CRIME DE ROUBO
DEPOIMENTO NÃO PRESENCIAL
VIDEOCONFERÊNCIA
ARMA
Sumário

I - A circunstância de o depoimento não presencial da testemunha em audiência não haver sido prestado em um tribunal, e com prévia identificação documental perante funcionário judicial, não obsta a que a eficácia e validade de tal acto processual se mostre salvaguardado por via do nº8 do art. 318º do Cód. de Processo Penal, onde exactamente se prevê a possibilidade de nomeadamente as testemunhas residentes no estrangeiro serem validamente inquiridas através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, e sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários – como é aqui o caso do aludido sistema Webex.
II - Se o objecto usado pelo agente do crime de roubo era um objecto metálico e pontiagudo, e, assim, desde logo apto a causar lesões físicas no ofendido – de tal modo que, aliás, percepcionou ser tal instrumento uma faca –, tal instrumento assim utilizado deverá considerar–se uma arma para efeitos de preenchimento da circunstância prevista nas disposições conjugadas dos arts. 210º/2 e 204º/2/f) do Cód. Penal.

Texto Integral

Proc. nº 148/21.8PPPRT.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 6 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 148/21.8PPPRT que corre termos no Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 6, em 24/03/2023 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
«III – DECISÃO
Por todo o exposto, decide-se:
1.º Condenar o arguido AA pela prática, como co-autor material e na forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, que se decide suspender pelo período de 4 anos, com a condição de cumprir um Regime de Prova;
2.º Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, a reduzir a metade por força da confissão.

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Após trânsito:
- Remeta boletim ao registo criminal.
- Dê conhecimento à DGRSP, solicitando a realização de Plano de Reinserção Social.
- Providencie pela recolha de vestígios biológicos ao arguido, destinados à análise de ADN, por métodos não invasivos, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 8.º, n.ºs 2 e 5, 9.º e 10.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, que regulamenta a Base de Dados de Perfis e ADN, para efeitos de identificação civil e criminal.»

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 02/05/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
I - A sentença proferida nos presentes autos condenou o recorrente AA, pela prática, como co-autor material e na forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, com a condição de cumprir um Regime de Prova;
II - Tal decisão assenta em erro notório na apreciação da prova e baseou-se em factos considerados provados que na realidade não o foram, ou foram de forma diferente, ou que até nem foram sequer discutidos em audiência de julgamento, sendo que foram dados por não provados factos que não restam quaisquer margens para duvidas que deveriam constar da matéria dada por provada e assente, pelo que o Tribunal a quo não poderia concluir como concluiu;
III - Em primeiro lugar, o ofendido, tal como todas as testemunhas que foram convocadas para comparecer na audiência de julgamento são advertidas de que se devem fazer acompanhar do seu BI ou Cartão de Cidadão;
IV - Isto porque, o Tribunal tem de confirmar a identidade de quem se apresenta em juízo, o que sucedeu com o arguido, bem como com a testemunha BB, os quais exibiram o seu cartão de cidadão e o inseriram na máquina existente a entrada do tribunal, a qual confirma a identidade da pessoa presente.
V - Ora, o ofendido não esteve presente na audiência de julgamento, nem foi ouvido em qualquer outro Tribunal, português ou estrangeiro, onde teriam confirmado a sua identidade;
VI - O ofendido foi ouvido por Webex e, em nenhum momento, a pessoa que prestou declarações na audiência de julgamento se identificou;
VII - Em momento algum o Tribunal confirmou o local onde o “alegado” ofendido residia;
VIII - O Tribunal a quo pura e simplesmente preteriu de todas as formalidades legais para a inquirição do ofendido, violando claramente ao art.º 318.º do CPP, na sua letra, mas também no próprio espírito da lei, a qual visa garantir um mínimo de segurança jurídica, no que a identidade dos intervenientes diz respeito;
IX - O Tribunal a quo não sabe, nem quis saber se a prova produzida foi feita de uma forma livre, sem a perturbação da liberdade de vontade ou de decisão do declarante, ou ate se a mesma foi obtida com recurso a ameaça;
X - Pelo que as declarações prestadas pelo “alegado” Sr. CC não podem ser valoradas nem ser usadas pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão;
XI - Em segundo lugar, o Recorrente considera que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, em especial os factos identificados na sentença como 3.º, 5.º e 6.º foram incorretamente apreciados e julgados;
XII - Nos termos da sentença recorrida, o Tribunal a quo, para formar a sua convicção, relativamente aos factos dados como provados e não provados, baseou-se na análise conjugada do conjunto da prova produzida em julgamento, designadamente no depoimento do ofendido e nas declarações do arguido e no momento em que as mesmas aconteceram;
XII - Quanto ao primeiro facto constante do ponto 3.º dos factos dados como provados – “3.º Momentos depois, o arguido saiu do veículo sob o pretexto de não ter isqueiro e dirigiu-se à traseira do veículo “- importa dizer que o ofendido nada disse acerca deste facto, sendo que esta matéria foi dada como provada com base numa afirmação da Exma. Sra. Procuradora (veja a transcrição ao minuto 9:37), uma vez que o Sr. CC apenas responde “Sim” a pergunta feita posteriormente acerca do local onde o ofendido estava sentado, logo, este facto não pode ser dado como provado;
XIII - Quanto ao segundo facto constante do ponto 3.º dos factos dados como provados “(…) e de repente entrou para o lugar do condutor, ao mesmo tempo que um individuo do sexo masculino de identificação desconhecida se dirigiu ao ofendido e abrindo a porta do veículo, encostou-lhe uma faca ao pescoço onde fez pressão e exigiu-lhe a carteira que o mesmo transportava, ao que o ofendido obedeceu…” - pela audição do depoimento do ofendido, conclui-se que o mesmo não tem a certeza de qual o objecto que tinha encostado ao seu pescoço. Ele sente um objecto pontiagudo (expressão usada pela Exma. Sra. Procuradora e não pelo ofendido), mas refere que nunca viu o objecto;
XIV - Um objecto metálico pode ser muita coisa, e pode ate ser uma “chaves de casa daquelas de prédio mais compridas”, conforme declarou o arguido;
XV - Mas uma coisa e certa, a convicção do Tribunal a quo, por muito livre que possa ser a sua apreciação, não pode basear-se nestas declarações para dar como provado este facto;
XVI - Quanto ao terceiro facto constante do ponto 3.º dos factos dados como provados – “(…) e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga” – o Tribunal a quo deu como provado que apenas a carteira e que foi entregue ao arguido, por meio de quo ameaça para a integridade física do ofendido e que o telemóvel foi entregue ao arguido por livre e espontânea vontade do Ofendido, quando o Arguido lho pediu para fazer um cigarro;
XVII - E certo que o telemóvel não foi devolvido ao ofendido, no entanto não o foi subtraído com recurso a qualquer tipo de ameaça ou violência;
XVIII - O Tribunal a quo, apesar de na sentença, quando se refere na alínea D) ao ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL Do crime de roubo declarar que: “Ora, o uso da arma/faca foi suficiente e idóneo a constranger a vítima a entregar a carteira, o dinheiro e o telemóvel (no caso do telemóvel, manteve-se em poder do arguido, que não o devolveu) que tinha consigo.”, o certo e que, nos factos dados como provados, nada consta de que o telemóvel foi subtraído de uma forma que possa enquadrar tal facto na prática do crime de roubo;
XIX - E, tendo a carteira o valor de €25,00, ao qual acrescem os €5,00 que estavam no seu interior, o bem furtado passa a ter um diminuto valor e, consequentemente, não pode o alegado roubo ser tipificado como qualificado - art.º 204o, n.º 4 do Código Penal;
XX - Quanto ao ponto 5.º dos factos dados como provados “5.º O arguido que agiu em Comunhão de esforços e intenções com o desconhecido que o acompanhava (…)”.
XXI - Na verdade, não há qualquer facto dado como provado que demonstre a existência dos elementos integrantes da co-autoria, nem sequer qualquer declaração do ofendido que levasse o Tribunal a quo a concluir nesse sentido.
XXII - Não foi provado qualquer acordo, expresso ou tácito entre o arguido e o terceiro desconhecido;
XXIII - O arguido não teve intervenção na fase executiva do crime (ou outra…);
XXIV - Não existiram quaisquer repartições de tarefas entre ambos;
XXV - O roubo aconteceria sempre quer fosse o arguido ou qualquer outra pessoa que estivesse no carro com o ofendido;
XXVI - O arguido não teria possibilidade de abortar ou impedir o resultado, tal como o ofendido também não teve essa capacidade, ao invés do que é “proposto” pela Exma. Procuradora quando, na sua instância pergunta: Porque que não chamou o 112? No imediato?
XXVII - Pelo que, ao ser considerado que o arguido teve uma participação neste crime como co-autor do mesmo o Tribunal “a quo” violou clara e grosseiramente a lei;
XXVIII - Acresce que, se de facto a co-autoria existiu, o terceiro desconhecido não se introduziu ilegitimamente no veículo do arguido;
XXIX - Se de facto o arguido e o terceiro desconhecido agiram em comunhão de esforços e de meios, é legítimo o uso do veículo quer pelo arguido (proprietário do automóvel), quer pelo terceiro desconhecido que praticou o roubo;
XXX - E, também por isto, os factos dados como provados não podem consubstanciar a prática do crime de roubo p.p. no art.º 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2 al. f), todos do Código Penal;
XXXI - Estamos perante um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º nº 2 al. c) do CPP;
XXXII - Sempre se dirá por força do estatuído no art.º 127º do CPP, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
XXXIII - As declarações do Arguido não foram tidas em conta pelo Tribunal “a quo”, com a justificação de que “a versão do arguido não merece credibilidade”;
XXXIV - Não sem antes o Tribunal “a quo” frisar que “O arguido quis prestar declarações, o que fez apenas no final da audiência de julgamento e depois de ouvida toda a prova.”;
XXXV - O Tribunal “a quo”, mesmo sabendo que o Arguido, pai de dois filhos, ao prestar declarações teria de assumir o encontro de cariz sexual com um indivíduo do mesmo sexo, não considerou normal que tais declarações tivessem sido prestadas apenas no final da audiência, ao invés, quis acreditar que o Arguido criou uma versão “à medida” da prova produzida em audiência de julgamento;
XXXVI - Por fim, o Tribunal “a quo” declarou que a versão dos factos exposta pelo arguido “vai ao arrepio da restante prova produzida e, por outro lado, das regras da experiência comum, pelas razões já acima expostas.”
XXXVII - Ora, “ir ao arrepio” significa estar em oposição e, salvo melhor análise, as declarações do arguido não estão em oposição com as prestadas pelo ofendido;
XXXVIII - Ambos declararam que tiveram um encontro antes da data destes factos, o qual correu bem;
XXXIX - Ambos declararam que o telemóvel foi entregue pelo ofendido ao arguido para o usar no fabrico de um cigarro;
XL - Ambos não se aperceberam qual foi objecto metálico usado pelo terceiro interveniente durante a execução do roubo;
XLI - Sendo que o Arguido apenas viu o objecto (umas chaves) posteriormente quando deixou o outro interveniente no cimo da rua;
XLII – As declarações do Arguido apenas estão em oposição e ao arrepio das conclusões tiradas pelo Tribunal “a quo”, as quais não estão assentes na prova produzida nem sequer nos factos dados como provados na sentença proferida;
XLIII - Conclusões essas que passaram a certezas do Tribunal “a quo” quando o Arguido entendeu prestar declarações no final da audiência de julgamento, imediatamente antes das alegações finais, em clara violação do disposto no Art.º 343.º do CPP;
XLIV - Por último, importa referir que o Tribunal “a quo” não fez uma correta interpretação dos factos e da prova produzida em audiência, nem tão pouco uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica. Violou, pois, as disposições conjugadas dos arts.º 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2 al. f), todos do Código Penal, os arts.º 127.º, 318.º, 374.º, 343.º e 410.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal.
XLV - A pena de arts. º 3 anos e 8 meses de prisão, que se decide suspender pelo período de 4 anos, com a condição de cumprir um Regime de Prova, como como co-autor material e na forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal é manifestamente excessiva;
XLVI - Os critérios de escolha e de determinação da medida da pena, expressamente consagrados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, não foram devidamente ponderados pelo Tribunal “a quo”.
XLVII - Neste sentido, entende-se que a prossecução da finalidade geral deve orientar a determinação da medida concreta da pena fornecido pelo grau de culpa, enquanto que a finalidade de prevenção especial de socialização deve fixar, em último termo, a sua medida final e não teve em conta os princípios que estão na base da prevenção especial ou de socialização que devem acompanhar a medida da pena.
XLVIII - A pena aplicada ao arguido foi apenas retributiva pelo ilícito praticado como co-autor, o qual, salvo melhor opinião, nem sequer resulta provado nos presentes autos, conforme já atrás se expôs.
XLIX - Face ao exposto, o art. 40º Código Penal foi violado. Pois, não se vislumbra a possibilidade de se atribuir um limite de culpa ao arguido por factos imputados a este, mas que não em nossa opinião não resultam provados.
L - Considera-se também, salvo melhor opinião, que o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 71º Código Penal, porquanto na determinação da pena não atendeu a todas as circunstâncias que devem concorrer para a fixação da pena concreta.
LXIX - Na verdade, não teve em consideração que o arguido não tem qualquer antecedente criminal;
LI - Pese embora, o crime de roubo seja um crime manifestamente grave, tal facto foi já atendido pelo legislador aquando determinação da medida pena abstractamente aplicável ao tipo de crime em questão.
LII - Não se considerando, por isso, que tal deva ser atendido na determinação da medida de pena concreta, sob pena de se violar o princípio da proibição da dupla valoração (art. 72.º n.º 2 do Código Penal “não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, circunstâncias que façam já parte do tipo de crime”).
LIII - Pelo exposto, tendo decidindo condenar o arguido a uma pena de 3 anos e 8 meses de prisão, que se decide suspender pelo período de 4 anos, com a condição de cumprir um Regime de Prova, como como co-autor material e na forma consumada, de 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal, violou, assim, os dispositivos legais supra indicados.

