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COMPRA E VENDA
VENDA JUDICIAL
TERCEIRO
PENHORA
REGISTO PREDIAL
Sumário
I - O adquirente de uma fracção de um prédio, por contrato de compra e venda celebrado com o executado, e os ulteriores adquirentes desse bem, em venda judicial e após esta, na sequência de penhora promovida sobre a mesma fracção, em execução intentada contra o vendedor, não são terceiros entre si, para efeito do disposto no artigo 5º do Código de Registo Predial, ainda que a penhora tenha sido registada antes daquela aquisição. II - O direito de propriedade adquirido em data anterior à da penhora, ainda que só registado posteriormente, prevalece sobre a penhora.
Texto Integral
Proc. nº 413/17.9T8ILH.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Ílhavo - Juiz 2
REL. N.º 816
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Maria da Luz Teles de Meneses de Seabra
Alexandra Pelayo
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1 – RELATÓRIO
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AA, solteira, maior, residente em Rua ..., ... – Caramulo intentou a presente acção em processo comum contra:
1º - A... LDA, com sede em Zona Industrial ..., em ...;
2º - Sócios da sociedade B..., LIMITADA, sociedade comercial por quotas, na pessoa do seu liquidatário/depositário BB, residente na Rua ... ...;
3º - CC, solteira, maior, natural do Brasil, residente na Rua ..., ..., ... e
4º DD, divorciado, residente na Av.ª ...., ..., ..., pedindo que o reconhecimento da sua aquisição, ainda que por via da usucapião, sobre uma fracção constituída por uma garagem, designada pela letra “I”, do prédio urbano sito na Avª. ..., no lugar de ..., freguesia ..., descrito na CRP de Ílhavo ...04.
Por isso, pediu a condenação dos RR. a reconhecerem o seu direito, declarando-se nula a venda dessa fracção efectuada em sede de execução, por configurar venda de bem alheio, determinando-se a anulação da inscrição de propriedade registada a favor dos RR. CC e DD e ainda da inscrição de penhora referente aos autos de execução , sob o registo Ap. ...29 de 2010/03/16.
Alternativamente pede que sejam os sócios da Ré B..., Limitada solidariamente condenados a pagar à A. a importância de € 2.853,12, respeitante ao valor de aquisição acrescido do coeficiente de desvalorização da moeda a que se alude na Portaria n.º 316/2016 de 14 de dezembro, acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
A ré CC não contestou mas juntou aos autos procuração forense.
Os Sócios da sociedade B..., LIMITADA, na pessoa do seu liquidatário/depositário BB foram citados e não apresentaram contestação.
A sociedade Ré A... LDA foi citada editalmente, na pessoa do seu sócio-gerente, encontrando-se representada pelo Ministério Público.
Posteriormente, em face da verificação da extinção da referida sociedade, foi determinado que a ré A..., Lda. fosse substituída pelo sócio e gerente EE.
O Réu DD citado, apresentou contestação e invocou a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade entre os pedidos formulados e contrários ao expendido na petição apresentada.
Mais alegou que reside na Av. ..., na ..., há mais de 20 anos, prédio em que se integra a garagem em questão, tendo registado a aquisição, sem que conheça a Autora ou alguma vez a tenha visto no prédio, impugnando os demais factos alegados em sede de petição inicial.
Mais deduziu pedido reconvencional., para o caso de a acção proceder, pedindo a condenação da 3ª ré ,CC, do preço que lhe pagou pela fracção, acrescido de 1.500,00€, correspondentes a despesas com o contrato, registo, impostos e juros.
Foi dispensada a audiência prévia e o processo foi saneado, rejeitando-se a ineptidão da petição inicial e, bem assim, o pedido reconvencional. Foi identificado o objecto do litígio e dispensada a selecção dos temas de prova.
Procedeu-se a julgamento, no termo do qual foi proferida sentença que concluiu pela improcedência da acção.
É desta decisão que vem interposto recurso, que a autora terminou formulando as seguintes conclusões:
1. Reportam as presentes Alegações ao recurso interposto da sentença produzida pelo Juízo de Competência Genérica de Ílhavo - J2, Comarca de Aveiro, que decidiu julgar a Ação improcedente, por não provada, e, em consequência, decidiu declarar improcedente o pedido de reconhecimento da aquisição da Autora, por via da usucapião, da fracção descrita no ponto 1) dos factos dados como provados, e absolvendo os Réus dos demais pedidos formulados de declaração de nulidade de venda efectuada em sede de execução por venda de bem alheio, de anulação da inscrição de propriedade a favor dos Réus CC e DD e de anulação de inscrição da penhora efectuada nos autos de execução e declarar improcedente o pedido de reconhecimento de oponibilidade aos Réus da aquisição da fracção de garagem, ainda que não registada, por parte da Autora e, por fim, absolver os sócios da Ré B... da condenação do pagamento à autora do valor de e 2.853,12, respeitante ao valor de aquisição, acrescido do coeficiente de desvalorização da moeda a que se alude na Portaria n.º 316/2016 de 14 de dezembro, e demais a de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
2. O recurso que por esta via se apresenta fica delimitado exclusivamente aos segmentos da decisão constantes das als. a) e b) do Dispositivo, concretamente no que tange ao não reconhecimento da aquisição do imóvel por parte da A., designadamente por via da usucapião e ao não reconhecimento da oponibilidade da aquisição da fração, perante aos RR., ainda que não registada.
3. O presente recurso assenta a) reconhecimento da aquisição da Autora, por via da usucapião, da fracção descrita no ponto 1) dos factos dados como provados, e b) reconhecimento de oponibilidade aos Réus da aquisição da fracção de garagem, ainda que não registada, por parte da Autora.
4. Não obstante a manifesta divergência de entendimento entre a Apelante e a argumentação explanada na Douta Decisão em crise, não fica de forma alguma em crise a pessoa da MM.ª Juiz do Tribunal a quo, mas antes - e somente - a decisão proferida nos presentes autos, designadamente no que concerne à fixação da matéria de facto dada como provada e não provada, por um lado e no tocante à apreciação e aplicação da matéria de direito.
5. Conforme acima antecipado o presente recurso versará sobre o não reconhecimento do Direito da Autora e Apelante, atendendo a que é entendimento da mesma que existe factualidade dada incorreta ou insuficientemente como provada e incorretamente como não provada, por existir matéria documental nos autos que, por si só, impõe resposta a essa factualidade, conforme infra se identificará e procurará demonstrar, de forma totalmente diferente daquela que foi dada. Por outro lado, essa resposta por si só determina a prolação de decisão totalmente distinta (porque inversa) daquela que foi proferida, o que sempre igualmente se imporia mesmo sem alteração (ainda que se não conceda) da matéria de facto dada como provada e não provada.
