ASSISTENTE
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Sumário

I - Constitui ónus do assistente alegar no RAI expressamente todos os factos concretos suscetíveis de integrar o tipo legal de crime que entende ter a conduta do arguido preenchido, nomeadamente todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime em causa
II - A exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.

Texto Integral

Processo nº 256/20.2T9PVZ.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Inquérito que correram termos na 1ª secção do DIAP Regional do Porto, Comarca do Porto, com o nº 256/20.2T9PVZ, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos nos termos do disposto no artº 277º nº 1 do C.P.Penal.
Inconformado, o assistente AA requereu a abertura de instrução (cfr. doc. com a refª 25384275).
Por despacho proferido em 20.10.2023, o Sr. Juiz de Instrução declarou nulo o requerimento para abertura de instrução e "rejeitou-o liminarmente" nos termos do artº 287º nº 3 do C.P.Penal, por inadmissibilidade legal da instrução.
É dessa decisão que o assistente interpõe o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. O assistente/recorrente narrou sinteticamente os factos, cuja atuação imputava objetiva e subjetivamente a cada um dos visados,
2. Revelou a intencionalidade que a seu ver os diversos visados colocaram em cada um dos atos e omissões ali enunciados e elencados,
3. Mais identificou naquele requerimento de abertura de instrução cada um dos visados, todos com Funções na Câmara Municipal ... - Município ...
4. Mais pretendeu e requereu que por esses factos fossem os mesmos constituídos arguidos e com vista à acusação pelos crimes elencados naquele requerimento.
5. O «requerimento de abertura de instrução» apresentado pelo Assistente, contém, em súmula, o seguinte:
h) As razões de facto;
i) As razões de direito;
j) Os novos meios de prova;
k) Os factos que se espera provar;
l) Os crimes cometidos (descriminados e referentes a cada um dos procedimentos de licenciamento autárquico denunciados);
m) Os Agentes da Administração Pública envolvidos (descriminados e referentes a cada um dos procedimentos de licenciamento autárquico denunciados);
n) Entre outros elementos de interesse,
v. nomeadamente aqueles que, de forma direta ou indireta, clara ou sucinta, se estruturaram como uma acusação alternativa à que, na perspectiva do requerente da instrução, foi, mas não devia ter sido, omitida pelo Ministério Público;
vi. Contendo, o quis, o quid, o ubi, o quibus auxiliis, o quomodo e o quando, definidores da indispensável narração, por forma a que não ficasse ferido de nulidade;
vii. Sendo que a sua apresentação, não é carente de objecto, não conduzindo, assim, à sua inadmissibilidade;
viii. Contendo, ainda, a narração dos factos (imputados aos arguidos/denunciados), preenchedores de qualquer uma das modalidades da ação típica descrita e do dolo desses agentes.
6. O Assistente elaborou DENÚNCIAS devidamente sustentadas por factos e provas concretas e específicas a matérias legais concretas e específicas, atribuídas a ações acometidas por várias e concretas pessoas, responsáveis pela presente e ou anteriores administrações municipais (denunciados que pretendia e pretende como arguidos nos autos).
7. A intenção do «requerimento de abertura de instrução» do Assistente foi, e é, o de uma «comprovação judicial», tendo nele sido apresentados, de forma clara e sucinta, os fundamentos necessários, ou melhor, as razões de facto e de direito da discordância em relação à decisão de arquivar do Ministério Público.
8. Com os elementos apresentados pelo Assistente no seu «requerimento de abertura de instrução», nomeadamente a narração dos factos e das disposições legais aplicáveis que fundamentam a aplicação a cada arguido de uma pena, podem, os arguidos/denunciados e seus defensores, organizar a sua defesa, garantir a sua defesa.
9. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente não prescinde da factualidade pertinente à sujeição dos arguidos/denunciados a julgamento, antes pelo contrário, pretende que a instrução tenha natureza sobretudo jurisdicional e não somente investigatória.
10. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente pretende que os visados sejam constituídos arguidos e em consequência virem a ser acusados e condenados pelos crimes que praticaram...
11. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente admite a especial complexidade da investigação da veracidade dos factos narrados desde o inicio dos autos, reiterados durante o inquérito e narrados sucintamente e referidos naquele requerimento instrutório.
12. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente identifica cabalmente os arguidos/denunciados e descreve minimamente os factos que se lhes pretende imputar, suscetíveis de integrarem factispecie do(s) tipo(s) legal(ais) de crime (no seu elemento objetivo e subjetivo),
13. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente consubstancia, uma «acusação alternativa», dada a divergência com a posição de arquivar assumida pelo Ministério Público
14. O «requerimento de abertura de instrução» do Assistente de modo sintético, simples .articulado, organizado e estruturado ,sem sujeição a formalidades especiais revela factos e pessoas que de modo acusatório pretende que sejam arguidas, acusadas e condenadas pelas ações e omissões que praticaram e ali elencadas. Naquele processo inquérito n° 668/17.9T9PVZ apenso A a factualidade encontrava-se já exposta de forma detalhada (nos seus anexos cronologicamente apresentados) e muito resumidamente (nas declarações ali apresentadas), que aqui telegraficamente se reproduzem:
a) no PROCESSO N.° ..., a CM...-Município ... deu preferência e agilidade a um requerimento de uma outra empresa, em detrimento do requerimento da empresa do meu (arquiteto) cliente;
b) no PROCESSO N.° ..., a CM...-Município ... licenciou alguns aspectos construtivos (afastamentos laterias das varandas, por ex. entre outros) de um procedimento de licenciamento de um outro requerente e de um edifício adjacente, em detrimento do edifício do meu (arquiteto)cliente;
c) no PROCESSO N.° ..., e da inacção da CM...-Município ... e outras entidades, resultou que eu não consegui vender a minha moradia particular para proceder ao pagamento das minhas dívidas à banca, sendo que, e por tal, fui declarado (a minha mulher também) -arquiteto-como INSOLVENTES, desde DEZ 2015;
d) no processo n.° ..., a CM...-Município ... não emitiu a prorrogação de um alvará, quando a lei o permite ser feito no enquadramento legal apresentado pelo meu (arquiteto)cliente;
e) no processo N..., a CM...-Município ..., recusou-se por diversa vezes, à marcação de reuniões processuais presenciais, cujas marcações habitualmente ocorrem num prazo de poucos dias, sendo que não deu resposta, em prazo legal, à minha(arquiteto) reclamação apresentada no LIVRO DE RECLAMAÇÕES da autarquia;
f) no PROCESSO N.° ..., a CM....Município ... pretendia emitir um alvará com uma NOTA DE RODAPÉ que se encontrava em desacordo com a lei em vigor, colocando em causa a minha (arquiteto)competência profissional e de outros técnicos;
g) no PROCESSO N.° ..., a CM...-Município ..., contrariamente à lei em vigor, não aprovou o licenciamento requerido pelo meu (arquiteto)cliente, apesar de se ter junto ao processo um «parecer jurídico» que também o fundamentava;
h) no PROCESSO N.° ..., a CM...-Município ... não emitiu um alvará - e, depois de ter aconselhado a proceder a um outro (desnecessário) tipo de licenciamento, não licenciou - um procedimento que encontrava devidamente enquadrado na legislação em vigor, sendo que, a menos de 50 metros do edifício do meu cliente, a CM...-Município ... aprovou e licenciou um outro edifício (este sim sem antecedentes construtivos em relação a uma mansarda) com um piso recuado completamente ilegal, sendo que a empresa de construção do mesmo pertencia a um familiar do (na altura) vereador do pelouro das obras, sendo que essa empresa pertence agora a esse mesmo vereador, a um seu irmão e ao arquitecto (primo deste) que foi o autor do procedimento desse edifício;
i) no processo ..., a CM... recusa-me o acesso a uma ou várias COMISSÕES ARBITRAIS (vide «Conflitos decorrentes da aplicação dos regulamentos municipais»), previstas na lei em vigor;
j) no processo n.°..., a CM...-Município ... permitiu que uma empresa de construção desse início e construísse um edifício, sem que esta tivesse iniciado o procedimento de licenciamento do mesmo, e sem que as suas infraestruturas viárias tivessem sido realizadas, tal como sempre exigiu aos clientes do Assistente
A - Os agentes de cada processo são :,
PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
5. Artigo 382° - Abuso de poder
6. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
7. Artigo 154.°-A - Perseguição
8. Artigo 277.° - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
4. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 01 - CM......]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.°-A - Perseguição
4. Artigo 277.° - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
5. Artigo 278.°-A - Violação de regras urbanísticas

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquiteta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
2. Engenheiro FF, Director de Departamento D.DGUA da CM...-Município ...;
3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 02 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.°-A - Perseguição

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 03 - CM... ...]