O recurso foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, concluindo da seguinte forma:
1- Quanto à questão da inquirição da testemunha/ofendido, com residência no estrangeiro e com ligação à distância por internet, nos termos previstos no artigo 318.º do Código de Processo Penal, impõe-se dizer que não assiste aqui razão ao recorrente, pois o depoimento do da Testemunha CC, foi com recurso a imagem e o arguido, esteve presente na audiência de julgamento, pelo que, foi confrontado com a imagem do ofendido, e, podia por isso dizer que a pessoa não era a pessoa com quem esteve, mas nada disse.
2- Pelo que, nessa parte o depoimento observou o contraditório e o Tribunal não ficou com dúvida de que estava a tomar o depoimento ao ofendido.
3- Por outro lado, acresce o que vem previsto no n.º8 do artigo 318.º do Código de Processo Penal, ou seja, “sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais ou europeus, o assistente, partes civis ou testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridos através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.”.
4- no que toca ao recurso interposto e quanto à impugnação da matéria de facto, entendemos que não foram indicadas as provas concretas (desgarradas das demais valoradas pela Mm.ª Juiz) das quais se possam retirar à luz das regras da experiência comum e das regras do homem médio e da lógica, conclusão diferente da valoração da prova efetuada pela Mm.ª Juiz a quo na sentença recorrida
5- Como bem decorre da douta sentença, os factos resultam da prova testemunhal e das regras da experiência, e no caso em apreço, a valoração das provas pela Mma Juíza foi concretizada de forma crítica e racional, de acordo com as regras da experiência comum e, por isso, considero que a mesma não merece qualquer reparo.
6- Do texto da decisão recorrida não resulta que o Tribunal tenha dado como provados factos, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles ou sequer que não tenha sustentação na prova produzida em audiência de julgamento.
7- Aliás, conforme se retira do texto da douta sentença, O Tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto ao modo como ocorreram os factos e quanto à responsabilidade do arguido, ora recorrente no coautor da sua prática.
8- Da conjugação de todos os elementos de prova produzidos em audiência e discussão e julgamento, analisados à luz das regras de experiência comum e da lógica, afigura-se-me que se pode concluir, com certeza, que se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao recorrente, não se vislumbrando outra decisão de facto para além da que foi proferida.
9- Por outro lado, quando o recorrente recorre da matéria de facto, importa ter em consideração que dispõe o art.º 412, nº 3, als a) e b), do CPP que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que só se satisfazem “com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se encontra incorretamente julgado” e “com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida”, acrescendo que o recorrente “deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa da recorrida”. Este é “o cerne do dever de especificação” com o que “se visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.
10- o recurso não merece provimento porquanto a decisão recorrida não violou qualquer norma legal, mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, e optou por uma pena que se julga justa e adequada, tendo em conta a gravidada dos factos e face aos critérios consignados nos artigos 50.°, 70º e 71.° do Código Penal.
11- em suma, concluímos pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da doutra sentença recorrida e com a condenação do arguido, como autor material, na forma consumada, de um crime de roubo agravado, e o, pelo artigo 210.º n.º 1 e 2, al, b), do Código Penal, por referencia ao artigo 204.º n.º 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão que se decide suspender por 4 anos, com a condição de cumprir um regime de prova.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu propugna pela improcedência quase total do recurso, excepto no que tange à qualificação jurídico-penal dos factos que se devem ter por assentes – respectiva consequência penal -, concluindo, a tal propósito em especial, nos seguintes termos:
«Salvo o devido respeito por opinião diversa não se nos afigura que os factos provados sejam suficientes para a afirmação da qualificação do crime de roubo.
Conquanto se suspeite da ilegítima intenção do arguido de se apropriar do telemóvel da vítima, ainda que para tanto fosse necessário o uso de violência para a apropriação ou para não restituir o telemóvel, tal nem constava da acusação nem ficou assente na factualidade provada na sentença.
Quanto ao telemóvel, o que ali se afirma é que “… o ofendido entrou na viatura automóvel em que arguido se fazia transportar e este conduziu o veículo até á Rua ... onde o estacionou e pediu ao ofendido que lhe desse o seu telemóvel da marca Samsung, no valor de 790€, para servir de base para enrolar um cigarro, ao que o ofendido acedeu.” (facto 2º) Quanto a esse objeto apenas se adita, após a descrição da totalidade das condutas criminosas que “O arguido não devolveu o telemóvel ao ofendido” (facto 7º).
Em conformidade com o que se mostra descrito, a entrega do telemóvel foi, portanto, voluntária, eventualmente determinada por engano, mas não determinada pelo uso de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou após colocação do ofendido na impossibilidade de resistir.
A violência e a ilegítima intenção de apropriação apenas é afirmada, na factualidade assente, relativamente à carteira que o ofendido transportava, avaliada em 25€, que continha a quantia de 5€, dois cartões de débito, título de residência, cartão de cidadão e de estudante, tudo pertencente ao ofendido, objetos de que o arguido se apropriou. (cfr. factos provados 3º, 4º e 5º).
E também não decorre da factualidade assente, embora se intua, que a violência utilizada tenha tido também como escopo a não restituição do telemóvel.
Nestes termos, apenas se pode afirmar a ilegítima de apropriação por meio de violência dos bens descritos no facto provado sob o nº 4, os quais são de valor diminuto, pois que não excede uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto (art. 202ºal. c) do Código Penal), pelo que, não obstante o uso de arma, não pode haver lugar à qualificação do crime (arts. 210º, nº 2 al. b) e 204º nº 4 do Código Penal).
Entendemos, pelo exposto que na parcial procedência do recurso, deverá ser alterada a decisão recorrida condenando-se o arguido pela prática de um crime de roubo, previsto no artigo 210º, nº 1 do Código Penal, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, termos em que, por conseguinte, se impõe a redução da pena aplicada, para cuja concreta determinação se devem ponderar as circunstâncias enunciadas na decisão recorrida, concretamente
- a intensidade do dolo, na sua modalidade mais grave, o dolo direto;
- o grau de ilicitude do facto no que toca ao meio empregue e valor dos bens subtraídos;
- a falta de consciência do desvalor da ação e censurabilidade da conduta criminosa;
- a inexistência de arrependimento e a não restituição dos bens subtraídos;
- a inexistência de antecedentes criminais
- a integração familiar
- as grandes exigências de prevenção geral
- as exigências de prevenção especial aferidas pelo percurso de vida do arguido, concretamente quanto à inconstância dos seus hábitos de trabalho
- a idade do arguido à data dos factos, 22 anos (nasceu em 05/11/998).»

Foi cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal.
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. 91/14.7YFLSB.S1)[1], e de 30/06/2016 (proc. 370/13.0PEVFX.L1.S1)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:
1. saber se é válido processualmente, podendo ser valorado como meio de prova, o depoimento prestado em audiência pela testemunha CC;
2. saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal;
3. saber se se verifica na Sentença do tribunal a quo algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal;
4. saber se na Sentença recorrida foi violado o princípio da livre apreciação da prova;
5. saber se se mostram reunidos os pressupostos típicos do crime de roubo, e sob que forma;
6. saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é desadequada por excessiva.
*
Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, na parte da mesma que releva para a presente decisão.

a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância:
«A) FACTOS PROVADOS
Da prova produzida em audiência, resultaram provados os seguintes factos:
1.º No dia 24.2.2021 cerca das 23.37h., o ofendido CC encontrou-se com o arguido na sequência de um contacto e encontro prévios, que havia combinado com ele através da página classificadosx.net, onde o arguido anunciava serviços de cariz sexual, com vista a um encontro dessa natureza.
2.º Para o efeito o ofendido entrou na viatura automóvel em que arguido se fazia transportar e este conduziu o veículo até á Rua ... onde o estacionou e pediu ao ofendido que lhe desse o seu telemóvel da marca Samsung, no valor de 790€, para servir de base para enrolar um cigarro, ao que o ofendido acedeu.
3.º Momentos depois, o arguido saiu do veículo sob o pretexto de não ter isqueiro e dirigiu-se á traseira do veículo e de repente entrou para o lugar do condutor, ao mesmo tempo que um individuo do sexo masculino de identificação desconhecida se dirigiu ao ofendido e abrindo a porta do veículo, encostou-lhe uma faca ao pescoço onde fez pressão e exigiu-lhe a carteira que o mesmo transportava, ao que o ofendido obedeceu e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga.
4.º A carteira foi avaliada em 25€, continha a quantia de 5€, dois cartões de débito, título de residência, cartão de cidadão e de estudante, tudo pertencente ao ofendido.
5.º O arguido que agiu em comunhão de esforços e intenções com o desconhecido que o acompanhava, bem sabia que os objectos de que se apropriou lhe não pertenciam tendo agido com intenção de amedrontar o ofendido e de o impedir de se defender.
6.º O arguido agiu livre e deliberadamente bem sabendo a sua descrita conduta proibida e punível.
Mais se provou que:
7.º O arguido não devolveu o telemóvel ao ofendido.
Do Relatório Social e das condições sócio-económicas do arguido:
8.º O processo de crescimento/desenvolvimento de AA decorreu como filho único, num contexto familiar referenciado como globalmente equilibrado e funcional, pese embora os pais se tivessem divorciado, quando aquele tinha cerca de 6 anos de idade.
9.º O arguido, a partir de então, ficou à guarda da progenitora, reportando uma relação familiar coesa e uma comunicação entre os pais funcional, sem registo de perturbação. Ambos os progenitores trabalhavam e cooperavam, de forma a que as suas necessidades educativas fossem supridas, designadamente as materiais, sem particulares constrangimentos.
10.º O arguido tem uma irmã consanguínea, atualmente com 12 anos de idade, com quem mantém um relacionamento próximo.
11.º Ingressou no sistema de ensino em idade própria, que prosseguiu até cerca dos 17 anos de idade, após a conclusão do 9º ano de escolaridade.
12.º Pese embora não tivesse registado problemas de comportamento ou disciplinares, não era empenhado no processo de ensino/aprendizagem, o que motivou algumas retenções.
13.º Após sair da Escola, foi trabalhar para um Restaurante, no Aeroporto, onde o tio trabalha, e onde permaneceu cerca de 2 anos de meio.
14.º Com cerca de 20 anos, iniciou um relacionamento afetivo, do qual resultou o primeiro filho e que culminou na rutura cerca de 2 anos depois. Reporta, então, aos 21 anos o primeiro contacto com as drogas que motivou, então, opções de convívio com pares com o mesmo tipo de hábitos e a progressão no consumo de cocaína.
15.º Com o inicio da pandemia, ficou desempregado, o que concorreu para uma maior desorganização pessoal/comportamental, a culminar no seu contacto com o sistema de justiça.
16.º No período reportado na acusação, AA circunscrevia o seu quotidiano ao convívio com pares negativamente conotados e consumo de cocaína.
17.º Mais acrescenta que, nesse período, efetuou alguns trabalhos avulsos e esporádicos, como repositor de alimentos, em substituição de funcionários que faltavam.
18.º Não obstante a espiral de desorganização pessoal em que entrara, a família refere não ter percebido, no imediato, a escalada da situação.
19.º Após perceberem o seu alcance e risco, os familiares decidiram intervir e o tio materno, seu padrinho, incentivou-o a ir viver consigo para a Trofa.
20.º Nesse período conheceu a atual namorada, de quem tem um filho, com 1 ano de idade. No contexto da problemática aditiva, instabilidade e imaturidade, o casal decidiu manter-se a residir em casas separadas, pese embora mantenham um contacto próximo.
21.º Em janeiro de 2022, refere ter tido o seu primeiro surto psicótico e pouco tempo depois outro, motivando no imediato a decisão da família proceder à sua reorientação, à qual o arguido acedeu, sem resistência.
22.º Em setembro de 2022, foi internado no Centro Internacional de Tratamento ..., em ..., onde permaneceu até à sua alta clínica, em 09.02.2023.
23.º Nessa sequência, regressou a casa do tio, onde já residia antes do internamento.
24.º Este familiar afetivamente muito próximo do arguido tem-se envolvido muito ativamente na recuperação e reorientação do sobrinho, constituído um importante suporte de retaguarda familiar, logístico e financeiro.
25.º Ao nível do processo terapêutico, mantém o acompanhamento em regime ambulatório, ao qual perspectiva dar continuidade.
26.º Desde que saiu do Centro de Tratamento tem procurado ativamente trabalho, tendo a expectativa de poder encontrar brevemente uma oportunidade laboral.
27.º Entretanto, não obstante o suporte dos pais, tem sido o tio a assumir as suas responsabilidades financeiras, designadamente no âmbito do tratamento, prestação de alimentos aos filhos e manutenção, sendo aferida uma boa rede de relações e apoio familiar.
28.º A opção de se fixar na Trofa, decorre da estratégia de se manter distanciado de alguns contextos e grupos de pares da sua localidade de origem, em ….
29.º A presente situação jurídico-penal, a par do agravamento da sua dependência, terá concorrido para a decisão de operacionalizar algumas mudanças e aceitar a orientação dos familiares e ajuda terapêutica.
30.º Evidencia ter conhecimento, aceitar e respeitar o papel do sistema legal e penal, sendo que, na eventualidade de ser condenado, manifesta estar receptivo a aderir a eventual medida de execução na comunidade.
Dos antecedentes criminais do arguido:
31.º Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevo para a boa decisão da causa.»

b. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
«C) MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida e analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido quis prestar declarações, o que fez apenas no final da audiência de julgamento e depois de ouvida toda a prova.
O arguido colocou-se no dia e lugar dos factos, admitiu a ocorrência do furto por parte de um indivíduo que disse conhecer, mas que não quis identificar, por temer pela sua integridade física. Mais referiu que o assaltante sabia que o arguido ia estar ali num encontro com o ofendido porque tinham estado no café e o arguido disse-lhe onde e quando ia estar naquele local. Mais referiu que essa terceira pessoa efectuou o assalto sem o seu conhecimento e que não teve qualquer participação no mesmo. Perguntado porque não defendeu o ofendido, até porque conhecia o assaltante, disse que não sabe; perguntado porque não fugiu com o carro disse que não sabe; perguntado porque não saltou fora do carro para defender o ofendido, disse que não sabe, que foi apanhado de surpresa.
Ora, considerando a versão do arguido e ouvida a descrição do ofendido CC, concluímos que a versão do arguido não merece credibilidade.
Desde logo, porque o depoimento do ofendido foi sólido, espontâneo e merecedor de credibilidade. Depois, o próprio arguido disse que nunca se zangou com o ofendido, nem este consigo, pelo que aquele não teria razão para apresentar queixa contra si. Acresce que o próprio ofendido veio, antes do julgamento, pedir para prestar depoimento sem aparecer o seu rosto, por temer o arguido. Ora, se assim fosse porque motivo o ofendido acusaria o arguido de os cometer! Não vislumbramos qualquer razão para tanto.
Por outro lado, ainda, não se compreende que, a ser como diz o arguido, ele não se tenha defendido antes, não tenha apresentado qualquer meio de prova e apenas tenha avançado com esta versão no final da produção de prova do julgamento. Quiçá, se assim fosse e se o tivesse feito antes, talvez este processo não tivesse chegado a julgamento.
Acresce, ainda, que o arguido não apresenta nenhuma razão plausível para não ter tido qualquer reacção na altura dos factos. E mesmo que se pudesse aceitar que não tinha tido qualquer reacção, sempre se poe em causa porque motivo não apresentou queixa e porque motivo não apoiou o ofendido.
Assim, ouvindo o depoimento do ofendido, dúvidas não nos restaram que o arguido estava de conluio com a terceira pessoa que surgiu no local com a faca. Ademais, o ofendido esclareceu de forma segura e indubitável que no momento do assalto entregou a carteira ao arguido. Acresce também que se fosse como diz o arguido, porque razão o arguido nunca devolveu o telemóvel ao ofendido.
Na verdade, a versão do arguido vai ao arrepio da restante prova produzida e, por outro lado, das regras da experiência comum, pelas razões já acima expostas.
Por fim, veio depor a testemunha de defesa BB, atestou que o arguido é seu sobrinho, que vive consigo e que é bom miúdo, com bom coração, tem uma boa família e terá tido um momento difícil da vida dele. Mas acrescentou que o arguido tem bom relacionamento com os pais, tendo o seu apoio.
Tudo ponderado, dúvidas não sobrestaram que os factos ocorreram e que o arguido foi o seu co-autor, sendo certo que nunca se logrou apurar a identidade da terceira pessoa.
A descrição do ofendido foi concordante com toda a prova documental junta aos autos – designadamente, o auto de denúncia de fls. 3 e ss, relativamente ao qual o ofendido admitiu que nesse momento teve vergonha de dizer que teve um encontro de natureza sexual com o arguido e que nesse contexto foi assaltado por ele e por terceira pessoa. Também o tribunal valorou o auto de reconhecimento fotográfico, realizado de acordo com as normas legais aplicáveis, de fls. 15 e ss.
O ofendido juntou ainda o anúncio através do qual conheceu o arguido para o encontro sexual, que consta de fls. 18 a 20 e 28 a 34.
Para o apuramento das condições sócio económicas e familiares do arguido, o tribunal ateve-se às suas próprias declarações e ao Relatório Social de fls. 117 a 119, cujo teor o arguido confirmou na íntegra e que não foram infirmadas por qualquer outro meio de prova.
Os antecedentes criminais do arguido resultam da análise do certificado de registo criminal actualizado junto aos autos a fls. 107.»

c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
«D) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Do crime de roubo
Cumpre agora proceder ao enquadramento jurídico-penal da factualidade descrita.
O arguido vem acusado da prática de um crime de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal.
Dispõe este artigo que:
“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”.
O crime de roubo reconduz-se a um crime complexo, em que se tutelam bens jurídicos patrimoniais, designadamente o direito de propriedade e o direito de detenção de coisas móveis, e, simultaneamente, a tutela de bens jurídicos pessoais, como a liberdade individual de decisão e acção e a integridade física (neste sentido, Conceição Ferreira Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, páginas 160 e 161). A violação dos bens jurídicos pessoais constitui sempre neste ilícito, um crime-meio para atingir o desígnio final do agente que é a subtracção de coisas móveis alheias.
“Trata-se de um ilícito que se esgota, em síntese, numa intenção de apropriação ilícita consumada através de uma intercalar acção coactiva, por meios violentos ou constrangedores” (in Acórdão da RL, de 18/06/2002 processo n.º 3240/2003-3, disponível no site www.dgsi.pt).
Assente o bem jurídico protegido neste tipo de crime, importa agora considerar os elementos objectivos deste tipo de ilícito e fazer a subsunção dos factos provados ao tipo.
Antes de mais, no que respeita à consumação do crime, entendemos que o crime foi cometido na sua forma consumada, porquanto ao exibir uma arma perante a vítima, o arguido e o outro indivíduo levaram a cabo uma ameaça constrangedora da liberdade daquela, causadora de receio pela sua integridade física, que a forçou a entregar os objectos que detinha consigo, designadamente, o telemóvel, a carteira e o dinheiro que esta continha, de que o arguido e o outro indivíduo se apoderaram e fizeram seus.
Para tanto, atendemos ao que consta da jurisprudência no que respeita ao crime de furto, de que é exemplo o acórdão da Relação do Porto, datado de 07/12/2018, no processo 270/16.2PHMTS.P1, in www.dgsi.pt., que se reporta ao crime de furto mas que se aplica ao nosso caso e que sumaria o seguinte:
“I - O facto de o arguido ter confessado integralmente e sem reservas os factos pelos quais foi pronunciado não impede que o tribunal de recurso conheça da impugnação da matéria de facto, quando se trate apenas de factos complementares da própria confissão e que revistam primacial importância, mormente para a qualificação jurídica, caso em que não está em causa neutralizar ou subverte o teor do confessado.
II - A consumação do crime de furto basta-se com a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente e que este a detenha de forma relativamente pacífica ou estável, que não em total segurança.
III - Assim sendo, o momento que marca essa estabilidade nos espaços comerciais é o lugar do pagamento nas respetivas caixas, independentemente de estas constituírem, ou não, o único local previamente determinado para a saída do estabelecimento.
IV - O elemento subjectivo do tipo há de extrair-se a partir da factualidade apurada sita a montante e com recurso a presunções naturais, no seio das quais são necessariamente albergadas as regras da experiência e do normal acontecer, pois que é essa a única forma de poder alcançar-se um tal elemento volitivo que dimana da exteriorizada ressonância do interior da própria pessoa.”
Quanto à intenção de apropriação, entendemos que toda a actuação do arguido visou subtrair dinheiro a fim de causar prejuízo ao ofendido. Toda a sua actuação leva-nos a concluir que o furto dos objectos e do dinheiro fazia parte da pretensão do arguido e do seu comparsa.
Aliás, verifica-se que o arguido, fosse qual fosse o seu papel em toda a actuação, agiu em conjugação de esforços, juntamente com o outro indivíduo, mediante um plano que tem que ter sido previamente gizado. Actuaram, por conseguinte, em co-autoria.
Voltando aos requisitos do roubo, é indispensável que entre o conseguir a coisa móvel alheia e os meios utilizados para tanto, possa afirmar-se um nexo de imputação de forma a poder concluir-se que a violência, a ameaça ou a colocação das vítimas na impossibilidade de resistir provocaram nestas um efectivo constrangimento à entrega do bem, ou um efectivo constrangimento à tolerância da sua subtracção. Ora, o uso da arma/faca foi suficiente e idóneo a constranger a vítima a entregar a carteira, o dinheiro e o telemóvel (no caso do telemóvel, manteve-se em poder do arguido, que não o devolveu) que tinha consigo.
Assim, na definição dos critérios a seguir para a afirmação deste nexo de imputação, importa salientar que para além dos meios utilizados pelo agente terem de ser adequados a constranger a vítima, exige-se ainda que eles efectivamente a constranjam, o que aconteceu no caso em concreto.
Acrescente-se ainda que a adequação dos meios é aferida de acordo com um critério objectivo-individual, ou seja, deve considerar-se adequado o meio que se mostre, na objectividade das suas circunstâncias, susceptível de constranger qualquer pessoa, fazendo apelo ao critério do homem médio; mas há ainda que ter em conta as características individuais do sujeito passivo, isto é, a sua maior ou menor susceptibilidade de, em conformidade com os aspectos psicológicos ou capacidades que o caracterizam, sentir-se ou não intimidado. (Neste sentido, Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 348 e 349).
A conduta ameaçadora consiste em constranger uma pessoa através da provocação de medo, inquietação, insegurança, de forma a afectar a liberdade de decisão e acção do ameaçado.
No caso dos autos, o arguido e o seu comparsa lograram alcançar os seus intentos, tendo empregue a força necessária e suficiente para os levar a cabo o seu propósito, considerando-se que essa força física não ultrapassou a medida do necessário.
No que respeita ao tipo subjectivo do ilícito do crime de roubo exige-se não só que o agente represente os elementos que constituem a factualidade típica (por uma das três formas previstas no art.º 14.º do Código Penal), mas também que este tenha o conhecimento correcto de tal factualidade, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo (cfr. art.º 16.º do Código Penal). Este tipo configura, pois, uma actuação dolosa.
No caso em apreço, o arguido actuou com vontade e intenção de subtrair os objectos identificados através de violência física, o que logrou conseguir.
In casu, o arguido sabia que tais objectos não lhe pertenciam e sabia que a sua conduta era idónea a causar medo ou constrangimento na vítima e, assim, compeli-la a não resistir e, mesmo assim, quis levar a cabo essa acção.
Concluindo, neste caso concreto, o arguido actuou com intenção de praticar o facto ilícito.
Em sede de culpa, o arguido é imputável e agiu com liberdade decisão.
Nestes termos, estão provados factos que configuram o preenchimento do elemento subjectivo do tipo, na modalidade de dolo directo.
Importa agora referir que o valor total do furto foi de €820, o que significa, à luz do disposto no art.º 202.º, al. c) do CP, que ultrapassa o que a lei entende ser de valor diminuto (aquele que não exceder uma unidade de conta avaliado à data da prática dos factos, sendo que nessa data o valor da unidade processual era de € 102).
O arguido vinha acusado da prática de crimes de roubo na sua forma agravada nos termos do art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al.b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4, do CP (trazendo no momento da prática dos factos uma arma aparente ou oculta, tendo-se, no caso em concreto, demonstrado o elemento qualificativo do tipo), desqualificado pelo valor. No entanto, no caso em apreço apurou-se que o valor do furto não constitui valor diminuto por ser superior, razão pela qual não há lugar à desqualificação.
Ora, no caso em apreço, os bens furtados não eram de diminuto valor, pelo que há lugar à qualificação a que alude a al. f) do n.º 2 do art.º 204.º do CP.
Em face do exposto, decide-se condenar o arguido pela prática do crime na sua forma agravada, nos termos previstos pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal.
Na desinência de todo o exposto, e porque não há causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, conclui-se que o arguido AA praticou 1 crime de roubo agravado, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 1 e 2, al. f), do CP.»