6. O presente recurso é pois referente à matéria de facto e à matéria de direito, pois entende a apelante que o Douto Tribunal errou na fixação da matéria de facto dada como provada e como não provada e na apreciação da matéria de direito em causa nos presentes autos.
7. O Douto Tribunal deu como provado que o ponto 11, contudo, no entendimento da Apelante e salvo melhor e Douta Opinião, o Tribunal errou na fixação, atendendo a que dos autos resultam elementos documentais - inclusivamente requeridos de forma oficiosa pelo Tribunal - que impõem fixação de redação totalmente distinta daquela que se verificou, pois a mesma peca por incorreção / insuficiência.
8. Aquando da prolação do Despacho Saneador, foi determinado, tal como havia sido requerido pelo recorrido DD, que se oficiasse à AT no sentido de vir aos autos informar quem era o responsável pelo pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis ou contribuinte fiscal que figurava na certidão de teor matricial, até pelo menos à data de 29 de Agosto de 2014.
9. Em resposta, constante a 12.10.2021 no sistema CITIUS, com Ref.ª 12058628, o Serviço de Finanças de Ílhavo veio informar, relativamente à fração de Garagem (Fração "I"), que a Apelante foi sujeito passivo de imposto desde o ano de 1999 até ao ano de 2015.
10. Considerando que nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 8.º do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) é estabelecido que o imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar, 2015 foi o último ano em que a Apelante era sujeito passivo de imposto e estava obrigada ao pagamento do mesmo (mesmo operando-se o pagamento no ano subsequente), atendendo às vendas referenciadas em 15 e 18 da matéria de facto dada como provada.
11. Extrai-se no entanto do documento, de forma clara e inequívoca, que a Apelante foi sujeito passivo do Imposto, portanto liquidava encargos de IMI referentes à fração "I", desde 1999 até 2015. A apelante liquidou encargos anuais de IMI durante 17 (dezassete) anos.
12. O Douto Tribunal, salvo melhor opinião, ignorou o documento junto pelo Serviço de Finanças de Ílhavo, pois na sua motivação, não faz qualquer alusão ao mesmo, referindo, inclusive, que não existiu demonstração de terem sido liquidados encargos de IMI respeitantes à fração de garagem anteriores e posterior a 2015 (sendo que posteriores, tendo em consideração as aquisições ocorridas em 2016 e o vertido em n.º 1 do art.º 8.º do CIMI, não era possível).
13. Razão pela qual, concedendo-se provimento ao presente segmento recursivo deverá ser decidida a alteração da matéria de facto, por forma a que o Facto Provado 11 passe a constar: “11. A autora liquidou os encargos de IMI da fracção autónoma de garagem identificada com a letra "I" desde o ano de 1999 até ao ano de 2015.”
14. O Douto Tribunal a quo, salvo melhor e Douto entendimento, justifica o não convencimento quanto à utilização da garagem por parte da Apelante, desde a sua aquisição, em primeiro lugar por existirem dúvidas quanto à convicção da Apelante no uso da garagem enquanto proprietária da mesma por somente existir um pagamento de IMI referente a 2015 e não pagamento desse imposto anterior ou posteriormente (óbvio que posteriormente não é possível de haver, pois em resultado da alienação da fração de garagem em 2016, o responsável pelo pagamento desse ano (a ocorrer em 2017) é o proprietário inscrito a 31.12.2016) e em segundo lugar pela pouca (ou nenhuma) utilização da garagem que resulta demonstrada pela prova produzida.
15. Para efeitos da fixação da matéria de facto, a circunstância da utilização da garagem, deveria ter sido analisada casuisticamente, tendo por base os elementos disponíveis nos autos e que foram transmitidos e/ou corroborados com a produção de prova testemunhal, o que, no entendimento da Apelante, não se verificou no caso vertente.
16. Conforme se extrai da matéria de facto dada como provada e da motivação da decisão no que tange à fixação dessa matéria, a Apelante esteve emigrada na Suíça desde pelo menos 1995 e até 2013, data em que regressou com carácter de maior permanência mas foi residir para o Caramulo (factos provados 32
17. A apelante esteve pois maioritariamente ausente de Portugal e, após regresso ao país com maior carácter de permanência, foi residir para outra localidade. É pois natural - aceitando (ainda que com ela se não conforme) a produção de prova nos autos - que a Apelante não seja muito vista em Ílhavo, inclusive na fração habitacional e na garagem, respetivamente frações "B" e "I"
18. A fração de garagem (fração "I") situava-se nas traseiras do edifício "habitacional" e em prédio autónomo e não no mesmo edifício que as habitações. É pois também natural que, para que os proprietários das frações de garagem que se encontram no exterior do prédio habitacional se possam cruzar / encontrar, terão de ambos se deslocar, em período contemporâneo e coincidente, ao exterior do edifício habitacional (traseiras).
19. Tal como se faz constar na Douta Decisão, as testemunhas inquiridas e o próprio Réu, desconheciam se a garagem tinha proprietário ou era ocupada, pois a mesma apresentava indícios de abandono, contudo, mesmo que não se tenha provado que fosse do conhecimento do Réu, o Condomínio apresentou à Apelante despesas decorrentes de reparações efetuadas na Garagem.
20. Desta conjugação é pois possível concluir que o Condomínio sabia ou veio a saber que a Garagem pertencia à Apelante, tanto mais que lhe apresentou as despesas, ou seja, a garagem não pertencia a qualquer outro condómino, sendo que - iremos até mais longe - a garagem não pertencia a qualquer outra pessoa (que não a Apelante) pois as testemunhas nunca lá viram a apelante mas também nunca lá viram qualquer outra pessoa.
21. Da prova produzida (documental e testemunhal) é pois fácil concluir que:
i) A Apelante esteve até 2013 ausente de Portugal (na Suiça) e, mesmo a partir dessa data, a residir no Caramulo;
ii) A garagem encontrava-se nas traseiras do edifício habitacional e em prédio autónomo;
iii) Ninguém (incluindo a apelante) era visto junto à garagem ou a utilizar a mesma;
iv) O Réu executou obras nessa garagem e apresentou as despesas ao condomínio;
v) O Condomínio apresentou as despesas dessas reparações à Apelante que não as recusou e,
vi) A Apelante pagou o IMI da fração de garagem desde 1999 até 2015
22. Assim, ainda que possam existir dúvidas quanto à utilização, permanente ou ocasional da garagem (fração "I") por parte da Apelante, que esteve pelo menos entre 1995 e 2013 ausente de Portugal e, após essa data, domiciliada no Caramulo, certo é que mais ninguém a utilizava, certo é que o IMI era pago pela Apelante, certo é que o Condomínio reclamou à Apelante o custeio de obras executadas pelo Réu DD na Garagem, ou seja, o Condomínio sabia ou passou a saber que a Apelante era a proprietária da garagem, sem que, para tal, lhe fosse colocado algum obstáculo.
