EXECUÇÃO
FALECIMENTO DE CO-EXECUTADO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INÉRCIA NA HABILITAÇÃO
DESERÇÃO
Sumário

I–Se a exequente ao demandar todos os executados, pretende dessa forma assacar a responsabilidade solidária pelo pagamento da livrança que constitui a base da execução, a instância executiva fica assim delineada.

II–Assim, o falecimento de um co-executado avalista determina a suspensão da instância executiva na íntegra nos termos dos arts. 269º, nº 1, a) e 270º do CPC, não sendo possível fazer uma interpretação restritiva das referidas normas.

III–A inércia da exequente na habilitação de herdeiros, determinante para a cessação de tal suspensão, determina a extinção da execução, por deserção da instância.

Texto Integral

ACORDAM NA 8ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I–Relatório



BBb, S.A”, intentou acção executiva nº 22028/10.2YYLSB, a correr termos nos juízos de execução de Lisboa, J5, contra AA, BB, CC, DD, EE e FF, apresentando como título executivo uma livrança no valor de € 82.176,69, relativa a um contrato de abertura de crédito, com a data de 15/10/2010. Sendo subscritora a sociedade “LL, S.A”. Os executados prestaram aval à firma subscritora no verso da referida livrança.
No dia 18/7/2013 foi efectuada a penhora da pensão da executada FF, no valor de € 712,91.
No mesmo processo, no dia 6/11/2019 (ref. citius nº 24526561), a AE deu conta do óbito do executado AA e suspendeu a execução ao abrigo do art. 269º, nº 1, a) do CPC.
No dia 6/2/2020, a exequente “BBB, S.A” deduziu incidente de habilitação de herdeiros de AA contra BB, CC, DD, EE e FF, alegando que aquele faleceu no dia 1/2/2011 e que lhe sucederam como herdeiros a sua mulher, GG e os seus filhos, FF e DD. Pede, a final, que estes sejam habilitados como únicos e universais herdeiros do falecido executado, a fim de os termos da execução prosseguirem contra os mesmos.
Resulta ainda do processo executivo que nos dias 9/5/2020 e 18/10/2020, a AE fez entregas de resultados à exequente “BBB, S.A” nos valores, respectivamente, de € 18.313.29 e € 36.973,43.
No dia 8/11/2022, a AE efectuou uma consulta à Segurança Social quanto à executada FF.
No dia 28/11/2022, a AE oficiou ao CNP informando que, “nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 779.º do Código de Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade pagadora da executada abaixo identificada, de que o valor total previsto para penhorar foi alterado de 83.649,48 euros para 149.958,19 euros, pelo deverão continuar a proceder aos descontos até perfazer o montante total ora indicado. Pelo exposto, solicito a V. Exa. que tenha em conta a alteração do montante provisório a penhorar e para o efeito junto nova referência MB”, por referência à penhora que vinha sendo efectuada à executada FF.
A 16/5/2023, a AE foi notificada da decisão de deserção proferida no apenso de habilitação de herdeiros que julgou deserta a instância executiva e, no dia 18/5/23, juntou aos autos ofício enviado ao CNP, solicitando o cancelamento dos descontos na pensão de executada FF.
A exequente não foi notificada, pela AE, da consulta efectuada à Segurança Social, nem do ofício dirigido ao CNP.
No processo de habilitação de herdeiros, o requerido e executado DD, por requerimento de 26/8/2020, informou o falecimento de sua mãe, GG.
Por requerimento de 14/10/2022 (ref. 33857513), o executado veio juntar aos autos assento de óbito de GG e a escritura de habilitação de herdeiros.
A 19/10/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo em conta a data em que a parte contrária foi notificada do teor do requerimento que antecede e dos documentos que o acompanham, aguardem os autos que o requerente diga ou requeira o que tiver por conveniente” e, no dia 2/11/2022, outro despacho do seguinte teor:
“Aguardem os autos que o exequente/requerente diga ou requeira o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº 5, do Cód. Proc. Civil.
