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PROCESSOS
JULGADOS DE PAZ
CITAÇÃO EDITAL
PRESSUPOSTOS
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário
1 - Nos processos tramitados pelos julgados de paz é subsidiariamente aplicável o regime da citação previsto no Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz. 2 - A intervenção e a comparência pessoal das partes no procedimento tramitado nos julgados de paz assumem especial relevância face ao objectivo de resolução dos litígios pela via consensual, mas isso não significa que a demora ou dificuldades na citação via postal torne prescindíveis quaisquer outras diligências no sentido de se alcançar o contacto efectivo com o demandado. 3 - Sendo a citação edital um meio de interpelação judicial menos garantístico do que a citação pessoal, que apenas deve ter lugar em último recurso e desde que verificado um circunstancialismo factual e legal que ateste uma situação formal de ausência, o recurso a este tipo de citação excepcional fora dos estritos casos em que tal pode ocorrer equivale a falta de citação, conclusão que é válida para os casos em que, em procedimento tramitado junto do Julgado de Paz, se frusta a citação via postal e, confirmada a morada constante dos autos, se não efectuam diligências para citação pessoal por funcionário.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO Alocalizado à Rua …, Massamá apresentou, em 25 de Setembro de 2021, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra B, com domicílio à Rua …, n.º …. 2º direito, Lisboa, com base em título executivo constituído por decisão condenatória proferida pelo Julgado de Paz de Lisboa, no processo n.º 674/2019, que condenou a executada no pagamento à exequente, ali demandante, da quantia de 8.209,82€, correspondente a prestações de condomínio vencidas e não liquidadas e fundos comuns de reserva, acrescida de juros vencidos desde a data da entrega do requerimento até à prolação da decisão e vincendos até integral pagamento (cf. Ref. Elect. 30356625 dos autos de execução).
Após a realização de penhora, a executada foi citada em 11 de Outubro de 2021 (cf. Ref. Elect. 30589912 dos autos de execução).
Em 20 de Outubro de 2021, a executada apresentou requerimento de oposição à execução mediante embargos de executado, fundamentando-a com a seguinte ordem de argumentos (cf. Ref. Elect. 30587458):
- Falta de título/nulidade da citação – a sentença foi proferida sem que a executada tivesse sido citada pessoalmente ou tivesse tomado conhecimento do pedido formulado contra si, que desconhece até ao momento, não lhe tendo sido concedida a oportunidade de se defender pessoalmente;
- No processo a ter lugar nos julgados de paz é essencial a citação pessoal e a presença física dos envolvidos;
- O procedimento que vem tendo lugar, na prática, é o de se, por qualquer motivo, o aviso não for recebido pelo demandado, não é enviada nenhuma cópia do pedido (elementos básicos da citação) para depósito na caixa de correio, nem enviado nenhum agente de execução ou funcionário judicial à residência, não havendo qualquer tentativa de contacto por vias alternativas; é apenas enviado um postal para que o demandado se desloque ao tribunal para ser citado;
- Na falta do recebimento, é logo de imediato solicitado um defensor oficioso para ser julgado como ausente;
- A demandada executada não foi citada no processo e foi condenada como ausente;
- À executada nunca foi enviada cópia do que foi pedido;
- Violação de caso julgado - no mesmo julgado de paz tinha sido proferida sentença anterior que fixava os montantes devidos até à data de 31 de Agosto de 2015 (Processo 462/2015 dos Julgados de Paz de Lisboa), que a executada respeitou, mas que a exequente recusou aceitar;
- A decisão exequenda, proferida em 9 de Abril de 2021, não menciona essa anterior decisão transitada, sendo a demandada condenada a pagar valores desde Junho de 2005 até 31 de Março de 2021;
- A exequente pede o pagamento de quotas futuras, o que não consta da sentença, existindo falta de título, tanto em relação às quotas futuras, como em relação aos honorários futuros da advogada da exequente;
- Violação do contraditório e da Lei - a executada apenas teria que pagar o correspondente a 75 por mil (a sua permilagem) das despesas, que é a sua proporção, para além do que a deliberação constante da Acta nº 12 não foi aprovada sem oposição da maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, por não estarem presentes condóminos que a representassem;
- Nos termos do art.º 187º do Código de Processo Civil[1], é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, quando o réu não tenha sido citado, pelo que a execução carece de título válido.
Pugnou pela procedência dos embargos de executado.
Em 4 de Novembro de 2021 foi proferido despacho liminar de recebimento dos embargos, sendo ordenada a notificação do exequente para contestar (cf. Ref. Elect. 409714266).
Em 13 de Dezembro de 2021 o exequente/embargado apresentou contestação em que alega, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 31102691):
=> Consta da decisão exequenda que a executada foi “regularmente citada na pessoa da sua ilustre Defensora Oficiosa”;
=> O legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique indefinidamente à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao processo;
=> A demandada foi alvo de procedimento anterior em julgado de paz semelhante ao presente, no qual foi notificada na mesma morada, que, aliás, ainda mantém como sua;
=> A mandatária da exequente tentou, em momento anterior e em cumprimento do dever deontológico entre colegas, notificar a demandada, alertando-a para a futura interposição da presente acção declarativa;
=> A defensora oficiosa informou nos autos ter também tentado contactar a demandada, sem sucesso;
=> A demandada é advogada, não existindo razão para não ter oportunamente acautelado ser devidamente informada dos termos da acção contra si interposta, admitindo ter recebido o postal de aviso para se deslocar ao Tribunal, não o tendo feito, nem contactado com o julgado de Paz;
=> Frustrada a citação por via postal e impossibilitada a citação por funcionário, apesar das diligencias efectuadas junto das entidades identificadas no artigo 244º do CPC, deve o Tribunal oficiar à Delegação da Ordem dos Advogados, para proceder à nomeação de defensor oficioso do ausente, atento o disposto no n.º 2 do artigo 46ª da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, e no artigo 15º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 63º da citada Lei nº 78/2001, visto não existir Ministério Público junto dos Julgados de Paz;
=> Na sequência desse procedimento legal foi nomeada defensora oficiosa à demandada, que foi citada em representação desta, tendo estado presente na audiência de julgamento;
=> No caso, foram feitas as diligências suficientes para se apurar do paradeiro oficial da demandada, sendo que o Julgado de Paz não tem meios para promover a citação por funcionário, pelo que, não existindo registo de outra residência da demandada, apenas restava tê-la por ausente, não havendo lugar a citação edital, procedendo-se à nomeação de defensor oficioso, com vista a garantir o direito de defesa;
=> A sentença exequenda contém um lapso de escrita: onde se refere “Junho de 2005” pretendia-se referir “Junho de 2015”, não tendo a exequente pedido o pagamento de quantias já pagas, pois que apenas peticiona as quotas vencidas após Junho de 2015;
=> A condenação na quantia vencida e nos valores vincendos até integral e efectivo pagamento deve ser interpretada como abrangendo quotas e juros e não apenas estes últimos.
Conclui no sentido da improcedência da oposição e consequente prosseguimento da execução.
Em 21 de Junho de 2023 foi proferido despacho de dispensa da realização da audiência prévia, convidando as partes a declararem se tinham algo a opor, que nada disseram (cf. Ref. Elect. 426490836).
Em 21 de Setembro de 2023 foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os embargos de executado procedentes e declarou extinta a execução (cf. Ref. Elect. 428643550).
Inconformado com esta decisão, o exequente/embargado dela veio interpor o presente recurso cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 37442369):
1ª – Legalmente vedada que está a citação Edital aos Julgados de Paz, e não sendo possível proceder a citação pessoal por funcionário dado os Julgados de Paz não estarem dotados dos meios técnicos nem humanos para levar a cabo tal modalidade, considerar como válido o procedimento de requerer à Ordem dos advogados defensor oficioso, adoptado por estes para suprir as dificuldades de citação e em consequência considerar a Executada devidamente citada.
2ª - Deve uma vez mais, como de Direito, a forma substantiva sobrepor-se à formal, pois não nega a Recorrida, em momento algum a existência da dívida, nem poderia por ser a obrigação do pagamento de quota mensal de condomínio do seu inteiro conhecimento.
Conclui pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante há que apreciar se ocorreu falta de citação da executada no âmbito do procedimento que correu termos junto do Julgado de Paz de Lisboa.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. FUNDAMENTOS DE FACTO
O Tribunal recorrido considerou demonstrados os seguintes factos:
1. A execução tem como título executivo a sentença proferida pelo Julgado de Paz de Lisboa, datada de 9.4.2021, transitada em julgado, e que condenou a executada a pagar ao exequente a quantia de 8.209,82€, acrescida de juros (provado em face do que consta ao processo executivo e sentença dada à execução).
2. A sentença foi proferida em processo instaurado pelo Condomínio, em 24.6.2019, a que coube o n.º 674/2019, sendo indicada na petição inicial como morada da executada a Rua …, n.º …, Lisboa (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
3. O Julgado de Paz, com data de 24.6.2019, enviou carta registada com aviso de recepção para citação da executada na morada acima referida (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
4. Essa carta foi devolvida com a indicação “objecto não reclamado” (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
5. Em seguida o Julgado de Paz enviou carta simples para a mesma morada solicitando a comparência da executada para ser citada (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
6. Após, não tendo a executada comparecido, o julgado de paz efectuou pesquisa na base de dados da AT, da qual constava a morada acima referida, e solicitou informação à segurança social sobre a morada da executada vindo a segurança social informar a mesma morada (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a titulo devolutivo e apenso a estes embargos).
7. Foi então, datada de 19.8.2020, enviada nova carta registada com A/R para essa morada a qual veio novamente devolvida com a indicação “objecto não reclamado” (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
8. Sem mais diligências, em 18.12.2020 o Julgado de Paz solicitou ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a indicação de defensor oficioso à executada, ao abrigo do disposto no art.º 21.º do CPC (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
9. E o CDOA indicou a senhora advogada Dr.ª FG, a qual foi citada na qualidade de patrono oficioso da executada, nos termos do art.º 45.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, tendo essa carta para citação sido recebida em 14.1.2021 (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a titulo devolutivo e apenso a estes embargos).
10. Em seguida, os autos prosseguiram para julgamento sendo a executada patrocinada pela defensora nomeada (provado em face do que consta do processo que correu no Julgado de Paz, solicitado a este a título devolutivo e apenso a estes embargos).
11. A executada na execução apensa foi citada na morada acima indicada (provado face ao que consta da execução).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO Da falta de citação de executada no âmbito do processo tramitado no Julgado de Paz
A executada arguiu a sua falta de citação no âmbito do processo onde foi proferida a decisão exequenda alegando que esta foi proferida sem que tivesse sido citada pessoalmente ou tivesse tomado conhecimento do pedido deduzido contra si, não lhe tendo sido concedida a oportunidade de se defender pessoalmente, pois que o Julgado de Paz, perante a não recepção da carta, não envia nenhum agente de execução ou funcionário para citação pessoal, nem efectuou qualquer tentativa de contacto por vias alternativas.
O Tribunal recorrido apreciou esta questão nos seguintes termos:
“Resulta dos factos provados que a executada não foi citada pessoalmente para os termos da ação, porquanto, as cartas registadas que foram enviadas para a única morada conhecida vieram devolvidas com indicação de “objecto não reclamado”. Daqui decorre, face ao motivo da devolução das cartas, e tendo em conta que a morada era a única que constava das bases de dados, que o Julgado de Paz não podia concluir que a executada não morasse naquela morada, não havendo nenhuma referência a isso. A única conclusão a tirar é que a carta não foi entregue nem reclamada nos CTT. Tinha-se frustrado a citação via postal. Ora resulta dos factos provados que o Julgado de Paz não fez mais nenhuma diligência para citar a executada, solicitando a nomeação de defensor o que pressupõe que o citando haja de ser considerando ausente em parte incerta, na certeza de que a nomeação de defensor foi pedida ao abrigo do art.º 21.º do CPC e, por isso, para defesa do ausente, na medida em que a lei não prevê a citação edital nos julgados de paz (art.º 46.º da Lei dos Julgados de Paz).
O art.º 63.º da Lei 78/2001 de 13.7, que regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência, dispõe: “É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes.”
A questão que se colocou supra haverá então de ser resolvida com recurso também ao disposto na legislação subsidiária, mas sem perder de vista os princípios gerais enunciados no art.º 2.º n.º 2 da Lei dos Julgados de Paz, que nos diz que “Os procedimentos nos julgados de paz estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.”
Não obstante os procedimentos dos julgados de paz deverem ser simples, informais e com absoluta economia processual, ou seja, sendo praticados apenas os actos estritamente indispensáveis a que se atinja o seu fim, a lei não dispensa a citação do demandado que não esteja presente, dispondo-se no art.º 45.º “1 - Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante. 2 - Da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia.”
Ademais, prevê-se naturalmente que o demandado possa contestar e prevê-se também as consequências da falta de contestação – confissão dos factos articulados pelo autor – desde que a citação seja pessoal. (art.º 58.º n.º 2).
O que se acaba de dizer serve para concluir que, não obstante, a simplicidade e celeridade do procedimento, a lei assegura o contraditório, impondo a citação pessoal do demandado não presente. E se assim é afigura-se-nos que a citação não pode deixar de ser feita tendo em vista a sua efetividade, ou seja, dar conhecimento de que pende um processo contra o demandado, o que implica, a nosso ver, que devem ser efetuadas todas as diligências que se revelem necessárias e sejam possíveis, sem particular demora, para encontrar o demandado e citá-lo.
Por seu turno, o art.º 46.º da LJP, quanto às formas da citação e notificação estabelece:
1 - As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário
2- Não se admite a citação edital.
3 - As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia ou via postal e podem ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do demandado.
4 - Não há lugar à expedição de cartas rogatórias e precatórias.
Donde, a lei prevê que a citação possa ser feita por funcionário, ou seja, tal como previsto no CPC, que se faça através de contacto pessoal com o citando. No caso dos autos o Julgado de Paz não procedeu a qualquer diligência para a citação através de funcionário, numa situação em que seria de admitir que a executada morasse na única morada conhecida. Aliás, sendo o autor o condomínio do prédio à qual pertencia a morada, facilmente se poderia ter obtido informação do autor sobre se a executada morava ou não prédio. Vindo as cartas devolvidas por não reclamadas e não já v.g. com indicação de que mudou de morada, não se nos afigura possível tirar a conclusão que está subjacente às diligências subsequentes levadas a cabo no processo, de que a executada está ausente em parte incerta. No que à citação concerne entendemos que as normas previstas no processo civil não devem deixar de presidir e orientar os procedimentos a levar a cabo para lograr a citação. E por conseguinte, deve ser tido em consideração o disposto no art.º 236.º, sob a epígrafe “Ausência do citando em parte incerta”, no n.º 1 diz “Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o ultimo paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável, para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.”
Conforme se retira da análise de tal norma e extrai-se também da epigrafe do artigo, a ausência do citando em parte incerta, pressupõe naturalmente que não se tenha conseguido realizar a citação pessoal, seja por via postal seja por contacto pessoal, ou seja, é pressuposto que exista nos autos com o mínimo de certeza que o citando não reside na ou nas moradas conhecidas, o que se haverá de extrair de outros factos, tais como devolução das cartas e sua razão, ter sido tentado o contacto pessoal na morada e aí não ter sido encontrado etc.. O que já não nos parece legitimo nem conforme aos procedimentos legais é considerar, como no caso, a executada ausente em parte incerta por não terem as cartas sido levantadas nos CTT. Ora se tal não recebimento da carta para citação não determina à luz do CPC, (que deve ser subsidiariamente aplicado), sem mais a passagem à citação edital, porquanto a lei impõe previamente a citação postal, a citação por contato pessoal e, só frustradas estas, e feitas todas as pesquisas para encontrar morada é que se pode enveredar para a citação edital, é mister concluir que citação edital tem, pois, lugar se não se lograr apurar o local onde o citando se encontra. Note-se que o art.º 225.º n.º6 do CPC ao dizer que a citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos do art.º 236.º, prevê naturalmente o emprego dessa modalidade de citação por, não obstante as diligências e pesquisas efectuadas nos termos do art.º 236.º, não se lograr apurar o paradeiro. Só assim se poderá falar em ausência em parte incerta. Sabido que a lei processual civil dá natural preferência, como não podia deixar de ser, à citação pessoal, a citação edital só pode, pois, ser seguida na impossibilidade da primeira e essa impossibilidade tem que ser de alguma forma certificada através das diligências efetuadas. Ora o que se acaba de dizer está em conformidade com o n.º 1 do art.º 46.º da Lei dos Julgados de Paz, já que não se prevê apenas a citação postal mas também a citação por funcionário. Nem se diga, como de uma leitura mais apressada da norma se poderia retirar, que o julgado de paz tem que optar inicialmente entre fazer a citação postal ou por funcionário dada a expressão constante da norma “em alternativa”. A nosso ver a interpretação conforme e tendo em conta a unidade do sistema jurídico (art.º 9.º do C.C.), vai no sentido de que a citação pode ser feita por via postal ou por funcionário, o que quer dizer que, frustrando-se a primeira o que equivale a dizer que a citação não foi feita por via postal, pode ser feita por funcionário.
Decorre do acima dito que a citação edital deve ser empregada com cautela e numa situação em que, tendo sido tentadas as diligências a que o tribunal podia recorrer, não foi possível localizar o citando, numa situação em que se logre afirmar com alguma objetividade que “mais não se podia fazer” ou “mais não seria exigível” para localizar o citando. Se assim não for e se se patentear que as diligências efetuadas são manifestamente insuficientes porque havia outras, possíveis, acessíveis e viáveis que foram preteridas, então a citação edital terá sido prematura e por isso não deveria ser empregada.
A análise supra está efetuada por referência à citação edital, a qual como se sabe não tem lugar nos procedimentos do julgado de paz, mas essa análise é válida também para estes procedimentos sempre que neles se tem que ajuizar sobre se o citando está em parte incerta, não já para proceder à sua citação edital mas para, como foi o caso, se decidir pelo prosseguimento da ação com recurso à nomeação de defensor, se se perfilhar tal solução. E para se concluir que o citando está em parte incerta não podem deixar de ser efetuadas, como já se disse, certas diligências ainda que estejamos no âmbito de um procedimento a correr nos julgados de paz. E as diligências mínimas, que temos por indispensáveis, no caso concreto, e dados os factos provados, passava por ter sido tentada a citação por contacto pessoal pois, ao invés do que foi suposto, tudo indicava que a executada residia efetivamente na morada conhecida, não sendo incerto o seu paradeiro. E essa diligência não impunha procedimentos nem complexos nem demorados, nem dispendiosos que contrariem os princípios orientadores do processo nesses julgados de paz, tanto mais que está prevista na própria lei.
A executada não podia ter sido considerada em parte incerta para efeitos de nomeação de defensor e realização da citação na pessoa deste, na certeza, porém, que é realidade que se não pode equiparar – desde logo porque não pode haver qualquer contacto entre o defensor e o defendido, numa situação que em termos práticos se equipara à que se verifica na citação edital - à citação pessoal com efetivo conhecimento da pendência da ação.
Assim, a situação que vimos apreciando deve ser equiparada aquela que se verifica quando é empregue indevidamente a citação edital, o que determina que haja falta de citação na ação declarativa, em conformidade com o disposto no art.º 188.º n.º 1 c) do CPC. A falta de citação determina a nulidade de todo o processado da ação declarativa depois da petição inicial (art.º 187.º do CPC), o que se repercute na sentença que constitui título executivo, afetando a sua subsistência, pelo que, inexiste, assim, título executivo validamente formado que permita a manutenção da execução que no mesmo se funda. Procedem os embargos.”
O apelante insurge-se contra o assim decidido argumentando que a recorrida sempre recebeu toda a correspondência na morada constante dos autos, tendo recepcionado a sentença e liquidado os respectivos custos no Julgado de Paz, dela não tendo recorrido, pelo que não se pode aceitar que não tenha recebido qualquer aviso; mais refere que o Julgado de Paz procedeu às consultas a diversas entidades oficiais para apurar a morada e dirigiu diversa correspondência à recorrente, não lhe sendo possível efectuar a citação por funcionário por não estar dotado de meios para tal, pelo que apenas restava a alternativa de requerer a nomeação de defensor oficioso; mais refere que a recorrida em momento algum negou a dívida.
Há, pois, que apreciar se, face ao procedimento adoptado pelo julgado de paz, a apelada se deve considerar devida e legalmente citada no processo que ali correu termos ou se, pelo contrário, tal citação é nula (por omissão absoluta ou por estar viciada).
Os julgados de paz integram as categorias de tribunais previstas no art.º 209º da Constituição da República Portuguesa[2], conforme decorre do respectivo n.º 2[3].
São órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo – cf. art.ºs 110º, n.º 1 e 202º, n.º 1 da CRP -, incumbindo-lhes, entre outros, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos – cf. art.º 202º, nº 2 da CRP. São independentes e as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades – cf. art.ºs 203º e 205º, nº 2 da CRP.
A Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (Lei dos Julgados de Paz)[4] regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência – cf. art.º 1º do mencionado diploma legal.
A competência dos julgados de paz é exclusiva a acções declarativas (cf. art.º 6º, n.º 1) e apenas aquelas em que se suscitem questões respeitantes às matérias estritamente elencadas no art.º 9º da LJP e cujo valor não exceda 15.000,00€ (cf. art.º 8º).
A criação dos julgados de paz visou a composição dos litígios por acordo das partes (cf. art.º 2º, nº 1 e ainda tudo quanto se retira da previsão dos art.ºs 49º, 50º, 51º, e 57º da LJP), sendo que os procedimentos previstos são regidos por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual – cf. art.º 2º, n.º 2 da LJP.
O procedimento inicia-se pela apresentação do requerimento na secretaria do julgado de paz (art.º 43º, nº 1) e se o demandado estiver presente nesse momento pode apresentar contestação de imediato (art.º 43º, nº 4); não estando presente, há lugar à sua citação para os termos do processo – cf. art.º 45º, n.º 1 da LJP.
Resulta do artigo 2.º, n.º 1 da LJP que a actuação dos julgados de paz é vocacionada para permitir a participação cívica dos interessados, pelo que os cidadãos são convocados a intervir pessoalmente na resolução do litígio, acompanhados por um serviço de mediação, que permita a obtenção do acordo das partes, intervenção que não é sujeita a qualquer formalidade e tem lugar mesmo sem a presença de mandatários – cf. art.º 38.º, n.º 1 da LJP).
Joel Timóteo Pereira, in A natureza constitucional dos Julgados de Paz[5], aponta que “em todas as fases do processo – pré-mediação, mediação e julgamento – todos os intervenientes são convocados a contribuir para a ativa solução do caso concreto, tendo assim os julgados de paz uma ação pedagógica das partes e solucionadora do litígio.”
E como se refere no Acórdão Uniformizador n.º 11/2007, do Supremo Tribunal de Justiça, processo 881/2007[6][7], “os julgados de paz são órgãos jurisdicionais de resolução alternativa de litígios […] integrando-se na categoria de “tribunais de resolução de conflitos de existência facultativa” e “são tribunais constitucionalmente previstos como sendo de existência eventual não integrados em qualquer das ordens de tribunais previstas no artigo 209.º, n.º 1, da Constituição, incluindo a dos tribunais judiciais, ou seja, não se inserem na categoria propriamente dita dos tribunais de 1.ª instância. Por isso, a lei traça-lhe a vocação para a participação cívica dos interessados e de estímulo à justa composição dos litígios em quadro de acordo, de harmonia com a ideia que envolveu a sua criação de constituírem uma via alternativa de resolução de conflitos, com activa intervenção de mediadores, em termos de propiciarem o descongestionamento dos tribunais da ordem judicial.”
Mesmo tendo presente os princípios enformadores dos julgados de paz e sabendo-se que neles a tramitação foi reduzida ao mínimo de actos essenciais, com restrição de peças processuais admissíveis, limitação da cumulação de pedidos (art.º 44.º da LJP), forma de citação (que exclui a citação edital e a expedição de cartas rogatórias ou probatórias - art.º 46.º, n.ºs 2 e 4, da LJP), limitação da admissibilidade de reconvenção (art.º 48.º da LJP), encurtamento de prazos e dilações, meios probatórios (circunscritos à prova documental e testemunhal – art.º 59.º da LJP) e, inclusivamente, requisitos de elaboração da sentença (art.º 60.º da LJP), seguro é que no âmbito do respectivo procedimento não se prescindiu do princípio do contraditório e de assegurar o direito de defesa por parte do demandado.
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma determinada acção e se chama ao processo para se defender, pelo que constitui o meio essencial para a concretização de um dos princípios fundamentais do processo civil: o princípio do contraditório – cf. art.º 219º, n.º 1 do CPC; cf. António Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Coimbra 1998, pág. 21.
O princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil, emergindo do disposto no art.º 20º, n.ºs 1 e 4 da CRP, que consagra o direito de acesso de todos os cidadãos ao Direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como o direito a um processo equitativo.
Tal princípio encontra respaldo no CPC, cujo art.º 3º estatui:
“1- O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. 2- Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. 3- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. […]”
Além disso, a citação assinala o prazo para o demandado apresentar a sua defesa e a ela estão associados efeitos materiais (como a interrupção da prescrição – cf. art.º 323º, n.º 1 do Código Civil) e processuais, de vária natureza, com influência decisiva nos direitos do autor e do réu.
Como acto receptício (cf. art.º 224º do Código Civil) de comunicação do tribunal com as partes, para ser eficaz, a citação tem de ser realizada de modo a chegar ao conhecimento dos destinatários ou pelo menos à sua esfera de controlo.
Para além da transmissão de conhecimento, a citação contém um convite para a defesa. Daí que “constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição (art.º 3-1), a citação tem por função possibilitar o seu exercício efectivo, pelo que através dela têm de ser transmitidos ao réu os elementos reputados essenciais para o efeito (art.º 227), sob pena de nulidade (art.º 191-1)”. – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, pág. 413.
A lei processual adjectiva regula especificamente a matéria da citação de molde a assegurar o exercício do contraditório – cf. art.ºs 219º e seguintes do CPC.
É sabido que a intervenção e a comparência pessoal das partes, no tipo de processos tramitados nos julgados de paz, assumem especial relevância tendo presente o objectivo de resolução dos litígios pela via consensual, mas isso não significa que a inviabilidade de uma pronta citação regular torne prescindíveis quaisquer outras diligências no sentido de se alcançar o contacto efectivo com o demandado, ainda que o processo possa prosseguir quando a citação se frustre – cf. art.ºs 13º, n.º 2 e 60º, n.º 1 da LJP.
No âmbito dos processos que correm termos nos julgados de paz, dispõe o art.º 45º da LJP, sob a epígrafe “Citação do demandado”: “1 - Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante. 2 - Da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia.”
E quanto às formas de citação e notificação estatui o art.º 46º: “1 - As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário. 2 - Não se admite a citação edital. 3 - As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia ou via postal e podem ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do demandado. 4 - Não há lugar à expedição de cartas rogatórias e precatórias.”
Para além destes normativos, há que atentar no que dispõe o art.º 63º da LJP (“Direito subsidiário”): “É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes.”
Aquilo que importa aqui verificar é se, inviabilizada a citação postal, como decorre do vertido nos pontos 3. a 7. dos factos provados, estava o Julgado de Paz desobrigado de qualquer outra tentativa para alcançar a citação pessoal da apelada, considerando-a ausente e bastando-se com a indicação de defensor oficioso para, em sua representação, receber a citação.
Em face do mencionado art.º 63º da LJP, é inequívoco que o regime das citações previsto no Código de Processo Civil, naquilo que não seja incompatível com a referida lei, nem com os princípios gerais do processo nos julgados de paz, deve ser convocado para solucionar o impasse criado com a frustração da citação por uma das vias mencionadas no art.º 46º - cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-11-2023, processo n.º 26747/22.2T8LSB-A.L1-7 e de 17-02-2022, processo n.º 3164/20.3T8OER-A.L1-8[8].
No âmbito da lei adjectiva geral, a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital – cf. art.º 225º, n.º 1 do CPC.
A citação pessoal, por regra, é por via postal, efectuada por meio de carta registada com aviso de recepção, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho – cf. art.ºs 225.º, n.º 2, b) e 228.º, n.º 1 do CPC.
A carta pode ser entregue, após a assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando - art.º 228.º, n.º 2 do CPC.
A citação efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento (cf. art.º 225.º, n.º 4 do CPC), tendo-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cf. art.º 230.º, nº 1 do CPC).
Trata-se da denominada citação quase-pessoal.
Desde que confirmada a residência ou o local de trabalho do citando, nada obsta a que a carta seja recebida por outra pessoa que aí esteja presente e que declare estar em condições de prontamente a entregar ao destinatário, dever de que deve ser advertida pelo distribuidor postal – cf. art.º 228º, n.ºs 2 e 4 do CPC.
Verificada a presunção de oportuno recebimento e conhecimento do conteúdo da carta, cumprirá ao citando demonstrar que a morada para onde foi enviada a carta não é a sua residência e que o seu não conhecimento se ficou a dever a facto que não lhe é imputável – cf. art.º 350º, n.º 2 do Código Civil; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I 2018, pág. 357 – “[…] o citando pode demonstrar que enquanto “destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”, nos termos do artigo 188º, n.º 1 al. e). O réu invocará, em consequência, a nulidade primária da falta de citação.
A nulidade (em sentido lato) da citação comporta duas modalidades: a falta de citação e a nulidade stricto sensu – cf. art.ºs 188.º e 191º do CPC.
A mera nulidade ocorre quando na sua realização não tenham sido observadas as formalidades prescritas na lei; devendo ser arguida no prazo indicado para a contestação ou, sendo a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, na primeira intervenção do citado no processo – cf. art.º 191.º do CPC.
Por sua vez, ocorre falta de citação nos casos de absoluta omissão do acto; erro de identidade do citado; uso indevido da citação edital; citação efectuada após o falecimento do citando (ou extinção, sendo pessoa colectiva); o destinatário não ter chegado a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe é imputável – cf. art.º 188º, n.º 1 do CPC.
A falta de citação constitui uma nulidade principal que pode ser invocada em qualquer estado do processo, é de conhecimento oficioso e só se sana com a intervenção do interessado nos autos – cf. art.ºs 189º, 196º e 198º, n.º 2 do CPC.
A falta ou nulidade da citação constitui fundamento de embargos de executado, ainda que o título executivo seja uma sentença – cf. art.ºs 729.º, d) e 696.º, e) do CPC.
No caso em apreço, não existe qualquer presunção de oportuno recebimento e conhecimento do conteúdo da carta por parte da demandada, ora recorrida, porquanto a carta expedida para a sua citação não foi por ela recebida ou por terceiro que se tenha comprometido a entregá-la à destinatária.
Com efeito, tal como resulta dos factos apurados - que o recorrente não colocou de modo algum em crise[9] -, o Julgado de Paz expediu para a morada constante dos autos, carta registada com aviso de recepção para citação da demandada, que foi devolvida com a indicação “objecto não reclamado”.
Após isso, o Julgado de Paz enviou carta simples para a mesma morada, solicitando a comparência da executada para ser citada, sendo que esta não compareceu, sem que tenha resultado demonstrado, ao contrário do que parece sustentar o recorrente, que a embargante tenha tido conhecimento do conteúdo dessa missiva ou a tenha recebido.
Após isso, o Julgado de Paz efectuou pesquisa na base de dados da Autoridade Tributária e solicitou informação à segurança social sobre a morada da executada, obtendo a indicação de que ali figurava como morada desta a que constava dos autos, pelo que tornou a enviar outra carta registada com aviso de recepção para essa morada, que novamente veio devolvida com a indicação “objecto não reclamado”.
Os elementos que os autos fornecem não permitem afirmar, por um lado, que a executada/apelada chegou a ter conhecimento do conteúdo da carta expedida para citação ou da pendência do procedimento que correu termos no Julgado de Paz, nem esse conhecimento se pode presumir por não ter ocorrido qualquer uma das situações mencionadas nos art.ºs 226º, 228º, 229º e 230º do CPC e, por outro, que nenhuma outra diligência se prefigurava útil para obter a citação pessoal da demandada.
Independentemente da adesão ou não ao procedimento adoptado pelo Julgado de Paz para ultrapassar o impasse decorrente do insucesso da citação postal (nomeação de defensor oficioso na pessoa de quem foi efectuada a citação), o que importa avaliar é se estavam reunidas as condições para se dar a citanda como ausente em parte incerta, para o que, com abono na previsão do art.º 63º da LJP, se há-de atentar aos pressupostos da citação edital, no processo declarativo comum, pela analogia das situações.
Assim, a citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta, nos termos dos art.ºs 236º e 240º do CPC ou quando sejam incertas as pessoas a citar (art.º 243º) – cf. art.º 225º, n.º 6 do CPC.
O Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que reviu o anterior Código de Processo Civil, conferiu, por regra, oficiosidade à citação, dispensando até a intervenção do juiz nas diligências prévias à sua realização, decorrência da eliminação do despacho liminar, oficiosidade que se mantém no actual CPC.
Assim, cabe à secretaria promover oficiosamente as diligências adequadas à citação pessoal do réu (n.º 1 do art.º 226º), sem prejuízo de dever informar o autor e o juiz das dificuldades eventualmente encontradas, nos prazos referidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 226º e de a citação edital ter de ser ordenada pelo juiz (art.ºs 226º, n.º 4, c) e 240º, n.º 1), quando o processo lhe é concluso nos termos do art.º 226º, n.º 3 do CPC ou posteriormente, mas sempre depois de colhidas as informações necessárias, em conformidade com o disposto no art.º 236º do CPC – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., Volume 2º, 3ª edição, pág. 522.
A regra da oficiosidade – que se traduz, antes de mais, no dever de a secretaria dar impulso à citação, sem necessidade de despacho prévio do juiz nem de requerimento do autor – reporta-se à citação pessoal do réu, não à citação edital, que carece sempre de despacho de citação (o que não invalida que a secretaria deva proceder às diligências que a precedem e abrir conclusão ao juiz).
Note-se que, como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in op. cit., Volume 1º, pág. 432 “[…] esta autonomia de atuação da secretaria abrange momentos anteriores à citação, o ato de citação em si mesma e o momento posterior à citação frustrada. […] No momento posterior à citação frustrada, deve a secretaria promover as diligências necessárias à realização de outra modalidade de citação pessoal, de acordo com a lei (citação por agente de execução ou funcionário judicial, depois de gorada a citação postal), ou ao apuramento das circunstâncias de que a lei faz depender a citação edital (art.º 236-1), assim como decidir – por si ou através do agente de execução designado para a citação – sobre atuações que a lei lhe faculta para a melhor realização do ato (art.º 235, no caso de ausência do citando em parte incerta; art.º 231-10, quanto ao aviso postal prévio à citação por funcionário judicial).”
Se a citação não se mostrar realizada no prazo de 30 dias contados, em regra, da distribuição, a secretaria deverá informar o autor das diligências efectuadas e dos motivos da não realização do acto (n.º 2 do art.º 226º), conferindo-lhe, desse modo, a possibilidade, sem imposição de qualquer ónus, de trazer aos autos quaisquer elementos que permitam localizar o citando ou requerer a citação através de mandatário judicial (art.º 237º, n.º 2 do CPC) ou ainda reclamar para o juiz de decisão da secretaria que tenha por ilegal.
Como realçam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “esta informação não condiciona, em caso algum, a passagem para a modalidade de citação oficiosa sucedânea, nem a prática, dentro da mesma modalidade, dos atos que devam ser realizados, devendo a secretaria prosseguir na realização das diligências sem aguardar qualquer requerimento do autor” – cf. op. cit., pág. 433.
Sendo impossível a citação pessoal (ou quase-pessoal) por o citando estar ausente em parte incerta, cabe à secretaria obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida do réu junto de quaisquer entidades ou serviços, mediante prévio despacho judicial, quando junto das bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestes e, se o juiz o considerar absolutamente indispensável, junto das autoridades policiais – cf. art.º 236º, n.º 1 do CPC.
A citação edital é determinada por decisão judicial, como pressupõe a segunda parte do n.º 1 do art.º 236º e o n.º 1 do art.º 240º do CPC, a proferir se nenhuma morada for encontrada na sequência das diligências de pesquisa previstas naquele normativo legal – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I 2018, pp. 368-369.
No decurso destas diligências nada impede o autor de colaborar na realização da citação, indagando, por seu lado e prestando as informações que obtiver, tanto mais que não lhe é indiferente o seguimento para a citação edital, dado que esta afasta a cominação semiplena (cf. art.º 567º, n.º 1 do CPC), podendo insistir na citação pessoal por ter sido descoberto o paradeiro do réu.
Atente-se que, tal como realçam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, tão grave como a falta absoluta de citação é a citação edital indevida, pois que esta é um meio precário e contingente de chamar o réu a juízo para se defender, exigindo a opção por esta modalidade “um complexo circunstancialismo factual e legal e, por isso, quando tenha sido determinada fora do referido condicionalismo, a lei equipara a situação gerada à completa omissão do acto” – cf. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 225.
Porque a citação edital é um meio de interpelação judicial menos garantístico do que a citação pessoal, o legislador pretendeu reduzir o mais possível a sua utilização, pois que esta implica uma alta probabilidade de o réu não vir a ter conhecimento da citação ou não o ter em tempo útil para exercer o seu direito de defesa (cf. art.º 236º do CPC), daí que o recurso a este tipo de citação excepcional fora dos estritos casos em que tal pode ocorrer equivalha a falta de citação (cf. art.º 188º, n.º 1, c) do CPC).
A base e a justificação da citação edital é sempre a incerteza, ou do lugar ou das pessoas.
Ora, os elementos recolhidos pelo Julgado de Paz quanto à morada da citanda confirmavam a correcção do endereço constante dos autos como sendo o seu domicílio, conforme as informações prestadas pela Autoridade Tributária e pela Segurança Social.
Além disso, as cartas expedidas para citação endereçadas para tal morada não foram, é certo, recebidas pela destinatária, mas o motivo da devolução foi, em ambos os casos, de “objecto não reclamado”, o que não permite, por si só, pressupor, por um lado, que a destinatária não diligenciou, podendo, pela sua recolha e, por outro, que o objecto não foi reclamado por a destinatária estar ausente daquele local, como sucede como quando surgem indicações de “endereço desconhecido” ou “destinatário ausente” por força de informação prestada por vizinhos contactados pelo distribuidor postal.
Perante o circunstancialismo concreto aduzido, a que acresce ainda o relevante dado de que a citanda é condómina no prédio cujo condomínio é aqui exequente/embargado, não se vislumbra como é que, perante a confirmação da morada da demandada como sendo a que figurava nos autos, poderia o Julgado de Paz adquirir a convicção sobre uma efectiva situação de ausência formal daquela ou sequer sobre uma justificada admissão ou pressuposição de ausência, passível de tornar legítima a opção por uma «citação» não pessoal.
Tal como se consignou na decisão recorrida, apesar de a celeridade ser inerente ao procedimento em causa e da absoluta economia processual que o envolve, perante as informações recolhidas e tendo em conta que, apesar da simplicidade subjacente ao processo, não podem o princípio do contraditório e o exercício da defesa constitucionalmente assegurados serem colocados em crise, sabendo-se ainda que muito raramente, na decorrência da citação edital, vem a ser assumida uma efectiva defesa do ausente, quer por falta de elementos, quer por adopção de uma postura de intervenção puramente formal, com o que se inquina a justiça da decisão a proferir, há que reconhecer que, neste caso, tudo apontava pela utilidade da tentativa de contacto pessoal com a citanda através de funcionário do Julgado de Paz, como especificamente previsto no n.º 1 do art.º 46º da LJP.
E em atropelo ao legalmente estipulado e em violação da garantia de defesa, não pode revestir valia argumentativa a alusão a uma alegada falta de recursos humanos por parte do Julgado de Paz, aliás não comprovada nos autos, não podendo as dificuldades técnicas, materiais e humanas constituírem fundamento para a preterição de diligências legalmente prescritas para obtenção da citação pessoal do demandado.
Ademais, também se prefigurava como útil tentar obter junto do próprio demandante informação sobre a efectiva presença da demandada na fracção autónoma em referência ou até sobre o momento do dia mais viável para lograr encontrá-la no local, diligências que, mesmo a implicar uma dilação no prosseguimento dos autos, primariam pelo assegurar da garantia de defesa e da oportunidade de um efectivo conhecimento da demanda por parte da recorrida, tanto mais que, como refere José Alberto dos Reis, “a lei tem horror à citação edital. […] porque não tem confiança nela como meio eficaz de dar conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta determinada acção […] Sempre que haja alguma possibilidade, mínima que seja, de se conseguir a citação pessoal, deve fazer-se a tentativa”. Cf. Comentário ao Código de Processo Civil, Volume II, 1945, pág. 680.
A opção pela qual enveredou o Julgado de Paz foi intempestiva, porquanto outras diligências se impunham para tentar alcançar o contacto pessoal da citanda, não estando objectivamente caracterizada nos autos uma situação formal de ausência desta, pelo que o recurso à nomeação de defensor oficioso – a qual, aliás, não tem sequer acolhimento na lei enquanto forma válida de citação do ausente[10] - corresponde a uma absoluta falta de citação, ou seja, a demandada, ora apelada, não foi citada na acção declarativa que correu termos no Julgado de Paz de Lisboa, por o acto de citação devido ter sido completamente omitido - cf. art.º 188º, n.º 1, a) do CPC.
Consequentemente, é nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial, constituindo a falta de citação fundamento de oposição à execução – cf. art.ºs 187º, a) e 729º, d) do CPC.
Sendo nulo todo o processado após a apresentação do requerimento no julgado de paz, é nula a decisão final, pelo que o título executivo apresentado à execução é inexistente - cf. art.ºs 10º, n.º 5, e 729º, a) do CPC.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do recorrente e improcede o recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante.
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Lisboa, 23 de Janeiro de 2024 Micaela Marisa da Silva Sousa Ana Mónica Mendonça Pavão Rute Sabino Lopes
_______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Adiante designada pela sigla CRP. [3]“2. Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.” [4] Alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho e adiante designada pela sigla LJP. [5]Data Vénia Revista Jurídica Digital Ano 06, N.º 08 - Junho 2018 acessível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao08/datavenia08_p225_288.pdf. [6] DR República, 1.ª Série, n.º 142, de 25-11-2007. [7] Que fixou a seguinte jurisprudência: «No actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções previstas no artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, é alternativa relativamente aos tribunais judiciais de competência territorial concorrente.» [8] Acessíveis na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt. [9] Atente-se que o apelante, nas suas alegações de recurso, parece apenas pretender introduzir inovatoriamente nos autos um alegado conhecimento por banda da recorrida do conteúdo da sentença exequenda, com a qual se teria conformado e de que não recorreu, matéria que não invocou na sua contestação, sabendo-se que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. [10] Tenha-se em consideração que, havendo que aplicar subsidiariamente o disposto no CPC e conjugando-o com o Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, sempre se poderia afirmar a competência do Ministério Público para representar os ausentes, que não se mostra restringida a umqualquer tipo de tribunais, pelo que, constatada a ausência do citando, deveria ser citado o Ministério Público em sua representação, nos termos previstos no art.º 21º do CPC – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-02-20211, processo n.º 3164/20.3T8OER-A.L1-8; este entendimento não se mostra suficientemente rebatido pela orientação constante da Recomendação n.º 1/2015 emitida pela Procuradoria Geral da República na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho à LJP, que passou a prever a notificação das sentenças ao Ministério Público, considerando que tal alteração em nada modifica o conteúdo da doutrina constante do Parecer n.º 10/2005, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e, consequentemente a directiva hierárquica contida na Circular n.º 1/2005, da PGR, que determina que o Ministério Público não tem intervenção nos Julgados de Paz.