23. Assim, face ao aqui vertido, é convicção da Apelante de que a factualidade infra destacada que foi dada como não provada deverá ser considerada como provada, fazendo-se constar: 19 - Desde a aquisição da fracção de garagem que a A. nunca teve qualquer oposição, de quem quer que fosse, relativamente à fracção de garagem identificada com a letra "I"; 20 - A A. que pagou o IMI da fração, actuando com plena convicção da mesma lhe pertencer; 21 - O Réu DD executou um conjunto de obras no local, reclamando, junto do condomínio o pagamento das respectivas despesas, as quais, foram pelo Condomínio reclamadas à A.; 22 - A Autora, desde a sua aquisição em 1998, sempre teve plena convicção da fracção de garagem ser sua e à vista de todos e sem qualquer oposição e 23 - A A. desde a aquisição da referida garagem (fracção "I") que a vem ocupando, à vista de todos e sem qualquer oposição, com plena convicção de que a mesma lhe pertence.
24. Face ao vertido deverá ser concedido provimento à peticionada alteração da matéria de facto e, nessa sequência, ser proferida decisão que determine que a identificada matéria de facto dada como não provada na sentença seja considerada provada.
25. A fundamentação de Direito da Decisão em crise assenta na apreciação de 2 segmentos, o primeiro, sob o tema DA AQUISIÇÃO DA FRACÇÃO RESPEITANTE A GARAGEM POR VIA DE USUCAPIÃO e o segundo sobre o tema DA OPONIBILIDADE DA AQUISIÇÃO/REGISTO DE PROPRIEDADE DA GARAGEM DA AUTORA AOS RÉUS.
26. No entendimento da Recorrente, e em relação ao Primeiro Segmento (aquisição por via da usucapião) tendo por base a pugnada alteração da matéria de facto a que supra se fez alusão, verifica-se um incorreto enquadramento dos factos ao Direito e, nessa sequência um erro de julgamento no tocante à matéria de direito e à decisão que, nela sustentada, foi proferida, já em relação ao Segundo Segmento (oponibilidade da aquisição) o erro de julgamento de direito existe independentemente da alteração (ounão) da matéria de facto, o que, por si só, determina, também, a revogação da decisão e a sua substituição por outra que julgue procedente a pretensão da Autora e Apelante.
27. Conforme supra em sede de recurso da matéria de facto se fez alusão, a posse, no caso vertente, tem de ser analisada de forma ajustada à realidade e às circunstâncias que resultaram (no entendimento da Apelante) demonstradas nos autos.
28. A Apelante foi emigrante na Suíça, pelo menos desde 1995 até 2013 e, mesmo nessa data de 2013, quando regressou com carácter de maior permanência, passou a residir no Caramulo. Da prova que o Tribunal extraiu dos autos, designadamente da prova testemunhal, a Apelante não era vista na garagem ou junto da garagem, contudo, dessa mesma prova também se conclui que ninguém era visto nessa garagem. Resultou demonstrado que o Réu DD fez reparações na garagem e apresentou tais custos ao condomínio, o qual, os repercutiu na Apelante. O Condomínio reconheceu a Apelante como proprietária da garagem. Não se verificou a existência de qualquer oposição quanto à propriedade dessa garagem, designadamente no momento em que tais despesas foram reclamadas. A garagem encontra(va)-se localizada fora do edifício habitacional (nas traseiras) e em prédio distinto. A Apelante liquidou os IMI desde 1999 e até ao período de 2015 último ano em que a propriedade se encontrava, à data de 31.12, inscrita nas Finanças a seu favor.
29. Salvo pois melhor e Douta opinião existe demonstração nos autos - sendo que a sua força e evidência advém do facto da proprietária estar ausente de Portugal - da prática de atos conducentes ao entendimento de que a Apelante praticava atos de posse sem oposição e com plena convicção de que a fração de garagem lhe pertencia, tanto que sempre relativamente à mesma liquidou os competentes impostos.
30. Ora, tal como já refletido na Petição Inicial, o art.º 892.º do Código Civil (doravante CC) que "É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso."
31. Quando a venda foi efetuada em sede de execução judicial já incidiu sobre imóvel/fração que não era propriedade do executado.
32. Do exposto resulta, manifestamente, que a posse da A. é de boa fé, razão pela qual, desde a data de aquisição do imóvel (23.06.1998) até à data da transmissão em sede de execução judicial, que já se encontravam decorridos os 15 anos a que se alude no supra citado e transcrito dispositivo legal.
33. Razão pela qual - e sem mais - deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, nessa sequência, ser proferido Acórdão que julgue a ação instaurada pela Apelante procedente, por provada e, consequentemente, reconheça a aquisição da Apelante, ainda que por via da usucapião, condenando-se os RR. e Recorridos a reconhecer essa propriedade da A. e, dessa forma, ser a venda efetuada em sede de execução, julgada nula, por configurar venda de bem alheio, e, consequentemente, ser determinada a anulação da inscrições de de propriedade registada a favor dos RR. e Recorridos CC e DD e ainda da inscrição de penhora referente aos autos de execução (Ap. ...29 de 2010/03/16).
34. O Douto Tribunal, neste segmento da oponibilidade da aquisição / registo de propriedade da Garagem aos Réus e recorridos, faz, em sede de motivação da decisão de direito, o enquadramento da mesma
35. O Douto Tribunal entende considerar como elemento relevante para a decisão final a proferir o registo da penhora ao invés dos registos de aquisição da propriedade da fração de garagem em sede de execução, o que nos parece desadequado e incorreto, pois que o titular do registo de penhora (um mero direito real de garantia) - não integra, de forma alguma, o conceito de terceiro a que se alude no art.º 5.º do CRP, de qualquer forma, o efeito que a Apelante pretende obter por via do presente recurso é, salvo melhor e douto entendimento, alcançado quer se considere o registo da penhora quer os registos de aquisição subsequentes em sede de execução judicial.
36. O Tribunal acaba por concluir que deverá improceder o peticionado pela Apelante por que o ato de registo (da aquisição) ao ser efetuado em momento posterior ao da penhora é ineficaz em relação ao exequente.
37. No entendimento da Apelante a Decisão contempla um incorreto enquadramento de direito à factualidade em discussão, impondo-se pois a sua revogação e substituição por outra decisão (e fundamentação) que acolha a argumentação da apelante.
