FUTEBOL
CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO
FALTA DE REGISTO DO INTERMEDIÁRIO
NULIDADE
DECLARAÇÃO OFICIOSA PELO TRIBUNAL
Sumário

I.–A nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo do intermediário desportivo junto da Federação Portuguesa de Futebol pode ser invocada a qualquer momento por qualquer interessado e pode declarada oficiosamente pelo tribunal nos termos do art. 286º do Código Civil.

II.–Uma coisa é a duração do contrato de intermediação de intermediação desportiva e outra coisa é a duração do contrato cuja celebração constitui o objeto último daquele, o contrato de trabalho desportivo entre o Jogador e o Clube. As respectivas durações não se confundem.

III.–O que importa avaliar é se no referido período de vigência do contrato de intermediação desportiva a autora se encontrava registava como intermediária desportiva junto da Federação Portuguesa de Futebol.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


A (… LDA.), com o número de pessoa coletiva …, com sede social sita na Rua da …, n.º …, …, … intentou procedimento de injunção contra B (… SAD), com o número de pessoa coletiva …, com sede social sita na Rua …., n.º …, …, que, em face da oposição deduzida, se transmutou na presente ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 10.455,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até efetivo e integral cumprimento e da quantia de € 150,00, respeitante a custos de cobrança do crédito.
Para o efeito sustentou que, no exercício da sua atividade, a pedido e em representação da ré, intermediou o contrato de trabalho celebrado entre esta e o jogador de futebol C (R…); que, no dia 12 de junho de 2021, foi celebrado entre as partes um contrato de intermediação desportiva, mediante o qual a ré reconhece a intermediação da autora na contratação do identificado jogador enquanto representante daquela; que, nos termos desse contrato, a ré pagaria à autora os seguintes valores: a) € 4.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na ré depois do dia 31.08.2021; b) € 4.500,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na ré depois do dia 31.08.2022 e c) € 5.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na ré depois do dia 31.08.2023; que tais quantias seriam pagas em 1 de setembro de cada ano. Mais alegou que C… foi jogador da ré na época desportiva de 2021/2022 e é na época desportiva de 2022/2023 e, apesar disso, a ré não pagou nenhuma das quantias estipuladas no contrato de intermediação que celebraram, pese embora já ter sido interpelada para o efeito; que com a cobrança do seu crédito [cartas de interpelação e telefonemas] despendeu a quantia não inferior a € 150,00.
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Regularmente citada, a ré ofereceu oposição.

Admitiu que a autora lhe prestou serviços de intermediação desportiva, no que respeita à contratação do jogador profissional de futebol, C, bem como a celebração, em 12.06.2021, do contrato de representação.
Porém, sustentou que o aludido contrato padece de várias vicissitudes formais e materiais, que o tornam nulo e, logo, insuscetível de produzir efeitos jurídicos.
Invocou, prima facie, a nulidade do contrato de intermediação desportiva, por o mesmo ter sido celebrado por um período de vigência superior ao legalmente permitido, o que, em sua ótica, determina que não haja lugar ao pagamento de qualquer quantia vencida para além do termo fixado no contrato [31.08.2021]. Sustentou, ainda, que são ilegais os pagamentos devidos pela manutenção da relação laboral, pois que a autora apenas prestou serviços de representação para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso de várias épocas desportivas.

Em sua perspetiva, o contrato padece, ainda, das seguintes desconformidades:
- falta de previsão da habilitação, pelo clube, de intermediário para o representar;
- omissão do envio do contrato à Liga Portuguesa de Futebol Profissional e à Federação Portuguesa de Futebol;
- falta de previsão do número de registo de intermediário;
- a cláusula 4.ª é nula porque o dever de confidencialidade implica a violação da exigência imperativa que àquele seja dada a devida publicidade, desde logo, por depósito junto dos organismos competentes. Propugnou que a taxa de IVA aplicável é a de … e não de 23%, não sendo devidos quaisquer juros, uma vez que o pagamento só é devido com a emissão e apresentação da fatura, o que ainda não sucedeu.
Sufraga, por fim, a improcedência do pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de € 150,00, por as despesas de cobrança não terem sido minimamente concretizadas e, por tal valor, exceder o teto máximo previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
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Convidada para o efeito, a autora apresentou articulado de resposta à matéria de exceção invocada pela ré na sua oposição, pugnando, a final, pela condenação desta no pedido, com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
Peticionou, em tal articulado, a condenação da ré no pagamento de multa e em indemnização, no montante de € 2.500,00, com fundamento em litigância de má-fé.
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No requerimento apresentado em 04.01.2023, a ré exerceu o respetivo contraditório ao pedido contra si formulado, com fundamento em litigância de má-fé.
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Por despacho proferido em 30.01.2023, determinou-se a notificação da Federação Portuguesa de Futebol para, no prazo de 10 [dez] dias, certificar se a autora …Unipessoal, Lda. se encontrava inscrita, na qualidade de intermediária desportiva, nas épocas de 2021/2022 e 2022/2023 e a notificação da Liga Portuguesa de Futebol para, no prazo de 10 [dez] dias, informar se o contrato de fls. 34 verso a 36 foi depositado junto de tais organismos.
As identificadas entidades vieram dar cumprimento ao determinado, juntando os documentos de fls. 47/50; 52, cujo contraditório quanto ao seu teor foi facultado às partes.
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Em 22.03.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Em face da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e, tendo por referência o ónus de alegação que sobre cada um impende, entende o Tribunal que os autos reúnem condições para o conhecimento imediato do mérito.
Assim, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem quanto ao supra exposto, bem como para apresentarem as suas conclusões [cf. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e artigo 3.º, número 1 do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro].
Prazo: 10 dias. “
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Em 05.05.2023 foi proferido saneador sentença, no qual se fixou o valor da causa em €10.801,44, e, a final, se decidiu:

I.– Condenar a ré … SAD, a pagar à autora ... LDA., a quantia de € 8.500,00 [oito mil e quinhentos euros], acrescida de IVA, à taxa legal em vigor…, contra a simultânea apresentação/entrega por esta das correspondentes faturas.
II.– Absolver a ré do demais peticionado.
III.– Não condenar a ré … SAD como litigante de má-fé.
IV.–Custas pela autora e ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 9 % para a autora e em 91% para a ré.
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Registe e Notifique.”
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Inconformada veio a Ré recorrer de tal decisão, apresentando alegações cujas conclusões se passam, com exclusão das notas de rodapé, a transcrever:

