PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARROLAMENTO
BENS COMUNS DO CASAL
ACÇÕES DE CAPITAL SOCIAL DE SA
SUJEIÇÃO A REGISTO COMERCIAL
Sumário

– O arrolamento tem uma função preventiva e conservatória recaindo sobre os bens comuns ou bens próprios sob a administração do outro, i é, bens da sociedade conjugal.
– O desiderato do arrolamento visa a descrição de bens com vista à sua conservação, este só pode abranger os bens susceptíveis de conservação à data da sua realização/efectivação, ou seja, o arrolamento só pode abranger/descrever os valores que se encontrem/existam efectivamente no momento em que a providência se concretize, não já a montantes que tenham existido anteriormente.
– Incidindo o arrolamento sobre bens do casal, vedado está a sua averbação ao registo comercial da sociedade depositária.

Texto Integral

Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa



A [ Maria ….]  intentou procedimento cautelar de arrolamento dos bens comuns do casal, como incidente da acção de divórcio, ex vi art. 409 CPC, contra B [ Fernando ….] .

Por decisão datada, de 22/8/23, foi decretado, com dispensa do contraditório, o arrolamento dos bens comuns do casal – imóveis, recheio da casa, veículos automóveis, acções, contas bancárias - cfr. fls. 32 e sgs.

Na sequência da notificação efectuada pelo Tribunal - arrolamento de 520.000 acções representativas do capital social (52% do capital social) da sociedade e a conta de financiamentos obtidas através de accionistas constante no balanço e contas da sociedade, no exercício de 2021 cujo saldo era de € 3.178.440,00 - a Sociedade Comercial ----- S.A., informa que o requerido é titular do valor das acções, constituindo as mesmas bens próprios do requerido, o aumento da sua participação adveio de doação de seu pai e irmão e que a conta de financiamentos obtidos através de accionistas, em 25/8/23, era de € 1.518.632,57 – fls. 39/40.

Na resposta a requerente impugnou o alegado – fls. 41 e sgs.

Em 25/9/2023, foi proferido despacho que indeferiu o requerido com fundamento no facto de que tendo sido decretado o arrolamento não é esta a sede para prestação de contas e/ou discussão sobre se os bens arrolados são ou não próprios e/ou comuns ou fazer o trato sucessivo da sua titularidade e/ou valores eventualmente objecto de alteração/movimentação, ordenando a efectivação do arrolamento nos termos decretados mediante o seu averbamento no registo comercial, ordenado que, face à acção de divórcio, o arrolamento da conta dos suprimentos fosse fixada à data, de 31/10/22, notificando-se a sociedade comercial – fls. 49.