38. No que concerne à noção de terceiros para efeitos de registo (art.º 5.º do CRPredial) a Doutrina e Jurisprudência sempre estiveram, durante largo período, manifestamente divididos, desencadeando pelo menos 3 conceitos: um restrito, um intermédio e um lato, conforme se extrai da jusrisprudência e doutrina destacadas supra em sede de Alegações.
39. Perante estas divergências, antecipamos que entendemos legalmente vigente o conceito restrito de terceiros pelo que segue.
40. A interpretação da norma do artigo 5.º, n.º 4, do CRPredial, em delimitação do conceito de terceiros que consagra, impõe se analise o que são "direitos incompatíveis" com origem em "autor comum". A norma não ganhou em clareza ao não acolher a proposta de redacção do Professor Orlando de Carvalho de alteração da expressão "incompatíveis" para "conflituantes".
41. Importa então saber o que deva entender-se por "autor comum". Anote-se que a lei não utilizou a expressão do texto uniformizador do AUJ 99: "transmitente". A palavra autor é, em si mesma, mais adequada a quem transmite motu proprio, consensualmente, enquanto a palavra transmitente melhor se adequa à ausência de voluntariedade e, por isso, ao conceito intermédio (não obstante o que foi a utilizada pelo AUJ 99).
42. Na análise de ambas as palavras - autor e transmitente - tem de atender-se à história da polémica e ao papel central desempenhado pela definição proposta pelo Professor Manuel de Andrade em que ambas eram utilizadas em sinonímia. A distinção não se colhe aí mas no sentido da restrição do conceito de terceiros à aquisição de autor ou transmitente comum.
43. Deverá, para este efeito, equiparar-se a venda judicial à negocial? Entendemos que não se verifica razão para ficcionar a atuação em nome do executado na venda coerciva. Nem se argumente com o disposto no artigo 824.º, n.º 1, do CCivil, ao dispor que "a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida". Caso o legislador considerasse que a autoridade executiva atuava 'em nome do executado', desnecessária era a menção, pois a solução decorreria dos artigos 874.º e 879.º, alínea a), do mesmo Código. Seguimos assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2012, proferido no processo 121/09.4TBVNG.P1.S1. (Silva Gonçalves), disponível em www.dgsi.pt,
44. Em conclusão, são terceiros para efeitos de registo os adquirentes de um autor ou transmitente comum, por modo negocial, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.
45. Concluímos assim, que a norma do artigo 5.º, n.º 4, do CRPredial, consagra a noção restritiva do conceito de terceiros quanto à oponibilidade do registo ao adquirente anterior omisso pelo que não são terceiros dois adquirentes, um em venda voluntária e outro em venda executiva do mesmo bem, prevalecendo, por isso a verdade substantiva sobre a registal.
46. É essa a situação da Apelante e Apelados pelo que, no caso, não é aplicável o artigo 5.º, n.º 4, do CRPredial, revertendo a apreciação à verdade substantiva.
47. Com o que, face a tudo o vertido, deverá, salvo melhor e Douta Opinião, procede a argumentação da aqui Apelante quanto à oponibilidade aos RR e Recorridos do direito fundado na aquisição anterior, em sede de venda voluntária, apesar da precedência registral de que estes beneficiam (sem embargo do registo de aquisição da A. se ter operado em momento anterior à concretização da venda, ainda que posterior ao registo da penhora).
48. Diga-se ainda que o vertido no art.º 291.º do CC não é aplicável ao caso vertente, pois que, não obstante o conceito de terceiro que desta norma consta não ser idêntico àquele a que se alude supra – terceiros para efeitos de registo - pois que aqui é terceiro quem seja estranho ao negócio nulo ou anulável, o terceiro apenas é protegido, perante a eficácia retroativa da nulidade ou da anulabilidade de um negócio anterior àquele em que interveio.
49. Ora, no caso concreto, a nulidade do ato em que os RR. singulares foram supostamente adquirentes é-lhes oponível diretamente, sendo, como tal, desnecessário do concurso da norma citada, sem embargo do registo da Ação que a Apelante efetuou com a interposição dos presentes autos.
50. Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, nessa sequência, ser proferido Acórdão que julgue procedente por provada a ação instaurada pela Apelante.
51. Com a decisão proferida, tendo em consideração as vertentes objeto do presente recurso a Douta Decisão violou, entre outras disposições, o vertido em 892.º, 1287.º, 1288.º, 1294.º, 1295.º e 1296.º, todos do CC e art.º 5.º do CRPredial.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, por tudo o exposto, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, consequentemente, ser proferido Acórdão que, revogando a decisão em crise, determine a alteração da matéria de facto nos moldes peticionados e conclua pela procedência, por provada, da pretensão da Apelante.
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O MºPº apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se pelo acerto da decisão recorrida e pela sua com firmação.
O réu DD também apresentou resposta, pronunciando-se pela rejeição do recurso quanto à decisão da matéria de facto ou, sendo caso disso, pela sua improcedência. E concluiu também pela confirmação da sentença.
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo.
Cumpre passar à sua apreciação.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre verificar:
1 – se deve admitir-se o recurso tendente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2- sendo caso disso, se deve alterar-se esse segmento da decisão, quanto ao teor do item 11, e se devem acrescentar-se factos que concretiza, com fundamento na interpretação da demais factualidade apurada.
3 – subsequentemente, se deverá concluir-se que a autora adquiriu a propriedade da garagem por usucapião ainda antes da sua venda judicial;
4 – se, em qualquer caso, se deve concluir pela prevalência do registo da sua aquisição e pelo reconhecimento do seu direito de propriedade;
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Para a decisão a proferir, importa ter presente a decisão do tribunal sobre a matéria controvertida:
“Factos provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Da petição inicial
1. A A., por escritura pública datada de 23.06.1998 adquiriu, à sociedade “B..., Limitada”, aqui R. nos presentes autos (a generalidade dos sócios), a fracção autónoma identificada pela letra “I”, correspondente a uma garagem, no sentido poente-nascente, com a área de dezanove metros quadrados e quarenta e três decímetros quadrados, do prédio urbano sito na Avenida ..., no lugar de ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sobre o n.º...04, afecto ao regime da propriedade horizontal pela Ap. ... de 1994/12/05 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º ...09 (tendo origem no art.º ...85), pelo valor de 400.000$00 (contravalor de euros de € 1.995,19) que a vendedora e aqui R. B..., Limitada, recebeu.
2. No âmbito da acção de execução que com o n.º 3890/09.8T2OVR tramitada no Juízo de Execução de Ovar, a supra referida fracção veio a ser alienada em sede de venda judicial por negociação particular.