A.–O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 05.05.2023, a qual julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de €8.500,0, acrescido do IVA aplicável à taxa legal em vigor.
B.–Com efeito, entende modestamente a Recorrente que houve errada apreciação e interpretação do direito aplicável, sendo que a remuneração peticionada não é legalmente devida, até porque, disso se apercebendo agora a aqui Recorrente, sempre seria nula a disposição do contrato que obrigaria ao pagamento à Autora.
C.–Isto porquanto, sabe agora a Ré, a Autora não se registou nem se matriculou na F.P.F. para a época desportiva 2022/2023, conforme a lei imperativamente lhe impunha (e só já depois de prolatada a sentença tomou conhecimento de tal facto principal – pois que a listagem dos intermediários registados na época 2022/2023 apenas foi publicada e conhecida após 26.05.2023).
D.–E não se mostrando a Autora devida e necessariamente licenciada para o exercício daquela atividade para a época desportiva 2022/2023 (cf. facto provado n.º 6 a contrario sensu), mister é reconhecer-se que nunca poderia almejar qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2022 (data que está inteiramente inserida na época desportiva 2022/2023),
E.–Da mesma forma que, não estando devidamente licenciada para todo o período de execução do contrato de intermediação desportiva celebrado com a Ré, tal como a lei expressamente postula, e só de si se pode queixar por tal facto (sibi imputet) – pois apenas de si dependia o cumprimento de tal obrigação, obviamente que também não estão verificados os pressupostos do direito à remuneração pelo facto de o atleta ter permanecido ao serviço da Ré depois de 31/08/2021.
F.–Na verdade, o direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional (maxime, F.P.F.) para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva,
G.–E neste sentido a douta sentença recorrida merece efetiva censura dado que não cuidou de saber (cf. facto provado n.º 6) se a Autora esteve registada como intermediária para todo o período de execução/duração do contrato em crise, até porque uma parcela da remuneração concerne ao facto verificado após 31.08.2022 (inequivocamente época desportiva 2022/2023) – donde ocorre manifesto erro de julgamento.
H.–Não podendo, naturalmente, o intermediário desportivo registar-se junto da F.P.F. e depois deixar de estar registado (inscrição e matrícula deve ser renovada todos os anos, cumprindo-se com os apertados requisitos e pressupostos exigidos por lei a cada nova inscrição/registo) durante parte do contrato, sob pena de exercício ilícito de atividade (porque não licenciada).
I.–Embora possa entender-se que se trata de questão nova erigida em sede do presente recurso, constitui inequivocamente matéria de conhecimento oficioso do tribunal (além de que o tribunal a quo também analisou, perscrutou e sindicou o registo da Autora junto da F.P.F. como intermediária desportiva – pelo que não é verdadeiramente questão inovatoriamente introduzida na lide56), porquanto tal violação do contrato é geradora de uma situação de nulidade jurídica – assim a qualifica a lei (cf. artigo 37.º, n.º 3 e artigo 42.º da Lei n.º 54/2017).
J.–E nem se diga que a aqui Recorrente incorre em abuso do direito porquanto a jurisprudência é firme e assertiva quanto a tal premissa: se ocorrer ofensa de normas de conteúdo imperativo, tal clausulado tem-se por inexistente, não escrito ou inoponível, não podendo sequer ser aplicável o regime do abuso do direito, sob pena de ser atingido um fim contrário ao desígnio normativo (cf. artigo 42.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho).
K.–Logo, e aqui chegados, se a Autora e Recorrida não chegou a cumprir com a sua privativa e inultrapassável obrigação legal de verificação obrigatória, designadamente, licenciando-se, conforme lhe competia, junto da F.P.F. para a época desportiva 2022/2023 (01.07.2022 a 30.06.2023).
L.–E tal facto (sibi imputet) vem a ser completamente obstativo da pretensão de ser remunerada no âmbito da vigência da época desportiva 2022/2023, como também para a época desportiva antecessora 2021/2022, dado que o licenciamento da atividade tem que estar pressuposto para todo o período de execução do contrato, sendo que apenas de si se pode queixar quanto à violação de tal obrigação, pressuposto normativo do direito de remuneração.
M.–Ora, assim constatado o contrato só pode ser qualificado de nulo, ou pelo menos é evidente a sua nulidade a partir do início da época desportiva 2022/2023 porquanto a Recorrida não esteve (e não está) devidamente credenciada junto da F.P.F. para poder atuar como intermediário desportivo, assim não podendo reclamar tal qualidade e estatuto.
N.–Em síntese, e a lei n.º 54/2017 não podia ser mais meridiana, o contrato é nulo se o intermediário não se apresentar devidamente inscrito e registado para exercer tal função e ser-lhe reconhecido tal estatuto.
O.–Ora, não tendo cumprido a Recorrida com tal condição fundamental e essencial (ad minus para a época desportiva 2022/2023), por razões atinentes exclusivamente a si, que apenas a esta responsabilizam, nunca poderá reclamar validade e eficácia a tal instrumento contratual, ao menos, para efeitos de remuneração, sendo que a lei não poderia ser mais impressiva e clara quanto a tal aspeto, quando se menciona perifrasticamente que “(…) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor” – cf. n.º 3 do artigo 38.º do diploma referenciado).
P.–Subsidiariamente, ainda que assim não se entenda, também a Recorrente não pode acompanhar o entendimento do tribunal a quo, dado que na prática a intermediária desportiva (única responsável pela elaboração unilateral do instrumento contratual) forjou um contrato com duração superior ao máximo previsto na lei.
Q.–Dado que na prática a Recorrida forçou a sobrevigência de um contrato de intermediação desportiva acima dos dois anos (12.06.2023), - máximo legal, pois mesmo após esse término, o referido contrato continuaria a produzir efeitos e a garantir um direito de remuneração àquela, em manifesta violação de inciso normativo injuntivo.
R.–Ou seja, segundo os dispositivos normativos da FIFA e domésticos, o intermediário apenas pode patrocinar uma das partes na relação contratual (jogador ou clube), assim como os seus serviços apenas se podem destinar à (i) contratação de um atleta e eventuais alterações/renovações desse contrato de trabalho ou (ii) negociação de transferência do atleta (definitiva ou temporária).
S.–No caso presente, a Recorrida veio a impor à Ré no clausulado por si unilateralmente redigido, uma sucessão de pagamentos (ilegais) devidos por força da manutenção da relação laboral com o atleta em causa, quando na verdade os seus serviços contratados foram-no apenas para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer prorrogação/alteração contratual no decurso das várias épocas desportivas seguintes.
T.–Não lhe sendo assim legalmente devido quantias associadas à manutenção do contrato de trabalho desportivo do atleta, exatamente porquanto nenhum serviço, desde logo, foi prestado quanto a tal facto ou resultado circunstancial – que aliás, a lei não prevê como fundamento do direito de remuneração do intermediário, como é bom de ver (exceto, claro está, se tiver efetivamente tido ativa participação e intervenção na referida (se a tivesse havido) prorrogação do contrato – o que não existiu.
U.–Note-se até a este propósito que o pagamento pelo clube futebol (no caso, a Recorrente) ao intermediário desportivo (no caso, a Recorrida) de quaisquer quantias sem esse nexo de causalidade legal, sempre importaria uma camuflada e indireta cessão de direitos económicos sobre o atleta a entidades terceiras – prática expressa e veementemente proibida, que ofende direta e materialmente o conteúdo dos artigos 18bis e 18ter do Regulamento do Estatuto e Transferência dos Jogadores (FIFA).
V.–De outro ângulo, se a remuneração do intermediário desportivo (tendo na sua génese um contrato de prestação de serviços) pressupõe que este preste necessariamente um serviço [concreto e tangível], qualquer remuneração só pode advir desse serviço prestado,
W.–Então não se pode admitir qualquer direito a perceber uma remuneração depois de 31.08.2021 dado que nenhum serviço pode ter sido, desde logo, prestado,
X.–Designadamente, a continuidade ou não do atleta ao serviço da Recorrente após 31.08.2022 e até após 31.08.2023 (factos/eventos de hipotética ocorrência futura) nunca esteve dependente (não podia) de qualquer atividade prosseguida pela Recorrida, donde também aqui incorreu a sentença em erro de julgamento.
Y.–Se o contrato de representação já estava cessado, que serviço após o seu término pode a Recorrida ter praticado para justificar qualquer remuneração? A resposta só pode ser uma: nenhum.
Z.–O facto de a lei admitir o pagamento único ou faseado da remuneração do intermediário, e o facto de este (pagamento) ocorrer após o término do contrato não interfere com o argumento da Recorrente que consiste em fundamento diferenciado: é que mesmo que o pagamento ocorra após o termo de cessação do contrato (data de vencimento ou exigibilidade), a sua causa tem necessariamente de derivar de serviço prestado durante o período de execução do contrato (e não posteriormente).
AA.–Deste modo, a continuidade do atleta ao serviço da aqui Recorrente após 31.08.2021 ou após 31.08.2022 não procedeu de qualquer atividade ou serviço da Recorrida, até porque tal permanência resulta automática do cumprimento do contrato de trabalho desportivo, não tendo sido a intermediária desportiva a garantir tal resultado – por nenhuma ação sua.
BB.–Razão (de ordem normativa pública) que obsta à legalidade dos montantes aqui peticionados, a título de alegada remuneração por serviços de intermediação desportiva supostamente prestados.
CC.–Acresce ainda a existência de uma multiplicidade de outros motivos que determinam a irregularidade e invalidade formal e substantiva do contrato de representação sub iudicio, e que, como tal, obstam à procedência do pedido, os quais não foram devidamente atendidos pela sentença recorrida.
DD.–O contrato de representação ou intermediação é definido pelo o n.º 1 do artigo 38.º da citada Lei, como sendo um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e, nomeadamente, uma entidade empregadora desportiva. Impõe o n.º 2 do mesmo artigo, além do mais, que no seu clausulado seja “definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida”.
EE.–O reconhecimento desta premissa legal importa desde logo que a quantia abonada ao “empresário desportivo” será devida a título de remuneração pelo serviço concreto prestado, o que no caso reconduz à contratação do atleta e não a qualquer negociação de renovação/alteração contratual (que não existiram), que essas sim podiam desencadear outro direito remuneratório adicional/acrescido/autónomo, mas nada disto se passou – donde resulta a clamorosa nulidade de tal clausulado contratual.
FF.–Determinando taxativamente a lei a forma de atuação do intermediário desportivo, fixando a sua remuneração em função de típicos negócios concretizados:7 (i) contratação de atleta, (ii) renovação do contrato de trabalho desportivo, (iii) cedência dos direitos do atleta – económicos e federativos (definitiva ou temporária), não está deferida ao intermediário a faculdade de remuneração por qualquer outra causa – designadamente porque o contrato de trabalho desportivo do atleta se mantém em execução/vigor durante o período da sua normal vigência!
GG.–Ora, esta própria cláusula (remuneração adicional e crescente do intermediário em função da permanência do atleta dentro da duração inicial do contrato de trabalho celebrado) que constitui a causa de pedir dos presentes autos é absolutamente nula, dado que nenhum serviço prestado pelo intermediário desportivo para que o contrato de trabalho do atleta seja mantido durante o período normal da sua vigência, como é lógico.
HH.–Por outro lado, ainda, são diversas as desconformidades substantivas, formais e procedimentais do contrato do qual emergem os direitos da Requerente, quando analisado à luz do artigo 9.º do Regulamento da FPF, incorretamente desatendidas pelo tribunal a quo.
II.–Segue-se a falta de previsão, independentemente do enunciado adotado, da habilitação, pelo clube, do intermediário para o representar, quer se entenda que está em causa uma representação em sentido próprio (artigo 258.º do Cód. Civil), quer se entenda que se trata de uma “representação de interesses” – cf., por exemplo, os artigos 4.º, 5.º, n.º 2, e 9.º (epigrafado de contrato de representação), n.ºs 1, 2, proémio, 3 e 4, do Regulamento da FPF.
JJ.–Adiciona-se ainda outro argumento que conduz à ilegalidade do contrato, pois não foram feitas as vias exigidas, uma destinada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (artigo 9.º, n.º 2, proémio, do Regulamento da FPF). A terceira via, destinada à Federação Portuguesa de Futebol também não terá sido depositada nesta federação pelo intermediário, aqui Recorrida, como imposto pelo n.º 3 do artigo 9.º do Regulamento.8
KK.–Igualmente, o contrato dos autos não conterá o número de registo de intermediário (artigo 9.º, n.º 2, al. a), do Regulamento da FPF), não se podendo confundir o seu representante legal, necessariamente também intermediário (artigo 7.º n.º 4, do RIFPF), com o intermediário interveniente no contrato.
LL.–Ainda o contrato padece de frontal nulidade porque a cláusula quarta, sempre por exigência da Recorrida, obrigará as partes a manter total confidencialidade com o seu conteúdo, quando é exigência imperativa que seja dada a devida publicidade daquele, desde logo pelo depósito junto dos organismos competentes.
MM.–Na verdade, são obrigatoriamente comunicados à FPF e à LPFP (artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento da FPF), devendo ser depositados junto daquela entidade (artigo 9.º, n.º 3), que divulga a posteriori alguns dos seus elementos essenciais (artigo 10.º, n.º 7,), sendo que é da sua natureza, considerando o seu escopo essencial – a representação (de interesses) – a possibilidade de revelação a terceiros, em ordem a justificar os poderes representativos do intermediário, e a sua revelação no contexto da celebração do contrato visado (artigo 10.º, n.º 4).
NN.–Termos em que, também com base nestes fundamentos, devia a sentença recorrida ter considerado nulo o presente contrato de representação/intermediação desportiva, e em consequência ter determinado a absolvição da aqui Recorrente, por violação, inter alia, dos artigos 36.º. n.º 1, 37.º. n.ºs 1 e 3, 38.º, n.ºs 1, 2 e 4, da Lei n.º 54/2017, com a cominação plasmada no artigo 42.º desse diploma, e bem assim, artigo 801.º, n.º 1, do CC, artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), 4.º,
6.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.º 2, alínea b) e d), e n.º 3, do Regulamento de Intermediários da F.P.F.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto amparo de V. Exa., requer-se que seja admitido o presente recurso e a final conceder-lhe integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, com todas as legais consequências, com o que se fará a devida e costumeira JUSTIÇA!”