PROCESSO N.° ......
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.°-A - Perseguição
4. Artigo 277.° - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços

Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Dr.a HH, Coordenadora da Secção de Licenciamentos da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
5. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ[DECLARAÇÕES 04 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 154.°-A - Perseguição

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 05 - CM... NIPG...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 154.°-A - Perseguição
3. Artigo 256.° - Falsificação ou contrafacção de documento

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
3. Dra II, Coordenadora Técnica da SLO da CM...- Município ...;
4. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
5. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 6. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
7. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 06 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.°-A - Perseguição
4. Artigo 277.° -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 2. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
3. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 07 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 382.°-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.°-A - Perseguição
4. Artigo 256.° - Falsificação ou contrafacção de documento
5. Artigo 277.° -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
4. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 5. Engenheiro FF, Director de Departamento D.DGUA da CM...-Município ...;
6. Dr.a KK, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...;
7. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
8. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 08 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 154.°-A - Perseguição

Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Dr. LL, Jurista e Chefe da Divisão dos Serviços Jurídicos da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 09 - CM... ...]

PROCESSO N.° ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382° - Abuso de poder
2. Artigo 154.°-A - Perseguição
3. Artigo 277.° -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
4. Artigo 278.°-A - Violação de regras urbanísticas

Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. MM DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 10 - CM... ...

15. O Assistente Arguitecto AA é um profissional reputadíssimo na sua área,e na Povoa de Varzim com especial acentuação e com um vasto leque de clientes. É no espaço temporal do período dos processos administrativos denunciados nos autos, que o mesmo começa a ser prejudicado inclusive como consta das suas denuncias com actuação dolosa, intencional e criminosa, pelas pessoas aqui denunciadas com especial enfase na arquiteta CC
16. Todos os denunciados atuam por si e em comunhão de esforços com o intuito de provocarem danos e prejuízos ao assistente, com as suas ações ,e com especial enfâse na sua reputação profissional
17. A atuação dos denunciados e a omissão dos deveres dos mesmos, enquanto funcionários da CM..., no foro criminal é censurável e ilícita
18. O Julgador do tribunal de onde se recorre não deu valor, e devia tê-lo feito em fase à outra parte da norma que afina os fundamentos da importância da Instrução que a de "proceder ao controlo judicial da decisão do Ministério Público de arquivamento" do inquérito
19. Sempre seria de admitir a abertura de instrução por insuficiência do inquérito.
20. Nem o requerimento da abertura de instrução e nem toda a sua demais factualidade são extemporâneos
21. decisão instrutória de indeferimento fere os mais elementares direitos, liberdades e garantias do queixoso, aqui assistente...
22. Tudo o mais que por lei for entendimento valorar e apreciar.
23. Foram violados os artigos 154°, 154°-A, 235°, 256°.2770,2780,3350,382° e 382-A do Código Penal, os artigos 68°, 69°, 277°,279°,281°, 283°, 283n° 3 b) e d),287° n° 3, 287° n° 2 , 287°, 303° e 309° do Código de Processo Penal e o artigo 32° . 20° ,9°b) ,13°,18o,202o,204o,205onol,266o,269° e 271° da Constituição da República Portuguesa
24. Tudo o mais que dos autos e do presente recurso e ainda do que mais se apurar se possa também concluir.