3. Nos aludidos autos a Ré A..., Lda. figura como Exequente e a sociedade Ré B..., Limitada, figura como executada.
4. A venda por negociação particular operou-se à Ré CC, a qual, posteriormente, alienou a fracção ao aqui também R. DD.
5. A sociedade Ré B..., Lda. veio a ser dissolvida e liquidada em 27.05.2015, sendo o sócio liquidatário e depositário BB.
6. Encontra-se descrito a favor da Autora na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, sob a descrição ...04, a fracção “B”, correspondente a rés-do-chão esquerdo, destinado a habitação, tipo T2, decorrente de Aquisição registada sob a Apresentação ...2 de 1995/04/26, à sociedade B..., Lda.
7. A A., à data da aquisição da fracção autónoma “B” melhor identificada no artigo anterior, era imigrante na Suíça, tendo adquirido a habitação para constituir a sua residência durante os períodos que retornava a Portugal.
8. Sendo que a aquisição da garagem, operou-se em momento posterior, situando-se a mesma na traseira do edifício e em prédio autónomo.
9. Desde pelo menos o ano de 2013, quando regressou da Suiça com carácter de maior permanência, passou a residir em Rua ..., ... – Caramulo.
10. Em 29.08.2014 (cfr. Ap. ...16 de 2014/08/29), a Autora registou a aquisição, a seu favor, da fracção autónoma de garagem identificada com a letra “I”.
11. A autora liquidou os encargos de IMI da fracção autónoma de garagem identificada com a letra “I” referente ao ano de 2015
12. Na sequência de um contacto do condomínio por causa de uma inundação na fracção da A., tomou a mesma conhecimento que a fracção de garagem identificada pela letra “I” havia sido adquirida por condómino residente no referido prédio, mais concretamente no 2.ª andar esquerdo, o R. DD,
13. E constatou a A. que o portão da fracção de garagem identificada pela letra “I” se encontrar mudado ou pintado de novo, bem como as respectivas fechaduras.
14. Sobre a referida fracção, pela Ap. ...29 de 2010/03/16, havia sido registada uma penhora, abrangendo 3 fracções, sendo a exequente a Ré A..., Lda. e a executada a Ré B..., Limitada, cujos autos tramitam no Juízo de Execução de Ovar sob o n.º 3890/09.8T2OVR.
15. A qual, no âmbito de venda por negociação particular no referido processo de execução veio a ser vendida à Ré CC, em 29 de Novembro de 2016.
16. A qual, por sua vez, veio a alienar a mesma ao já referido R. DD.
17. Aquando do registo de aquisição que efectuou em 29.08.2014 já se encontrava a penhora registada, sem que, a Conservatória tivesse informado a A. de tal facto.
Da contestação
18. Em 2 de Dezembro de 2016, o réu DD adquiriu a fracção identificada em 1., por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial da Dra. FF, em Ílhavo, e registou tal aquisição na Conservatória do registo Predial pela Apresentação ...51 de 2016/12/06.
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Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
- o referido em 8) decorre do facto de atendendo a que, inicialmente, durante as negociações, a garagem que iria ser atribuída à aqui A. se inseria no edifício principal, ou seja na cave, o que acabou por não suceder.
- porque de origens humildes e porque, à data, maioritariamente foram do país, desconhecia a necessidade de proceder aos registos de aquisição.
- A fracção de habitação e respectiva garagem sempre foram utilizadas pela A. quando, regressava da Suiça. como residência de férias e fins de semana,
- A Autora fixou residência na morada referida em 9. para efeitos de prestar auxilio à mãe que já têm alguma idade, a qual sofre de problemas cardíacos,
- Sucede que, em 2014, foi a A. alertada por vizinho e condómino do prédio sito na Avenida ..., no lugar de ..., freguesia ... de que se passava qualquer coisa com as garagens e com o Tribunal, e foi nessa sequência que a A., juntamente com o seu irmão, veio a diligenciar pela regularização da situação registral da fracção de garagem, -o referido em 12. ocorreu em Janeiro de 2017.
- A Autora foi abordada pelo R. DD, o qual, lhe referiu que a mesma não tinha qualquer garagem porque a tinha comprado.
- O registo da fracção habitacional, apenas se operou aquando da transmissão, por a mesma ter sido adquirida com recurso a crédito bancário e, dessa forma, implicar igualmente o registo de hipoteca voluntária.
- Desde a aquisição da fracção de garagem que a A. sempre utilizou, à vista de todos e sem qualquer oposição, a fracção de garagem identificada com a letra “I”
- Para armazenar lenha, louças e outros artigos,
- Sempre com plena convicção da mesma lhe pertencer,
- O Réu DD tinha conhecimento de que a aludida garagem era propriedade da A., atendendo a que, inclusive, tinha executado ou determinado a execução de um conjunto de obras no local, reclamando, junto do condomínio e da A., o pagamento das respectivas despesas,
- A Autora, desde a sua aquisição em 1998, sempre a utilizou com plena convicção de ser sua e à vista de todos e sem qualquer oposição.
- A A. desde a aquisição da referida garagem (fracção “I”) que a vem ocupando e usando, à vista de todos e sem qualquer oposição, com plena convicção de que a mesma lhe pertence.”
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No tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, defende o apelado que o recurso deve ser rejeitado, por inobservância do regime previsto no art. 640º do CPC.
Começa a apelante por pretender outro conteúdo para o teor do item 11 dos factos provados, atenta a prova documental existente e que aponta. O recurso é, nesta parte, claramente admissível.
Para além disso, pretende também que se dê por provada parte da matéria dada por não provada, designadamente que: 19 - Desde a aquisição da fracção de garagem que a A. nunca teve qualquer oposição, de quem quer que fosse, relativamente à fracção de garagem identificada com a letra "I"; 20 - A A. que pagou o IMI da fração, actuando com plena convicção da mesma lhe pertencer; 21 - O Réu DD executou um conjunto de obras no local, reclamando, junto do condomínio o pagamento das respectivas despesas, as quais, foram pelo Condomínio reclamadas à A.; 22 - A Autora, desde a sua aquisição em 1998, sempre teve plena convicção da fracção de garagem ser sua e à vista de todos e sem qualquer oposição e 23 - A A. desde a aquisição da referida garagem (fracção "I") que a vem ocupando, à vista de todos e sem qualquer oposição, com plena convicção de que a mesma lhe pertence.
Acontece que, a este propósito, a apelante não elencou qualquer meio de prova que deva ser reexaminado, em ordem a que este tribunal de recurso possa sindicar o juízo da 1ª instância e, com base nesses meios de prova, formar a sua própria convicção sobre a matéria, revogando, eventualmente, o juízo do tribunal recorrido.