d. É como segue a apreciação efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância quanto à determinação das consequências penais no caso:
«Determinação da medida concreta da pena:
O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, é cominado com pena de prisão de 3 a 15 anos. No caso em concreto, por ter sido feito uso do disposto no art.º 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não se poderá aplicar pena de prisão superior a 5 anos.
As consequências jurídicas da prática de um crime pautam-se pela aplicação de determinados critérios relacionados com as necessidades dos fins das penas, que são, segundo dispõe o n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal “a protecção de bens jurídicos” (prevenção geral) “e a reintegração do agente na sociedade” (prevenção especial).
Actua-se no âmbito da prevenção geral positiva ou de integração quando se reforça na comunidade o sentimento da validade e da segurança face às normas jurídicas violadas, e no da prevenção especial positiva ou de socialização quando a pena é dirigida à ressocialização ou reintegração do agente e perante a qual o julgador efectua um juízo de prognose quanto aos efeitos desta na futura conduta do delinquente.
Assim, a determinação da medida da pena, dentro dos limites supra definidos, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tal como decorre do artigo 71º do Código Penal em conjugação com o supra referido art.º 40.º do mesmo diploma legal.
Mais se atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, designadamente as enunciadas no n.º 2 daquele artigo 71º.
Assim sendo, são tidas em consideração as seguintes circunstâncias:
- a intensidade do dolo, na sua modalidade mais grave, o dolo directo;
- o grau de ilicitude do facto é médio no que toca ao meio empregue (uso de uma faca) e mediano no que toca ao valor subtraído.
- A circunstância de o arguido ter querido prestar declarações, mas não ter assumido os factos, revelando que não tomou consciência do desvalor e censurabilidade da sua conduta;
Em seu favor:
- O facto de o arguido não ter antecedentes criminais, estar integrado familiar, social e profissionalmente.
- Por fim, tem-se em consideração a sua situação económica.
A prevenção geral exige uma pena afastada dos limites mínimos, uma vez que em causa está a segurança e a paz públicas dos cidadãos, tanto mais que cada vez é em maior número a prática deste tipo de crimes, muitas vezes com consequências bastante gravosas, e a prevenção especial exige uma pena que faça sentir convenientemente à arguida a censurabilidade da sua conduta.
Assim, tudo visto e ponderado tem-se por adequado, proporcional e suficiente aplicar ao arguido AA a pena de 3 anos e 8 meses de prisão.
*
Pena de substituição:
O arguido não tem antecedentes criminais, mas não assumiu os factos pelos quais foi condenado. Revelou falta de consciência da ilicitude dos factos.
Apesar disso, o arguido está inserido na sociedade e poderá vir a beneficiar da ressocialização, sendo de acreditar que basta a mera ameaça de prisão para que o arguido inverta o seu caminho. Merece, pois, o benefício do juízo de prognose favorável que ainda é possível fazer.
Aliás, do relatório social resulta que o arguido beneficiará do reforço do investimento na actividade laboral e da manutenção da terapêutica.
O arguido reúne assim, condições para inverter o seu percurso criminógeno caso adquira as competências que um Regime de Prova lhe pode proporcionar. Na verdade, atendendo ao que resulta também evidenciado no relatório social, entendemos que o arguido tem todas as condições para vir a reflectir sobre o significado da sua conduta e a alterar a sua postura perante o dever-ser jurídico-penal.
Por outro lado, impõe-se ponderar a suspensão da execução da pena de prisão acompanhada de um regime de prova, que sedimente todas as competências que não possui ou estão fragilizadas.
Julgamos, pois, ser neste caso adequado suspender a pena de prisão aplicada, concluindo-se, por ora, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em conformidade, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 50.º do Código Penal decide-se suspender a execução da pena única de prisão pelo período de 4 anos, ficando sujeito a regime de prova, nos termos previstos no art.º 50.º, 53.º e 54.º, todos do Código Penal.»

Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.

1. De saber se é válido processualmente, podendo ser valorado como meio de prova, o depoimento prestado em audiência pela testemunha CC.

Começa o recorrente por invocar a insusceptibilidade de valoração probatória do depoimento da testemunha CC prestado em audiência, em virtude de, alega, o tribunal a quo haver preterido as formalidades legais para a respectiva inquirição, designadamente violando o art. 318º do Cód. de Processo Penal, na sua letra, mas também no próprio espírito da lei, que visa garantir um mínimo de segurança jurídica no que a identidade dos intervenientes diz respeito.
Na verdade, prossegue, não tendo estado presente fisicamente na audiência de julgamento, nem tendo sido ouvido em qualquer outro Tribunal, português ou estrangeiro, a aludida testemunha (que é afinal o ofendido, de acordo com o elenco de factos imputado ao arguido) foi ouvida pelo sistema informático Webex, e em nenhum momento «a pessoa que prestou declarações na audiência de julgamento» se identificou ou o tribunal a quo confirmou o local onde a mesma residia. Ademais, o tribunal a quo não quis saber se a prova produzida foi feita de uma forma livre, sem a perturbação da liberdade de vontade ou de decisão do declarante, ou até se a mesma foi obtida com recurso a ameaça.
Vejamos.

É consabido que a regra processual no que tange à tomada de depoimento de testemunhas em sede de audiência de julgamento, é da prestação de tal depoimento pessoal e fisicamente na presença do tribunal do julgamento, dispondo o nº1 do art. 318º do Cód. de Processo Penal que «Excecionalmente, a tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, a peritos ou a consultores técnicos pode, oficiosamente ou a requerimento, não ser prestada presencialmente, podendo ser solicitada ao juiz de outro tribunal ou juízo, por meio adequado de comunicação, nos termos do artigo 111.º, se:
a) Aquelas pessoas residirem fora do município onde se situa o tribunal ou juízo da causa;
b) Não houver razões para crer que a sua presença na audiência é essencial à descoberta da verdade; e
c) Forem previsíveis graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais ou pessoais, na sua deslocação.»
O regime excepcional em causa é ademais complementado designadamente nos nºs 4 a 8 da mesma disposição legal, nos seguintes termos:
«4 - A tomada de declarações processa-se com observância das formalidades estabelecidas para a audiência.
5 - A tomada de declarações realiza-se em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real.
6 - Nos casos previstos no número anterior, observam-se as disposições aplicáveis à tomada de declarações em audiência de julgamento. No dia da inquirição, a pessoa identifica-se perante o funcionário judicial do tribunal ou juízo onde o depoimento é prestado, mas a partir desse momento a inquirição é efetuada perante o juiz da causa e os mandatários das partes, através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sem necessidade de intervenção do juiz do local onde o depoimento é prestado.
7 - Fora dos casos previstos no n.º 5, o conteúdo das declarações é reduzido a auto, sendo aquelas reproduzidas integralmente ou por súmula, conforme o juiz determinar, tendo em atenção os meios disponíveis de registo e transcrição, nos termos do artigo 101.º
8 - Sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais ou europeus, o assistente, partes civis ou testemunhas residentes no estrangeiro são inquiridos através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários.».
Acresce, no que se reporta agora ao acto material de prestação de depoimento testemunhal em audiência, que, nomeadamente – e no que aqui releva – nos termos do nº3 do art. 348º do Cód. de Processo Penal, «O presidente pergunta à testemunha pela sua identificação, pelas suas relações pessoais, familiares e profissionais com os participantes e pelo seu interesse na causa, de tudo se fazendo menção na acta.».

Pois bem, no caso dos autos, é verdade que a testemunha CC, em virtude de residir, à data da realização da audiência, nos Estados Unidos da América, foi ouvido através do sistema Webex, sem a intermediação de qualquer entidade policial ou jurisdicional.
Nessa medida, é também seguro que, na ocasião da tomada do seu depoimento, não se identificou presencialmente perante qualquer funcionário judicial.
Não obstante, diga–se, é essa a única correspondência entre as circunstâncias em que foi prestado o seu depoimento, e quanto vem alegado pelo recorrente.
Na verdade, e ouvida a gravação da prestação de depoimento em causa – cfr. ficheiro citius refª 20230307103807_16265080_2871499 –, «a pessoa que prestou declarações na audiência de julgamento», ainda que através do aludido sistema de comunicação à distância, identificou–se como sendo CC, referiu residir nos E.U.A., prestou o juramento legal, e ademais foi especificamente instado pelo tribunal a quo no sentido de saber se o mesmo sentia algum constrangimento na prestação do depoimento em causa, designadamente por via de alguma ameaça que houvesse sofrido, tendo a testemunha esclarecido negativamente.
Pois bem, no que tange à verificada circunstância de o depoimento não presencial da testemunha em audiência não haver sido prestado em um tribunal, e com prévia identificação documental perante funcionário judicial, julga–se desde logo que a eficácia e validade de tal acto processual se mostra salvaguardado por via do supra transcrito nº8 do art. 318º do Cód. de Processo Penal, onde exactamente se prevê a possibilidade de nomeadamente as testemunhas residentes no estrangeiro serem validamente inquiridas através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real, e sempre que no local da sua residência existam os meios tecnológicos necessários – como aqui manifestamente sucedia, pois que, como é também consabido, o aludido sistema Webex é, precisamente, um meio de conversação à distância, via internet, mediante a transmissão de imagem e som em tempo real.

Ademais, e sempre por directo reporte à alegação do recorrente nesta parte, sempre se dirá que a lei processual penal consagra, em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – cfr. nºs 1 e 2 do art. 118° do Cód. de Processo Penal.
Donde, qualquer das circunstâncias que vêm invocadas nesta parte do presente recurso, não se mostrando elencadas enquanto nulidade (nem nos termos dos arts. 119º ou 120º do Cód. de Processo Penal, nem nos do art. 379º do mesmo diploma e que especificamente trata das nulidades da sentença, nem nos de qualquer outra disposição legal), sempre seriam quanto muito reconduzíveis a mera irregularidade processual, nos termos do art. 118º/2 do Cód. de Processo Penal, e cujo regime vem regulado no art. 123º do mesmo código – neste sentido também Mouraz Lopes, em “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo IV, pág. 762.
Ora, resulta precisamente do nº1 deste art. 123º do Cód. de Processo Penal, que «Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.».
No caso concreto, a alegação do ora arguido/recorrente reporta-se a putativas omissões procedimentais na prestação de depoimento por parte de uma testemunha em audiência.
Donde, e muito claramente, a invocação de qualquer irregularidade nesta fase seria desde logo ostensivamente extemporânea, pois que deveria ter sido suscitada no próprio acto em que aquele depoimento teve lugar.
O que não sucedeu, pois, como bem realça o Ministério Público na sua resposta ao recurso, o depoimento do da testemunha CC, tendo sido prestado com recurso a som e imagem em tempo real, foi prestado na presença do arguido e do seu Defensor em audiência de julgamento – não tendo sido suscitada, designadamente em confronto com aquelas imagem e som da testemunha, qualquer questão relativa à identidade da mesma, ou às circunstâncias do seu depoimento.
Donde, e assim não tendo sucedido, a alegada irregularidade sempre se deveria ter por sanada, sendo ademais que não se julga que no presente caso se estivesse sequer perante uma situação susceptível de integração no nº2 do mesmo art. 123º do Cód. de Processo Penal, que prevê que «Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado» (sublinhado agora aposto), pois que a situação invocada de todo afectaria, por qualquer forma ou em qualquer grau, o valor do acto processual em causa.

Em conclusão, não se julga verificada qualquer invalidade reportada ao depoimento testemunhal de CC, o qual consubstancia, assim, meio eficaz e válido de prova, logo, susceptível de valoração pelo tribunal a quo em sede de sentença, como veio a suceder.
Improcede, pois, esta primeira parte do recurso.

2. De saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.

Vem, na parte substancial do seu recurso, o arguido impugnar o exercício de julgamento da matéria de facto por parte do tribunal a quo, considerando haver este assentado, quanto a alguns dos factos provados, na errada apreciação de elementos de prova produzidos nos autos.

Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas:
– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal,
– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal.
A questão nesta parte suscitada pelo recorrente propõe–se gravitar no âmbito do segundo dos caminhos expostos.
O erro de julgamento ocorre, pois, quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Notar–se–á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar :
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas.
Sendo que, com relação às duas últimas especificações, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência : quando esteja em causa o apelo a provas que hajam sido objecto de gravação, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação – é o que resulta do nº4 do art. 412º do Cód. de Processo Penal, que exactamente exige que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Cumpre assinalar que não deixará a instância de recurso de tomar em consideração, para além desses específicos trechos, também outros produzidos em audiência, nos termos previstos no nº 6 do mesmo art. 412º do Cód. de Processo Penal – onde precisamente se prevê que “No caso previsto no n.º 4 [onde, por sua vez, se determina que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”], o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”.
Em suma, e retomando quanto se vinha dizendo, quando se pretenda efectivamente sindicar a decisão recorrida no âmbito desta apreciação mais alargada resultante da impugnação da matéria de facto, resulta determinado pelo texto do nº3 do art. 412º do Cód. de Processo Penal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto. Tal significa que, para que a impugnação possa proceder, as provas que o recorrente invoque, e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com as valoradas pelo tribunal a quo ou com a valoração que esse tribunal efectuou, devem não apenas revelar que os factos foram incorrectamente julgados, como também devem determinar a convicção de que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Notar–se–á que a remissão para o verbo impor, especificamente estipulada no art. 412º/3/b) do Cód. de Processo Penal, consubstancia a exigência de verificação de uma obrigação impreterível, de um imperativo, de um dever mandatório inquebrável e sem alternativas.
Donde dever o recorrente, na sua argumentação e apreciação alternativas, fazer uso de um raciocínio lógico e de exame crítico com o mesmo grau de exigência que se impõe ao tribunal na fundamentação das suas decisões, e com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Estas ideias encontram eco indisputado na jurisprudência, podendo citar–se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2005 e de 09/03/2006 (procs. nº 2951/05 e 461/06)[3], onde se escreve que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» ; ou ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2011 (proc. 158/09.3GBAVV.G2.S1)[4], onde se consigna o seguinte :
« IV – Como o STJ vem decidindo, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP. V - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento pela 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência. VI - Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, sendo certo que ao exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuadas pelo tribunal recorrido. ».
É que, como se refere por exemplo no acórdão da Relação do Porto de 26/11/2008 (relatado por Maria do Carmo Silva Dias e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e segs.), e citado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022 (proc. 299/20.6GAVGS.P1)[5], «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância».
A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2003, proc. nº 024324)[6], fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2003, proc. nº 3100/02)[7].
Como se escreve no supramencionado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2022, «o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas».

Efectuadas estas considerações – como forma de enquadramento dos limites em que se move a invocação desta forma de impugnação ampliada do exercício de fundamentação de facto por parte do tribunal a quo –, vejamos quanto sucede no caso concreto dos autos.
No caso, o recorrente vem invocar o incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do tribunal de primeira instância, alegando que tal deficiente exercício se prende, fundamentalmente, com uma inadequada avaliação efectuada da prova elencada na sentença recorrida.
E embora referindo fazer incidir a sua discordância quanto ao julgamento da factualidade vertida nos pontos 3.º, 5.º e 6.º dos factos provados, certo é, adianta–se, que, em bom rigor, apenas quanto a parte do ponto 3.º – e, mediatamente quanto ao ponto 6. – dessa matéria de facto, a alegação formulada integra os pressupostos da invocada impugnação ampla da matéria de facto, como melhor se verá adiante.
Vejamos.

No que tange ao ponto 3.º da matéria de facto provada, recordemos o teor do mesmo :
3.º Momentos depois, o arguido saiu do veículo sob o pretexto de não ter isqueiro e dirigiu-se á traseira do veículo e de repente entrou para o lugar do condutor, ao mesmo tempo que um individuo do sexo masculino de identificação desconhecida se dirigiu ao ofendido e abrindo a porta do veículo, encostou-lhe uma faca ao pescoço onde fez pressão e exigiu-lhe a carteira que o mesmo transportava, ao que o ofendido obedeceu e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga.

Como acabou de se deixar enunciado, o recorrente impugna o julgamento da matéria de facto vertida neste ponto da fundamentação, não na sua totalidade, mas por reporte a específicos segmentos do mesmo.
É esse percurso que passamos a seguir, e na perspectiva que releva nesta parte do recurso.

Assim, o primeiro segmento do ponto 3.º da matéria de facto provada sobre o qual o arguido/recorrente faz incidir a sua crítica é aquele que respeita à consideração, ali assente, de que «Momentos depois, o arguido saiu do veículo sob o pretexto de não ter isqueiro e dirigiu-se à traseira do veículo».
Alega o recorrente que a testemunha/ofendido CC nada disse acerca deste facto, sendo que esta matéria foi dada como provada com base numa afirmação da Sra. Procuradora da República, à qual aquele responde apenas “Sim” mas reportando a pergunta feita posteriormente acerca do local onde o ofendido estava sentado (cfr. transcrição ao minuto 9:37).
Donde, este facto não poderia ser dado como provado.
Sustenta a sua alegação, pois, na transcrição de trechos do depoimento prestado pela testemunha CC, e gravado no ficheiro citius com a refª 20230307103807_16265080_2871499, e que são os seguintes (no que aqui releva):
– 07:04 Testemunha CC: O meu primeiro contacto correu tudo bem, o segundo contacto foi o momento em que aconteceu, aconteceu o roubo…
- 07:33 Testemunha CC: …O senhor veio com o carro, eu mal entrei no carro e o senhor disse–me que ia buscar o isqueiro atrás do carro, mas entretanto quando o senhor voltou eu sem reparar veio o outro senhor com a máscara (…não perceptível), faca encostada (…) para passar a minha carteira e o meu telemóvel.
- 07:58 Procuradora: O senhor contactou este senhor através de algum site?
- 08:02 Testemunha CC - Sim, (…não perceptível)
- 08:18 Procuradora: Que tipo de encontros eram?
- 08.20 Testemunha CC: Eram encontros sexuais.
(…)
- 08:42 Procuradora: Olhe ele em algum momento pediu-lhe o seu telemóvel?
- 08:44 Testemunha CC: Não.
- 08:51 Procuradora: Pediu o telemóvel da marca samsung
- 08:53 Testemunha CC: Sim, sim, sim, pediu pá, pediu pá pa pa pa hmmm hmmm pediu a lanterna
- 09:04 Procuradora: A lanterna do telemóvel?
- 09:06 Testemunha CC: Sim.
- 09:07 Procuradora: E era para fazer o que? Enrolar o quê? Para fazer o quê?
- 09:12 Testemunha CC: Era para enrolar o cigarro.
- 09:17 Procuradora: E pronto e o senhor deu-lhe o telemóvel? Ele ficou com o telemóvel ou depois devolveu-lhe?
- 09:21 Testemunha CC: Não, ele deu-me o telemóvel.
- 09:22 Procuradora: Ele devolveu-lhe o telemóvel?
- 09:24 Testemunha CC: sssss… eu não, eu não, eu, ele não deu o telemóvel.
- 09:33 Procuradora: Se não lhe deu, não deu pronto.
- 09:37 Procuradora: Pronto e então depois quando ele saiu para ir buscar então o isqueiro à traseira é que apareceu o outro indivíduo, o senhor estava, o senhor entrou para o banco do pendura? Do passageiro da frente?
- 09:47 Testemunha CC: Sim.
- 09:50 Procuradora: Mas então o que aconteceu, abriram-lhe então a porta do carro?
- 09:55 Testemunha CC: Sim.
- 09:56 Procuradora: Um outro indivíduo?
- 09:57 Testemunha CC: O outro indivíduo abriu a porta onde eu estava sentado e o arguido entrou no mesmo sitio e este indivíduo que veio atrás de mim é que abriu a porta e arrancou-me pelo pescoço com a arma, com a arma no pescoço e ameaçou-me para lhe passar toda, toda, todo o dinheiro.
Nesta parte sucintamente se dirá o seguinte.
Ouvida a gravação do depoimento em causa, é verdade – como refere o recorrente – ser perceptível que, ao minuto 09:37 do mesmo, a resposta “Sim” da testemunha se refere à segunda parte da pergunta imediatamente antes formulada pela Procuradora da República, isto é, o segmento da mesma que questiona “o senhor entrou para o banco do pendura? Do passageiro da frente?”.
Porém, e como vemos decorrer da própria transcrição efectuada pelo recorrente, logo no início do depoimento em causa, ao minuto 07.33, a testemunha CC começou por descrever a situação então ocorrida referindo que “O senhor veio com o carro, eu mal entrei no carro e o senhor disse–me que ia buscar o isqueiro atrás do carro, mas entretanto quando o senhor voltou eu sem reparar veio o outro senhor com a máscara” – sublinhados agora apostos.
O que se mostra coerente com quanto vem, como também se constata, a referir ao minuto 09.57, quando descreve que “O outro indivíduo abriu a porta onde eu estava sentado e o arguido entrou no mesmo sitio” – sublinhado agora aposto.
Ou seja, decorre liminarmente desta descrição espontânea da testemunha/ofendido que efectivamente, instantes depois de entrar no carro conduzido pelo arguido, este último actuou nos termos que se mostram exactamente descritos no segmento aqui em causa do ponto 3.º da matéria de facto provada.
Não tem, pois, qualquer fundamento a invectiva que o recorrente dirige ao julgamento de tal segmento.
E, nessa conformidade, de todo se justifica – muito menos impõe – qualquer alteração da matéria de facto nesta parte.

O segundo segmento do ponto 3.º da matéria de facto provada relativamente ao qual o arguido/recorrente alega a existência de erro de julgamento, é aquele que respeita ao trecho «…e de repente [o arguido] entrou para o lugar do condutor, ao mesmo tempo que um individuo do sexo masculino de identificação desconhecida se dirigiu ao ofendido e abrindo a porta do veículo, encostou-lhe uma faca ao pescoço onde fez pressão e exigiu-lhe a carteira que o mesmo transportava, ao que o ofendido obedeceu…».
Alega o recorrente que pela audição do depoimento do ofendido, conclui-se que o mesmo não tem a certeza de qual o objecto que tinha encostado ao seu pescoço, pois que refere apenas ter sentido um objecto pontiagudo, mas que nunca viu tal objecto – sendo que um objecto metálico pode ser muita coisa, donde não poder este segmento factual ser dado como provado.
Sustenta a sua alegação, mais uma vez, na transcrição de trechos do depoimento prestado pela testemunha CC, e gravado no ficheiro citius com a refª 20230307103807_16265080_2871499, e que são os seguintes (no que aqui releva):
- 13:01 Procuradora: O senhor, a parte da arma, o senhor viu o que era?
- 13:05 testemunha CC: eu não consegui ver, mas senti que era uma faca, porque eu estava assim (…não perceptível) de cabeça para baixo e com arma assim ao pescoço, portanto eu não consegui ver a arma exatamente, mas senti que era uma faca.
- 13:21 Procuradora: Sentiu que era uma coisa pontiaguda é isso?
- 13:23 testemunha CC: Sim
- 13:24 Procuradora: o senhor diz que era uma faca pronto, mas podia ser um canivete, se o senhor não olhou, mas pronto o senhor diz que é uma faca, para si era uma faca
- 13:33 testemunha CC: Sim
- 13:34 Procuradora: e ele teve todo o momento com a faca? Assim até o senhor
entregar as coisas?
- 13:39 testemunha CC: Sim
(…)
- 14:44 Defensor: E o que é que o arguido fez durante o momento da.. em que alegadamente viu o outro indivíduo a apontar um objeto pontiagudo ao pescoço?
- 14:56 testemunha CC: ele estendeu as mãos e disse passa a carteira…
Nesta parte, julga–se que assiste razão ao recorrente – ainda que em parte, se considerarmos a forma demasiado extensiva da alteração por si propugnada.
Assim, é de notar que nos autos inexiste qualquer outro elemento de prova – além destas declarações da testemunha CC – que reporte às concretas características do instrumento que o indivíduo não identificado que abordou o ofendido naquela ocasião empunhou e lhe encostou ao pescoço – sendo que sobre este modo de actuação em concreto não vêm suscitadas dúvidas.
Além de não ter sido tal indivíduo identificado, temos que o arguido, quanto a tal aspecto, alegou ter, depois dos factos, percebido que se tratara de umas chaves de casa porque aquele indivíduo não identificado lhe mostrou “o porta–chaves que tinha”. Ou seja, tal objecto não foi, maxime, apreendido e sujeito a qualquer exame nos autos.
Ora, como se constata por via das transcritas declarações da testemunha CC, o próprio não assevera em momento algum haver–se tratado de uma faca ou sequer um canivete, confirmando tão apenas ter–se tratado de um instrumento metálico e pontiagudo cujas características (essas que percepcionou) associou às de uma arma branca – associação essa que se considera, aliás, de elementar lógica.
E mesmo das declarações do arguido (gravadas no ficheiro refª 20230320143624_), ainda que se fizesse fé nas mesmas nesta parte, apenas decorreria que o tal indivíduo não identificado, já após os factos, lhe exibira um porta–chaves, entendendo ele (arguido) que fora uma chave que o mesmo utilizara contra o ofendido – porém, também não sabendo com segurança referir se o fora ou não, explicando que “eu na altura [de execução dos factos] também não percebi o que é que era» (cerca do minuto 08’32”).
Assim, e independentemente do relevo substancial que tal questão revista (na verdade, adianta–se que tal alteração em absolutamente nada virá a colidir com a decisão que, a nível de qualificação jurídico–penal, cumprirá adoptar nos presentes autos), cumprirá fazer aqui funcionar a possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal (onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º»).
E, nessa medida, será de alterar este segmento do ponto 3.º da matéria de facto provada, consignando–se que o aludido indivíduo não identificado utilizou um instrumento metálico e pontiagudo, de características similares a uma faca e que o ofendido assim percepcionou, mas não podendo dar–se por assente haver sido especificamente uma faca em concreto o objecto utilizado – ou seja, diga–se também, a alteração não pode ser no sentido ab–rogante aparentemente sugerido pelo recorrente, que peticionava que simplesmente se consignasse como não provado o facto de haver sido utilizada uma faca.
O que se determinará adiante.

