores».
[47] Contudo, ponderando outa solução quando estejam em causa normas de ordem pública, Ac. da RE, de 24.03.2011, João Gonçalves Marques, Processo n.º 1068/08.7TBABT, onde se lê que, se nos «termos do artº 1544º do CC, podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas, por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor, assim apontando para a realidade de que não vigora, quanto às servidões, o princípio da tipicidade», certo é que as mesmas «não podem constituir-se em violação de normas e princípios de ordem pública».
Assim, uma «servidão que se concretize na emissão para o logradouro de um prédio de habitação de águas residuais e de esgotos da casa de banho a partir de um prédio vizinho põe necessariamente em causa o direito a todos reconhecido pelo artº 65º nº 1 da Constituição da República a uma habitação em condições de higiene e de conforto», não sendo admissível a sua constituição, nomeadamente por usucapião.