Notifique”.

O referido despacho foi notificado às partes, nomeadamente à requerente/exequente, no dia 2/11/22 (ref. 420213332).
No dia 15/5/2023 (ref. 425738987), o tribunal proferiu, então, o despacho que se transcreve:
“Dispõe o art. 281º, nº 5, do CPC, que “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. Resulta desta disposição legal que a deserção da instância passou a ser automática. Passados seis meses sem que o processo tenha qualquer impulso por negligência das partes, a instância extingue-se por deserção – art. 277º, al. c).
Deste modo, resta-nos apenas constatar, que por efeito automático da aplicação do art. 281º, nº 5, do CPC, a instância executiva e no apenso de habilitação de herdeiros encontra-se deserta, e, como tal, extinta – art. 277º, al. c), do CPC.
Notifique”.
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Não se conformando com tal decisão, veio a exequente “BBB, S.A”, interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A)-Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou extinta por deserção a presente ação executiva com fundamento na aplicação automática do artigo 281.º do CPC, expondo que os autos aguardavam impulso processual há mais de seis meses;
B)-A ora Apelante celebrou com os Executados AA, BB, CC, DD, EE e FF um Contrato de Abertura de Crédito, no âmbito do qual os outorgantes identificados se assumem como avalistas e, consequentemente, como responsáveis solidários de todas as obrigações emergentes do contrato;
C)-Para garantia das obrigações emergentes do contrato foi entregue à Apelante uma livrança em branco subscrita por LL, Lda. e avalizada pelos outorgantes melhor identificados no ponto anterior das conclusões;
D)-A livrança entregue à Apelante com o n.º 5................6 serviu de base à presente ação executiva;
E)-Em Julho de 2013 iniciaram-se os descontos na pensão da Executada FF;
F)-Ora, conforme demonstrado, no caso sub judice estamos perante uma acção executiva no âmbito da qual se encontrava em curso uma penhora, mediante a qual a Apelante se encontrava a ser ressarcida dos montantes peticionados;
G)-A circunstância de se encontrar em curso penhora de vencimento conduziu à ausência de pronuncia por parte da Apelante a respeito das consultas efetuadas, acrescendo o facto de não ter sido notificada das mesmas;
H)-Acresce ainda a particularidade de a mutuária sobre o qual recai a penhora não ser a Executada falecida, mas sim parte sobreviva;
I)- Assim, a instância não se encontrava a aguardar por impulso processual, não tendo fundamento a decisão de extinção da instância por deserção;
J)-No ensejo do exposto, cumpre referir que, em caso de discordância com o entendimento manifestado, a decisão de extinção da ação executiva seria da competência do Ilustre Agente de Execução, mediante notificação à entidade pagadora, no sentido de adjudicar as quantias vincendas diretamente à Exequente.
Conclui, assim, que deve ser revogada a decisão recorrida substituindo-a por outra que determine a prossecução da instância executiva nos seus normais trâmites.
Em alternativa, deve o presente recurso ser admitido, revogando-se a decisão recorrida substituindo-a por sentença que determine a extinção da instância por adjudicação das quantias vincendas notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente à Exequente”.
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Por seu turno, o executado DD apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
1.-Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou a instância extinta por deserção por entender que a falta de impulso processual por mais de seis meses, por negligência das partes, tem a consequência automática de fazer extinguir a instância por deserção, atento o disposto no artigo 281.º, n.º 5 do CPC.
2.-Previamente à prolação da decisão de extinção, o Tribunal notificou a Exequente/Requerente para requerer ou informar o que tivesse por conveniente, sob pena de aplicação do disposto no artigo 281.º, n.º 5 do CPC, mas a mesma nada veio requerer ou dizer, remetendo-se ao silêncio.