Anexou um documento cuja junção requereu ao abrigo do art. 425º do CPC.

A autora apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
1–A Ré/Recorrente veio, nas suas Alegações de Recurso, alegar que a remuneração peticionada não é legalmente devida pelo facto da Autora/Recorrida não se ter registado nem se matriculado na FPF para a época desportiva de 2022/2023 e como tal o contrato in casu seria sempre inválido.
2–A Ré/Recorrente afirma que só depois de prolatada a sentença é que teve conhecimento de tal facto.
3–Porém, a Ré/Recorrente foi notificada, em 15/02/2023, da informação da FPF na qual é mencionado que “Não há registo de licença de intermediário na época 2022/23”.
4–A Ré/Recorrente foi notificada da junção dos documentos e que os autos aguardavam o decurso do prazo do respetivo contraditório.
5–Contudo, a Ré/Recorrente não exerceu o seu direito ao contraditório.
6–A Ré/Recorrente não suscitou, no devido tempo, ao tribunal “a quo” a questão que agora invoca em sede de Recurso.
7–Pelo que, a questão suscitada pela Ré/Recorrente, apenas em sede de recurso, que não alegou oportunamente, nem foi considerada pelo tribunal “a quo”, nos termos do artigo 608º nº2 do Código de Processo Civil, não pode, por isso, ser levada em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.
8–Assim, este Tribunal da Relação não deverá conhecer dessa questão, por impossibilidade legal.
SEM PREJUÍZO,
9–Entende a Ré/Recorrente que Autora/Recorrida, pelo facto de não ter procedido ao registo como intermediária na FPF para a época desportiva 2022/2023, não estava devidamente licenciada para todo o período de execução do contrato de intermediação desportiva.
10–Contudo, a Autora/Recorrida esteve registada na FPF durante todo o período de vigência do contrato de intermediação.
11–A Ré/Recorrente persiste em confundir o prazo fixado para a duração do contrato, isto é, no decurso do qual são prestados os serviços de intermediação, dentro de 2 anos, e o prazo estipulado para o pagamento da contrapartida por tais serviços.
12–No dia 12 de junho de 2021, a Autora/Recorrida e a Ré/Recorrente outorgaram um contrato de intermediação que designaram de «contrato de representação».
13–O «contrato de representação» celebrado entre as Partes teve como objeto a prestação de serviços de intermediação, por parte da Autora/Recorrida, com vista à obtenção de um resultado: A contratação, pela Ré/Recorrente, do jogador … para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024.
14–Mais, no contrato, as Partes estipularam que o mesmo tinha inicio no dia 29.05.2021 e termo no dia 31.08.2021.
15–Esse prazo (do dia 29.05.2021 ao dia 31.08.2021) era o tempo que Autora/Recorrida tinha para executar o objeto do contrato (contratação do jogador …).
16–Ora, em resultado do serviço prestado pela Autora/Recorrida, o jogador … celebrou com a Ré/Recorrente um contrato de trabalho desportivo válido para as épocas desportivas 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024.
17–E esse contrato de trabalho desportivo foi outorgado entre a Ré/Recorrente e o jogador … no dia 23.06.2021.
18–Ou seja, durante o limite temporal estabelecido para a execução do contrato, a Autora/Recorrida prestou os seus serviços tendentes à celebração do contrato de trabalho desportivo entre a Ré/Recorrente e o Jogador … para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024.
19–E, igualmente, foi na vigência do contrato de intermediação, que a Ré/Recorrente celebrou contrato de trabalho desportivo com o jogador … para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/204.
20–Assim, a Autora/Recorrida cumpriu com as suas obrigações contratuais para com a Ré/Recorrente e cumpriu regularmente com a sua prestação, pois encontrava-se registada como intermediária na FPF durante todo o período de execução do contrato.
21–A Autora/Recorrida estava autorizada/credenciada para o exercício da actividade de empresária desportiva, junto da Federação Portuguesa de Futebol, no momento da celebração do contrato.
22–Bem como, a Autora/Recorrida estava autorizada/credenciada para o exercício da actividade de empresária desportiva, junto da Federação Portuguesa de Futebol, durante o prazo de vigência do contrato de intermediação.
23–Aliás, o próprio Tribunal “a quo” menciona, na sua fundamentação de direito, que «inexistem dúvidas que, durante a vigência do contrato, a autora se encontrava licenciada para o exercício da atividade de intermediação desportiva».
24–As Partes sujeitaram a obrigação de pagamento de remuneração à efectiva contratação do jogador ….
25–A contratação do jogador … pela Ré/Recorrente foi o facto constitutivo da obrigação de pagamento.
26–Assim, a Autora/Recorrida tem direito à remuneração pois existe nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a contratação do jogador.
27–É nosso entendimento que os acórdãos citados pela Ré/Recorrente até são demonstrativos que, no presente caso, não existe invalidade do contrato ou impossibilidade objetiva de cumprimento do contrato por parte da Autora/Recorrida.
28–Veja-se que, esse Douto Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão citado pela própria Ré/Recorrente, (Acórdão da Relação de Lisboa, 08.06.2021, Processo nº910/20.9T8PDL.L1), enuncia, no sumário, que «Tendo o Autor sido contratado para a prestação de serviços, na qualidade de “intermediário desportivo, pelo período de vigência do contrato, que no caso era de 2 anos a contar de 3 de julho de 2018, deveria o mesmo durante todo esse período de tempo continuar registado nessa qualidade junto da F.P.F..
Não se encontrando o Autor licenciado para o exerício da atividade de intermediário para o segundo ano de vigência do contrato de intermediação dos autos, existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato pela sua parte (cfr. art. 36º nº1 da Lei nº54/2017 de 14/7), não podendo exigir, nessas condições, o cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte da Réu, nem o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado.»
29–Sustenta o Acordão mencionado que «O problema não é, como sustentado pelo Recorrente, de invalidade do contrato de intermediação desportiva. O problema é de impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato por parte do A., no que se refere à realização regular da sua prestação (artigo 36º nº1 da Lei nº54/2017 de 14/7).».
30–E tal decisão foi secundada pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 30.11.2021, Processo n910/20.9T8PDL.L1.S1) que declara que «No cumprimento do contrato sob análise, o Autor empresário desportivo obrigou-se a conseguir um determinado resultado, a contratação, para a Ré, do jogador P.., assim como a promoção deste jogador e da sua carreira junto da sua rede de contactos, com vista ulterior cedência pela Ré SAD a terceiro, dos direitos federativos e económicos relacionados com o atleta.
«O Autor, bem ciente de que em resultado do contrato celebrado com a Ré poderia vir, dentro do seu quadro temporal de vigência (...) não curou de manter em ordem e devidamente operacional o seu registo na FPF com intermediário desportivo durante esse mesmo período».
31–Ora, durante a vigência do contrato, a autora se encontrava licenciada para o exercício da atividade de intermediação desportiva.
32–E, não existe um problema de impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato por parte da Autora/Recorrida.
33–Pois, a Autora/Recorrida prestou os serviços a que se tinha obrigado por força do aludido contrato e durante o período de execução estipulado.
34–Só existe impossibilidade de cumprimento da obrigação quando não se executa a prestação em devido tempo e já não há possibilidade de se cumprir porque se tornou objetiva ou subjetivamente impossível.
35–Apenas o pagamento da contrapartida pelos serviços prestados pela Autora/Recorrida é que foi estipulada para momento posterior ao do termo do contrato.
36–E, nem a Lei 54/2017, de 14 de julho, nem o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, dispõe ou obriga a que os intermediários se encontrem registados após a vigência do contrato.
37–Nem a Lei 54/2017, de 14 de julho, nem o Regulamento de intermediários da Federação Portuguesa de Futebol, dispõe ou obriga a que os intermediários se encontrem registados após o cumprimento da sua prestação até ao momento do cumprimento da contraprestação da obrigação (pagamento).