*
Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela sua improcedência.
*
Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sob recurso é do seguinte teor: transcrição
«O tribunal é competente.
*
Proferido despacho de arquivamento do inquérito, nos termos constantes de fls. 489 e segs. e ao abrigo do disposto no art. 277.º, nº2, do C.P.P., veio o assistente AA requerer a abertura de instrução, nos termos constantes de fls. 545 e segs., alegando a insuficiência do inquérito e requerendo que sejam constituídos arguidos se pronunciar as pessoas visadas
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
4. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 5. Engenheiro FF, Director de Departamento D. DGUA da CM...-Município ...;
6. Dr.a KK, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...;
7. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
8. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...
9. MM DGUL/FOP da CM...-Município ...
Pelos crimes enunciados no item 9 (os factos e o direito) nos seus precisos termos e processos administrativos aí referidos, e cujo conteúdo por economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Para melhor compreensão da pretensão formulada pelo assistente, passamos a reproduzir na íntegra o sobredito item 9.
9 - OS FACTOS E O DIREITO
Da investigação no inquérito salvo o devido respeito estão nos autos as provas e os indícios deveria ter resultado o seguinte:
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1.Artigo 382º - Abuso de poder
2.Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3.Artigo 154.º-A - Perseguição
4.Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
4. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 01 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A - Perseguição
4. Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
5. Artigo 278.º-A - Violação de regras urbanísticas
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 2. Engenheiro FF, Director de Departamento D. DGUA da CM...-Município ...;
3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 02 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 03 - CM... ...]
PROCESSO N.º ......
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A - Perseguição
4. Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Dr.a HH, Coordenadora da Secção de Licenciamentos da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
5. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 04 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 2. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 05 - CM... NIPG1...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
3. Artigo 256.º - Falsificação ou contrafacção de documento
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
3. Dra II, Coordenadora Técnica da SLO da CM...-Município ...;
4. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
5. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 6. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
7. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 06 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
4. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 2. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
3. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 07 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
4. Artigo 256.º - Falsificação ou contrafacção de documento
5. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
4. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 5. Engenheiro FF, Director de Departamento D. DGUA da CM...-Município ...;
6. Dr.a KK, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...;
7. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
8. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 08 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Dr. LL, Jurista e Chefe da Divisão dos Serviços Jurídicos da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 09 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
3. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
4. Artigo 278.º-A - Violação de regras urbanísticas
Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. MM DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...; 3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 10 - CM... ...]
Cumpre apreciar e decidir.
A instrução destina-se ou a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação, ou a proceder ao controlo judicial da decisão do Ministério Público de arquivar, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento – cfr. art. 286.º, nº1, do Código de Processo Penal.
Enquanto fase jurisdicional, compreende a prática dos actos necessários que permitam ao juiz de instrução proferir a decisão final (decisão instrutória) de submeter ou não a causa a julgamento – cfr. art. 289.º do Código de Processo Penal.
Assim, podemos concluir que a instrução tem por fim apenas a comprovação judicial da decisão de acusar ou arquivar.
E, por isso, não pode servir para outra finalidade que não esta, a que a lei lhe determina.
Designadamente, não pode ser utilizada para repetir o que na investigação já se efetuou, para a realizar de novo, ou para ensaiar a defesa antecipando o julgamento.
Na instrução, a única actividade a desenvolver é a da comprovação judicial e esta tem por objecto o inquérito lato sensu.
A comprovação judicial carece de ser desencadeada, o que acontece mediante a apresentação do requerimento de abertura de instrução, onde têm que constar os fundamentos necessários a servir de apoio a essa actividade (as razões de facto e de direito de discordância em relação à decisão do Ministério Público).
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/06, publicado em www.dgsi.pt, “O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução” – de modo a fundar a sua convicção para pronunciar ou não pronunciar o arguido –, mas “tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº2 do art. 287.º do CPP (cf. art. 288.º, nº4, do mesmo Código).
Essa liberdade de investigação (mesmo oficiosa), reafirmada na primeira parte do nº1 do art. 289.º do CPP, não é absoluta, estando antes limitada pelo objecto da acusação.
Daí que se compreenda que o objecto da instrução tenha de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Por isso, nessa fase processual, o requerimento para abertura de instrução é uma peça essencial.
Perante o arquivamento do inquérito, o assistente pode requerer a abertura da instrução, mas, neste caso, terá de observar os requisitos ou pressupostos legais”.
Nos termos do disposto pelo art. 287.º, nº2, do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura da instrução “não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283.º”.
Assim, o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente há-de conter “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (al. b) do nº3 do art. 283.º) e “a indicação das disposições legais aplicáveis” (al. c) do mesmo nº3).
Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/13, disponível em www.dgsi.pt., esta exigência suplementar bem se compreende na medida em que, não sendo deduzida acusação, o requerimento de abertura de instrução substitui tal peça, delimitando o thema decidendum, a actividade instrutória do juiz e, em última análise, o conteúdo de eventual despacho de pronúncia (cfr. o disposto nos arts. 303.º, 308.º e 309.º do C.P.P.).
É em função do conteúdo dessa peça que o arguido pode praticar o contraditório e exercer, na sua plenitude, as suas garantias de defesa. Daí que o cumprimento do estatuído nas al. b) e c) do nº3 do art. 283.º do C.P.P. (ex vi do art. 287.º, nº2, do mesmo diploma) tenha em vista, em última instância, a tutela dessas garantias de defesa: perante um requerimento de abertura de instrução onde se não delimitem, com precisão, os factos concretos a apurar, susceptíveis de integrar os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime imputado ao arguido, carece este de elementos suficientes em ordem a organizar a sua defesa.
Como refere Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, vol. III, pág. 144), “o requerimento para abertura de instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação alternativa que, dada a divergência com a posição assumida pelo MP, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial”, sendo objecto da instrução “os factos descritos na acusação formulada pelo MP ou pelo assistente e no requerimento de instrução do assistente”, concluindo o referido Autor que, “se não tiverem sido descritos os factos, a instrução não tem objecto, sendo consequentemente inexistente”.
Também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/10, disponível em www.dgsi.pt, se refere que o requerimento de abertura de instrução, quando não tenha havido acusação, contém, pois, necessariamente, duas partes: uma em que o requerente enuncia os motivos de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do MP; outra em que, substituindo-se à acusação pública em falta, o assistente deduz a sua acusação, com a narração dos factos susceptíveis de integrar a factispecie do tipo legal de crime (no seu elemento objectivo e subjectivo), devidamente identificado pela menção das disposições legais aplicáveis, e das circunstâncias de modo, tempo e lugar e outras, com relevo para a determinação da sanção a aplicar. A lei não exige a sujeição de qualquer destas partes, em que se desdobra o requerimento, a formalidades especiais, o que, no entanto, não significa que não os sujeite a exigências de forma mínimas, adequadas à satisfação dos ónus impostos. A não sujeição a formalidades especiais não significa que se prescinda da substância – a enumeração dos factos pertinentes ao preenchimento do tipo legal de crime, e da forma minimamente adequada à sua percepção: a narração, ainda que sintética, desses factos e dos demais a que o art. 283º do C.P.P. faz referência.