Inconformada, a sociedade apelou formulando as conclusões que se transcrevem:
A.–No presente procedimento cautelar de arrolamento, o Requerido é accionista e presidente do Conselho de Administração da ora Recorrente.
A Recorrente não é parte na causa, mas tem legitimidade para recorrer ao abrigo do disposto no artigo 631/2 CPC.
B.–O primeiro contacto da Recorrente com os presentes autos deu-se por notificação datada, de 25.08.2023, com a ref.ª 428155379, recebida pela ora Recorrente, em 28.08.2023, pela qual foi notificada de que as acções detidas pelo Requerido e representativas do seu capital social e a conta de financiamentos obtidos através de acionistas constante no balanço e contas da Recorrente ficavam arroladas à ordem do Tribunal, ficando a Recorrente “depositária da(s) do arrolamento [sic] nos termos do art. 781/5 do Código de Processo Civil”. A Recorrente foi ainda notificada para fazer as declarações que entendesse quanto ao direito do Requerido e ao modo de o tornar efectivo.
C.–Em 06.09.2023, a Recorrente respondeu à notificação recebida, por requerimento submetido através do sistema CITIUS (ref.ª 46423662), tendo informado os autos, inter alia, de que “a conta de financiamentos obtidos através de accionistas tem, por referência à data de 25.08.2023, o valor de € 1.518.632,57 (um milhão, quinhentos e dezoito mil seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos) (…).”
D.–Em 21.09.2023, a Requerente do arrolamento, ora Recorrida, respondeu ao requerimento da Recorrente, por requerimento com a ref.ª 46571576, no qual requereu que “seja feito o Registo Comercial do presente procedimento cautelar na …..SGPS, SA junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa”, bem como que “seja ordenada a fixação do valor da conta de financiamentos obtidos pelos accionistas, com referência às contas da ….. SGPS, SA no 1º semestre de 2022, ou seja, a 30-06-2022, contas fechadas e auditadas pelo Revisor Oficial de Contas” e que “seja ordenada a descrição dos valores e destino dos movimentos da referida conta, desde 30-06-2022 até à data de 31-10-2022, data da entrada em juízo da acção de divórcio por parte do Requerido, fixando-se o valor exacto da conta a essa data de 31-10-2022 (…)”.
E.–Na medida em que estes pedidos a afectam directamente, a Recorrente respondeu, por requerimento de 04.10.2023 (ref.ª CITIUS 46700303), no qual fez notar que os mesmos são desprovidos de base legal. 
F.–Em 25.09.2023, foi proferido o despacho recorrido, por via do qual o Tribunal a quo ordenou o averbamento do arrolamento “no registo comercial” da Recorrente e fixou o arrolamento da conta de suprimentos à data, de 31.10.2022, mais tendo ordenado a notificação da Recorrente para o efeito.
G.–A Recorrente tem legitimidade para recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 631/2 CPC, já que é prejudicada pela decisão, porquanto foi ordenado o averbamento do arrolamento no seu “registo comercial”, para além do que a Recorrente foi nomeada pelo Tribunal como depositária das acções do Requerido e da conta de financiamentos (cfr. notificação datada de 25.08.2023), mas não está em condições de cumprir o arrolamento, nos termos impostos pelo despacho recorrido, no que toca à conta de financiamentos, já que, de acordo com este despacho, o arrolamento deve abranger o saldo existente em data anterior à da sua notificação para o arrolamento, sendo que a Recorrente não pode ficar depositária de um valor que já não existia nas suas contas à data em que foi notificada para o arrolamento, da mesma forma que não pode ser acusada de incumprir o arrolamento decretado pelo Tribunal.
H.–No mais, o presente recurso é admissível por dois motivos: (i) por estarmos perante uma decisão proferida depois da decisão final, como decorre do artigo 644/2 al. g), do CPC – embora a Recorrente não tenha sido notificada e não conheça o teor da decisão final, do despacho recorrido consta a menção a que a sentença foi proferida a fls. 58-62 dos autos; e (ii) por estarmos perante uma decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, como decorre do artigo 644/2 al. h), do CPC – de facto, ainda que se entenda que não estamos perante uma decisão proferida depois da decisão final, porquanto a sentença de arrolamento foi proferida sem audiência do Requerido e, como tal, caso o mesmo deduza oposição após ser notificado para tal, será proferida nova decisão (cfr. artigos 366/6 e 372/3 do CPC), a verdade é que o presente despacho é que pode ser considerado prejudicial aos interesses da Recorrente, sendo certo que a Recorrente pode nem sequer ser notificada da nova sentença, já que não é parte na causa.
I.–O despacho recorrido violou o disposto no artigo 3/1 do Código do Registo Comercial (“CRC”), já que a titularidade de acções representativas do capital social de uma sociedade anónima e respectivas vicissitudes e ónus não estão sujeitos a registo comercial. Apenas estão sujeitos a registo os factos relativos às sociedades comerciais elencados no referido artigo, sendo que, de acordo com o seu nº 1, al. f), só está sujeito a registo o arrolamento de quotas, e não o arrolamento de acções.
J.–A Recorrente tem outros accionistas, sendo o Requerido detentor de acções representativas de apenas 52% do seu capital social, e não de 100% do referido capital social, pelo que nem se compreende como poderia ser efectivado o arrolamento “mediante o seu averbamento no registo comercial”.
K.–O despacho recorrido violou também o disposto nos artigos 403,  406, 408 e 780 CPC, já que extravasou o âmbito da providência cautelar de arrolamento ao fixá-la com efeitos retroactivos e ao mandar notificar a Recorrente em conformidade, uma vez que a Recorrente não tem qualquer poder ou responsabilidade sobre os montantes reembolsados ao seu accionista em data anterior à sua notificação para o arrolamento.
L.–À data em que a sociedade Recorrente foi notificada do decretamento do arrolamento (28.08.2023), a conta de financiamentos obtidos através de accionistas tinha o saldo de  € 1.518.632,57 (um milhão, quinhentos e dezoito mil seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), ou seja, o crédito de suprimentos do Requerido cifrava-se nesse montante – cfr. balanço provisório analítico da referida conta subscrito, em 05.09.2023 pelo contabilista certificado, que se juntou como doc. 1 ao requerimento da Recorrente de 06.09.2023.
M.–Este valor diminuiu, ao longo do tempo, devido a reembolsos parciais ao accionista, aqui Requerido.
N.–De acordo com o artigo 408/1 CPC, o depositário dos bens arrolados é o próprio possuidor ou detentor dos bens, sendo certo que, in casu, a Recorrente não pode ser considerada possuidora ou detentora de montantes que já reembolsou ao seu accionista.
O.–De acordo com o artigo 406/5 CPC, são aplicáveis ao arrolamento as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrarie as regras próprias do arrolamento. À penhora de valores mobiliários, escriturais ou titulados, registados junto do respectivo emitente (como é o caso das acções arroladas nos presentes autos) aplicam-se as regras da penhora de depósitos bancários, como decorre do artigo 780/14 CPC. Decorre do artigo 780/11 CPC, que a instituição de crédito só é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da comunicação para penhora realizada pelo Agente de Execução.
P.–Da mesma forma, a Recorrente só pode ser considerada como responsável pelo saldo da conta de financiamentos do Requerido a partir da data em que lhe foi comunicado o arrolamento.
Q.–A partir do momento em que os valores foram reembolsados ao accionista, deixaram de estar em dívida pela sociedade e, como tal, nada há para arrolar a esse título.
R.–Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 20.10.2010, processo nº 13/08.4TMFAR-A.E1 (relator Mário Serrano) e do Tribunal da Relação do Porto, de 15.05.2008, processo n.º 0832244 (relator José Ferraz).
S.–O arrolamento da conta dos suprimentos deve, assim, ser fixado à data da notificação do decretamento do arrolamento à Recorrente, uma vez que é neste momento que a Recorrente tem conhecimento de que o crédito de suprimentos foi arrolado.
T.–Face ao exposto, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que indefira in totum o peticionado pela Requerida no seu requerimento, de 21.09.2023.
U.–Assim, deve o despacho recorrido na parte em que o Tribunal a quo ordenou o averbamento do arrolamento “no registo comercial” da Recorrente e fixou o arrolamento da conta de suprimentos à data, de 31.10.2022, e substituí-lo por outro que indefira in totum os pedidos formulados no requerimento da Recorrida, de 21.09.2023.

