PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO PROFERIDO APÓS A DECISÃO FINAL
Sumário

I - Tendo a reclamante empregue meio processual cujo decisão beneficia de um prazo de recurso de 15 dias, é esse o prazo de interposição a observar.
II - Não assiste razão à reclamante ao pretender prevalecer-se do prazo de recurso de 30 dias, sob o pretexto de que o tribunal deveria ter convolado a sua pretensão para meio processual que lho garantiria.

Texto Integral

Proc. 794/06.0TJPRT - A. P1


Sumário
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório
No decurso de 2006, “A..., S.A.” (anteriormente denominada “B... - Distribuição de Bebidas, S.A.” ou “B..., S.A.”) intentou ação declarativa de condenação contra AA.
O Ministério Público foi citado em representação da R..
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença em 12-02-2008, nos termos da qual a ação foi julgada procedente e a R. foi condenada a pagar à A. € 6.323,31, acrescida de juros de mora.
A sentença foi notificada e, não tendo sido objeto recurso, transitou em julgado nesse mesmo ano.
Em 09-02-2023, a R. deduziu incidente arguindo a sua “falta de citação” e requerendo que se considerasse “nulo todo o processado após a petição inicial”.
Foi proferido despacho cujo teor, além do mais, é o seguinte:
O artigo 198.º do CPC prevê que as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
Este normativo corresponde, de resto, ao anterior artigo 204.º do Código de Processo Civil, versão em vigor à data em que os autos foram instaurados e na data da respetiva sentença.
A expressão “em qualquer estado do processo” pressupõe necessariamente que a nulidade em causa é passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação (v. Ac. da RG de 23-09-2021, www.dgsi.pt, processo 575/10.6TBEPS.G1 que sigo de perto).
Note-se que a lei exige que esta nulidade de falta de citação, quando suscitada pelo citando, como é o caso vertente, seja arguida logo que este tenha a 1.ª intervenção no processo, sob pena de se considerar sanada (artigo 189.º - que corresponde ao anterior artigo 196.º, “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”).
Assim, a arguição da nulidade da citação é extemporânea.
Em consequência, após trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação, a invocação da falta de citação ou de nulidade da mesma só poderá ocorrer em sede de recurso de revisão, não sendo admissível argui-la em sede de incidente suscitado nos autos.
Ora, tendo transitado em julgado no ano de 2008 a sentença proferida, não pode a ré, suscitar a apontada nulidade por via incidental nos autos.
Restaria lançar mão do recurso de revisão, convolando-se para o efeito o requerimento em que são arguidas as nulidades, ao abrigo do disposto no artigo 193.º do Código de Processo Civil.
Quanto ao recurso de revisão, o artigo 696.º do Código de Processo Civil dispõe o seguinte: «A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) (…);
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; (…)».
Relativamente ao regime do recurso de revisão, prevê o artigo 697.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: (…)
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.”
Dos referidos artigos resulta que a alegada falta de citação ou nulidade da citação dos mesmos não obsta ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, constituindo essa falta de citação ou nulidade da mesma, precisamente, um dos fundamentos para a interposição do recurso de revisão (cfr. art. 696.º, alínea e) do Código de Processo Civil).
Ora, no caso dos autos, a sentença transitou em julgado no ano de 2008, pelo que, à data em que foi suscitado o incidente em apreço (2023), mostrava-se integralmente decorrido o referido prazo legal de cinco anos de caducidade.
Deste modo, é aqui inviável lançar mão do recurso de revisão, atenta a ocorrência da caducidade para a interposição do mesmo.
Em face do exposto, resulta que não se justifica operar a convolação do requerimento apresentado em recurso de revisão, porquanto o direito da ré à revisão da sentença caducou.
Em síntese, decido indeferir o presente incidente por legalmente inadmissível.
A decisão que parcialmente se transcreveu foi proferida em 13-4-2023 e notificada às partes em 4-5-2023.
Por fax de 7-6-2023, a A. interpôs recurso, alegando que este deveria subir nos termos do disposto nos arts. 644.º/1/2/g e 647.º/3/c do C.P.C..
Rematou com as seguintes conclusões:
A) Verifica-se ter havido “falta de citação” nos termos alegados no requerimento em que se suscitou tal incidente
B) Tendo havido “falta de conhecimento do acto da citação pessoal, por facto que não lhe é imputável (art.º 188.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, do CPC)
C) E também “emprego indevido da citação edital”
D) A 1.ª vez que a Ré interveio no processo foi quando suscitou logo a referida “falta de citação”
E) Tal nulidade pode ser arguida em qualquer estado do processo, mesmo após o “estado” do trânsito em julgado...
F) O “trânsito em julgado” não deixa de ser um “estado” do processo e, como tal, nada o exclui de ser considerado mais um “estado do processo” – o “estado” de processo transitado em julgado...mas, ainda assim, um “estado” para que possa ser arguida a referida “falta de citação”, sem ter que se recorrer à revisão da decisão transitada em julgado, nos termos dos art.ºs 696.º e 697.º do CPC...
G) A arguição da nulidade da citação não é extemporânea
H) Como tal, deve ser admitido e processado o incidente da “falta de citação” arguida
I) E, face à sua instrução e provas produzidas no respectivo incidente, ser decidido, a final, se, de facto, houve “falta de conhecimento do acto da citação pessoal, por facto não imputável à Ré” e ou se também houve “emprego indevido da citação edital”
J) O Ministério Público, após a sua citação nos termos do anterior art.º 15.º do CPC, não mais teve qualquer outra “intervenção processual” na qual tivesse podido logo arguir a nulidade que a Ré, por si, acabou por arguir logo que interveio, pela 1ª vez, no processo – tanto mais que o Mº Pº, tendo sido citado para a acção, nunca poderia vir arguir a sua “falta de citação”...
K) O que só a Ré poderia fazer e fez logo que interveio, pela 1ª vez, no processo
L) O incidente suscitado da “falta de citação” não é extemporâneo e consequentemente, deve ser admitido e prosseguir seus termos até final, assim se fazendo Justiça.
Em 30-6-2023 foi proferido despacho que não admitiu o recurso, com o seguinte teor:
A decisão proferida depois da sentença foi notificada a 4-05. O prazo de recurso é de 15 dias (artigo 644.º, n.º 2, alínea g) e 638.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Assim, mesmo considerando que o dia 7-06 (fax do I. Mandatário), verifica-se que o recurso é extemporâneo, pois o último dia do prazo ocorreu no dia 23 de maio.
Em face do exposto, não admito o recurso interposto, por ser extemporâneo com fundamento na sua intempestividade.
A requerente reclamou do despacho que não admitiu o recurso.
Foi proferida decisão singular que manteve o despacho recorrido de não admissão do recurso.
A requerente veio reclamar para a conferência, tendo o processo ido aos vistos.
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II - A questão a dirimir consiste na admissibilidade do recurso interposto pela requerente.
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III - Fundamentação de facto
Os factos a tomar em consideração para a decisão a proferir são os que se vem de enunciar no relatório.
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IV - Fundamentação de direito
A R. reclama da não admissão do recurso por si interposto.
Alega que o por si requerido constitui um incidente que deveria ter sido tramitado autonomamente, havendo que proceder oficiosamente à correção da irregularidade na tramitação. Tal irregularidade influiria na decisão de não admissão do recurso. Assim, o prazo de interposição de recurso não será de 15 dias nos termos conjugados dos arts. 644.º/2/g e 638.º/1, segunda parte do C.P.C., mas sim de 30 dias, conforme previsto no n.º 1 do art.º 638.º, primeira parte, concatenado com o disposto na parte final da alínea a) do n.º 1 do art.º 644.º, ambos do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 696.º do C.P.C., a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão nos casos previstos nas alíneas a) a h) do mesmo, aí constando, sob a alínea i), a falta de a citação ou a sua nulidade.
No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso (…) (art.º 698.º/1 do C.P.C.).
No caso vertente, compulsado o requerimento da ora reclamante que arguiu a falta de citação, é apodítico que o mesmo não foi identificado enquanto recurso de revisão. O respetivo teor tão pouco é o próprio de um recurso de revisão. A pretensão da reclamante consiste, pois, em usar da prerrogativa de um prazo processual referente a um instrumento processual de que não se socorreu. O pedido da reclamante funda-se no pressuposto de que o tribunal reclamado deveria ter transmutado o seu requerimento de que se declarasse a nulidade do processado por falta de citação em recurso de revisão.
Ocorre, porém, que a reclamante foi notificada do despacho proferido. Neste despacho não se procedeu à convolação que a R. afirma agora dever ter tido lugar. A R. não reagiu contra essa não convolação - aliás, compulsadas as alegações recursórias apresentadas, cujas conclusões constam do relatório supra, constata-se isso mesmo.
A pretender a R. insurgir-se contra a proclamada falta de transmutação da invocação de nulidade em recurso de revisão teria que o ter feito pelo meio adequado. Ora a reclamação contra a não admissão de recurso não consubstancia o meio próprio para o efeito. Trata-se de mecanismo destinado tão somente à apreciação da admissibilidade de recurso, insuscetível, por isso, de compreender a discussão sobre se a convolação deveria ou não ter tido lugar.
Não oferece dúvidas que o despacho prolatado constitui um despacho proferido após a decisão final nos termos e para os efeitos do preceituado no art.º 644.º/2/g do C.P.C., que, nos termos do disposto no art.º 638.º/1 do C.P.C., segunda parte, é de 15 dias. É ainda cristalino que a R. deixou decorrer esse prazo de 15 dias sem interpor o competente recurso.
Assim sendo, como é, o despacho proferido transitou em julgado (art.º 628.º do C.P.C.).
Acorda-se, assim, em conferência em manter a decisão de improcedência da reclamação.
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IV - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em manter o despacho de não admissão do recurso.
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Custas pela reclamante (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 8-1-2024
Teresa Fonseca
Jorge Martins Ribeiro
Manuel Domingos Fernandes