Dizendo de outro modo, a instrução, em caso de arquivamento do inquérito, visa, não só a comprovação judicial dessa decisão de arquivar o inquérito, mas também submeter a causa a julgamento – o que, num processo de cariz acusatório, como o nosso, acarreta necessariamente a dedução de uma acusação. Não tendo sido formulada pelo Ministério Público, é ónus do assistente, requerente da actividade instrutória, formulá-la.
Este entendimento é o que maioritariamente tem sido defendido na jurisprudência, quer das Relações, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer mesmo do Tribunal Constitucional. A título de exemplo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2006, onde se refere que o requerimento para abertura de instrução “deve constituir uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena”, ou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 358/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, onde se refere que «o objecto da instrução (tem) de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e (…) tal definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, o que decorre de princípios fundamentais do processo penal, designadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória». Ainda, no mesmo sentido veja-se o Ac. TC nº 674/99, publicado no DR, II, de 25/02/2000.
No mesmo sentido se pronunciaram, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Évora de 14/4/95, publicado na CJ, ano XX, tomo II, pág. 280, de 21/6/2011 e de 13/4/2010, da Relação do Porto de 17/11/10, 14/3/2012 e 11/5/2011, da Relação de Lisboa de 1/4/2008 e de 31/1/2008, da Relação de Coimbra de 1/4/2009 e da Relação de Guimarães de 18/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Aliás, atenta a estrutura da fase instrutória do processo, jamais a lei poderia prescindir da indicação pelo acusador – público ou assistente - da factualidade pertinente à sujeição do arguido a julgamento. A instrução tem natureza jurisdicional e não investigatória.
Deste modo, cabe verificar se o requerimento de abertura de instrução formulado nos autos cumpre os requisitos enunciados no art. 287.º, nº2, do Código de Processo Penal e, em particular, as exigências legais expressas nas als. b) e c) do nº3 do art. 283.º do mesmo diploma (por força da remissão operada pelo primeiro dispositivo legal citado).
Entendemos que não.
Com efeito, o requerimento de abertura de instrução do assistente, não identifica cabalmente os arguidos/denunciados, não descreve minimamente os factos que se lhes pretende imputar, suscetíveis de integrarem a factispecie do(s) tipo(s) legal(ais) de crime (no seu elemento objetivo e subjetivo), reduzindo-se quase exclusivamente à enunciação dos motivos de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Público.
Ora, como é consabido, o juiz não se pode substituir ao assistente, colocando por sua iniciativa os factos em falta, que eram essenciais para a imputação do crime em questão, ou as disposições legais incriminatórias.
Tal solução (além de violar o princípio da igualdade de armas e até colocar em causa a própria imparcialidade e independência do julgador) está vedada porque os poderes de cognição do Juiz estão limitados pelo que consta do requerimento de abertura de instrução (assim também se assegurando as garantias de defesa do arguido).
O juiz não pode compor uma narração de factos antes inexistente: caso viesse a acrescentar factos integradores do tipo de crime, estar-se-ia perante uma alteração substancial dos factos, o que tornaria nula a decisão instrutória (art. 309, nº1, do CPP).
Nem pode o juiz convidar o assistente a aperfeiçoar o seu requerimento.
Com efeito, como se pode ler (a título de exemplo) no douto Ac. TRP de 30/05/2012 (disponível em www.dgsi.pt), “Diga-se desde já que no nosso entendimento não pode efectivamente o juiz de instrução efectuar essa intervenção correctiva. E não pode por, claramente, isso violar um dos princípios essenciais em que se sustenta o processo penal português.
Como já referimos noutro local, aprofundadamente (in A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal português, Coimbra Editora, p.37), «a retenção do que é essencial no princípio do acusatório – a separação entre a entidade investigadora e acusadora e a entidade que julga, por um lado e a vinculação desta ao thema decidendum, organizado por aquela – é uma aquisição jurídico cultural indiscutível».
E é-o porque é na assumpção de um modelo legitimador onde a imparcialidade do juiz como fundamento de toda a decisão – no sentido de não comprometimento absoluto com fases ou intervenções anterior ao julgamento – radica a compreensibilidade de um processo penal adequado ao instrumentarium supra constitucional aceite e subjacente ao sistema constitucional de um Estado de Direito.
A estrutura acusatória do processo penal, na perspectiva da jurisdição, é fundamentalmente assumida a sua dimensão orgânica, onde a diferenciação e a autonomia de papéis impõe o carácter absolutamente imparcial do julgador.
Assumir uma vertente inquisitória, ou um tempero investigatório por parte do juiz, que claramente é estabelecido no CPP, não pode questionar a essência da impositividade constitucional. Ou seja nunca a imparcialidade do tribunal pode a qualquer título ser questionada.
Reger-se-á, por isso e fundamentalmente o processo penal pelo princípio da máxima acusatoriedade. Essa uma decorrência da imposição constitucional decorrente da estrutura acusatória do processo penal.
Ao imiscuir-se na correcção ou incorrecção de um requerimento que necessariamente tem que moldar a sua decisão (pronuncia ou não pronuncia), o juiz de instrução que, recorde-se no nosso sistema não é um juiz investigador, mas um juiz garante dos direitos, certamente estaria a colocar em causa o princípio do acusatório e a pôr em causa a sua legitimação pela imparcialidade.
Daí que, de todo, não o possa fazer.”
O assistente não cumpriu, por isso, no requerimento que formulou, as exigências contidas no art. 283.º, nº 3, als. b) e c), ex vi do art. 287.º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, o que significa que falta ao requerimento de abertura de instrução a delimitação factual e jurídica sobre a qual há-de incidir a instrução, uma verdadeira “acusação alternativa”, com o mesmo rigor e precisão que é exigível ao libelo acusatório (público ou particular).
Nestes casos, vem-se entendendo que se está perante uma situação de inadmissibilidade legal de instrução, sujeita ao regime do art. 287.º, nº3, do Código de Processo Penal – cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/10 (disponível em www.dgsi.pt) e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/12/2013 (disponível no mesmo site), no qual se pode ler que «se nos diz o artº 283º2 CPP que a acusação deve observar o disposto nas alíneas b) e c) do nº2 , sob pena de nulidade - o requerimento que não observe o disposto na citada norma que impõe aquela descrição (287º2 in fine e 283º 3 b) e c) CPP), é nulo.
(…)
Ora a nosso ver, sendo nulo o requerimento apresentado e a lei não permitindo a prática de actos nulos ou o seu aproveitamento, o acto é inválido não se podendo dele conhecer, afigurando-se-nos correcto o entendimento do STJ, expresso no Ac. 12/3/2009 www.dgsi.pt/jstj (…) - No conceito de “inadmissibilidade legal da instrução”, haverá, assim, que incluir, além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de actos processuais em geral.”, e não se podendo conhecer do RAI não pode ser admitida a abertura da instrução, porque a lei não o admite, e consequentemente deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal.
Daqui decorre que a nulidade do requerimento de abertura de instrução constitui um dos casos de inadmissibilidade legal da instrução, fundamento do despacho de rejeição».
Face a todo o exposto, ao abrigo do disposto pelo art. 287.º, nº3, do C.P.P., indefiro a abertura de instrução requerida pelo assistentes, por inadmissibilidade legal.
Sem custas.
Notifique.
Oportunamente, arquivem-se os autos.»
*
Para melhor compreensão do objeto do recurso, passamos a transcrever o requerimento de abertura de instrução oportunamente formulado pelo assistente, ora recorrente:
«AA, assistente, queixoso e ofendido e aos autos acima referenciados vem para os devidos efeitos legais requer a ABERTURA DA INSTRUÇÃO, ex-vi artºs 286º e 287º do CPP e demais legislação aplicável, qualidade de queixoso/ ofendido e /ou assistente, nos termos e fundamentos que seguem:
1 – Discorda o requerente do despacho de arquivamento e dos seus fundamentos, que não se aceitam.
2 - Importa não olvidar que o Processo nº 668/17.9T9PVZ, denominado “Apenso A” neste processo nº256720.2T9PVZ, carrega para os autos meios de prova documentais e outros de especial interesse e prova para as questões do foro criminal suscitadas pelo queixoso/assistente.
3-Não foi devidamente ponderada no inquerito a situação dos denunciados pelo queixoso Arquiteta CC, Arquiteta JJ e Dr EE, os quais com o devido respeito deveriam figurar nos autos com o estatuto de arguidos...
4-Erradamente figuraram aqueles denunciados no Inquerito, os dois primeiros como testemunhas da CM... e o terceiro como seu representante legal.