Nas contra-alegações a apelada formulou as seguintes conclusões:
A)-O despacho, de 25.09.2023 deve ser mantido nos seus precisos termos (sendo que, como se adiantará, o recurso, logo à partida, deve ser rejeitado liminarmente).
B)-A Recorrente foi notificada do dito despacho (apenas e só) para ser informada de que a participação social detida pelo Requerido,  B , representativas do capital social da Recorrente, e a conta de financiamentos desse accionista, constante no balanço e contas da Recorrente, ficam arrolados à ordem do Tribunal.
C)-A Recorrente foi assim notificada pelo Tribunal como destinatária de uma informação sobre o arrolamento de bens detidos pelo Requerido na sociedade comercial, (ora Recorrente).
D)-A Recorrente não é parte na causa, não possui a qualidade de sujeito processual e não tem prejuízo directo e efectivo com o despacho em causa: não poderá ter legitimidade para recorrer ao abrigo do disposto no artigo 631/2 CPC.
E)-E, pelo exposto, desde logo, o recurso deveria ser indeferido liminarmente (falta de legitimidade da Recorrente para recorrer).
F)-No entanto, ainda que o recurso não venha a ser indeferido liminarmente, sempre se deverá reiterar que o despacho proferido pelo Tribunal a quo é irrepreensível e deverá ser mantido nos seus precisos termos. 
G)-O referido despacho, proferido no dia 25.09.2023, faz a salvaguarda do que é esta providência cautelar de garantia,
H)-Referindo que o arrolamento «tem carácter conservatório, que visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos litigiosos, sendo dependente de uma acção à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas a arrolar.»
I)-Ou seja, os fundamentos subjacentes ao arrolamento de bens como preliminar ou incidente do processo de divórcio, nos termos do artigo 409 CPC, são o fundado receio de descaminho ou ocultação de bens, dada a conflituosidade dos cônjuges, tendo em vista prevenir o desaparecimento do património conjugal e de modo a alcançar-se uma partilha justa.
J)-O despacho em causa vem aclarar a sentença proferida sobre o arrolamento de bens, de forma a efectivar o mesmo,
K)-E, para tal, é notificada a respectiva sociedade comercial, aqui Recorrente, para ser informada do arrolamento de bens, não havendo qualquer interesse da sociedade que fique prejudicado, pois trata-se apenas da descrição de bens a arrolar e a data fixada, de 31 de outubro de 2022 de avaliação desses bens. Nada mais. 
L)-Assim deve o recurso ser liminarmente indeferido por falta de legitimidade da recorrente e, caso assim se não entenda, deve ser julgado improcedente e a decisão confirmada.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – as questões a decidir consistem em saber se a apelante está ou não em condições de cumprir o arrolamento:
a)-Proceder ao averbamento do arrolamento no seu registo comercial (violação do art. 3/1 CRgCom – a titularidade de acções representativas do capital social de uma sociedade anónima e respectivas vicissitude e ónus não estão sujeitas a registo comercial)
b)-Titularidade e depositária de um valor inexistente à data da notificação do arrolamento (em 28/8/2023 – notificação do arrolamento - o saldo existente era de € 1.518,632,57).
c)-Violação dos arts. 403, 406, 408 e 780 CPC, porquanto extravasado foi o âmbito da providência ao ter fixado com efeitos retroactivos.
Vejamos, então.
O arrolamento resume-se à descrição, avaliação e depósito com vista ao inventário.
“As providências cautelares visam uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efectividade da tutela jurisdicional, o efeito útil da acção, a que se refere o art. 2/2 CPC.
São meios de tutela do direito que carecem de autonomia, dependendo de uma acção já intentada ou a intentar.
Dessa justificação e finalidade decorre a caracterização das providências cautelares; a provisoriedade; a instrumentalidade; a “sumaria cognitio”; o carácter urgente; a estrutura simplificada” – cfr. Ac. STJ de 25/11/98, relator Pinto Monteiro, in www.dgsi.pt.
O arrolamento, tal como as demais providências cautelares, visa impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela ou, caso ainda não tenha sido intentada a acção ou a execução, constituiu preliminar da mesma, destinando-se a evitar o periculum in  mora, mediante uma apreciação provisória e sumária de determinados requisitos.
Tratando-se o arrolamento de uma providência cautelar preventiva e conservatória, os requisitos consistem na existência de um direito aparente e o perigo de insatisfação desse direito em consequência da demora na decisão definitiva.