3.-O Recurso tem por fundamento, alegadamente, (i) a incorreta decisão de extinção dos autos por não haver motivo bastante para o seu decretamento (ii) a extinção da execução, a decretar-se, deveria ser pela adjudicação dos montantes vincendos diretamente à exequente.
4.-Não assiste qualquer razão à Recorrente porquanto os efeitos da deserção dependem apenas da verificação dos pressupostos previstos na lei, tendo a decisão que a reconhece natureza declarativa e não constitutiva;
5.-A penhora pendente desde 2013 sobre uma das executadas sobreviva não tem a virtualidade de impedir a suspensão dos autos decretada por morte de um dos co-Executados;
6.-A Recorrente não podia ignorar porque devidamente representada por mandatária judicial, que a falta de impulso processual em promover o andamento dos autos por mais de seis meses conduziria, inevitavelmente, à extinção da instância, por deserção, consequência processual directamente associada, na lei, à referida omissão, atento o disposto nos artigos 269.º, 270.º, 276.º e 351.º todos do CPC.
7.-A inércia da Recorrente deve-se a manifesta negligência da sua parte, e a si exclusivamente imputável, nada a tendo impedido de, no lapso temporal em causa deduzir o competente incidente, estando na posse de todos os elementos e documentos necessários para o efeito, disponibilizados, aliás, pelo Requerido;
8.-A Recorrente confunde a estabilidade subjectiva da instância executiva, com actos de efectivação da penhora no âmbito do processo;
9.-Em causa estava o ónus de a Exequente praticar os actos necessários para que no lado passivo da relação executiva estivessem os herdeiros de GG, e não que ali se mantivesse uma anterior Executada entretanto falecida;
10.-Também não procede o argumento de que cabe ao Senhor Agente de Execução a extinção da execução pela adjudicação das quantias vincendas provenientes da pensão penhorada diretamente à Exequente.
11.-Ao contrário do que ocorre com a extinção por deserção desencadeada pela falta de impulso processual, negligente, que é de carácter automático, a extinção da execução nos termos dos artigos 849.º, n.º1 al. d) e 779º, n.º4 al. b), ambos do CPC, impõe que se verifiquem todos os outros requisitos previstos naqueles normativos, o que não ocorreu.
12.-A sentença em apreço não violou qualquer norma, designadamente, o disposto nos arts. 281.º, 779.º ou 849.º do CPC, pelo que se deve manter”.
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II.–Objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC).
Face às conclusões apresentadas nas alegações das partes, são as seguintes as decisões a decidir:
-Saber se existia fundamento para ser julgada extinta a instância executiva, por deserção;
-Saber se deveria ter ocorrido extinção da execução pela adjudicação dos montantes vincendos da penhora efectuada directamente à exequente pela AE.
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III–Fundamentação fáctica.
Os factos a ter em conta são os constantes do relatório.
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IV–Fundamentação de Direito
1.–Na presente apelação está em causa aferir se se encontravam reunidos, à data da decisão recorrida, os requisitos para que fosse declarada a extinção dos autos de execução, por deserção.
A apelante “BBB, S.A” sustenta que na execução em apreço estava em curso uma penhora de um vencimento, mediante a qual a Apelante se encontrava a ser ressarcida dos montantes peticionados e, por esse motivo, não se pronunciou a respeito das consultas efectuadas, acrescendo o facto de “não ter sido notificada das mesmas”. Além disso, defende que a executada sobre a qual recai a penhora não é a parte falecida, mas sim parte sobreviva. Entende, desse modo, que a instância executiva não se encontrava a aguardar por impulso processual, não tendo fundamento a decisão de extinção da instância por deserção.