5-Tal permissão de ai figurarem nesse papel salvo o devido respeito que é muito subverteu e deturpou toda a atitude investigatória, permitindo aos mesmos inquinar a mesma, e lançar a errada ideia de que não praticaram qualquer ilicito penal, mas apenas tinham visão divergente da do queixoso...
6-Figuraram assim como se fossem imaculadas e sem qualquer mancha penal,lançando assim sobre o queixoso uma “mancha negra” de ser “mau carácter”,” má pessoa”, em suma, “não conseguem matar o mensageiro” mas deixam-no quase desacreditado, perante as evidências criminais que aquele carregou para os autos, principalmente de base documental...
7-Mas não são apenas aqueles que deveriam figurar nos autos de inquerito com o estatuto de arguidos, também o deveriam os demais denunciados Sr. GG, Eng. DD, Dr. LL e Eng. NN
01.
Não foram considerados, nem analisados, nem tidos em conta, para o presente «despacho de arquivamento»:
a)o constante nos 6 (seis) emails pelo Assistente enviados ao MP em data de 18 de Janeiro de 2021, na medida em que estes foram desentranhados e devolvidos (sem ter sido dado prévio conhecimento, até ao despacho de arquivamento), sem nunca terem merecido qualquer extração de certidão, apesar de conterem referência detalhadas e concretas a eventuais CRIMES;
b)o constante no procedimento de licenciamento autárquico denominado de «...», na medida da recusa da CM... ao Assistente, ao seu acesso a uma ou várias COMISSÕES ARBITRAIS;
c)o constante no procedimento de licenciamento autárquico denominado de «n.º 56FIS.17», na medida em que a CM... permitiu que uma empresa de construção desse início e construísse um edifício, sem que esta tivesse iniciado o procedimento de licenciamento do mesmo, e sem que as suas infraestruturas viárias tivessem sido realizadas, tal como sempre exigiu aos clientes do Assistente;
d)o constante nos 2 (dois) emails pelo Assistente enviados ao MP em data de 17 de Março de 2022, na medida em que têm relação com os processos de licenciamento autárquico n.º 267/16 e n.º 822/11;
e)o constante no email pelo Assistente enviado ao MP em data de 27 de Junho de 2022, na medida em que tem relação com os processos de licenciamento autárquico n.º 267/16 e n.º 822/11;
f)o constante no email pelo Assistente enviado ao MP em data de 07 de Julho de 2022, na medida em que tem relação com os processos de licenciamento autárquico n.º 668/17.9T9PVZ;
g)o constante no email pelo Assistente enviado ao MP em data de 01 de Fevereiro de 2023, na medida em que tem relação com os processos de licenciamento autárquico n.º 267/16 (e n.º 822/11), sem nunca ter merecido qualquer extração de certidão, apesar de conter referência detalhadas e concretas a eventuais CRIMES, pelo que estes elementos têm de ser admitidos como NOVOS elementos de prova, pelo importantes que são para o entendimento e para o apuramento da verdade dos factos que se pretendem provar.
02.
Na diligência de prova, requerida pelo Assistente ser feita no processo apenso 668/17.9T9PVZ com a participação de 3 (três) Peritos (arquiteto, engenheiro civil e jurista em direito administrativo – propostos e nomeados pelo Assistente, CM... e MP), tendo por base uma lista concreta de QUESITOS também proposta pelo Assistente, o MP somente diligenciou uma perícia com 1 (um) único Perito, por si nomeado, sem referir qual a sua formação concreta,.
8 - A DENÚNCIA do Assistente, datada de 06/01/2020, é muito clara sobre este aspecto, nomeadamente:
01.
a)tem a ver com a gravidade do teor do que consta da NOTÍCIA PÚBLICA, publicada pelo Jornal ... a 07 de Setembro de 2019, com o título " ...", de autoria da jornalista OO (vide anexos que constam da minha denúncia), sobre processos de licenciamento autárquico que não são da autoria do Assistente;
b)incide também sobre a repetida violação dos mais elementares e universais direitos do Assistente, enquanto ARQUITECTO e CIDADÃO, nos processos de licenciamento autárquico correlacionados com os factos constantes da referida NOTÍCIA PÚBLICA, nomeadamente aquele com n.º 267/16;
c)O arquitecto AA, queixoso e assistente nestes autos é e foi pessoa reputada, estimada e entendida da matéria no âmbito da arquitectura em especial em todo o Município ...
d)Esta DENÚNCIA eas demais denuncias do assistente anteriores e constantes do Apenso A do Assistente recaiem, assim, sobre a acção de várias pessoas responsáveis pela presente e ou anteriores administrações municipais, nomeadamente:
i.os Arquitectos Técnicos Superiores da CM...-Município ...;
ii.o Arquitecto Chefe de Divisão da CM...-Município ...;
iii.os «fiscais de obras» da CM...-Município ...;
iv.o Sr. Vereador das Obras Municipais e ou Planeamento e ou Gestão Urbanística;
v.os Sr.es Juristas/Advogados da CM...-Município ...;
vi.o Sr. Jurista/Advogado/Chefe da Divisão dos Serviços Jurídicos da CM...-Município ...;
vii.e o Sr. Presidente da Câmara Municipal ...,
e)Salvo o melhor e fundada opinião está-se na presença dos seguintes crimes, constantes do CÓDIGO PENAL:
i.Artigo 382º - Abuso de poder | na medida em que, eventualmente, “O «funcionário» (vide n.º 1, alínea b) e d), n.º 2 e n.º 4, do artigo 386.º do Código Penal) que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de (…) causar prejuízo a outra pessoa (…)”;
ii.Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário | na medida em que, eventualmente, “O «funcionário» (vide n.º 1, alínea b) e d), n.º 2 e n.º 4, do artigo 386.º do Código Penal) que informe (…) processo de licenciamento ou de autorização ou preste neste informação falsa sobre as leis ou regulamentos aplicáveis, consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas (…)”;
iii.Artigo 154.º-A – Perseguição | na medida em que, eventualmente, “Quem, de modo reiterado, perseguir (vide sinónimos: castigar, estorvar, punir, bloquear, impor incómodo, impor castigo, impor tormento, ir ao encalço) ou assediar (vide sinónimos: bloquear) outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação“;
ou até do:
iv.Artigo 256.º - Falsificação ou contrafacção de documento | na medida em que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado: d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante”;
v.o Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços | no que corresponde a quem no âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento;
vi.o Artigo 278.º-A - Violação de regras urbanísticas | no que corresponde a quem proceder a obra de construção, reconstrução ou ampliação de imóvel que incida sobre via pública, bem do domínio público ou terreno especialmente protegido por disposição legal, consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas aplicáveis, sendo que as pessoas colectivas e entidades equiparadas são também responsáveis;
f)E, estar-se na presença dos seguintes crimes, constantes do CÓDIGO PENAL:
i.o Artigo 235.º - Administração danosa, no que corresponde a quem, infringindo intencionalmente normas de controlo de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público;
ii.o Artigo 335º -Tráfico de influência, no que corresponde a quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial;
iii.o Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário, no que corresponde ao funcionário que informe ou decida favoravelmente processo de licenciamento ou de autorização ou preste neste informação falsa sobre as leis ou regulamentos aplicáveis, consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas, nomeadamente se o objecto da licença ou autorização incidir sobre via pública, bem do domínio público ou terreno especialmente protegido por disposição legal.
02.
Deverá atender-se que, na referida NOTÍCIA PÚBLICA, há importante referência de que houveram decisões de DEMOLIÇÃO e que estas foram tomadas pelo MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL (*),
(*) vide MARINHA – ORDEM DA ARMADA – 1.ª série OA1 n.º 37, de 28 de Agosto de 2019 – Atos da Hierarquia Superior do Chefe do Estado-Maior da Armada – Despacho n.º 7451/2019 (moradia) + Despacho n.º 7519/2019 (ampliação de armazém de materiais de construção) + Despacho n.º 7520/2019 (pavilhão industrial) + Despacho n.º 7521/2019 (stand de automóveis) + Despacho n.º 7522/2019 (moradia) - páginas 18 a 24.
03.
Os emails enviados pelo Assistente em data de 18 de Janeiro de 2021 - que foram desentranhados e devolvidos, e nunca mereceram qualquer extração de certidão apesar de conterem referência a eventuais CRIMES – referiam-se a outros procedimentos de licenciamento autárquico, pelo Assistente DENUNCIADOS em data de 21/04/2017 (INQUÉRITO MP 668/17.9T9PVZ), nomeadamente, entre os outros, aquele DESIGNADO a negrito:
a)n.º 123/89;
b)n.º 884/07;
c)n.º 569/09;
d)n.º 556/12-L5;
e)n.º NIPG11810/16;
f)n.º 391/16;
g)n.º 337/16;
h)n.º 267/16;
i)... (ignorado pelo MP na sua decisão de arquivamento);
j)n.º 56FIS.17 (ignorado pelo MP na sua decisão de arquivamento), tendo estes RELEVÂNCIA, afirmou o Assistente, para o entendimento da forma como a Câmara Municipal .../Município ... eventualmente age para com determinados técnicos (e para com outros), em termos daquilo que é a exigência do cumprimento da legislação em vigor em termos de matéria de licenciamento municipal, actos estes reveladores da eventual prática dos CRIMES inicialmente denunciados.
04.
E, a pedido (elaborado em 03/12/2020) do Assistente, os autos de inquérito com o nº 668/17.9T9PVZ foram apensados ao inquérito nº 256/20.2T9PVZ em data de 04/01/2021, nos quais já se encontravam identificadas as principais pessoas responsáveis pela presente e ou anteriores administrações municipais, e eventuais autoras dos eventuais CRIMES pelo Assistente denunciados, nomeadamente:
i.a Arquitecta Técnica Superior da CM...-Município ... - Arquitecta JJ;
ii.a Arquitecta Chefe de Divisão da CM...-Município ... - Arquitecta CC;
iii.o «fiscal de obras» da CM...-Município ... - Sr. GG;
iv.o Sr. Vereador das Obras Municipais, Planeamento e Gestão Urbanística e Modernização Administrativa - Eng. DD;
v.o Sr. Jurista/Advogado da CM...-Município ... - Dr. EE;
vi.Sr. Jurista/Advogado/Chefe da Divisão dos Serviços Jurídicos da CM...-Município ... - Dr. LL;
vii.e o Sr. Presidente da Câmara Municipal ... – Eng. NN,
05.
Sendo que, nesse processo inquérito nº 668/17.9T9PVZ apenso, a factualidade encontrava-se já exposta de forma detalhada (nos seus anexos cronologicamente apresentados) e muito resumidamente (nas declarações ali apresentadas), que aqui telegraficamente se reproduzem:
i.no PROCESSO N.º ..., a CM...-Município ... deu preferência e agilidade a um requerimento de uma outra empresa, em detrimento do requerimento da empresa do meu cliente;
ii.no PROCESSO N.º ..., a CM...-Município ... licenciou alguns aspectos construtivos (afastamentos laterias das varandas, por ex. entre outros) de um procedimento de licenciamento de um outro requerente e de um edifício adjacente, em detrimento do edifício do meu cliente;
iii.do PROCESSO N.º ..., e da inacção da CM...-Município ... e outras entidades, resultou que eu não consegui vender a minha moradia particular para proceder ao pagamento das minhas dívidas à banca, sendo que, e por tal, fui declarado (a minha mulher também) como INSOLVENTES, desde DEZ 2015;
iv.no processo n.º ..., a CM...-Município ... não emitiu a prorrogação de um alvará, quando a lei o permite ser feito no enquadramento legal apresentado pelo meu cliente;
v.no processo N.º..., a CM...-Município ..., recusou-se por diversa vezes, à marcação de reuniões processuais presenciais, cujas marcações habitualmente ocorrem num prazo de poucos dias, sendo que não deu resposta, em prazo legal, à minha reclamação apresentada no LIVRO DE RECLAMAÇÕES da autarquia;
vi.no PROCESSO N.º ..., a CM..._Município ... pretendia emitir um alvará com uma NOTA DE RODAPÉ que se encontrava em desacordo com a lei em vigor, colocando em causa a minha competência profissional e de outros técnicos;
vii.no PROCESSO N.º ..., a CM...-Município ..., contrariamente à lei em vigor, não aprovou o licenciamento requerido pelo meu cliente, apesar de se ter junto ao processo um «parecer jurídico» que também o fundamentava;
viii.no PROCESSO N.º ..., a CM...-Município ... não emitiu um alvará - e, depois de ter aconselhado a proceder a um outro (desnecessário) tipo de licenciamento, não licenciou - um procedimento que encontrava devidamente enquadrado na legislação em vigor, sendo que, a menos de 50 metros do edifício do meu cliente, a CM...-Município ... aprovou e licenciou um outro edifício (este sim sem antecedentes construtivos em relação a uma mansarda) com um piso recuado completamente ilegal, sendo que a empresa de construção do mesmo pertencia a um familiar do (na altura) vereador do pelouro das obras, sendo que essa empresa pertence agora a esse mesmo vereador, a um seu irmão e ao arquitecto (primo deste) que foi o autor do procedimento desse edifício;
ix.no processo ..., a CM... recusa-me o acesso a uma ou várias COMISSÕES ARBITRAIS (vide «Conflitos decorrentes da aplicação dos regulamentos municipais»), previstas na lei em vigor;
x.no processo n.º..., a CM...-Município ... permitiu que uma empresa de construção desse início e construísse um edifício, sem que esta tivesse iniciado o procedimento de licenciamento do mesmo, e sem que as suas infraestruturas viárias tivessem sido realizadas, tal como sempre exigiu aos clientes do Assistente
06.
Enquanto ASSISTENTE, e como pessoa com interesses processuais específicos a efectivar no processo penal em virtude da violação de alguns dos seus direitos - sendo que, esse papel, também permite auxiliar o Ministério Público, e embora dele autónomo, estar subordinado à sua actuação – foram pelo Assistente sempre enviados, ao MP, detalhados elementos de prova, cronologicamente datados, com resumos apresentados em forma de DECLARAÇÕES, por forma a que esta entidade pudesse facilmente consultar e entender, com rigor e detalhe, o que se estava a DENUNCIAR.
Todos esses elementos (DECLARAÇÕES + ANEXOS) foram apresentados por nota introdutória, e índice próprio.
As DECLARAÇÕES têm somente cerca, em média, três páginas por cada um dos processos denunciados.
Os ANEXOS estão organizados cronologicamente.
07.
Por tal, os elementos probatórios pelo Assistente enviados permitem vislumbrar uma realidade fáctica da qual ressalta a possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, por força deles e em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
Isto porque desses elementos de prova, podem ser facilmente recolhidos INDÍCIOS SUFICIENTES da prática dos crimes e de quem os praticou.
Tanto mais, que desde 2017, há já mais de 6 (seis) anos o Assistente sofre, para além de outros muito graves danos, DANOS MORAIS, ao ver o seu bom nome e reputação, pessoal e profissional a ser posta em causa pelos factos DENUNCIADOS, não tendo tido, desde 2017, mais trabalho como Arquitecto.
Não se pode assim dizer, de forma ligeira e apressada, que o Assistente tem visões distintas e muitas vezes antagónicas (opostas, contrárias) com os técnicos da CM..., isto porque o Assistente nunca opinou sobre qualquer um dos factos denunciados, mas, sim, elaborou DENÚNCIAS devidamente sustentadas por factos e provas concretas e específicas a matérias legais concretas e específicas, atribuídas a acções eventualmente acometidas por várias e concretas pessoas, responsáveis pela presente e ou anteriores administrações municipais,
Nem se pode sustentar um «despacho de arquivamento», com base e fundamentação em visões distintas e muitas vezes antagónicas (opostas, contrárias) entre o Assistente e os técnicos da CM..., pois nada consta das DENÚNCIAS que fundamente tal, nem tal tem qualquer enquadramento legal.
9 - OS FACTOS E O DIREITO
Da investigação no inquerito, e salvo o devido respeito estão nos autos as provas e os indícios deveria ter resultado o seguinte:
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1.Artigo 382º - Abuso de poder
2.Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3.Artigo 154.º-A - Perseguição
4.Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
4. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 01 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A - Perseguição
4. Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
5. Artigo 278.º-A - Violação de regras urbanísticas
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
2. Engenheiro FF, Director de Departamento D.DGUA da CM...-Município ...;
3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 02 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 03 - CM... ...]
PROCESSO N.º ......
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A - Perseguição
4. Artigo 277.º - Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Dr.a HH, Coordenadora da Secção de Licenciamentos da CM...-Município ...;
3. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
4. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
5. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 04 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
2. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 05 - CM... NIPG...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
3. Artigo 256.º - Falsificação ou contrafacção de documento
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
3. Dra II, Coordenadora Técnica da SLO da CM...-Município ...;
4. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
5. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
6. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
7. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 06 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
4. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
2. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
3. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 07 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 382.º-A - Violação de regras urbanísticas por funcionário
3. Artigo 154.º-A – Perseguição
4. Artigo 256.º - Falsificação ou contrafacção de documento
5. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
4. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
5. Engenheiro FF, Director de Departamento D.DGUA da CM...-Município ...;
6. Dr.a KK, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...;
7. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
8. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 08 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
Agentes da Administração Pública envolvidos no presente processo:
1. Dr. LL, Jurista e Chefe da Divisão dos Serviços Jurídicos da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ - INQ [DECLARAÇÕES 09 - CM... ...]
PROCESSO N.º ...
Crime(s) cometido(s):
1. Artigo 382º - Abuso de poder
2. Artigo 154.º-A – Perseguição
3. Artigo 277.º -Infracção de regras de construção e perturbação de serviços
4. Artigo 278.º-A - Violação de regras urbanísticas
Agentes da Administração Pública eventualmente envolvidos no presente processo:
1. MM DGUL/FOP da CM...-Município ...;
2. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
3. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ....
[vide P66817.9T9PVZ [DECLARAÇÕES 10 - CM... ...]