O art. 409/1 CPC permite a qualquer dos cônjuges requerer o arrolamento de bens comuns, não sendo necessário a demonstração do receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, como preliminar ou incidente da acção de separação judicial de pessoas e bens, de divórcio… (arts. 403/1 409/3 CPC).
Assim, o arrolamento quando requerido como preliminar ou na pendência das acções de divórcio ou de separação judicial de bens, tem como finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens comuns, não sendo necessária a prova do justo receio de extravio, dissipação ou ocultação por parte do outro cônjuge, o que se compreende.
A razão de ser subjacente ao arrolamento está relacionada com a partilha desses mesmos bens, tendo como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha.
Tratando-se o arrolamento de uma providência cautelar preventiva e conservatória, os bens a arrolar são os bens comuns, sendo o sujeito passivo o cônjuge/requerido.
O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens, lavrando-se um auto em que se descrevem os bens, em verbas numeradas, como em inventário, se declara o valor fixado pelo louvado e se certifica a entrega ao depositário ou o diverso destino que tiveram… cfr. art. 408/1 CPC.
O depositário é o próprio detentor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues; o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se – art. 408 CC.  
Conforme supra exarado, o arrolamento tem uma função preventiva e conservatória – cfr. A. Reis in CPC Anot., vol. II, Reimpressão, Coimbra Edit., 1981, Vol. I – 619/620 e Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do CPC, vol. IV, 3ª ed., Almedina, 2006, 268/269 -, sendo-lhe aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo que não contrarie o estabelecido nesta acção ou a diversa natureza das providências - art. 406/5 CPC.
Um dos principais efeitos da penhora traduz-se na ineficácia, em relação à execução, dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados (art. 819 CC) sendo que esse efeito não contraria os efeitos da penhora.
A penhora dos depósitos bancários observa o preceituado no art. 780 CPC – comunicação às instituições legalmente autorizadas a receber os depósitos …. A instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da comunicação do nº 2 art… aplicando-se o art., com as necessárias adaptações, à penhora de valores imobiliários, escriturais ou titulados …
Face ao extractado supra, sendo o desidrato do arrolamento a descrição de bens com vista à sua conservação, este só pode abranger os bens susceptíveis de conservação à data da sua realização/efectivação, ou seja, o arrolamento só pode abranger/descrever os valores que se encontrem/existam efectivamente no momento em que a providência se concretize, não já a montantes que tenham existido anteriormente.
In casu, tendo sido ordenado o arrolamento da conta de suprimentos à data, de 31/10/22, por um determinado valor, verificando-se que à data da notificação à sociedade (depositária) do arrolamento já não se encontra nessa conta o valor indicado/mencionado (decisão), o arrolamento só pode recair sobre o valor existente à data em que a sociedade foi notificada (arrolamento), ficando a sociedade depositária desse valor.
A averiguação do rasto de valores anteriormente aí existentes extravasa/não cabe no âmbito desta providência.
Acresce, tal como mencionado no Ac. RE, de 20/10/2010, relator Mário Serrano (in www.dgsi.pt), no futuro inventário a acontecer não estão excluídos, de todo, outros bens e/ou valores que não constem dos bens arrolados (rol).
O arrolamento não é a sede própria para discutir a prévia existência de bens/valores com vista à partilha, mas sim o inventário.
Assim, o arrolamento da conta de suprimentos, recairá sobre o valor existente nessa conta à data da notificação do mesmo à sociedade, procedendo as pretensões das alíneas b) e c).
No que tange à alínea a) dir-se-á que, in casu, foi ordenado o averbamento do arrolamento no registo comercial.
O arrolamento em questão incide sobre bens do casal.
Estão sujeitos a registo os factos elencados nas várias alíneas do art. 3 CRgCom no que tange às sociedades comerciais e sociedades civis sob a forma comercial, abrangendo o art. 9 as acções e decisões sujeitas a registo.
Constata-se que a alínea f) do art. 3 respeita ao arrolamento… e a apreensão em processo penal de quotas ou direitos sobre elas (sociedades), sendo que o art. 9 é omisso no que toca ao arrolamento.
Daqui se extrai, que o averbamento do arrolamento de bens comuns de pessoas singulares que não a sociedade não está previsto/, não cabe no registo comercial, pelo que a pretensão procede.