O incumprimento dessa obrigação, decorrente do art. 640º, nº 1, al. b) do CPC, implica a rejeição do recurso nessa parte, sem prejuízo de se verificar, designadamente à luz da argumentação da apelante, sobre se da própria factualidade dada por provada deve decorrer qualquer conclusão lógica que conduza à satisfação da sua pretensão. Com efeito, analisado o recurso da apelante, parece efectivamente ser mais numa discordância quanto à conclusão extraída dos factos provados, do que quanto ao juízo probatório sobre esses factos, que assenta a pretensão recursória.
No que respeita ao item 11º dos factos provados, o tribunal deu por adquirido que: “11. A autora liquidou os encargos de IMI da fracção autónoma de garagem identificada com a letra “I” referente ao ano de 2015”.
A apelante pretende que se complete tal factualidade, dando-se por provada uma realidade mais ampla, designadamente que a autora liquidou esses encargos de desde o ano de 1999 até ao ano de 2015.”
A solução a dar à questão colocada pela apelante passa pela consideração do respectivo fim. Ora, a alegação do pagamento do imposto serviria para demonstrar que, desde 1999, a autora actuava em relação à fracção na convicção de ser a sua proprietária, e actuando como tal. Assim, com tal espírito, se apresentaria a pagar o correspondente IMI.
Porém, dos documentos juntos, quer pela autora, com a p.i., sob o nº 5, quer pela AT, por requisição do tribunal (neste caso, um simples email de resposta à informação solicitada pelo tribunal, revela-se que a autora foi o sujeito passivo do imposto, desde 1999 até 2015. Mas apenas se descortina que o pagou em 2015, conforme documento que a própria juntou. Ora ser sujeito passivo da dívida fiscal é indiferente para se apurar se ela actuava em relação à fracção como dona, pois que não demonstra qualquer comportamento ou intenção da sua parte; apenas demonstra que o acto tributário lhe era dirigido. Não se sabe que, na sequência disso, por ter intenção e por actuar como dona, correspondeu a esse pagamento. Isso só se sabe quanto a 2015.
A este propósito, cumpre ainda recordar que, nos termos do art. 342º, nº 1, do C.Civil, era à autora que, tal como alegou, cabia provar que, por se assumir como dona da fracção e por actuar como tal, pagou desde 1999 o IMI relativo à fracção. Porém tal demonstração só ocorreu em relação ao ano de 2015, não se podendo extrapolar, atento aquele ónus, que, por ser sujeito passivo do imposto, a autora tenha actuado da mesma forma em relação a anos anteriores. Com efeito, outras soluções são possíveis, tal como ter sido outrem a liquidar o imposto, sendo este pago sem que isso consubstanciasse uma afirmação de domínio da própria autora.
Pelo exposto, atenta a prova documental invocada, conclui-se não haver fundamento para a crítica da decisão recorrida, ou seja, para o deferimento da pretensão da apelante, nesta parte. Sem prejuízo, não deixa de se assinalar a reduzida relevância que tal facto, se provado, poderia assumir no contexto da acção, porquanto sempre seria um acto pessoal da autora, sem reflexos na demonstração pública do seu domínio sobre a fracção perante outrem, que não a própria AT.
Ainda no âmbito da decisão da matéria de facto, a apelante pretende que se dêem por provados os factos transcritos supra, e que, em suma, tendem a demonstrar que, desde 1999, exerceu o domínio sobre a fracção, pagando o IMI (o que já vimos só se poder dar por provado em relação ao ano de 2015), ocupando-a à vista de todos, sem oposição de ninguém, com a convicção de que a mesma lhe pertence, tendo até o réu DD executado obras no local, cobrando-as ao condomínio, que exigiu o preço à autora.
Como a apelante não concretizou qualquer elemento probatório de onde se deva extrair a demonstração desta sua alegação, importará apenas verificar se, de entre os factos provados e os restantes dados por não provados, se pode inferir, por dedução lógica, a respectiva realidade.
Porém, dos factos provados, apenas se retira que a aquisição da fracção I, pela autora, ocorreu em 23/6/1998 e que então esta residia na Suíça. Esta fracção foi adquirida num prédio autónomo, sito na traseira de outro edifício em que a autora comprara, em 1995, uma fracção para habitação. A autora começou a ter períodos de maior permanência em Portugal, a partir de 2013, residindo no Caramulo. Em 29/8/2014, a autora registou a aquisição da fracção I.
Só mais tarde, por causa de uma inundação na sua fracção, a autora tomou conhecimento de que a garagem fora adquirida por outro condómino, apercebendo-se que o respectivo portão fora pintado ou substituído, tal como a sua fechadura.
Face a estes factos, cuja realidade a autora não põe em dúvida, é inviável inferir aqueles que a apelante quer ver reconhecidos. Pelo contrário, deles até resulta que, apesar de ter vindo morar para Portugal, embora para o Caramulo, em 2013, só em 2017 é que a autora se apercebeu que o portão da garagem e a sua fechadura estavam alterados. Isto em conformidade com a sua própria alegação. E tal factualidade só tenderia a induzir uma conclusão contrária ao exercício de um efectivo, constante e público domínio sobre a fracção, como a autora pretende afirmar.
Assim, e considerando a limitação do âmbito do recurso, nesta parte, resultante do acima exposto, cumpre simplesmente concluir pelo indeferimento da pretensão da autora.
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Fixada que está a matéria de facto a considerar, entende ainda assim a apelante que deve ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre a fracção em questão.
Face à improcedência da apelação no tocante à alteração da matéria de facto considerada na sentença em crise, falece necessariamente a viabilidade do recurso quanto ao reconhecimento da aquisição da propriedade da fracção, por usucapião.
Com efeito, tal como concluiu o tribunal a quo, de forma alguma se podem considerar verificados os pressupostos da aquisição, por usucapião, de um tal direito, não merecendo a questão qualquer desenvolvimento complementar face à sua simplicidade; simplicidade essa resultante precisamente da não identificação dos caracteres de uma posse que, por mantida em certas condições e por certo tempo, poderiam facultar o funcionamento do referido instituto.
Cumpre, então, centrar a atenção no segundo fundamento invocado pela ora apelante em ordem ao reconhecimento do seu direito: a oponibilidade da aquisição derivada do direito de propriedade, por compra da fracção à B..., Lda, ao réu, que adquiriu a propriedade da mesma fracção a outrem, que a adquirira em venda judicial, no âmbito de uma execução contra a mesma B..., Lda.