10 - Reconhece-se a especial complexidade da averiguação criminal dos factos que aqui se colocam e sempre se colocaram nos autos.
11- Verifica-se como evidencia a insuficiência do inquérito para poder ser proferido despacho de arquivamentos nos termos em que está elaborado.
12 – O Assistente Arguitecto AA é um profissional reputadíssimo na sua área, e na Povoa de varzim com especial acentuação e com um vasto leque de clientes
13 – É no espaço temporal do período dos processos administrativos denunciados nos autos, que o mesmo começa a ser prejudicado inclusive como consta das suas denuncias com actuação dolosa, intencional e criminosa, pelas pessoas aqui denunciadas com especial enfase na arquiteta CC
14 –todos os denunciados actuam por si e em comunhão de esforços com o intuito de provocarem danos e prejuizos ao assistente, com as suas acções, e com especial enfase na sua reputação profissional
15 – Por outro lado, a sua actuação e a omissão dos deveres dos mesmos, enquanto funcionários da CM..., para além do foro criminal é também passível de ser censurável a outros niveis legais, principalmente do foro civil e administrativo
16 – E o aqui assistente, viu-se igualmente na necessidade de ter de intervir quer a nível civil, quer a nivel administrativo em outros processos quer com seus clientes quer com a própria CM..., ao que
17 O procº1777/21.5BEPRT –VO2, mencionado pelo ex.Sr procurador do Mp, no despacho de arquivamento, nada tem que ver com os ilícitos criminais dos agentes aqui visados, mas é antes um pedido de pagamento de indemnização que corre por via administrativa.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável deve pois ser considerada e admitida como aberta a Instrução, facto que se requer e a fim , constituídos arguidos se pronunciar as pessoas visadas
1. BB, Técnica Superior da DOP/Fiscalização da CM...-Município ...;
2. GG, Fiscal da DGUL/FOP da CM...-Município ...;
3. Arquitecta JJ, Técnica Superior da CM...-Município ...;
4. Arquitecta CC, Chefe de Divisão Municipal da CM...-Município ...;
5. Engenheiro FF, Director de Departamento D.DGUA da CM...-Município ...;
6. Dr.a KK, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...;
7. Engenheiro DD, Vereador da CM...-Município ...;
8. Dr. EE, Jurista do Gabinete Jurídico da CM...-Município ...
9. MM DGUL/FOP da CM...-Município ...
Pelos crimes enunciados no item 9 (os factos e o direito) nos seus precisos termos e processos administrativos aí referidos, e cujo conteúdo por economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Mais requerem e consideram todos os meios de prova já constantes dos autos ,os demais que se considerem oportunos, prova pericial conjunta (um arquitecto, um engenheiro, um jurista),com os quesitos formulados pelo assistente já constantes dos autos, acrescidos de outros que se entenda necessários e tudo o mais os que entretanto se vier a apurar:
Mais Importa que se oficie os serviços competentes da CM... a fim de identificação concreta e respectivos domicílios de todas pessoas visadas que se pretendem acusadas.»
*
*
III - O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
A questão suscitada pelo recorrente resume-se a determinar se o requerimento para abertura da instrução que oportunamente apresentou cumpre os requisitos plasmados no nº 2 do art. 287º do C.P.P. e, em concreto, se nele se descrevem os factos integradores dos tipos legais de crime e dos respetivos autores materiais em relação aos quais pretende seja proferido despacho de pronúncia.
Vejamos:
As finalidades da fase da instrução, que tem carácter facultativo, vêm definidas no nº 1 do art. 287º do C.P.P., consistindo na comprovação judicial, ou da decisão de deduzir acusação ou da de arquivar o inquérito, sempre em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
A instrução é uma das fases do processo preliminar, tem carácter jurisdicional[2] e ocorre entre a fase do inquérito e a de julgamento.
Resulta do disposto no nº 1 do art. 287º que a instrução só pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente: quanto ao primeiro, relativamente a factos pelos quais o MºPº ou o assistente (este, em caso de procedimento dependente de acusação particular), tiverem deduzido acusação; e, quanto ao segundo, se o procedimento não depender de acusação particular (pois se depender, o que o assistente deve fazer é deduzi-la), relativamente a factos pelos quais o Mº Pº não tiver deduzido acusação. O nº 2 do mesmo preceito começa por dizer que o requerimento (de abertura da instrução) não está sujeito a formalidades especiais, afirmação que deve ser entendida no sentido de que se trata de uma peça simplificada sem grandes exigências de rigor técnico-jurídico ou ao nível da descrição dos factos, sem contudo se prescindir da necessária clareza e precisão que permitam a sua compreensão. No entanto, há requisitos que deve respeitar e que bem se compreendem tendo em conta que, quer o arguido, quer o assistente, têm obrigatoriamente de estar representados por técnicos do Direito.
Em tal requerimento deve, pois, o respetivo requerente começar por indicar sumariamente as razões de facto e de direito que fundamentam a sua discordância relativamente à acusação ou ao arquivamento. Em seguida, deve indicar eventuais atos de instrução que pretenda sejam levados a cabo pelo juiz e os meios de prova que não hajam sido considerados no inquérito, bem como os factos que, através de uns de outros, espera conseguir provar.
Acresce que, no caso de o requerente ser o assistente, e como resulta da remissão expressa feita para as als. b) e c) do nº 3 do art. 283º, esse requerimento deve ter a estrutura formal de uma acusação, - pois não é nem mais nem menos do que uma acusação alternativa que irá ser sujeita a comprovação judicial -, contendo, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. Esta exigência encontra fundamento na estrutura acusatória do processo penal, devido à qual a atividade do tribunal se encontra delimitada pelo objeto fixado na acusação, em consonância com as garantias de defesa do arguido (cfr. art. 32º nºs 1 e 5 da C.R.P.), que, deste modo, fica salvaguardado contra qualquer arbitrário alargamento do objeto do processo e lhe permite a preparação da defesa no respeito pelo princípio do contraditório.
Estando, pois, o juiz substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido anteriormente deduzida acusação nos autos ou que tenham sido descritos no requerimento do assistente - como até se extrai do facto de a lei cominar, no art. 309º, com a sanção de nulidade, a decisão instrutória, na parte em que pronuncie o arguido por factos que constituem alteração substancial[4] dos descritos na acusação ou no requerimento de abertura de instrução -, constitui ónus do assistente alegar expressamente todos os factos concretos suscetíveis de integrar o(s) tipo(s) legal(is) de crime que entende ter a conduta do(s) arguido(s) preenchido, nomeadamente todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime em causa, como o vem entendendo a generalidade da jurisprudência[5].
No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues[6] salienta «que se pretendeu realizar a máxima acusatoriedade possível: por um lado, sendo embora a instrução uma fase em que vigora o princípio da investigação, a autonomia do juiz não significa que tenha poderes conformadores da acusação; por outro lado, é exatamente a acusação que determina o objeto do processo.»
Também o Tribunal Constitucional já assinalou, por via do seu Acórdão n.º 358/2004 de 19 de Maio de 2004[7] que: "a estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução. Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objeto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa. Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis. De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa. Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo. Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efetiva do acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.”
Diga-se, além do mais, que “não é ao juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelo arguido de um crime, pois então, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da ação penal contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor”[8]. De facto, a liberdade de investigação conferida ao juiz de instrução pelo art. 289º como decorrência do princípio da verdade material que enforma o processo penal, e que lhe permite levar a cabo, autonomamente, diligências de investigação e recolha de provas, não é absoluta, porque está condicionada pelo objeto da acusação. A atividade processual desenvolvida na instrução é uma atividade “materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações”[9].
As exigências relativas ao requerimento de abertura de instrução, atendem, nomeadamente, ao disposto no artigo 303° quanto à alteração substancial dos factos constantes do requerimento do assistente.