38–Como tal, o facto da Autora/Recorrida não se encontrar registada como intermediária na época desportiva 2022/2023 não afecta o direito daquela a receber as remunerações estabelecidas no contrato de representação.
39–Senão, na linha de raciocínio da Ré/Recorrente, por exemplo, um advogado que prestou serviços, através de um mandato judicial, se, no momento da exigibilidade do pagamento, encontrar-se suspenso da Ordem (perda da habilitação para o exercício de advocacia) não teria direito a ser remunerado pelos serviços prestados no âmbito daquele mandato judicial.
40–Somente estaria o contrato ferido de nulidade se, durante o prazo de duração daquele, a Autora/Recorrida não se encontrasse registada como intermediária na Federação Portuguesa de Futebol.
41–A Ré/Recorrente persiste na argumentação que o «contrato de representação» foi elaborado com vigência superior ao legalmente permitido.
42–E, para sustentar tal argumentação, a Ré/Recorrente enuncia o estabelecido no nº3 do artigo 38º da Lei 54/2017, de 14 de julho.
43–Contudo o nº3 do artigo 38º da Lei 54/2017, de 14 de julho consagra que «No caso de contrato de representação ou intermediação celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo (...) o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor”.
44–Ou seja, esse normativo legal destina-se apenas aos contratos de representação ou intermediação celebrados entre um empresário desportivo e um praticante desportivo.
45–Como tal, é um regime especial inaplicável ao contrato de intermediação celebrado entre um empresário desportivo e uma entidade empregadora desportiva.
46–Aos contratos de representação celebrados entre um empresário desportivo e uma entidade empregadora desportiva a regra é que o dever de pagamento se mantém além da vigência do contrato de representação.
47–Assim sendo, o período estipulado no contrato de intermediação não excede o prazo máximo de dois anos.
48–A Ré/Recorrente insiste em afirmar que os pagamentos não são devidos por se encontrarem associados à manutenção do jogador.
49–Porém, a remuneração reivindicada pela Autora/Recorrida é relativamente à intermediação da Autora/Recorrida, em representação da Ré/Recorrente, na contratação do jogador … e não pela manutenção do jogador ao serviço da Ré/Recorrente.
50–Conforme o explanado na cláusula 2ª do contrato em análise, as quantias fixadas destinam-se a remunerar os serviços prestados pela Autora/Recorrida e no caso de estes conduzirem à efetiva celebração de um contrato de trabalho desportivo com o jogador … por três épocas desportivas.
51–Não foi estipulada qualquer remuneração pela manutenção do jogador na Ré/Recorrente.
52–A remuneração acordada apresenta nexo de causalidade com os serviços prestados pela Autora/Recorrida e não implicam uma «camuflada» cessão de direitos económicos do jogador, pois nenhuma quantia foi fixada com vista a remunerar ou compensar a Autora/Recorrida pela transferência do jogador.
53–A afirmação da Ré/Recorrente que o estabelecimento daquelas condições, diga- se por si impostas à Autora/Recorrida, obsta à legalidade dos montantes peticionados é revelador da mais despudorada má-fé.
54–A causa do pagamento deriva diretamente da prestação efetuada durante o período de execução do contrato (contratação do jogador).
55–Pois, se tais pagamentos fossem pela manutenção do jogador, como a Ré/Recorrente tenta convencer, a mesma está a dizer que, pela contratação do jogador, não acordou o pagamento de qualquer quantia à Autora/Recorrente!!!
56–A formulação contratual em causa não pode ser interpretada no sentido de a Autora/Recorrida “estar a aceitar nada receber caso a contratação do jogador pela Ré/Recorrente ocorresse”.
57– Perante a letra do denominado «contrato de representação», a Ré/Recorrente solicitou e contratou os serviços da Autora/Recorrida para a assessorar na contratação do jogador … e com o específico fim de que este assinasse um Contrato de Trabalho desportivo com a Ré/Recorrente por três épocas desportivas.
58–Mais clausulando de forma clara e inequívoca que caso o contrato de trabalho desportivo com o jogador se viesse a concretizar pagaria à Autora/Recorrida.
59–Ora, sendo que colocado um declaratário normal perante o texto contratual em causa, não deixaria de concluir que no mesmo se consubstancia um acordo de vontades, pelo qual, a Autora/Recorrida se obriga a prestar à Ré/Recorrente os seus serviços na negociação da contratação do jogador … e a segunda a pagar à primeira por esses serviços a remuneração fixada no contrato.
60–O que o texto da Cláusula 2ª do «contrato de representação» prevê é que a remuneração seja paga “por época” e enquanto o contrato de trabalho desportivo se manter em vigor.
61–Se, por qualquer motivo, o jogador e a Ré/Recorrente rescindissem, a Ré/Recorrente pagaria apenas os valores em dívida no momento da rescisão.
62–A cláusula 2ª do contrato de intermediação não extravassa os limites previstos na lei.
63–Mais revelador da mais despurada má-fé da Ré/Recorrente é afirmar que o contrato não foi comunicado à FPF e à LPFP quando consta no processo as comunicações das aludidas entidades desportivas a informar que o contrato de representação celebrado entre as Partes deu entrada, nessas entidades, junto com o processo de inscrição do jogador.
64–E quanto à alegação de que falta do nº de registo de intermediário no «contrato de representação» remete-se para o pronunciado pelo Tribunal “a quo” que, na sua fundamentação de direito, expõe que «não se vislumbra que o contrato seja omisso quanto ao número de registo de intermediário. Com efeito, na identificação da autora é feita menção expressa ao número de registo …, que é inteiramente coincidente com o indicado na cláusula 12ª do contrato celebrado entre a ré e o jogador».
65–A cláusula quarta do «contrato de representação» não colide com o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol.
66–A Cláusula de confidencialidade não abrangia a comunicação à FPF e à LPFP.
67–Pelo que, o contrato celebrado entre as Partes é material e formalmente válido e as obrigações constantes do mesmo são igualmente válidas e juridicamente exigíveis.
68–Vir a Ré/Recorrente invocar a omissão de requisitos formais na celebração do contrato, cuja redação é da sua responsabilidade, e cuja ausência em nada interferiu na conclusão de todas as suas pretensões económicas e jurídicas por si prosseguidas, ou seja, sem que possa invocar um qualquer interesse “real, efectivo e rático” para a conclusão do contrato aqui em causa, e para, com a invocação deste expediente, não cumprir com as suas obrigações perante a Autora/Recorrida, e que se encontram expressas no contrato celebrado com esta, sempre configuraria uma situação de Abuso de Direito, na modalidade de “venire contra factum próprio” a que o Direito nunca poderia dar cobertura legal.
69–O princípio da boa fé e a tutela da confiança impedem que a Ré/Recorrente, nestas condições, possa invocar a nulidade formal do contrato, sob pena de abuso de direito (artigo 334º do Código Civil).
70–Mais, a Ré/Recorrente alega que o contrato de intermediação deve ser considerado inexistente e faz referência ao artigo 42º da Lei 54/2017, de 14 de julho.
71–Porém, o próprio artigo 42º da Lei 54/2017, de 14 de julho, prevê que: “São nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico.”.
72–Assim, a inexistência alegada deveria sempre seguir o regime da nulidade, devendo ser restituído tudo o que foi prestado (artigo 289º do Código Civil).
73–Mesmo que o contrato devesse ser tido por inexistente, não podendo o tempo voltar atrás e a Ré/Recorrente restituir os serviços efetivamente prestados pela Autora/Recorrida – ou seja, não sendo possível à Ré/Recorrente abster-se de tirar partido da atividade de intermediação levada a cabo pela Autora/Recorrida, pois dessa atividade beneficiou celebrando o contrato por ela visado – deverá a Ré/Recorrente pagar o valor correspondente à atividade de que beneficiou.
Isto posto,
74–Forçoso será concluir que a Douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo a mesma ser confirmada in totum, com as demais consequências legais.
TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, SER CONFIRMADA A DOUTA SENTENÇA AQUI EM APREÇO. COM O QUE SE FARÁ A ACLAMADA JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*