Concluindo:
- O arrolamento tem uma função preventiva e conservatória recaindo sobre os bens comuns ou bens próprios sob a administração do outro, i é, bens da sociedade conjugal.
- O desiderato do arrolamento visa a descrição de bens com vista à sua conservação, este só pode abranger os bens susceptíveis de conservação à data da sua realização/efectivação, ou seja, o arrolamento só pode abranger/descrever os valores que se encontrem/existam efectivamente no momento em que a providência se concretize, não já a montantes que tenham existido anteriormente.
- Incidindo o arrolamento sobre bens do casal, vedado está a sua averbação ao registo comercial da sociedade depositária.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a decisão impugnada, determina-se que não há lugar ao averbamento do arrolamento no registo comercial da sociedade e que o arrolamento deve abranger, tão só, o saldo existente na conta de financiamentos, à data em que a sociedade foi notificada do arrolamento ordenado.
Custas pela apelada


Lisboa, 11/1/2024


Carla Mendes
Carla Matos (com voto de vencido em anexo)
Teresa Sandiães



VOTO DE VENCIDO:

Concordando com o sentido da decisão proferida no Acórdão que antecede, voto vencida quanto a um dos seus fundamentos, mais precisamente quanto ao específico fundamento adotado no Acórdão para sustentar a rejeição do registo do arrolamento das ações representativas do capital social da sociedade recorrente.
Entendo que não há lugar ao registo do arrolamento de ações representativas do capital social de uma sociedade comercial ou civil sob a forma comercial porque tal registo não se encontra especificamente previsto no art.º 3º do Código de Registo Comercial, diferentemente do que sucede com o arrolamento de quotas de capital social de sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cujo registo é exigido pela alínea f) do nº 1 do referido art.º 3.º do Código de Registo Comercial, independentemente da sua titularidade.
Logo, o que no caso dos autos releva para efeitos de inexigibilidade de registo, é o arrolamento se reportar a ações do capital social, não se subscrevendo a posição de que relevará para esse efeito o facto de incidir sobre bens comuns do casal.
Carla Matos