Para que possa haver nos autos decisão de pronúncia contra o arguido é necessário, antes de mais, que o assistente no seu requerimento de abertura de instrução tenha definido o objeto da mesma, dando cumprimento ao disposto na parte final do artigo 287º, n.º 2, que lhe impõe a "narração, ainda que sintética, dos factos (...)". Após o arquivamento pelo MP, o requerimento de abertura de instrução do assistente equivale em tudo à acusação, definindo e delimitando substancial e formalmente o objeto do processo a partir da sua apresentação. Se da leitura do requerimento de abertura da instrução resultar que o assistente não deu satisfação ao ónus que sobre si impendia, de imputar ao denunciado uma factualidade circunstanciada que permita a conclusão de que o mesmo praticou um crime, poderá ser caso de se considerar frustrada a finalidade da instrução, por não oferecer o interessado ao tribunal a base de trabalho indispensável sobre a qual possa proferir um juízo de suficiência de indícios da verificação dos pressupostos da punição.
Quer isto dizer igualmente que o requerimento de abertura da instrução fixa, nestes casos, o tema dentro do qual se há-de movimentar a atividade investigatória e de cognição do JIC, razão por que nos artigos 303º n.º 3 e 309º n.º 1 do CPP, se proíbe a pronúncia do arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento do assistente.
Feitas estas exposições introdutórias, passando à análise do requerimento de abertura de instrução (RAI) apresentado pelo recorrente, importa verificar se o mesmo cumpriu o formalismo legal supra descrito, descrevendo, ainda que de forma sintética os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena ou medida de segurança, no caso, os factos que consubstanciam a prática por aqueles dos denunciados crimes de abuso de poder (p. e p. no artº 382º do Cód. Penal), violação de regras urbanísticas por funcionário (p. e p. no artº 382º-A do C.P.), perseguição (p. e p. no artº 154º-A do C.P.), infração de regras de construção e perturbação de serviços (p. e p. no artº 277º do C.P.) e falsificação de documento (p. e p. no artº 256º do C.P.).
Desde já adiantamos que o RAI apresentado pelo recorrente não cumpre o desiderato legal, pelo que não podemos deixar de concordar com o Sr. Juiz de Instrução que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, ao longo de todo o seu requerimento, o assistente/recorrente limita-se a efetuar uma narração crítica da atuação do Magistrado do Mº Público que proferiu o despacho de arquivamento do inquérito, especifica os ilícitos criminais que entende terem sido praticados, alega os prejuízos que terá sofrido com a prática de tais ilícitos, especifica os atos que a Câmara Municipal ... praticou ou deixou de praticar em seu prejuízo, mas omite a imputação concreta de factos a cada um dos denunciados que poderão ter determinado o órgão colegial (Município ...) a praticar os atos que vieram a causar-lhe os prejuízos morais e patrimoniais que alega.
Ao longo do seu requerimento de abertura de instrução não se surpreendem quaisquer factos materiais praticados por cada um dos denunciados, suscetíveis de integrar os elementos objetivos e subjetivos dos crimes imputados. Provavelmente, esses factos poderão ser extraídos dos processos que o recorrente identifica. Contudo, como já se disse, não compete ao juiz de instrução selecionar, entre esses factos, aqueles que são suscetíveis de integrar os elementos objetivos e subjetivos do crime para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelos denunciados dos crimes pelos quais o assistente os pretende ver pronunciados, para a final proferir um despacho de pronúncia, substituindo-se ao assistente na formulação da acusação alternativa cujo ónus sobre este impende.
Ou seja, o assistente não elaborou um RAI em que desse cumprimento às imposições legais supra referidas, de molde a que se pudesse afirmar estarmos perante uma verdadeira acusação, a acusação que o assistente pretendia que o Mº Pº tivesse deduzido ao invés de arquivar o processo.
O RAI que apresentou não tem as características que da acusação devia ter, não se apresenta como uma acusação em sentido material, não respeita as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo artigo 287º n.º2 do C.P.P., por nele faltar a sequência lógica e cronológica dos factos imputados.
Verificada a ausência de formulação de uma acusação, com a necessária imputação de factos aos arguidos vem-se entendendo, tal como fez o despacho recorrido, que se está perante uma situação de inadmissibilidade legal de instrução (artº 287º nº 3 do C.P.P.), sendo tal requerimento nulo, por falta de requisitos legais mínimos (de forma ou de fundo) – artº 283º nº 3 ex vi do disposto no artº 287º nº 2 do C.P.P.
Como sustenta Souto Moura[10] «se o assistente requerer instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na acusação e no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto. O Juiz de instrução “não prossegue” uma investigação, nem se limitará a apreciar o arquivamento do M.º P., a partir da matéria indiciária do inquérito. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão. Aliás, um requerimento de instrução sem factos, subsequente a um despacho de arquivamento, libertaria o juiz de instrução de qualquer vinculação temática. Teríamos um processo já na fase de instrução sem qualquer delimitação do seu objeto, por mais imperfeita que fosse, o que não se compaginará com uma fase que em primeira linha não é de investigação, antes é dominada pelo contraditório».
Qualquer decisão instrutória que versasse sobre este requerimento de abertura de instrução ver-se-ia na contingência de, ou não pronunciar os arguidos, pura e simplesmente, por falta de factos a instruir suscetíveis de integrar os tipos legais de crime, ou acrescentando factos não articulados, ser nula por se envolver numa alteração substancial (artº 309º do CPP).
Assim sendo, resta a consideração de que ocorre nos autos uma verdadeira situação de inadmissibilidade legal de instrução, por o requerimento de instrução evidenciar uma narração de facto inapta a sustentar um despacho de pronúncia e, consequentemente, inapta a sustentar a aplicação, aos arguidos, de uma pena ou de uma medida de segurança.
E bem refere a decisão recorrida, quanto à insusceptibilidade de sanação mediante formulação de convite ao aperfeiçoamento. Com efeito, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, publicado no D.R. I Série-A n.º 212, de 4 de Novembro de 2005, decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
Aliás, o Tribunal Constitucional já veio reafirmar este entendimento no seu Ac. nº 636/2011 de 20.11.2011[11], decidindo “Não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.os 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas)”.
Impõe-se, assim, a improcedência do recurso.
*
*
IV –DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente AA, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Custas pelo assistente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s – artº 8º nº 9 do RCP e Tabela III anexa.
*
Porto, 10 de janeiro de 2024
(Elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários)
Eduarda lobo
Castela Rio
Nuno Pires Salpico
_______________
[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada.
[2] “Ela é (…) judicial ou jurisdicional não só porque a sua direção está cometida a um juiz, mas também e sobretudo porque nela se exerce uma atividade materialmente jurisdicional: apreciação pela jurisdição duma situação factual concreta seguida duma decisão proferida de um ponto de vista exclusivamente jurídico” – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit, pág. 135.
[3] Exigência acrescida que se justifica, pelo facto de, ao contrário do arguido, o requerimento do assistente não ter a antecedê-lo uma acusação que delimite o âmbito da eventual pronúncia.
[4] Cfr. Ac. RP 23/5/01, C.J., ano XXVI, t. 3, p. 238: “se, de acordo com a definição do art. 1-f) do C.P.Penal, há alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente quando a nova factualidade tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso, por maioria de razão existirá alteração substancial dos factos sempre que os descritos naquele requerimento não integrem qualquer crime e os novos, só por si ou conjugados com aqueles, passem a integrá-lo.”
[5] Cfr., entre outros, os Acs. RP 21/6/06, proc. 611176, e 11/10/06, proc. 0416501, www.dgsi.pt
[6] In “O inquérito no Novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 77.
[7] Publicado no DR nº 150, I Série de 28 de Junho de 2001.
[8] Cfr Ac. RL 20/5/97, C.J., Ano XXII, t.3 p. 143.
[9] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 136 que também cita o Prof. Fig. Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 16.
[10] In “Jornadas de Direito Processual Criminal”, 119 -120.
[11] Disponível em www.dgsi.pt.