II.–Questão prévia (junção de documento):

A recorrente juntou com as suas alegações um documento que identifica como listagem dos intermediários registados na época 2022/2023, alegando para tal o seguinte:
“Isto porquanto, sabe agora a Ré, a Autora não se registou nem se matriculou na F.P.F. para a época desportiva 2022/2023, conforme a lei imperativamente lhe impunha (e só já depois de prolatada a sentença tomou conhecimento de tal facto principal – pois que a listagem dos intermediários registados na época 2022/2023 apenas foi publicada e conhecida após 26.05.2023 – cf. Documento em anexo, objetiva e subjetivamente superveniente [inclusivamente] à própria sentença, e cuja junção aos autos se requer ao abrigo do disposto no artigo 425.º do CPC).”

A parte contrária, nas suas contra-alegações, refutou que a Ré apenas tenha tomado conhecimento da factualidade em causa após a sentença, pois foi notificada, em 15/02/2023, da informação da FPF na qual é mencionado que “Não há registo de licença de intermediário na época 2022/23”.

Cumpre decidir da admissibilidade de junção do documento.

Dispõe o art. 651 nº1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Por sua vez dispõe o art. 425º do CPC que:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
No caso dos autos, a listagem ora junta pela recorrente (listagem de “INTERMEDIÁRIOS REGISTADOS ÉPOCA 2022/23*” da Federação Portuguesa de Futebol) contém a menção, no final, “*Atualizado a 26.05.2023”.
Trata-se, pois, de documento produzido (por atualizado nessa data) em 26.05.2023, e, como tal, objetivamente superveniente à própria sentença final, situação que preenche os requisitos legais previstos nos arts 425º e 651 nº1 ambos do CPC para a junção de documento em sede de alegações de recurso.
É certo que já constava dos autos informação da Federação Portuguesa de Futebol de 07.02.2023 que referia - em resposta a pedido do tribunal para certificar se a autora …, Lda. se encontrava inscrita, na qualidade de intermediária desportiva, nas épocas de 2021/2022 e 2022/2023 - que  “Não há registo de licença de intermediário na época 2022/23”, informação essa que foi notificada às partes.
Todavia, a listagem ora junta não se reconduz a uma mera repetição de tal informação, uma vez que, por se tratar de listagem atualizada em 26.05.2023, abrange período temporal que extravasa a informação de 07.02.2023. Por outro lado, respeita a questão de conhecimento oficioso (eventual nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo do intermediário desportivo junto da FPF).
Nessa sequência, ao abrigo dos arts. 425º e 651 nº1 ambos do CPC, admite-se a junção do documento apresentado com as alegações da recorrente.
Notifique.
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III–Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões a decidir são as seguintes:
a)-aferir da eventual nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo da autora na FPF durante todo o período de execução do contrato e respetiva influência no direito da autora à remuneração contratual;
b)-aferir da eventual violação da duração máxima legalmente prevista para o contrato de intermediação;
c)-aferir da eventual nulidade da clausula contratual que fixa a remuneração da autora e do dever de pagamento de remuneração à autora para além de 31.08.2021 (data do termo fixado para o contrato de intermediação), por não ter havido renovação ou alteração do contrato de trabalho desportivo;
d)-aferir da nulidade contrato de intermediação desportiva por falta da habilitação pelo clube de intermediário para o representar, por falta das vias devidas à FPF e à Liga de Futebol Profissional, por falta do número de registo do intermediário, e por virtude do dever de confidencialidade imposto pela clausula 4ª violar o dever de depósito junto dos organismos competentes.
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IV–Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram julgados como provados os seguintes factos:
1.–Em 12 de junho de 2021, autora e ré outorgaram documento particular designado de «Contrato de Representação», de fls. 34 verso/36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual se destacam as seguintes cláusulas:
«Cláusula Primeira
1.–O presente Contrato de Intermediação terá início em 29/05/2021 e termo em 31/08/2021.
2.–A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024.
Cláusula Segunda
Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias:
i.- € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2021/2022, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2021, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2021
ii.- € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2022, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2022;
iii.- € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2023, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2023.
Cláusula Terceira
O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade e prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer declaração, negociação ou acordo anterior, constantes ou não de documento escrito.
Cláusula Quarta
1.–O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito.
2.–As partes obrigam-se ainda a manter confidencial toda e qualquer informação de que tenham tido ou venham a ter conhecimento relativamente a qualquer uma das atividades da outra, bem como a guardar sigilo relativamente a toda e qualquer informação recebida ao abrigo do presente contrato».
2.–Em resultado dos serviços prestados pela autora à ré, em 23 de junho de 2021, a ré e C outorgaram documento particular designado de «Contrato de Trabalho a Termo Certo», de fls. 36 verso/39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual se destacam as seguintes cláusulas:
«Cláusula 1.ª
O jogador como Profissional de Futebol de Classe A, obriga-se a prestar com regularidade a atividade de futebolista da … S.A.D., em representação e sob a autoridade desta, mediante retribuição.
Cláusula 2.ª
2.1.- Época 2021/2022
A  …S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2021 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação;
2.2- Época 2022/2023
A …. S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2022 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação;
2.3- Época 2023/2024
A … S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2023 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação.
(…)
Cláusula 4.ª
O presente contrato tem a duração determinada por via de prazo, tendo início a 1 de julho de 2021 e terminus no final da época desportiva de 2023/2024.
(…)
Cláusula 12.ª
As partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção de intermediário, em representação da … S.A.D., da …, LDA., pessoa coletiva sob o nr. …, com sede na Rua … – Portugal, Intermediário registado na Federação Portuguesa de Futebol com licença …, representada pelo Exmo. Senhor …».
3.- … foi jogador da ré, na época desportiva de 2021/2022 e manteve-se ao serviço desta, depois do dia 31.08.2022.
4.- A ré não pagou à autora as quantias previstas nos pontos i) e ii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
5.- A autora não emitiu as faturas a que se referem os pontos i) e ii) da cláusula segunda do documento identificado em 1..
6.-A autora e … encontravam-se registados como intermediários desportivos, nas épocas desportivas de 2020/2021 e 2021/2022, na Federação Portuguesa de Futebol. “
*

E foram julgados não provados os seguintes factos:
a.- O documento referido em 1. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol. “
*

Em face do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso e supra admitido - listagem de “INTERMEDIÁRIOS REGISTADOS ÉPOCA 2022/23*” da Federação Portuguesa de Futebol, com a menção, no final, “*Atualizado a 26.05.2023”, cujo teor não foi impugnado pela ré, o qual não inclui a autora nem … como intermediários registados na época desportiva 2022/2023, adita-se ao elenco dos factos provados, ao abrigo do art. 662 nº1 do CPC,  e por se reportar a questão de conhecimento oficioso (eventual nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo do intermediário desportivo junto da FPF), com o nº7, o seguinte facto:
- Até à data de 26.05.2023 a autora e … não se encontravam registados como intermediários desportivos, na época desportiva de 2022/2023, na Federação Portuguesa de Futebol.
        