Vem ainda o recorrente alegar impugnar um «terceiro facto» integrado no ponto 3.º da matéria de facto provada – reportando em especial ao segmento «…e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga».
Porém, e como claramente se constata em face da argumentação aqui expendida, o que verdadeiramente o recorrente propugna não é por qualquer alteração desta factualidade, mas antes por que a mesma inviabiliza a qualificação jurídico–penal dos factos como um crime de roubo na sua forma agravada, em termos que serão apreciados mais adiante.
Ou seja, nesta parte o que o recorrente verdadeiramente impugna é a matéria de direito (ao nível do correcto enquadramento típico criminal dos factos) na configuração em que a mesma se mostra decidida na sentença recorrida.
Donde, tal impugnação será apreciada, como se disse, mais adiante, no ponto 5. da presente decisão, em termos para os quais aqui se remete.

No que tange ao ponto 5.º da matéria de facto provada, a alegação do recorrente configura–se enquanto impugnação restrita da mesma, pelo que também será apreciada mais adiante – no ponto 3. da presente decisão.

Finalmente, e no que respeita ao ponto 6.º da matéria de facto provada – cujo teor é, recorde–se, o seguinte: «O arguido agiu livre e deliberadamente bem sabendo a sua descrita conduta proibida e punível» –, pese embora anuncie considerar também o mesmo como «incorrectamente apreciado[s] e julgado[s]», a verdade é que em concreto o recorrente não invoca qualquer meio probatório do qual decorra a imposição da alteração do mesmo no sentido de dever considerar–se não provado.
Julga–se, não obstante, evidente que o recorrente considera que tal alteração, assim pretendida, decorreria inevitavelmente do sucesso da demais impugnação da matéria de facto – ampla e restrita – que consubstancia o seu recurso.
Na verdade, não se demonstrando a participação do arguido nos factos, não poderia, como é de evidente lógica, entender–se que o mesmo teria preenchido os pressupostos típicos subjectivos a que se refere o aludido ponto 6.º da matéria de facto provada.
Donde, qualquer alteração que haja de introduzir nesta parte, será objecto de decisão após percorrido todo o percurso de impugnação da matéria de facto percorrido (nem sempre da forma mais linear) pelo recorrente.

Em conclusão, procede apenas parcialmente a impugnação que o recorrente efectua do julgamento da matéria de facto consignada na sentença, e, em conformidade, determina–se, nos termos do disposto no art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal:

i. a alteração do ponto 3.º da matéria de facto provada em sede de sentença, no sentido quer de o mesmo passar a ter a seguinte redacção:
3.º Momentos depois, o arguido saiu do veículo sob o pretexto de não ter isqueiro e dirigiu-se á traseira do veículo e de repente entrou para o lugar do condutor, ao mesmo tempo que um individuo do sexo masculino de identificação desconhecida se dirigiu ao ofendido e abrindo a porta do veículo, encostou-lhe ao pescoço, onde fez pressão, um instrumento metálico e pontiagudo, de demais características não exactamente apuradas, mas que o ofendido entendeu tratar–se uma faca, e exigiu-lhe a carteira que o mesmo transportava, ao que o ofendido obedeceu e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga.

ii. a consignação como matéria de facto não provada do seguinte ponto com a seguinte redacção:
a. que haja sido exactamente uma faca o instrumento que o indivíduo não identificado utilizou e encostou ao pescoço do ofendido nos termos assentes no ponto 3.º da matéria de facto provada.

3. De saber se se verifica na Sentença do tribunal a quo algum dos vícios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

Vem, entretanto, o arguido invocar também, com relação a parte da matéria que integra a fundamentação de facto da sentença recorrida, a verificação do vício de erro notório na apreciação da prova.
Ou seja, remete agora para a supra aludida vertente da impugnação restrita da decisão sobre a matéria de facto – isto é, para a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art. 410º.
Estabelece, assim, este art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) o erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, como acima já se enunciou, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível apelar a elementos estranhos àquela para o fundamentar – como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, em ‘Código de Processo Penal Anotado’, 10ª ed., pág. 729 ; Germano Marques da Silva, em ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª ed., pág. 339 ; ou ainda Simas Santos e Leal Henriques, em ‘Recursos em Processo Penal’, 6.ª ed., pág. 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Serão, pois, falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.
Assumem–se, pois, como erros de julgamento a relevar da contextualização interna da decisão, ou da própria estrutura da decisão, congraçada com as regras ou máximas da experiência comum, entendidas estas como o regular, normal e adquirido vivenciar do homem, histórico-socialmente situado.
Cumpre realçar que não sustenta a configuração de tais vícios, o esgrimir de argumentos opinativos quanto ao julgamento de facto a que o tribunal chegou e que verteu no texto da decisão, nem a mera crítica ao processo formativo cognitivo–racional que sustentou uma tal apreciação factual ou valoração probatória – a menos que ofendam em tal grau o senso comum que por isso não viabilizem sequer a validação do acto de julgamento efectuado.

Revertendo à alegação recursória nesta parte, suscita o arguido a verificação na sentença recorrida de uma situação de erro notório na apreciação da prova, especificamente na apreciação da matéria consignada no ponto 5.º da matéria de facto provada, em especial no seguinte segmento:
«5.º O arguido que agiu em comunhão de esforços e intenções com o desconhecido que o acompanhava…»
Alega o recorrente que o tribunal recorrido assume como evidente uma co-autoria entre o arguido e o terceiro desconhecido no que toca à realização deste – que era o segundo – encontro entre ofendido e arguido, quando não há qualquer facto dado como provado que demonstre a existência dos elementos integrantes da co-autoria: não foi provado qualquer acordo, expresso ou tácito entre o arguido e o terceiro desconhecido, o arguido não teve intervenção na fase executiva do crime, não existiu qualquer repartição de tarefas entre ambos. Ademais, o roubo aconteceria sempre quer fosse o arguido ou qualquer outra pessoa que estivesse no carro com o ofendido, não tendo o arguido possibilidade de impedir o resultado.
Vejamos.

Sucintamente se dirá que o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º/2/c) do Cód. de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em processo penal”, 5.ª edição, pág. 61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341).
Pois bem, pese embora seja este o vício expressamente invocado pelo recorrente nesta parte, a verdade é que não se vislumbra que a decisão recorrida padeça do mesmo.
Refere além do mais o recorrente, em sustento da sua alegação, que «as regras da experiência comum podem, em princípio, ser invocadas quando da sua aplicação ressalte, sem margem para dúvidas, a existência desse erro, ou seja, quando, contra o que resulta de elementos que constem dos autos, e cuja força probatória não haja sido infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova que veio a ser produzida na audiência de julgamento».
Ora, não só claramente se constata que o recorrente faz aqui, afinal, apelo a elementos probatórios que entende resultarem dos autos e que, contrariariam a possibilidade de considerar assente aquela co–autoria enunciada no ponto 5.º da matéria de facto provada, e não a quanto estritamente resulta do teor da decisão recorrida – exercício que, como se disse, extravasa o âmbito de ponderação sobre a existência dos vícios decisórios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal e liminarmente o inviabiliza –, como também, e seja como for, não se vislumbra (nem o recorrente o esclarece ou explica) quais as regras de experiência que aqui teriam sido violadas pela valoração probatória efectuada pelo tribunal a quo e plasmada em sede de decisão recorrida.
Pese embora estejamos perante um vício de raciocínio na apreciação das provas, para que de erro notório se possa falar, nos termos previstos no art. 410º/2/c) do Cód. de Processo Penal, necessário é que o mesmo se evidencie pela simples leitura da decisão.
Como, por todos, se consigna no Acórdão do S.T.J. de 09/03/2023 (proc. 1368/20.8JABRG.G1.S1)[8], «O erro notório na apreciação da prova é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, nomeadamente, através da leitura da matéria de facto e da fundamentação da matéria de facto» ; ou, como também adverte o Acórdão do S.T.J. de 23/09/2010 (proc. 427/08.0TBSTB.E1.S2)[9], «O vício da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – erro notório na apreciação da prova (…) tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida».
Ora, percorrida a decisão recorrida, na conjugação entre a sua fundamentação de facto e a respectiva motivação, não se vislumbra qualquer circunstância que determine a conclusão proposta pelo recorrente – muito especialmente não se configurando como tal o contexto do encontro entre ofendido e arguido naquele local, ou seja, não se crê que a ali referenciada circunstância de aquele ser um encontro de cariz sexual marcado entre ambos após um anterior contacto similar, inviabilize a consideração de o arguido haver concomitantemente actuado no âmbito de um plano com o indivíduo não identificado que surgiu no local, levando ambos a cabo a subtracção de valores do ofendido nos termos descritos na fundamentação de facto da sentença.
Não se considera, pois, verificado qualquer erro notório na apreciação da prova e imanente da decisão recorrida.

Não deixa de se referir ainda que, atenta a forma como o recorrente materializa a sua alegação, a mesma poderia ainda ser entendida enquanto reportando antes ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal.
Sempre sucintamente se dirá que este vício, por seu turno, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova. Como se consigna no Acórdão do S.T.J. de 06/10/2011 (proc. 88/09.9PESNT.L1.S1)[10], «A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados».
Ora, e revertendo à materialidade da alegação recursória, certo é que também não é rigorosa a afirmação de que «não há qualquer facto dado como provado que demonstre a existência dos elementos integrantes da co-autoria».
Assim, além de quanto se consigna desde logo no próprio ponto 5.º da matéria de facto provada – isto é, que «O arguido agiu em comunhão de esforços e intenções com o desconhecido que o acompanhava» –, temos como assente no ponto 3.º da matéria de facto provada que, perante a ameaça perpetrada pelo indivíduo não identificado que surgiu no local e a exigência de que lhe entregasse a sua carteira, «[a]o ofendido obedeceu e entregou a carteira ao arguido, receando vir a ser atingido na sua integridade física, da qual o mesmo se apropriou, após o que o arguido e o seu acompanhante se puseram em fuga» – sendo os sublinhados agora apostos –, sendo de realçar que tal segmento da matéria de facto provada não foi objecto de impugnação recursória.
Ora, este conjunto de factos é, manifestamente, suficiente para alicerçar, a jusante, a decisão jurídico–penal de estarmos perante uma situação configurável como de co–autoria criminal, nos exactos termos em que tal vem a ser decidido na sentença recorrida.
Inexiste, pois, qualquer insuficiência da matéria de facto para o sustento da decisão de Direito que, nesta parte reportada à forma de participação do arguido nos factos, veio a ser adoptada na sentença.

Em conclusão, não se julga verificado na sentença recorrida qualquer dos vícios decisórios previstos no art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal.

4. De saber se na Sentença recorrida foi violado o princípio da livre apreciação da prova.

Vem ainda o recorrente, a propósito do exercício de valoração probatória levado a cabo pelo tribunal a quo e determinante da sua decisão sobre a matéria de facto considerada na sentença, alegar haver sido violado o princípio da livre apreciação da prova consignado no art. 127º do Cód. de Processo Penal.
Vejamos nesta parte.

O princípio da livre apreciação da prova encontra expressão no art. 127º do Cód. Processo Penal, que exactamente prevê que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2021 (proc. 343/18.7SMPRT.P1)[11] «O conceito de liberdade na convicção probatória, significa que o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indirecta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial».
Como contraponto, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias (em ‘Direito Processual Penal’, 1º Vol., Coimbra Editora, págs. 202/203), « a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo ».
Por outro lado, e segundo o mesmo autor «a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério. Na verdade, embora qualquer decisão do julgador penal assente na sua livre convicção, certo é que o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras.
Assim, o que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (...) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (cfr. Germano Marques da Silva, in ‘Curso de Processo Penal’, II, pág. 126 e segs.).
Porém, “Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/06/2015 (proc. 12/14.7GBSRT.C1)[12].

Efectuadas estas considerações, e contemplando a sentença de que se recorre e a correspondente valoração que da prova aí foi feita pelo tribunal a quo, crê–se manifesto que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, e capaz, portanto, de se impor.