A este propósito, importa atentar na seguinte sequência de factos:
1. A autora adquiriu a garagem em 23.06.1998, à B..., Lda.
2. A autora registou a aquisição em 29.08.2014.
3. Em 16/3/2010, foi registada penhora sobre essa fracção, no âmbito de uma execução movida contra B..., Lda.
4. No âmbito dessa execução, a fracção foi vendida por negociação particular à Ré CC, em 29 de Novembro de 2016.
5. Em 2 de Dezembro de 2016, o réu DD adquiriu a fracção a CC, por escritura pública, e registou-o, na Conservatória do Registo Predial, em 6/12/2016.
Tal como se refere na decisão recorrida, a situação assim descrita conforma um problema recorrente no tráfego jurídico e no sistema judicial, tendo já dado origem a dois acórdãos de uniformização de jurisprudência.
A questão coloca-se em relação à hipótese de precedência do registo de uma penhora sobre uma transmissão anterior, mas registada ulteriormente, por contraposição para com a hipótese de prevalência dessa aquisição anterior sobre a penhora primeiramente registada e, subsequentemente, sobre uma venda judicial em que tenha redundado a execução onde ocorrera tal penhora.
Enquadrando (bem) a questão, o tribunal a quo invocou a sujeição a registo da aquisição da propriedade da fracção, nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do Cód. do Reg. Predial, bem como a necessidade do registo para que a aquisição do direito de propriedade seja eficaz perante terceiros, atento o disposto no nº 1 do art. 5º do mesmo código.
Também reconduziu o problema à solução prescrita no art. 6º, nº 1 do referido código, nos termos do qual “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes”, não se esquecendo se evidenciar que a solução implica a aplicação da regra constante do nº 4 do art. 5º já citado, que dispõe que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”
Todavia, depois de descrever a controvérsia inerente à aplicação deste regime, a sentença acaba por invocar o disposto no art. 819º do Código Civil, para concluir que o acto de registo da aquisição da autora, por ser posterior à penhora, é ineficaz em relação à exequente, com o que convalida a venda judicial e , por consequência, a ulterior venda ao réu DD.
Parece esquecer-se, nesta solução, quer a sujeição da solução do art. 819º do C.C. às regras do registo, quer que, nos termos da argumentação que anteriormente desenvolvera, a questão se coloca, em função do entendimento que se colha da regra do nº 4 do art. 5º do Cód. Reg. Predial, para se determinar se autora e réus são terceiros para efeitos de registo. E, consequentemente, sendo-o, se a oponibilidade da aquisição da autora estava dependente do seu prévio registo em relação à penhora; ou se, não o sendo, a aquisição pode prevalecer, sendo oponível aos RR apesar de não registada antes da penhora.
Sobre esta matéria já foi emitida pronúncia em ac. deste TRP, de 8/2/2022, relatado pelo ora também relator, no proc. nº 4400/18.1T8VFR.P1 (não publicado), em termos que aqui se têm por igualmente pertinentes.
Refere o Ac. do TRL, de 17-06-2010 (proc. nº 4890/06.5TCLRS-C.L1-6, em dgsi.pt, tal como os que de seguida se citarão): 1. Não são terceiros entre si, para efeito do disposto no artigo 5º do Código de Registo Predial, o titular do direito de propriedade adquirido em contrato de compra e venda celebrado com o executado e o beneficiário da penhora promovida em execução intentada contra o vendedor e incidente sobre o mesmo imóvel; 2. Sendo a penhora um direito real de garantia de um crédito que não comporta a transferência de qualquer direito dominial e o direito de propriedade um direito real de gozo, a penhora e o direito de propriedade não são incompatíveis entre si por terem conteúdo distinto; 3. O direito de propriedade adquirido em data anterior à da penhora, ainda que a aquisição não seja registada ou seja registada posteriormente, prevalece sobre a penhora.
No mesmo sentido, decidiu o Ac. deste TRP, de 11-07-2018, (proc. nº 5246/04.0TVPRT-B.P1, relator Carlos Querido): “I- Decorre da conceção restrita de “terceiros”, acolhida no AUJ n.º 3/99 e vertida no n.º 4 do artigo 5.º do Código de Registo Predial: que a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, in casu, de uma penhora; que o exequente/embargado não é considerado terceiro em relação aos embargantes e, apesar de ter registado a penhora antes do registo de propriedade daqueles, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, uma vez provada a aquisição da propriedade em momento anterior ao registo da penhora. II - Tendo o embargante adquirido o imóvel ao executado, não tem de alegar nem provar factos integradores da aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o ato translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada), considerando que o exequente não pode pôr em causa o direito de propriedade do executado após ter promovido a penhora do bem, porque ao fazê-lo reconheceu a existência daquele direito na esfera jurídica do executado, restando-lhe, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respetivo título, alegando factos integradores da sua invalidade ou ineficácia. III - Provando-se a aquisição derivada da propriedade, transferida e consolidada no património do adquirente/embargante por mero efeito do contrato (artigos 408.º e 879.º, al. a), do Código Civil), e a prática de atos integradores da posse na sequência dessa aquisição, sem que o exequente tenha alegado factos suscetíveis de pôr em causa a validade do negócio, a propriedade, apesar de registada em momento ulterior, prevalece sobre a penhora, por esta ser incompatível com o direito do embargante.
Ainda no mesmo sentido, o Ac. do TRG de 26-10-2017 (proc. nº 1138/06.6TBVVD-B.G1, relator Margarida Sousa): Ainda que de iure condendo possa ser defensável o conceito amplo de terceiros para efeitos de registo, no sistema jurídico vigente é, sem qualquer dúvida, o conceito restrito que se encontra consagrado, pelo que o credor exequente não deve ser considerado “terceiro”, para os referidos efeitos, em relação a um adquirente anterior com registo de aquisição posterior ao registo da penhora.
O STJ, em 12-01-2021 (proc. nº 121/09.4TBVNG.P1.S1.) decidira nos mesmos termos: “ (…) 3. O comprador na venda voluntária e o comprador na venda executiva não são terceiros para efeitos de registo; é que a aquisição advinda da execução ao seu titular é atribuída ao comprador diretamente da lei e não por acto singular do executado, isto é, não se verifica uma disputa de direitos adquiridos de um mesmo autor comum.” Ali se escreveu também: “Poderá assim dizer-se, em síntese, que "o posterior registo de aquisição pelos autores sobre o prédio objecto da penhora, mas efectuado em data posterior à data em que se registou a penhora, não é incompatível com este último registo, mas é incompatível com o posterior registo de aquisição pelo réu, na sequência da adjudicação do imóvel na execução, prevalecendo o registo de aquisição pelos autores, por ser anterior ao registo de aquisição pelo réu". (Ac. STJ de 01/10/2001, no Proc. 1709/01 da 1ª secção (relator Reis Figueira).”
Outros acórdãos se poderiam continuar a citar (ex: TRP, 26-9-2019, proc. 6062/12.0YYPRT-A.P1; STJ, 18.12.2003, processo 03B2518), mas em todos eles sobressaem os princípios que impõem a solução da questão sob análise.
Assim, mantém-se actual a regra decretada pelo AUJ 3/99 (D.R. de 10-7-1999), nos termos da qual «Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.». Aliás, conforme ulterior consagração legal, trazida ao texto desta norma legal pelo D.L. 533/99, de 11 de Dezembro.
Ora o adquirente de um prédio dos primitivos donos e o adquirente desse mesmo prédio, numa venda executiva, não adquirem do mesmo dono. Na aquisição proveniente da venda executiva, o alienante é o Estado, pois que a venda não provém de um acto singular do executado.
Está, por isso, afastada a regra do art. 5º nº 4 do Código de Registo Predial, como fundamento da prevalência do direito do apelado, para que, nos termos do art. 6º, nº 1, o registo da penhora do prédio e a subsequente venda executiva pudessem prevalecer sobre o registo ulterior da aquisição anterior, da A. Não sendo terceiros para efeito de registo, nos termos daquele nº 4 do art. 5º, o registo da aquisição de propriedade pela A., ora apelante. não era condição de prevalência do seu direito de propriedade sobre a penhora e ulterior venda executiva à autora.
Acresce que, como referia o Cons. Santos Bernardino, no indicado Ac. do STJ de 18.12.2003: “(…) o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.1º), não tendo natureza constitutiva: entre nós, os actos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, a não ser excepcionalmente, quaisquer direitos.
O conceito de terceiros deve reflectir, por isso, essa função declarativa do registo e ser entendido à luz das finalidades publicitárias deste. (…) Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. (…)
Do indicado normativo (nº 4 do art. 5º do CRP) decorre que o ora recorrente, titular de um direito real de garantia registado sobre imóvel anteriormente vendido ao recorrido, mas sem o subsequente registo, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o do adquirente do imóvel não provêm de um autor comum.”
O reconhecimento da natureza meramente declarativa do registo e a subsequente conclusão de que a ausência de registo do direito de propriedade a favor da autora, ora apelante. em momento anterior ao do registo da penhora em causa não determina nem a prevalência deste registo (da penhora), nem impede a oponibilidade do direito de propriedade da A. aos apelados, , implica que se deva ter por adquirido que ela adquiriu válida e eficazmente a propriedade da fracção I em momento anterior à sua penhora e subsequente venda executiva.
Assim, à data da venda executiva não existia já qualquer direito dos executados sobre o prédio em causa que houvesse de ser transmitido para a adquirente. O direito de propriedade sobre tal prédio fora constituído, em data anterior à da penhora, na esfera jurídica da A, e a sua afirmação perante qualquer dos aqui RR. não depende da prioridade do respectivo registo.
Tal direito de propriedade é, como se sabe, o direito real de gozo máximo, nos termos do art. 1305º do C.C. (quando comparado com direitos reais menores) e não um mero direito real de aquisição ou garantia. Assim, inexiste qualquer fundamento para que se possa pretender a sua extinção quando, ulteriormente à sua constituição, a fracção sobre o qual incide é alvo de uma penhora dirigida contra quem dele já não é dono. Tal não decorre, designadamente, do nº 2 do art. 824º do C.Civil, pois que aquele direito de propriedade dos 1ºs RR produz efeitos em relação à autora independentemente de registo, por este não ter natureza constitutiva.
Cabe, assim, concluir, em sentido contrário ao da decisão recorrida, pela prevalência do direito de propriedade da A., ora apelante, em razão da eficácia do negócio por via do qual ele lhe foi transmitido, o qual é oponível a qualquer dos RR., por o registo daquela aquisição não ser condição dessa oponibilidade.
Em razão dessa oponibilidade, cumpre afirmar a nulidade dos negócios celebrados em ofensa ao direito de propriedade da autora, nos termos do disposto no art. 892º do C.Civil, incluindo a penhora operada já em ofensa desse direito.
Complementarmente, resta afirmar que o réu DD não pode obter a protecção conferida pelo art. 291º do Código Civil ao terceiro adquirente de boa fé – o que prejudica o interesse de discutir se a poderia efectivamente obter – pois que se verifica o pressuposto da exclusão dessa tutela, conforme previsto no nº 2 desse artigo: a presente acção foi registada em 17/7/2017, como resulta da certidão junta em 5/11/2020. Ou seja, foi proposta e registada dentro do prazo de 3 anos ali previsto.
Resta, em suma, concluir pelo provimento da apelação, cabendo revogar-se a decisão recorrida, que se substitui por outra nos termos da qual, julgando a acção provada e procedente, se condenam os réus a reconhecerem a aquisição da propriedade da fracção I, correspondente a uma garagem, no sentido poente-nascente, com a área de dezanove metros quadrados e quarenta e três decímetros quadrados, do prédio urbano sito na Avenida ..., no lugar de ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sobre o n.º...04, afecto ao regime da propriedade horizontal pela Ap. ... de 1994/12/05 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º ...09 (tendo origem no art.º ...85), pela autora AA, em consequência do que se declara a nulidade dos actos de venda da mesma fracção, sucessivamente, aos réus, CC e DD, bem como da penhora que sobre ela incidira.
Mais se determina o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade sobre essa fracção a favor dos indicados CC e DD, bem como da penhora registada sob a AP ...29, de 2010/03/16.
Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC)
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao presente recurso de apelação, com o que revogam a decisão recorrida, que substituem por outra nos termos da qual, julgando a acção provada e procedente, condenam os réus a reconhecerem a aquisição da propriedade da fracção I, correspondente a uma garagem, no sentido poente-nascente, com a área de dezanove metros quadrados e quarenta e três decímetros quadrados, do prédio urbano sito na Avenida ..., no lugar de ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sobre o n.º...04, afecto ao regime da propriedade horizontal pela Ap. ... de 1994/12/05 e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art.º ...09 (tendo origem no art.º ...85), pela autora AA, em consequência do que declaram a nulidade dos actos de venda da mesma fracção, sucessivamente, aos réus, CC e DD, bem como da penhora que sobre ela incidira.
Mais determinam o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade sobre essa fracção a favor dos indicados CC e DD, bem como da penhora registada sob a AP ...29, de 2010/03/16.
Custas pelos apelados, na acção e no recurso.
Registe e notifique.
*
Porto, 19/12/2023
Rui Moreira
Maria da Luz Seabra
Alexandra Pelayo