Assim sendo, o elenco de factos provados passa a ser o seguinte:

1.–Em 12 de junho de 2021, autora e ré outorgaram documento particular designado de «Contrato de Representação», de fls. 34 verso/36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual se destacam as seguintes cláusulas:
«Cláusula Primeira
1.–O presente Contrato de Intermediação terá início em 29/05/2021 e termo em 31/08/2021.
2.–A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024.
Cláusula Segunda
Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias:
i.- € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2021/2022, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2021, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2021
ii.- € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2022, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2022;
iii.- € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2023, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2023.
Cláusula Terceira
O presente contrato expressa integralmente o estabelecido entre as partes, representando a sua vontade e prevalecendo, portanto, sobre toda e qualquer declaração, negociação ou acordo anterior, constantes ou não de documento escrito.
Cláusula Quarta
1.–O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito.
2.–As partes obrigam-se ainda a manter confidencial toda e qualquer informação de que tenham tido ou venham a ter conhecimento relativamente a qualquer uma das atividades da outra, bem como a guardar sigilo relativamente a toda e qualquer informação recebida ao abrigo do presente contrato».
2.–Em resultado dos serviços prestados pela autora à ré, em 23 de junho de 2021, a ré e C outorgaram documento particular designado de «Contrato de Trabalho a Termo Certo», de fls. 36 verso/39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual se destacam as seguintes cláusulas:
«Cláusula 1.ª
O jogador como Profissional de Futebol de Classe A, obriga-se a prestar com regularidade a atividade de futebolista da… S.A.D., em representação e sob a autoridade desta, mediante retribuição.
Cláusula 2.ª
2.1.- Época 2021/2022
A … S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2021 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação;
2.2- Época 2022/2023
A … S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2022 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação;
2.3- Época 2023/2024
A … S.A.D compromete-se a pagar ao Jogador a remuneração anual líquida de …,00€ a ser paga em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 5 de agosto de 2023 e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes, acrescida de € …,00 e para despesas de habitação.
(…)
Cláusula 4.ª
O presente contrato tem a duração determinada por via de prazo, tendo início a 1 de julho de 2021e terminus no final da época desportiva de 2023/2024.
(…)
Cláusula 12.ª
As partes declaram que o presente contrato foi celebrado com a intervenção de intermediário, em representação da … S.A.D., da …, LDA., pessoa coletiva sob o nr. …, com sede na Rua… – Portugal, Intermediário registado na Federação Portuguesa de Futebol com licença …, representada pelo Exmo. Senhor…».
3.– … foi jogador da ré, na época desportiva de 2021/2022 e manteve-se ao serviço desta, depois do dia 31.08.2022.
4.– A ré não pagou à autora as quantias previstas nos pontos i) e ii) da cláusula segunda do documento identificado em 1.
5.– A autora não emitiu as faturas a que se referem os pontos i) e ii) da cláusula segunda do documento identificado em 1..
6.–A autora e … encontravam-se registados como intermediários desportivos, nas épocas desportivas de 2020/2021 e 2021/2022, na Federação Portuguesa de Futebol.
7.–Até à data de 26.05.2023 a autora e … não se encontravam registados como intermediários desportivos, na época desportiva de 2022/2023, na Federação Portuguesa de Futebol.                                       
*

V–Fundamentação de Direito:
a)-Aferição da eventual nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo da autora na FPF durante todo o período de execução do contrato e respetiva influência no direito à autora da remuneração contratual:
A sentença sob recurso analisou a questão da validade/nulidade do contrato de intermediação desportiva em causa nos autos por referência ao registo da autora como intermediária desportiva junto da Federação Portuguesa de Futebol relativamente às épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022.
Escreveu-se a esse respeito o seguinte:
“Vejamos, estabelece o disposto no artigo 37.º, º 1 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho que, «sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado».
Acrescentando o seu número 2, que «são nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo».
Ora, estará ferido de nulidade, por se tratar de vício que contende com a proteção de interesse público, o contrato outorgado por empresário desportivo que, durante o prazo de duração daquele, não se encontre registado, como intermediário, na Federação Portuguesa de Futebol.
Como impressivamente se sumaria no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.06.2021, relatado por Carlos Oliveira, «o registo como intermediário desportivo junto da entidade federativa competente é condição necessária para o exercício regular dessa atividade económica (Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7). Não se encontrando o Autor licenciado para o exercício da atividade de intermediário desportivo para o segundo ano de vigência do contrato de intermediação dos autos, existe uma impossibilidade objetiva de cumprimento desse contrato pela sua parte (cfr. Art. 36.º n.º 1 da Lei n.º 54/2017 de 14/7), não “podendo exigir, nessas condições, o cumprimento da correspetiva obrigação de exclusividade por parte do Réu, nem o pagamento duma remuneração a que só poderia ter direito caso fosse um intermediário desportivo registado».
No caso vertente, o contrato de intermediação teve o seu início em 29.05.2021 e termo em 31.08.2021.
E demonstrou-se que a autora se encontrava registada, como intermediária, junto da Federação Portuguesa de Futebol nas épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022 [época desportiva 1 de julho a 30 de junho].
Inexistem dúvidas que, durante a vigência do contrato, a autora se encontrava licenciada para o exercício da atividade de intermediação desportiva.”

A questão que a recorrente ora suscita reporta-se à nulidade do contrato de intermediação desportiva em causa nos autos por referência à ausência de registo da autora como intermediária desportiva junto da Federação Portuguesa de Futebol relativamente a diferente época desportiva, a época 2022/2023.
A nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta de registo do intermediário desportivo junto da Federação Portuguesa de Futebol pode ser invocada a qualquer momento por qualquer interessado e pode declarada oficiosamente pelo tribunal nos termos do art. 286º do Código Civil. Sobre tal questão já se pronunciou o Ac. do TRL de 12.10.2023 proferido no Proc. 60930/22.6YIPRT.L1-2, disponível in www.dgsi.pt.
E como tal, ainda que a sentença da 1ª instância não se tenha expressamente debruçado sobre a questão do registo da autora como intermediária desportiva relativamente à época 2022/2023, não está este Tribunal de 2ª instância impedido de apreciar a questão da eventual nulidade do contrato de intermediação desportiva por falta desse registo.
Analisemos:
Resulta da matéria de facto provada que em 12 de junho de 2021 autora e ré outorgaram documento particular designado de «Contrato de Representação”, cuja cláusula 1ª refere, no seu nº 1,  que “O presente Contrato de Intermediação terá início em 29/05/2021 e termo em 31/08/2021”, e, no seu número 2, que “ A INTERMEDIÁRIA representará o CLUBE com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR, válido para as épocas desportivas de 2021/2022, 2022/2023 e 2023/2024”.
Por sua vez a cláusula segunda tem o seguinte teor:
Caso o contrato de trabalho desportivo com o JOGADOR se venha a efetivar, em virtude dos serviços prestados pela INTERMEDIÁRIA nos termos supra descritos, o CLUBE pagará a esta ou a quem ela indicar, as seguintes quantias:
i. € 4.000,00 (quatro mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2021/2022, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2021, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2021
ii. € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2022, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2022;
iii. € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, referente à época desportiva 2022/2023, emitindo a INTERMEDIÁRIA a respetiva fatura no dia 1/09/2023, caso o atleta permaneça no clube depois do dia 31/08/2023.
Trata-se de um contrato de representação ou intermediação tipificado no art. 38º da Lei 54/2017 de 14.07, qualificação efetuada na sentença sob recurso, e que não é discutida pelas recorrente e recorrida.