Revertendo à alegação recursória nesta parte, entende o recorrente que tal desrespeito decorre da circunstância de o tribunal recorrido haver injustificadamente desvalorizado as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento, quando as mesmas se revelam, entende o recorrente, credíveis e inclusive coerentes com o depoimento do ofendido.
Porém, claramente (julga–se) se constata que, na sua essencialidade, a mesma se sustenta nos fundamentos que alicerçaram, a montante no seu recurso, os alegados vícios do julgamento da matéria de facto.
Isso mesmo inevitavelmente se comprova quando o recorrente vem a alegar e a concluir que «As declarações do Arguido apenas estão em oposição e ao arrepio das conclusões tiradas pelo Tribunal “a quo”, as quais não estão assentes na prova produzida nem sequer nos factos dados como provados na sentença proferida» – ou seja, aquilo que o recorrente afinal propugna é que o tribunal a quo teria violado o princípio aqui em causa, uma vez que as conclusões probatórias que assenta são contrárias ao que resulta da prova nos termos em que o recorrente entende que deveria a mesma ser valorada.
Ora, como também já se analisou, em termos para os quais aqui se remete, não se divisando qualquer substancial erro de julgamento da matéria de facto, nem qualquer vício decisório, liminar será a conclusão de não se ter por verificado que o tribunal haja procedido a uma valoração probatória errática, e desprovida de qualquer sustento nas regras que se lhe impunham nessa sede.
No âmbito da sua decisão sobre a matéria de facto, o tribunal explana de forma criteriosa o processo de formação da sua convicção, o que se traduz não apenas na indicação dos meios de prova utilizados, como na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, dos motivos que sustentam determinada opção por um ou outro dos meios de prova, dos fundamentos da credibilidade reconhecida às declarações e depoimentos e do valor dos documentos – ou seja, de tudo o que o julgador privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio que seguiu e das razões da sua convicção.
Muito em especial, e bem ao contrário do afirmado pelo recorrente, não é, de todo, verdade que o tribunal a quo não justifique o motivo pelo qual não valorou a versão dos factos apresentada pelo arguido, nem os motivos pelos quais considera que a mesma contraria elementares regras de experiência e lógica.
Nesse exacto contexto, aliás, e salvo o devido respeito, é pouco compreensível a alegação de que «as declarações do arguido não estão em oposição com as prestadas pelo ofendido», quando os pontos que depois menciona para elucidar sobre tal circunstância são praticamente os únicos em que tal não oposição se manifesta – e ainda assim desconsiderando a descontextualização como que vêm alegados –, pois que relativamente a tudo quanto respeita à indiciação da participação do arguido no plano e execução conjunta da subtracção violenta de valores ao ofendido, o relato deste último diverge 180 graus daquele do arguido, que procura afastar essa sua participação.
Ora, e muito em concreto, como bem explana o tribunal recorrido julga-se francamente mais coerente com aquelas que se julga serem evidentes regras de experiência comum e de lógica nesta matéria, que alguém que afinal conhece a pessoa do indivíduo não identificado que surge no local (embora entretanto não o identifique), recebe nas suas mãos a carteira que o ofendido entrega sob ameaça daquele, e conjuntamente com o mesmo indivíduo abandona o local dos factos conduzindo a sua própria viatura, abandonando o ofendido no local, está em claro conluio com o mesmo indivíduo não identificado, nos termos dados por assentes.
O que não se julga coerente com aquelas regras é a versão que o arguido apresenta – e independentemente do momento processual em que o fez –, de ignorar em absoluto que aquela intervenção do indivíduo não identificado se ia dar e de ficar surpreendido e em choque com a mesma, apesar de afinal ter adoptado todo aquele comportamento.
É esta a visão das coisas que o arguido pretendeu sobrepor por via das suas declarações – o que, aliás, e como se constata pela da audição das mesmas e pelo teor da sentença recorrida –, determinou haver sido ele expressamente confrontado com tais inconsistências lógicas por parte do tribunal.
É assim perfeitamente razoável o alicerce da convicção do tribunal a quo nesta matéria, atenta a credibilidade que lhe mereceu o depoimento do ofendido, e que o tribunal também justifica em sede de motivação.
Em bom rigor, o que decorre dos termos do recurso é que não agrada ao recorrente a convicção a que chegou o tribunal em resultado da avaliação pelo mesmo efectuada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento. Contudo, o recorrente poderá não concordar com a apreciação que nessa parte é feita pelo julgador – mas em momento algum a sua própria apreciação permite contrapor a decisão que foi adoptada pelo tribunal e os alicerces da mesma, tendo–se já verificado que, nos aspectos essenciais assinalados, inexiste qualquer elemento de prova que imponha uma decisão diversa.
Analisando, pois, o exercício de a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, concluímos com facilidade que a apreciação da prova ali levada a cabo revela haver seguido critérios 1ógicos e objectivos, com obediência às regras de experiência comum, usando correctamente dos princípios da imediação e da oralidade, conduzindo tal apreciação à inevitável fixação da matéria de facto ali considerada.
Verificamos, pois, que o tribunal a quo, reportando-se às concretas provas consideradas, efectuou uma exposição em que deu conta de forma perceptível para quem a lê do processo lógico e racional seguido na formação da sua convicção, indicando a prova analisada, a valoração que fez da mesma, o grau de credibilidade que lhe reconheceu e a demonstração de factos que logrou alcançar através daquela.
Mostra–se assim possível aferir uma correcta utilização do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Cód. de Processo Penal, tendo em vista a verdade prático-jurídica baseada na convicção pessoal, mas em todo o caso objectivável e motivável.
Não procede, pois, a invocada violação do princípio em causa.

5. De saber se se mostram reunidos os pressupostos típicos do crime de roubo, e sob que forma.

Concluída a sua impugnação recursória em sede de matéria de facto, vem seguidamente o arguido/recorrente impugnar a decisão recorrida no que tange aos respectivos fundamentos de Direito.
E, em tal âmbito, começa por dirigir a sua invectiva aos termos em que que se mostra decidida a qualificação jurídico–penal dos factos ali assentes.
Assim, alega o recorrente que o tribunal a quo não fez uma adequada subsunção dos factos às normas jurídicas penais, devendo considerar–se que aqueles integram, não a prática de um crime de roubo na sua forma agravada pela qual o arguido vem condenado, mas sim de roubo na sua forma simples prevista nos termos das disposições conjugadas dos arts. 210º/1/2/b) e 204º/2/f)/4, todos do Código Penal.

E, nesta sede, assiste efectivamente razão ao recorrente.
Vejamos.

Conforme já se relatou, a sentença recorrida condenou o arguido pela prática, em co–autoria material, de um crime de roubo agravado, previsto e punido nos termos do art. 210º/1/2/b) por referência ao art. 204º/2/f), ambos do Cód. Penal.
Dispõe o art. 210º/1 do Cód. Penal que pratica o crime de roubo, sendo punido com pena de 1 a 8 anos de prisão, «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir».
O crime de roubo será, porém agravado, e punível então com pena de 3 a 15 anos de prisão, se – e na parte que aqui releva – nos termos da alínea b) do nº2 do mesmo artigo, «Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo».
Sempre reportando apenas a quanto aqui releva, dispõe por sua vez o art. 204º/2 do Cód. Penal, na sua alínea f), a circunstância de quem furtar coisa móvel alheia «Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta» – circunstância agravante, aí do crime de furto, mas que, por expressa remissão daquele art. 210º/2/b) do Cód. Penal, é igualmente aplicável ao crime de roubo.
Finalizando o percurso pelos normativos aqui relevantes, dispõe enfim o art. 4º do D.L. 48/95, 15 de Março (diploma que aprovou o Código Penal) que «Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim».

Precisamente neste ponto, cumpre, antes de prosseguir, clarificar o caminho no que tange às consequências da alteração da matéria de facto supra determinada no ponto 2. da presente decisão.
Recordando, onde na sentença se consignava que o indivíduo não identificado que abordou o ofendido utilizara uma faca nos termos mais descritos na respectiva fundamentação, considera–se agora como provado que o instrumento utilizado foi um instrumento metálico e pontiagudo, de demais características não exactamente apuradas, mas que o ofendido entendeu tratar–se uma faca.
Já ali se adiantou que tal alteração fáctica se mostra substancialmente irrelevante para a decisão a nível jurídico
E assim se considera, desde logo, pois que mesmo um instrumento assim caracterizado, utilizado pelo modo como dá conta a restante matéria de facto provada – que, nessa parte, não se mostra alterada –, configura claramente a categorização de arma.
O espírito da lei, a sua teleologia, como claramente decorre da previsão legal referida, é o de considerar arma, para efeitos de preenchimento do tipo objectivo de qualquer dos crimes estatuído no Código Penal que a tal conceito apele, «todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes, um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva utilização, na sua integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função» – cfr. Acórdão do S.T.J. de 27/6/1996 (proc. 96P512)[13].
Donde, a noção de arma tem de ser encontrada, como propugna Faria Costa (em “Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo II”, ed. 1999, pág. 79 e segs.) «na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou na vida através do seu emprego» – no mesmo sentido citem–se Leal Henriques e Simas Santos quando escrevem (em “Código Penal Anotado – Parte Especial”, 5ª edição, pág. 829) que “Esta alínea [al. f) do art. 204º/2 do Cód. Penal] abrange tudo o que possa ser usado como instrumento eficaz de agressão, portanto quaisquer armas, quer as próprias (as destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas), quer as impróprias (todas as que tem aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fim ofensivos ou defensivos)”.
Como, por todos, também se escreveu no Acórdão do STJ de 04/05/2011 (proc. 1702/09.1JAPRT.P1.S1)[14], «A qualificativa nesta concepção é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima».
Em tais termos, pese embora a alteração da matéria de facto acima determinada, a verdade é que sempre o objecto usado pelo indivíduo não identificado (em conjugação de actuação com o ora arguido/recorrente) era um objecto metálico e pontiagudo, e, assim, desde logo apto a causar lesões físicas no ofendido – de tal modo que, aliás, percepcionou ser tal instrumento uma faca.
Consequentemente, sempre o instrumento assim utilizado deverá considerar–se uma arma para efeitos das disposições penais referidas.

Isto esclarecido, certo é, não obstante, que o preenchimento típico da agravante aqui em causa por via da utilização daquele instrumento/arma se revela inoperacional para fazer funcionar a correspondente agravação penal, atentas as demais circunstâncias do caso – assim se adentrando no cerne da pretensão recursória nesta parte.

Assim, o tribunal a quo, entendendo que a actuação do arguido (em conjugação com o co–autor não identificado dos factos) integraria a subtracção da carteira e dinheiro (no valor global de €30,00), e também do telemóvel (no valor de €790,00) do ofendido, considerou que estariam preenchidos os pressupostos típicos previstos sem mais nos arts. 210º/2/b) e 204º/2/f) do Cód. Penal, e o crime de roubo aqui cometido seria agravado nos termos que se mostram expostos na sentença recorrida – consignando, em sede de enquadramento jurídico–penal dos factos, nos seguintes termos : «o valor total do furto foi de €820, o que significa, à luz do disposto no art.º 202.º, al. c) do CP, que ultrapassa o que a lei entende ser de valor diminuto (aquele que não exceder uma unidade de conta avaliado à data da prática dos factos, sendo que nessa data o valor da unidade processual era de € 102). (…)
Ora, no caso em apreço, os bens furtados não eram de diminuto valor, pelo que há lugar à qualificação a que alude a al. f) do n.º 2 do art.º 204.º do CP.
Em face do exposto, decide-se condenar o arguido pela prática do crime na sua forma agravada, nos termos previstos pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal.».
Sucede, porém – e como bem assinala a Digna Procuradora–Geral Adjunta no seu parecer, em termos que aqui, com a devida vénia, se seguem de perto –, conquanto também esta instância suspeite da ilegítima intenção do arguido de se apropriar do telemóvel da vítima ainda que para tanto fosse necessário o uso de violência para a apropriação ou para não restituir o telemóvel, certo é que tal circunstancialismo não se mostra assente na factualidade provada na sentença.
Na verdade, o que na matéria de facto provada se afirma no que tange às circunstâncias em que o ofendido se viu desapossado do dito telemóvel, é que “o ofendido entrou na viatura automóvel em que arguido se fazia transportar e este conduziu o veículo até á Rua ... onde o estacionou e pediu ao ofendido que lhe desse o seu telemóvel da marca Samsung, no valor de 790€, para servir de base para enrolar um cigarro, ao que o ofendido acedeu.” (ponto 2.º), depois se aditando – isto é, após a descrição da integralidade das condutas criminosas adoptadas pelo arguido e pelo indivíduo não identificado, muito em especial aquelas que determinaram por meio de violência física e ameaça, a entrega da aludida carteira e dinheiro ao arguido – que “O arguido não devolveu o telemóvel ao ofendido” (ponto 7.º).
Ou seja, o que tão só resulta do elenco descritivo da matéria de facto provada é que a entrega do telemóvel foi, portanto, voluntária – e, ainda que eventualmente motivada por engano, seguro é que tal entrega não foi determinada pelo uso de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou após colocação do ofendido na impossibilidade de resistir.
O que significa que o que decorre da matéria de facto provada em sede de sentença é que a violência e a ilegítima intenção de apropriação apenas se mostram firmadas e comprovadas relativamente à «carteira que o ofendido transportava, avaliada em 25€, que continha a quantia de 5€, dois cartões de débito, título de residência, cartão de cidadão e de estudante, tudo pertencente ao ofendido, objetos de que o arguido se apropriou» – cfr. pontos 3.º, 4.º e 5.º da matéria de facto provada.
Nestes termos, apenas com relação a estes últimos bens e valores se pode afirmar a ilegítima de apropriação por meio de violência.
Bens e valores estes que, portanto, são de valor diminuto, pois que, na sua globalidade, o mesmo não excede o correspondente a uma U.C. avaliada no momento da prática do facto – isto é, in casu à quantia de €102,00 –, nos termos prevenidos no art. 202º/c) do Cód. Penal.