Vejamos:
Como se sabe, a instância executiva pode ser extinta pelos motivos indicados nas alíneas a) a e) do nº 1 do art. 849º do CPC ou quando ocorram outras causas de extinção da execução, como previsto na al. f) do mesmo artigo. Assim, a execução pode extinguir-se, designadamente, por desistência (arts. 277º, d), 285º do CPC), pela procedência dos embargos de executado (art. 732º, nº 4 do CPC), por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (277º, e) do CPC), por falta de pagamento ao agente de execução (art. 721º, nº 3 do CPC), por falta de entrega do original do título executivo (art. 724º, nº 5 do CPC), por recusa do requerimento executivo (art. 725º, nº 4 do CPC), pelo pagamento parcial (art. 797º do CPC) ou pelo acordo de pagamento (arts. 806º, nº e 819º, nº 2 do CPC).
Outra forma de extinção da execução é a deserção, como prevê o art. 281º, nº 5 do CPC.
Foi este o fundamento invocado na decisão recorrida para extinguir não apenas a instância dos autos de habilitação de herdeiros, mas também a instância executiva, pelo que importa averiguar se, à data em que foi proferida a decisão, se verificavam os respectivos fundamentos.
Ora, de acordo com o artigo 281º, nº 1, do CPC, “sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. Para que ocorra a deserção da instância, mostra-se necessário que haja o ónus de impulso processual subsequente, que o acto que a parte deva praticar seja por ela omitido, que o processo fique parado em consequência dessa omissão, durante mais de 6 meses e que essa omissão seja imputável à parte, por dolo ou negligência.
No que respeita às execuções, dispõe o nº 5 do mesmo artigo que: “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Como decorre do disposto no art. 719º, nº 1 do CPC, o ónus de impulso processual do processo executivo compete ao exequente, sem prejuízo da competência do agente de execução para a concretização e realização das diligências do processo. A deserção automática prevista no artigo 281º, nº 5, do CPC decorre da presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos, em face da constatada, reiterada e prolongada inércia das partes em promover o seu andamento.
No caso dos autos, no dia 6/11/2019, a AE deu conta do óbito do executado AA e suspendeu a execução ao abrigo do art. 269º, nº 1, a) do CPC (ref. citius nº 24526561).
A exequente deduziu, então, o incidente de habilitação de herdeiros de AA, pedindo que os seus herdeiros, GG e os seus filhos, (…) fossem habilitados como únicos e universais herdeiros do falecido executado, a fim de os termos da execução prosseguirem contra os mesmos.
Acontece que a 26/8/2020, o executado DD, veio informar do falecimento de sua mãe, GG, uma das habilitandas no incidente e, por requerimento de 14/10/2022, juntou aos autos o respectivo assento de óbito e escritura de habilitação de herdeiros.
A 19/10/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo em conta a data em que a parte contrária foi notificada do teor do requerimento que antecede e dos documentos que o acompanham, aguardem os autos que o requerente diga ou requeira o que tiver por conveniente” e, no dia 2/11/2022, outro despacho do seguinte teor:
“Aguardem os autos que o exequente/requerente diga ou requeira o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº 5, do Cód. Proc. Civil.
Notifique”.
O referido despacho foi notificado às partes, nomeadamente à requerente/exequente, no dia 2/11/22 (ref. 420213332).
Não tendo a exequente dado impulso ao referido processo de habilitação de herdeiros, o tribunal proferiu, então, o despacho de 15/7/23, do qual se retira: “Passados seis meses sem que o processo tenha qualquer impulso por negligência das partes, a instância extingue-se por deserção – art. 277º, al. c).
Deste modo, resta-nos apenas constatar, que por efeito automático da aplicação do art. 281º, nº 5, do CPC, a instância executiva e no apenso de habilitação de herdeiros encontra-se deserta, e, como tal, extinta – art. 277º, al. c), do CPC.
Notifique”.
Declarada suspensa a instância executiva ao abrigo do art. 269º, 1, a) do CPC, esta só cessa com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta. A necessidade de “regularizar” a instância era um ónus que cabia à exequente, pois a ela interessava.
Acresce que a exequente dispunha de toda a factualidade para fazer prosseguir os autos de habilitação de herdeiros, sendo certo que o tribunal a quo por duas vezes alertou que os autos ficariam a aguardar o seu impulso processual, sendo que da última vez referindo-se expressamente ao disposto no art. 281º, nº 5 do CPC.
Alega, agora, a exequente que na execução em apreço estava em curso uma penhora de um vencimento, mediante a qual se encontrava a ser ressarcida dos montantes peticionados e, por esse motivo, não se pronunciou a respeito das consultas efectuadas, acrescendo o facto de “não ter sido notificada das mesmas”.
É verdade que nos autos de execução havia uma penhora pendente sobre a pensão da executada FF e que em Maio e Outubro do ano 2020, já depois de suspensa a execução, a AE entregou à exequente resultados dessa penhora.
No entanto, paralelamente incumbia-lhe fazer cessar a suspensão da instância, regularizando o processo de habilitação em curso, o único com a virtualidade de fazer cessar aquela suspensão. Apesar das entregas de resultados da penhora por parte da AE, e da consulta efectuada pela AE à Segurança Social (não notificada à exequente, bem como a notificação efectuada ao CNP), a exequente não podia ignorar a advertência que lhe havia sido feita no processo de habilitação de herdeiros. Ou seja, a exequente já tinha sido alertada pelo tribunal recorrido para a consequência da omissão do impulso pelo prazo da deserção, nomeadamente na instância executiva, a que claramente o despacho faz referência ao mencionar o art. 281º, nº 5 do CPC.
A exequente não reagiu a esta advertência, nem deu impulso ao processo de habilitação de herdeiros, pelo que só de si se pode queixar.
No entanto, a exequente levanta outra questão. Nas suas alegações defende que a executada sobre a qual recai a penhora não é a parte falecida, mas sim parte sobreviva.
No caso sub judice, todos os executados são avalistas de uma livrança, o título executivo em causa.
Está em causa, então, saber se no caso de falecer um dos co-executados numa execução, e não sendo dado impulso processual aos autos por mais de seis meses pelo exequente, a instância deve ser declarada deserta apenas quanto à relação material controvertida em que é executado o falecido, determinando-se a prossecução da execução relativamente à relação material controvertida respeitante aos outros executados, ou se, ao contrário, a instância deve ser declarada deserta, relativamente a todos, atenta a falta de impulso verificada.
Esta é uma questão que tem dividido a jurisprudência, apresentando-se duas teses antagónicas, no caso de estarmos perante uma obrigação solidária, como é o caso dos autos. Efectivamente, sendo título executivo uma livrança de que os executados são avalistas, de acordo com o disposto no art. 47º, § 1º da LULL, todos os intervenientes na livrança respondem solidariamente pela obrigação exequenda incorporada no título, pelo que o portador tem direito de accionar todos os obrigados cambiários, individual ou colectivamente e sem estar adstrito a observar a ordem por que se obrigaram (arts. 512º, 518º, 519º e 532º do CC).
No processo executivo, estaremos então perante uma situação de litisconsórcio voluntário (art. 32º, 2 do CPC), isto é, na hipótese de obrigações solidárias, a acção executiva pode ser instaurada, quanto à totalidade da prestação, contra qualquer dos devedores.
Uma corrente defende que o falecimento de um dos co-executados apenas dá causa à suspensão da instância executiva em relação ao próprio executado falecido, não afectando o prosseguimento da execução em relação aos demais executados quando está em causa uma obrigação solidária, com a seguinte linha de pensamento, retirada do Ac. do TRL de 17/6/2010: “É certo que, nos termos do art. 371.º do CPC, a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa tem de ser promovida com intervenção, activa ou passiva, dos sucessores que se pretendem habilitar, e das partes sobrevivas. Mas, sendo seguro que esta regra se destina a assegurar o direito de contraditório de todos os interessados no resultado da habilitação, deve entender-se que a intervenção no incidente deverá ser limitada às pessoas que possam ter interesse, e interesse atendível, na decisão a proferir no seu âmbito. Ora, estando em causa a habilitação dos sucessores de uma executada, que foi demandada juntamente com mais trinta executados, numa acção em que o título executivo é constituído por uma livrança, subscrita pela primeira executada e avalizada pelos demais, julga-se ser seguro que o resultado da habilitação dos sucessores de um dos executados falecidos é perfeitamente indiferente para todos os demais executados. Que, consequentemente, nem terão legitimidade para intervir no incidente. Com efeito, as obrigações dos executados, sendo de natureza cambiária, são solidárias, nos termos dos art. 47 e 77 da lei Uniforme sobre Letras e Livranças, podendo os respectivos devedores ser accionados individual ou colectivamente, sem qualquer ordem determinados. Ou seja, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário, definido no art. 27.º do CPC, em particular no seu n.º 2, do CPC. Numa situação como a dos autos, em que um exequente demanda 31 executados, não estamos perante uma única acção executiva, mas perante uma acumulação de trinta e uma execuções, em que, nos termos do art. 29.º do CPC, é reconhecida aos diversos executados uma posição de independência recíproca. Assim sendo, o falecimento de um desses executados apenas dá causa à suspensão da instância executiva em relação ao próprio executado falecido, não afectando o prosseguimento da execução em relação aos demais executados. E, no incidente de habilitação dos sucessores do executado falecido apenas devem ser admitidos a intervir, o próprio exequente e os sucessores a habilitar. Julga-se que o art. 371.º n.º 1 do CPC comporta este entendimento, mesmo que isso se traduza numa interpretação restritiva do preceito. O que não faz sentido é pretender assegurar um direito de contraditório a quem, segundo se julga, não pode ser afectado pela decisão a proferir no incidente”. Neste sentido, também os acórdãos da RL de 29/11/18, 20/10/20, 26/5/22 e 26/1/22, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Não acompanhamos o entendimento perfilhado nesses acórdãos.
Como decorre dos arts. 269º e 270º do CPC, a lei determina que se suspenda imediatamente a instância, sem referência à possibilidade de uma suspensão parcial. Acresce que de acordo com o princípio da estabilidade da instância devem estar na acção todas as partes, ou, em caso de falecimento de alguma delas, os seus herdeiros através de habilitação, como modificação prevista na lei. Só assim não será se ocorrer desistência da instância (art. 277º, d) e 285º, nº 1 do CPC).
De acordo com o disposto no art. 9º do CC: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Ou seja, onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir.
Segue-se o entendimento expresso no voto de vencido no Ac. da RL de 29/11/2018, pela Des. Gabriela Marques, mencionado no Ac. da RG de 12/09/2019, de acordo com a seguinte fundamentação: “Por um lado, porque tendo intentado os exequentes a presente execução contra os dois executados, pretendendo assacar a responsabilidade solidária pelo pagamento da quantia exequenda fixada na sentença que serve de título executivo, e figurando ambos os executados como responsáveis pelo pagamento da quantia em causa, a instância executiva assim ficou delineada. Ou seja, tendo optado os exequentes por intentar a execução contra todos os responsáveis solidários, delimitando a instância do lado passivo, é esta a unicidade da instância, que tem na sua génese o princípio da estabilidade da instância. Por outro lado, temos que, no caso de responsabilidade solidária, o pagamento por qualquer um dos executados ou a penhora de bens de qualquer um deles com a subsequente venda operada na execução, determina a extinção quanto a todos. Isto é, face a uma dívida solidária, o pagamento por qualquer um dos executados, ou a ressarcibilidade da dívida à custa do património de qualquer um dos executados, determina o cumprimento da obrigação e logo, a obtenção do fim da acção executiva para pagamento de quantia certa. Assim, entendemos estar perante uma situação em que o litisconsórcio ainda que seja voluntário, requer uma única decisão para todos os litisconsortes” (neste sentido, cfr., ainda, o Ac. da RL de 20/2/20 e o Ac. da RP de 22/3/22, todos disponíveis in www.dgsi.pt).  
 
Na acção executiva em causa, a exequente decidiu intentar a execução contra todos os executados, avalistas da livrança, assim desenhando a relação processual do lado passivo, pelo que esta assim se devia manter até final, como corolário do princípio da estabilidade da instância (art. 260º do CPC). Este princípio sofre excepções, pois no caso da morte de uma das partes, como foi o caso, pode operar-se a sua substituição (art. 262º, a) do CPC), através do competente incidente de habilitação de herdeiros. Pode, ainda, a exequente optar pela desistência em relação a uma das partes (no caso de litisconsórcio passivo voluntário, como o caso que nos ocupa).
Efectivamente, perante a morte de um dos executados a exequente poderia, ponderadas as circunstâncias, desistir da instância relativamente ao mesmo, e não o fez.
Declarada suspensa a instância na totalidade, como na realidade aconteceu, a exequente optou antes por deduzir o incidente de habilitação de herdeiros do co-executado falecido.
No entanto, a inércia da exequente na regularização da instância no processo de habilitação de herdeiros, por um período superior a seis meses, depois de advertida nos termos e para os efeitos do art. 281º, nº 5 do CPC, determinou a decisão do tribunal recorrido que julgou, e bem, verificada a deserção com a consequente extinção da instância executiva.
Conclui-se assim que o falecimento do co-executado AA, com a consequente suspensão da instância executiva e a inércia da exequente em regularizar a instância do processo de habilitação de herdeiros, foram causa determinante para a deserção, verificando-se que a mesma apenas foi imputável à exequente que não promoveu os termos que conduziriam ao prosseguimento da lide.
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2.–A apelante defende, ainda, que deveria ter ocorrido a extinção da execução pela adjudicação dos montantes vincendos da penhora efectuada directamente à exequente pela AE.
É certo que um dos casos de extinção da execução (previstos no art. 849º, nº 1, d) do CPC) pode ocorrer com a adjudicação directa das quantias vincendas ao exequente nos termos do art. 779, nº 4, b) do CPC. De acordo com esta norma, “Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, caso não sejam identificados outros bens penhoráveis, o agente de execução, depois de assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e despesas:
a)- Entrega ao exequente as quantias já depositadas que não garantam crédito reclamado;
b)- Adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as entregar diretamente ao exequente, extinguindo-se a execução”.

No entanto, a exequente não demonstra, nem está reflectido nos autos que os pressupostos enunciados se encontravam preenchidos, nomeadamente, pela verificação da inexistência de outros bens penhoráveis.
Mais uma vez, referimos que a exequente foi notificada da suspensão da execução ao abrigo do art. 269º, 1, a) do CPC, foi notificada nos termos e para os efeitos do art. 281º, nº 5 do CPC, de que os autos aguardariam o seu impulso processual, não reagiu a este despacho, não apresentou qualquer requerimento no processo executivo, preferindo, ao invés, optar pela inércia.
Assim, também nesta parte entendemos que não pode merecer provimento o recurso da exequente.
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V.–Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela apelante, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 11/1/2024

Carla Figueiredo
Teresa Prazeres Pais (com declaração de voto que se segue)
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira 


Declaração de voto:
No caso de devedores solidários o falecimento de um desses devedores, em execução para pagamento de quantia certa, não afecta irremediavelmente a totalidade da lide executiva em termos de determinar a respectiva suspensão e extinção total : se permanece na execução quem responde pela totalidade da dívida não desaparece um dos elementos estruturantes da ação executiva ,a parte passiva .Isto porque nas obrigações solidárias -de pagamento de quantia certa-basta que um dos devedores solidários / credores esteja na execução para que possam ocupar-se do cumprimento da totalidade da obrigação exequenda
Assim, o falecimento de um dos devedores solidários apenas determina a suspensão parcial da instância executiva quanto a esse executado falecido e não a suspensão da totalidade da instância.