Dispõe o art. 38º da referida Lei 54/2017 que:
1-O contrato de representação ou intermediação é um contrato de prestação de serviço celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo ou uma entidade empregadora desportiva.
2-O contrato está sujeito a forma escrita, nele devendo ser definido com clareza o tipo de serviços a prestar pelo empresário desportivo, bem como a remuneração que lhe será devida e as respetivas condições de pagamento.
3-No caso de contrato de representação ou intermediação celebrado entre um empresário desportivo e um praticante desportivo, a remuneração paga pelo praticante não pode exceder 10 % do montante líquido da sua retribuição e o dever de pagamento apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor.
4-O contrato tem sempre uma duração determinada, não podendo, em qualquer caso, exceder dois anos de duração.
5-O contrato caduca aquando da verificação do termo resolutivo estipulado, podendo ser renovado por mútuo acordo das partes, mas não sendo admissíveis cláusulas de renovação automática do mesmo.
6-O incumprimento culposo dos deveres decorrentes do contrato atribui ao contraente lesado o direito de o resolver com justa causa e com efeitos imediatos.
7-A parte que promover indevidamente a rutura do contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer.
8-As partes podem fixar, por acordo, o montante da indemnização a que se refere o número anterior.
9-Quando o dever de indemnizar recaia sobre o praticante desportivo, o respetivo montante não pode exceder o que resultar da aplicação do n.º 3 ao período remanescente do contrato.”

Relativamente ao registo dos empresários desportivos, dispõe o art. 37º da mesma Lei que:
1- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a respetiva atividade devem registar-se como tal junto da federação desportiva, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado.
2- O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo.
3- São nulos os contratos de representação ou intermediação celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo.”

Em causa no caso que nos ocupa está precisamente a obrigação de registo do intermediário desportivo junto da federação desportiva e a consequência legal decretada pela lei – nulidade- para os contratos de representação/intermediação celebrados com intermediários desportivos não registados junto da Federação.
O contrato em causa nos autos, celebrado em 12.06.2021, visava a representação do clube da ora recorrente com vista à realização do Contrato de Trabalho desportivo com o JOGADOR aí identificado, válido para três épocas desportivas.
Tal contrato de intermediação tinha uma duração estipulada para o período de 29/05/2021 a 31/08/2021.
Quer isto dizer que o intermediário dispunha do período de 29/05/2021 a 31/08/2021 para em nome do clube realizar as diligencias necessárias à contratação do jogador para três épocas desportivas.
Da mesma forma, dizemos nós, que num contrato de intermediação imobiliária com a duração de seis meses celebrado entre um agente imobiliário e um cliente que pretende arrendar um imóvel por cinco anos, o agente dispõe desse período de seis meses para diligenciar pela celebração de tal contrato de arrendamento por cinco anos.
Ou seja, a duração do contrato de intermediação desportiva é de 29/05/2021 a 31/08/2021, independentemente da duração (número de épocas) do contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o clube, da mesma forma que a duração do contrato de intermediação imobiliária acima dado como exemplo será de seis meses independentemente da duração do contrato de arrendamento cuja celebração visa.
Uma coisa é a duração do contrato de intermediação de intermediação desportiva e outra coisa é a duração do contrato cuja celebração constitui o objeto último daquele, o contrato de trabalho desportivo entre o Jogador e o Clube. As respetivas durações não se confundem.
O que importa assim avaliar é se no referido período de vigência do contrato de intermediação desportiva (29/05/2021 a 31/08/2021) a autora se encontrava registava como intermediária desportiva junto da Federação Portuguesa de Futebol. E face ao teor do ponto 6 da matéria provada, conclui-se que sim, porquanto se encontrava registada nas épocas desportivas de 2020/2021 e 2021/2022 (que abrangem o período de 29/05/2021 a 31/08/2021).
A época desportiva de 2022/2023 já não releva para os efeitos previstos no art. 37º da Lei 54/2017 porquanto já então findara, pelo decurso do seu termo, o contrato de intermediação desportiva. Veja-se, aliás, que a prestação objeto do mesmo (a representação do clube para efeitos da contratação do jogador) foi cumprida aquando da realização do contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o clube, o que ocorreu a 23 de junho de 2021. É a própria recorrente que reconhece que após a data do términus do contrato de intermediação desportiva (31.08.2021) não houve lugar à prestação de serviços/prosseguimento de atividade pela recorrida – cf. conclusões w e x.
O teor da clausula 2ª do contrato de intermediação desportiva nada muda quanto a esta questão. O facto de o pagamento da remuneração da autora ficar condicionado à permanência do jogador  ao serviço do clube, designadamente durante a época de 2022/2023, não significa que o contrato de intermediação imobiliária esteja em execução para além do período da vigência nele estipulado, tratando-se tão só, conforme aliás se considerou na sentença recorrida (cf pag 18, parágrafos 3º, 4º e 5º), do estabelecimento de uma condição para o pagamento da remuneração.
Relativamente a semelhante situação, veja-se o Ac. do TRL de 12.10.2023 supra identificado, passando-se a transcrever um trecho do mesmo: “(…)Encontra-se vertida no n.º 2 da mencionada cláusula uma condição suspensiva – que, como se sabe, constitui o “acontecimento futuro e incerto” ao qual as partes condicionam a produção dos efeitos do negócio jurídico (cfr. artigo 270.º do CC) – em que os efeitos atinentes ao pagamento referente à época de 21/22 ficaram suspensos à espera da verificação do evento condicionante, no caso, a circunstância de o atleta se manter no clube após a data de 31 de agosto de 2021, o que, na realidade, veio a suceder (cfr. facto provado n.º 2). Para além deste aspeto, cumpre sublinhar que, o pagamento dos valores referidos na cláusula 1.ª apenas se reportava ao “trabalho desenvolvido pela Segunda Outorgante na assinatura do contrato do jogador”, o qual se mostrava concluído com tal assinatura, não se encontrando relacionado ou conexionado com a necessidade de qualquer prestação de serviço atinente à prorrogação ou alteração contratual no decurso das épocas desportivas, mas tão só, à verificação do aludido “acontecimento futuro e incerto” – a manutenção do jogador no clube após a data de 31-08-2021.(…)”

Em suma, a prestação contratual da autora foi cumprida durante o período de vigência do contrato de intermediação desportiva e durante este período a autora estava devidamente registada como intermediária desportiva junto da Federação portuguesa de Futebol, sendo, pois, irrelevante que na época 2022/2023 já não beneficiasse de tal registo.
Não há assim qualquer nulidade nesta sede, improcedendo, nesta parte, o recurso.

b)- Aferição da eventual violação da duração máxima legalmente prevista para o contrato de intermediação:
Dá-se aqui por reproduzido o que acima já dissemos relativamente à duração do contrato de intermediação em causa nos autos, que, repete-se, tinha uma duração estipulada para o período de 29/05/2021 a 31/08/2021 (período durante o qual a autora ficava incumbida de representar o clube para efeitos da contratação do jogador), que é coisa diferente da duração do contrato de trabalho desportivo que veio a ser celebrado entre o jogador e o clube.
A duração do contrato de intermediação (29.05.2021 a 31.08.2021) não excede o limite máximo de dois anos previsto no nº4 do art. 37º da Lei 54/2017.
O facto de a remuneração da autora ser paga já depois do termo do contrato de intermediação por ficar sujeita a condição suspensiva (a permanência do jogador ao serviço do clube para além de 01.09.2021) que ocorre já depois do termo do contrato de intermediação não bule com a duração estabelecida para o contrato de intermediação, tratando-se de estipulação ao abrigo do principio da autonomia privada nos termos do art 405º do Código Civil. É o próprio art. 37 nº2 da Lei 54/2017 que prescreve a obrigatoriedade do contrato conter definição clara da remuneração do intermediário e das condições de pagamento, sendo que o seu nº 3, que prescreve que o dever de pagamento da remuneração apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor, apenas é aplicável aos contratos de intermediação celebrados entre um intermediário desportivo e um praticante desportivo, o que não é o caso dos autos. Logo esta limitação imposta pelo nº 3 do art. 37 suprarreferida não tem aplicação in casu, nada obstando, pois, a que parte da remuneração seja paga depois de findo o prazo do contrato de intermediação.  Veja-se que também o artigo 11.º, n.º 2, do Regulamento de Intermediários da FPF , que impõe que “o clube que contrate os serviços de um intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações”, nada diz, e, como tal ,não impede o pagamento faseado de remuneração para além do prazo de vigência do contrato.
Concorda-se, pois, com a sentença recorrida quando refere que “Não devemos confundir o prazo fixado para a duração do contrato, isto é, no decurso do qual são prestados os serviços de intermediação e o prazo estipulado para o pagamento da contrapartida por tais serviços”.
Inexistindo a invocada irregularidade, improcede esse fundamento do recurso.
c)-aferição da eventual nulidade da clausula contratual que fixa a remuneração da autora e do dever de pagamento de remuneração à autora para além de 31.08.2021, por não ter havido renovação ou alteração do contrato de trabalho desportivo:
Dá-se aqui por reproduzido o que acima já se expôs quanto ao pagamento da remuneração após o termo do contrato de intermediação. O facto de a remuneração da autora ser paga já depois do termo do contrato de intermediação por ficar sujeita a condição suspensiva (a permanência do jogador ao serviço do clube para além de 01.09.2021) que ocorre já depois do termo do contrato de intermediação configura estipulação ao abrigo da autonomia privada nos termos do art 406º do CC. Tal estipulação não viola o disposto no art. 37 nº3 da Lei 54/2017 (que prescreve que o dever de pagamento da remuneração apenas se mantém enquanto o contrato de representação ou intermediação estiver em vigor) porquanto esta limitação legal apenas se aplica aos contratos de intermediação celebrados entre um intermediário desportivo e um praticante desportivo, e não a contratos de intermediação celebrados com clubes, como é o caso dos autos. Também o artigo 11.º, n.º 2, do Regulamento de Intermediários da FPF nos termos do qual “o clube que contrate os serviços de um intermediário deve acordar a remuneração antes da realização da transação, podendo o pagamento ser efetuado de uma só vez ou em prestações”, não veda o pagamento faseado de remuneração para além do prazo de vigência do contrato.
Não se trata, ao contrário do que defende o recorrente, do pagamento de remuneração sem a contrapartida da prestação de serviço. A prestação contratual da autora (representação do clube para efeitos da contratação do jogador por três épocas) foi efetuada na vigência do contrato de intermediação, pois, com a intermediação da autora, foi celebrado contrato de trabalho desportivo entre o jogador e o clube precisamente por três épocas; simplesmente, o pagamento da remuneração da autora por esse serviço de representação do clube para contratação do jogador por três épocas ficou sujeito à condição suspensiva de permanência do jogador ao serviço do clube em tais épocas desportivas. Ou seja, os valores a pagar para além do termo do contrato de intermediação são contrapartida direta da prestação da autora que foi efetuada durante a vigência do contrato, embora sujeitos a condição suspensiva.
Concorda-se assim com a sentença recorrida na parte em que esta refere:
Ora, ao contrário do que sustenta a ré, não se vislumbra que tenha sido estipulada qualquer remuneração pela manutenção do jogador no clube. Ao invés, o pagamento da remuneração fixada pelos serviços prestados com vista à celebração do contrato desportivo por três épocas, ficou condicionado à manutenção do jogador no clube em tais épocas desportivas.
Veja-se que a condição de manutenção do jogador nas épocas de 2021/2022; 2022/2023 coincide com as épocas desportivas previstas na duração do contrato de trabalho desportivo em apreço.
Dito, por outras palavras, a remuneração fixada relaciona-se com o contrato de trabalho desportivo outorgado e com a sua duração inicial.”
 
Não há, deste modo, fundamento para declarar nula a cláusula segunda do contrato de intermediação, improcedendo este fundamento de recurso.
d)- Aferição da nulidade contrato de intermediação desportiva por falta da habilitação pelo clube de intermediário para o representar, por falta das vias devidas à FPF e à Liga de Futebol Profissional, por falta do número de registo do intermediário, e por virtude do dever de confidencialidade imposto pela clausula 4ª violar o dever de depósito junto dos organismos competentes.

No que respeita à alegada nulidade contrato de intermediação desportiva por falta da habilitação pelo clube do intermediário para o representar, escreveu-se na sentença o seguinte:
“(…)Sustentou a ré que o contrato em apreço é omisso quanto à habilitação, pelo Clube, do intermediário para o representar [b)].
Prima facie, impõe-se destacar que não foi suscitada a falta de poderes das pessoas que, em representação, da ré outorgaram o contrato de representação junto aos autos. E, neste acordo, é expressamente estipulado pelas partes que a autora representará a ré com vista à realização de trabalho desportivo com o jogador.
Dito por outras palavras, a ré habilitou a autora, em sua representação, a negociar as condições do contrato de trabalho que veio a ser celebrado com o jogador.
Veja-se, a este propósito, o consignado na cláusula 12.ª do contrato de trabalho desportivo a que se refere o facto provado 2..
Não se vislumbra, assim, a apontada falta de previsão de habilitação.(…)”

Concorda-se. O contrato de intermediação, no ponto 2 da sua cláusula primeira, expressamente refere que a intermediária representará o clube com vista à realização do contrato de trabalho desportivo com o jogador em causa, representação essa também referida na clausula 12ª do contrato de trabalho desportivo celebrado entre o clube e o jogador, pelo que não colhe a alegada nulidade.

No que respeita à alegada nulidade contrato de intermediação desportiva por falta das vias devidas à FPF e à Liga de Futebol Profissional, referiu-se na sentença o seguinte: “No que concerne ao vício identificado sob a alínea d), importa, desde logo, destacar que resultou não provado que o acordo referido em 1. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol.
Falece, assim, o argumento avançado pela ré para sustentar a invalidade do contrato.”

E, efetivamente na parte da sentença relativa à matéria de facto não provada, consta que “não se provaram os seguintes factos:
a.- O documento referido em 1. não foi depositado junto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol.”
O recurso não incidiu sobre tal parte da decisão da matéria de facto, pelo que, mantendo-se a mesma, inexiste qualquer fundamento para a invocada nulidade.
Concorda-se, pois, com o referido, a esse propósito, na sentença.

No que respeita à nulidade do contrato de intermediação por falta do número de registo do intermediário, escreveu-se na sentença o seguinte:
“Por outro lado, não se vislumbra que o contrato seja omisso quanto ao número de registo de intermediário. Com efeito, na identificação da autora é feita menção expressa ao número de registo …, que é inteiramente coincidente com o indicado na cláusula 12.ª do contrato de trabalho celebrado entre a ré e o jogador”.

Também aqui se concorda com o Tribunal a quo, uma vez que tal número, atribuído à autora no contrato de trabalho desportivo, consta também do contrato de intermediação.  Veja-se que a recorrente não alegou sequer que fosse outro o número de registo da autora.

Ainda que assim não fosse, não ocorreria a nulidade do contrato, pois conforme se refere no Ac. do TRL de  09.11.2023 proferido no Proc. 77412/22.9YIPRT.L1-6, “O artigo 9º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol não sanciona com a nulidade a falta de indicação do número de registo do intermediário no contrato; não é a falta de identificação, mas sim a falta de registo, que constitui impedimento absoluto para o exercício da actividade.”

Por último, no que respeita à nulidade do contrato de intermediação por virtude do dever de confidencialidade imposto pela clausula 4ª violar o dever de depósito junto dos organismos competentes, escreveu-se na sentença o seguinte:
“Propugna a ré que a cláusula quarta do acordo aludido em 1., que sujeita as partes a um dever de confidencialidade, está ferida de nulidade, uma vez que é exigência imperativa que seja dada a devida publicidade do contrato, desde logo, por depósito junto da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional [cf. artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 e o Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol] – [al.e].
Basta a simples leitura da cláusula quarta, número 1, do contrato para afastar o vício suscitado: «O CLUBE e a INTERMEDIÁRIA obrigam-se a manter em total confidencialidade o presente contrato, não o podendo tornar público, ainda que por forma indireta, ou por intermédio de terceiros, salvo por força de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, sendo que a parte que violar o dever de confidencialidade ora estabelecido deverá compensar a outra nos termos gerais de direito».
Com efeito, o dever de confidencialidade convencionado cede quando em causa esteja a necessidade de cumprimento, pelos outorgantes, de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal, onde naturalmente se inclui o dever de depósito a que alude o artigo 9.º, número 2 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol.”

Ora, mais uma vez se concorda com o tribunal a quo. A cláusula 4ª do contrato impõe a confidencialidade do mesmo, mas exceciona expressamente a publicidade do contrato que decorra de obrigação legal e/ou regulamentar ou imposição fiscal. Cabe, pois, nessa exceção o depósito do contrato junto da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional nos termos do artigo 9.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol de 01.04.2015, improcedendo também este fundamento do recurso.
Em conclusão, improcedem os fundamentos de recurso, inexistindo violação das normas legais invocadas pela recorrente.
As custas do recurso são a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***

VI.–DECISÃO:

Pelo exposto acordam os Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.


LISBOA,11/1/2024

*
Carla Matos - (Relatora)
Teresa Sandiães - (1ª Adjunta)
Marília Leal Fontes - (2ª Adjunta)