Ora, prevê o art. 204º/4 do Cód. Penal – aplicável, como vimos, ao crime de roubo por expressa remissão da parte final do art. 210º/2/b) do Cód. Penal – que não haverá lugar à qualificação do roubo se a coisa for de diminuto valor, considerando-se diminuto aquele valor que não exceder uma U.C. à data da prática dos factos – cfr. art. 202º/c) do Cód. Penal.
Pois bem em face dos factos dados por assentes, e como acaba de se constatar, não se pode considerar que esteja excedido o valor diminuto tal como configurado na lei.
E deste modo, não obstante o uso daquele aludido instrumento metálico passível de ser considerado como uma arma nos termos e para os efeitos aqui em causa, não pode haver lugar à qualificação do crime de roubo aqui praticado, que, assim, deve ser considerado apenas e só na sua forma simples – sendo certo que o arguido preencheu os elementos típicos subjectivos da incriminação (pois que agiu dolosamente, isto é, de modo plenamente voluntário, e tendo perfeito e esclarecido conhecimento da situação em que se encontrava e de praticar os factos que praticou, sendo sua vontade agir como agiu), e que não ocorrem quaisquer circunstâncias que justifiquem ter o arguido agido pela forma como o fez, nem que excluam a sua culpa (ele actuou sempre com consciência de que a sua conduta não lhe era permitida por lei, devendo o seu procedimento ser objecto de juízo de censura penal por ter agido como agiu quando podia e devia, sempre, ter agido de outra forma, isto é, abstendo-se de praticar os factos descritos)

Em conclusão, o arguido cometeu, em co-autoria, um crime de roubo simples (desqualificado pelo valor), previsto e punível nos termos das disposições conjugadas dos supra transcritos arts. 210º/1/2/b) e 204º/4 do Cód. Penal.

Procede, assim, esta parte do recurso.

6. De saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é desadequada por excessiva.

Vinha finalmente o arguido/recorrente propugnar pela sindicância da concreta medida da pena em que vem condenado pela sentença recorrida, considerando que a mesma se revela desadequada por excessiva.
Tal pretensão mostra–se, nesta fase, consumida processualmente em virtude da parcial procedência, a montante, do recurso no que tange à reconfiguração da qualificação jurídico–criminal da conduta do arguido AA.
Na verdade, e de quanto vem de se decidir, resulta dever ser alterada a decisão recorrida condenando-se agora o arguido pela prática de um crime de roubo punível, nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos – donde, sempre se impor no caso a alteração da pena concretamente aplicada, e inevitavelmente (atenta a moldura penal agora ponderável) por via da respectiva redução.
É quanto se passa a fazer, assim contemplando necessariamente a pretensão do recorrente nesta (derradeira) parte do seu recurso.

Ao crime de roubo pelo qual o arguido deverá, pois, ser punido, é aplicável a pena de 1 a 8 anos de prisão – e não aquela de 3 a 15 anos de prisão considerada na sentença recorrida na contemplação, errónea, de se estar perante a punibilidade tal crime na sua forma agravada.
Como é consabido, por isso dispensando especiais dissertações, resulta desde logo do art. 40º do Cód. Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial). O n.º 2 do artigo citado enuncia o princípio geral e estruturante do direito penal, o princípio da culpa, através do qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Como, por todos, se resumiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (proc. 52/14.6GTCBR.C1)[15], «A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos. A reintegração do agente na sociedade está ligada á prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida
O grau de exigência na protecção dos valores jurídicos que estejam em causa em determinada criminalização, deverá ser objecto de ponderação a partir de dois vectores complementares e indissociáveis: por um lado, e em termos gerais, do respectivo relevo em termos de hierarquia axiológica legal e constitucionalmente estipuladas, e por outro lado, em termos concretos, da intensidade do respectivo desrespeito em que a actuação ilícita do agente se traduziu. Trata–se de vectores que, naturalmente, já se mostram omnipresentes na própria definição a montante dos critérios de estatuição da punibilidade aplicável em cada tipo criminal, mas que mantém, agora em sede de determinação punitiva concreta, o seu relevo por via da sua devida densificação.
Quanto às necessidades de ressocialização, na avaliação do grau da respectiva necessidade haverá de se atentar na medida em que os actos do agente são um reflexo quer da sua personalidade, quer das suas circunstâncias – e, estas, quer as específicas verificadas no momento do acto, quer as relativas ao seu percurso e situação de vida.

Retomando o exercício de determinação da pena concreta a aplicar ao arguido, temos que como factores de escolha e graduação da mesma há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
No caso irreleva quanto se prevê naquele art. 70º do Cód. Penal – onde se dispõe que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Na verdade, a alternativa punitiva aqui pressuposta não existe no caso do crime de roubo.
Prosseguindo, temos então que o art. 71º do Cód. Penal estabelece que a concretização penal deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Assim, na determinação da medida da pena não poderá ultrapassar-se no seu limite máximo, a medida da culpa, sendo a pena, contudo, delimitada, no seu limite mínimo, pelos ditames da prevenção especial (centrados na tutela de bens jurídicos), abaixo dos quais não pode fixar-se a medida da pena, sob pena de perda de confiança da comunidade no restabelecimento da vigência da norma violada.

Revertendo ao caso concreto do arguido/recorrente, cumpre desde logo assinalar que na sentença recorrida se elencam, como forma de enquadramento das necessidades penais aqui impostas, os essenciais elementos com relevo também para a determinação da medida concreta da pena aqui agora em causa, e que não se devem considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição.
Ali se reportam os seguintes factores:
«- a intensidade do dolo, na sua modalidade mais grave, o dolo directo;
- o grau de ilicitude do facto é médio no que toca ao meio empregue (uso de uma faca) e mediano no que toca ao valor subtraído.
- A circunstância de o arguido ter querido prestar declarações, mas não ter assumido os factos, revelando que não tomou consciência do desvalor e censurabilidade da sua conduta;
Em seu favor:
- O facto de o arguido não ter antecedentes criminais, estar integrado familiar, social e profissionalmente.
- Por fim, tem-se em consideração a sua situação económica.».
São considerações que se subscrevem, não deixando de se aditar as seguintes.
O crime aqui em causa visa proteger uma multiplicidade de valores jurídicos de relevo, reconduzíveis não apenas imediatamente àquelas de natureza patrimonial, mas também à segurança das pessoas e à sua integridade física, tantas vezes postos em causa com actuações como aquela aqui ocorrida.
Atentar–se–á que o arguido actuou em conjugação de esforços com outro indivíduo, assim desde logo assegurando clara superioridade numérica e física sobre aquele e acentuadamente limitando a sua capacidade de se defender daquela actuação.
Não poderá nesta sede desconsiderar–se agora a forma como a ameaça exercida sobre o ofendido foi concretizada, na medida em que tal não releva para a tipificação da agravação criminal que vinha decidida em primeira instância.
Assim, temos que aqui houve efectiva utilização de um instrumento fisicamente apto a causar ferimentos corporais na pessoa do ofendido, que o mesmo percepcionou ser uma faca, o que não há–de ter deixado de acentuar em muito o seu receio e incapacidade de oferecer qualquer resistência.
Estamos perante um tipo de crime, que além de muito frequente no nosso país, é susceptível de determinar acentuado alarme comunitário. Ora tendo em conta, por um lado, a proliferação de crimes da tipologia daquele aqui em causa, e, muito em especial, as circunstâncias em que o arguido e o seu comparsa praticaram os factos, é evidente a imagem de gravidade da sua conduta, e as elevadas necessidades de reprovação, inculcando que as necessidades de aplicação de uma pena que não se traduza numa mensagem de impunidade e de ligeireza na protecção dos bens jurídicos aqui tutelados.
E se em si mesmas, são já relevantes tais aludidas necessidades de tutela jurisdicional, também não deixa de se assinalar que os autos não reflectem a adequada assunção pelo mesmo da censurabilidade dos seus actos nesta parte – assinalando–se que se em si mesma a sua negação dos factos em sede de julgamento, em nada o pode prejudicar, quer em sede de apreciação da prova, quer nesta vertente da determinação punitiva, a verdade é que, neste âmbito da determinação da medida concreta da pena, tal inviabiliza a consideração das usuais atenuantes ligadas à confissão, arrependimento ou desenvolvimento de consciência critica em relação aos actos que empreendeu.
Ora, tal circunstancialismo não deixa de relevar também, e por isso, em termos de necessidades de ressocialização, impondo–se que o arguido consciencialize a gravidade do tipo de conduta aqui tipificada.
Não deixa de se relevar a circunstância de o arguido ser ainda relativamente jovem – tinha 22 anos à data dos factos –, e não registar qualquer outra condenação criminal no seu percurso de vida.
Também releva sobremaneira a circunstância de o arguido, pese embora a fase de desorganização pessoal em que incorreu nomeadamente a partir da época da pandemia covid–19, com ligação designadamente ao consumo de produtos estupefacientes, ter entretanto suporte e apoio familiar, nomeadamente por parte de um tio, familiar que a matéria de facto provada dá conta ser «afetivamente muito próximo do arguido» e que se tem «envolvido muito ativamente na recuperação e reorientação do sobrinho, constituído um importante suporte de retaguarda familiar, logístico e financeiro».
Ainda neste contexto, relevo para a circunstância de o arguido haver entretanto optado por se fixar na Trofa no âmbito de uma estratégia de se manter distanciado de alguns contextos e grupos de pares que representaram uma influência comportamental nefasta na sua localidade de origem, em ….

Todas estas considerações, incidindo também directamente no exercício de valoração das exigências preventivas que aqui indubitavelmente se colocam, não deixam de fazer realçar as finalidades de ressocialização que igualmente se impõem. A ponderação entre as circunstâncias que militam em desfavor e em favor do arguido deverá ser objecto de adequado equilíbrio, justificando–se a aplicação de uma punição concreta situada no limite da culpa do arguido, sem desrespeitar os limites mínimos exigíveis para salvaguardar a tutela dos bens jurídicos aqui protegidos e a confiança comunitária na eficácia do sistema penal.
Assim, tem–se por ajustado aplicar ao arguido, pelo crime aqui em causa, de uma pena concreta de 2 (dois) anos de prisão.

Tal pena será, nos termos já considerados em sede de decisão recorrida, suspensa na respectiva execução, em conformidade com quanto se prevê no art. 50º/1 do Cód. Penal – entendendo–se, na verdade, que a simples censura do facto e a ameaça da pena satisfazem de forma adequada as finalidades da punição.
Quanto ao período da suspensão em causa, temos que nos termos do art. 50º/5 do Cód. Penal o mesmo deverá fixar–se entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão. Entende–se ser de fixar ao arguido um período de suspensão em medida superior ao da respectiva pena de prisão, fixando–se assim tal período em 3 (três) anos.
Ademais, ficará a suspensão penal em causa sujeita a regime de prova, instrumento que se espera, como bem se consigna na decisão recorrida, venha a revelar–se apto a «sediment[ar] todas as competências que [o arguido] não possui ou estão fragilizadas» – tudo nos termos previstos nos arts. 50º/2/5, 53º e 54º do Cód. Penal.

O que, tudo, se decide.
*
III. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e, em conformidade:

1º, altera–se parcialmente o ponto 3.º da matéria de facto provada considerada em sede de sentença, nos termos e no sentido consignados no ponto 2. da presente decisão;

2º, revoga–se a decisão de condenação do arguido pela prática de um crime de roubo agravado, e substitui–se a mesma pela presente decisão que julga o arguido AA incurso na prática, em co–autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo p. e p. nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, condenando–se o mesmo na pena de 2 (dois) anos de prisão, pena que nos termos do art. 50º/1/5 do Cód. Penal se declara suspensa na respectiva execução pelo período de 3 (três) anos – suspensão esta que. ao abrigo do previsto nas disposições conjugadas dos arts. 50º/2, 53º e 54º do Cód. Penal, será acompanhada de regime de prova.

Sem custas.
*
Porto, 10 de Janeiro de 2024
Pedro Afonso Lucas
Castela Rio
José Quaresma

(Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatados ambos por Simas Santos, e acedidos em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[4] Relatado por Oliveira Mendes, acedido em www.dgsi.pt/jtstj.nsf
[5] Relatado por Pedro Vaz Pato, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[6] Relatado por Afonso Correia, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[7] Relatado por Leal Henriques, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[8] Relatado por Helena Moniz, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [9] Relatado por Souto de Moura, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[10] Relatado por Souto de Moura, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[11] Relatado por Nuno Pires Salpico, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[12] Relatado por Fernando Chaves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[13] Relatado por Sá Nogueira, disponível em Col. Jur., Acs do STJ, Ano IV, tomo II, pág. 202.
[14] Relatado por Armindo Monteiro, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[15] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf