NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NATUREZA DA TRANSAÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
DISPONIBILIDADE DOS DIREITOS DO TRABALHADOR APÓS CESSAR A RELAÇÃO LABORAL
MEIOS DE REAÇÃO ADMITIDOS PERANTE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO
Sumário

I - O vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, pretende sancionar, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões/exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
II - Dada a própria natureza da transação, ao poder modificar a mesma (como resulta do artigo 284.º do CPC) o pedido ou fazer cessar a causa nos precisos termos em que se efetue, então, não terá a mesma de se conformar, necessariamente, em função do objeto processual, sendo que, .dispondo assim as partes da situação jurídica de direito substantivo afirmada em juízo, estes atos dispositivos determinam o conteúdo dos direitos e deveres das partes que a subsequente homologação judicial vem tutelar, extinguindo o processo (tornado inútil pela supressão do litígio) e abrangendo-as na autoridade do caso julgado.
III - O juiz ao homologar o acordo/transação, nos termos do disposto no artigo 290.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, se limita a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objeto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.
IV - Estando-se perante um acordo/transação firmado em ato processual realizado em tribunal e na presença do juiz, em que as partes, reconhecendo a potencialidade do litígio, acordaram em terminá-lo mediante recíprocas concessões, acordando expressamente na cessação da relação laboral, nada justifica que o trabalhador não disponha livremente dos seus créditos laborais, quer salariais, quer outros emergentes da sua violação ou cessação, terminados os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação, razão pela qual a eles pode renunciar já, ou estabelecer transação sobre eles.
V - Não se detetando vício da própria sentença homologatória, a respeito de eventuais vícios da vontade da parte que interveio na transação, cabendo no regime da anulabilidade, o direito potestativo da anulação só pode ser feito através de ação judicial ou recurso de revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação (art 287º CC ), estando, pois, excluído, de todo o modo, que se possa fazer no recurso interposto da sentença homologatória.

Texto Integral

Apelação/processo n.º 996/23.4T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz 1

Recorrente: AA
Recorridas: A..., Unipessoal, Lda., e B..., Unipessoal, Lda.

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Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Germana Ferreira Lopes





Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B..., Unipessoal, Lda., e A..., Unipessoal, Lda., peticionando a condenação destas: “a) Reconhecer-se que a 1º Ré transmitiu para 2ª Ré a titularidade do estabelecimento comercial do estabelecimento comercial de pão quente sito na Rua ..., ..., ... e que se transmitiu, igualmente, para a 2ª Ré a posição de empregador da 1ª Ré. b) Reconhecer que a A., desde 1/08/2011 era trabalhadora subordinada da 1ª Ré e que foi ilicitamente despedida, o qual não foi precedido de qualquer procedimento; c) devendo a Autora ser reintegrada ao serviço da 2ª Ré para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de «Empregada de Mesa», sob as ordens, direcção e instruções da 2ª Ré e do sócio/gerente BB, mediante a retribuição base mensal de 760,00€, acrescido de subsídio de alimentação, no supra referido estabelecimento comercial sito na Rua ... .... d) Condenar-se a 2ª Ré a pagar o montante correspondente ao valor das retribuições que a A. deixou de auferir nos antecedentes 30 dias e nas que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, computando-se as vencidas em 760,00€; e) Condenar-se as Rés no pagamento dos créditos reclamados nos art.ª 17º a 20º da P.I., no montante global de 1768,42€; e) No pagamento de juros: (…)”

Realizada, no dia 16 de maio de 2023, a audiência de partes, faz-se constar, da respetiva ata, o seguinte (transcrição):
“(…) PRESENTES: A Ilustre Mandatária da autora Dr.ª CC, cuja procuração com poderes especiais, incluindo os de representação consta já a fls. 39 dos autos, o Legal Representante da 1ª) ré, BB, acompanhado pela sua Ilustre Mandatária Dr. ª DD e a Ilustre Mandatária da 2ª) ré, Dr.ª EE (CP: ...), que neste ato junta procuração outorgada a seu favor com poderes de representação para este ato (que depois de lida e examinada foi, pela Mm.ª Juiz, rubricada e ordenada a sua junção aos autos).
*
Quando eram 14h 20m, pela Mm.ª Juiz foi declarada aberta a Audiência (e não à hora designada, decorrente das negociações entre partes, prévias ao início da audiência, que culminou com uma transação), e tentada a conciliação das partes, ao abrigo do art.º 70º, n.º 2 do Código de Processo de Trabalho, a mesma foi conseguida nos seguintes termos:
I A autora e rés reconhecem que não houve transmissão do contrato de trabalho entre a autora e a 1ª ré "A... , Unipessoal, Lda".
II A autora desiste do pedido quanto à 1ª ré "A..., Unipessoal, Lda".
III A autora reduz o pedido à quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), que recebe e a 2ª) ré "B..., Unipessoal, Lda" aceita pagar, a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação do seu contrato de trabalho.
IV Aquela quantia será paga em 5 (cinco) prestações, mensais e sucessivas; sendo a primeira no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); a segunda no valor de €1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros) e as restantes três (3) no montante de €750,00 (setecentos e cinquenta euros); vencendo-se a primeira no dia 31 de Maio, a segunda no dia 30 de Junho e as restantes no dia 30 (trinta) dos meses subsequentes (Julho, Agosto e Setembro de 2023).
V Tal pagamento será efetuado mediante transferência bancária, para o IBAN que será fornecido, no prazo de 5 (cinco) dias, para o processo pela Ilustre Mandatária da Autora.
VI O não pagamento de qualquer uma das prestações no tempo acordado implica o vencimento imediato das restantes prestações ainda em divida, que se vencerá imediatamente, sem necessidade de qualquer interpelação para o efeito.
VII Com o pagamento da quantia acima referida, as partes declaram reciprocamente não serem detentoras entre si de quaisquer outros créditos e/ou direitos emergentes da relação laboral objeto dos autos e da sua cessação, nada mais tendo a reclamar um do outro a esse título.
VIII As custas serão suportadas por autora e pela 2ª) ré "B..., Unipessoal, Lda" em partes iguais, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora.
***
Após, o que a Mm.ª Juiz proferiu a seguinte
SENTENÇA
Vieram autora e réus transigir sobre o objeto da presente ação.
Atendendo ao seu objeto, à qualidade das pessoas que nele intervieram julgo a transação de acima aludida que se dá por integralmente reproduzida e que faz parte integrante desta sentença, objetiva e subjetivamente válida e, homologando-a por sentença, condeno as partes a observar os seus precisos termos, art. 290º nº3 do Código de Processo Civil.
Custas conforme o acordado caso o M.P. nada oponha no âmbito do cumprimento do disposto no art. 537.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil.
Fixo à causa o valor de €7.529,42 (sete mil, quinhentos e vinte e nove euros e quarenta e dois cêntimos).
***
Da sentença que antecede foram notificados os presentes, que disseram ficar bem cientes. (…)

2. Com data de 15 de junho de 2023, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, culminando as suas alegações com as conclusões seguintes:
A. A Recorrente instaurou os presentes autos a 17/02/2023 e na sua Petição Inicial e à final em síntese peticionava o reconhecimento do despedimento ilícito, a reintegração, o reconhecimento da transmissão da unidade económica, e o pagamento de crédito laborais referentes a retribuição não pagas, a férias não gozada, a subsídios de férias, e a formação não ministrada.
B. A 19-04-2023 realizou-se audiência de partes, no entanto não tendo a 2ª Ré sido devidamente notificada, a Sra. Dra. Juiz deu a mesma por encerrada.
C. Isto posto, a 16-05-2023, pelas 13:45h para a realização e continuação da audiência de partes, encontravam-se presentes a mandatária da aqui Recorrente, bem como as mandatárias da 1ª e 2ª Ré, e ainda o legal representante da 1ª Ré, foi tentada pela Sra. Dra. Juiz a conciliação das partes, desta forma durante cerca de 35 minutos, pois que a audiência foi declarada aberta pela Sra. Dra. Juiz apenas às 14:20h, as partes negociaram de modo a tentaram lograr um acordo.
D. Durante 35 minutos a mandatária da Autora, num primeiro momento informou, na presença da Sra. Dra. Juiz, que a única possibilidade de acordo seria a 2ª Ré pagar todo o valor peticionado na Petição Inicial, isto é, o valor de 7.529,42€ (correspondentes a retribuições, a título de remuneração, a título de férias não gozada, de subsídios de férias, de formação profissional não ministrada, de juros que a Autora deixou de auferir), o que foi declinado pela 2ª Ré,
E. Face a isso a mandatária da Autora propôs então a possibilidade de acordo desde que o aludido valor 7.529,42€ fosse também assegurado pela 1ª Ré, tanto a 1ª como a 2ª Ré declinaram tal acordo, e logo de seguida a 2ª Ré propôs então o pagamento de 3.000,00€ para tentativa de acordo, o que foi determinantemente negado pela Autora, através da sua mandatária.
F. Após conversações com a Autora, a mandatária desta propôs então o pagamento de 5.000,00€ pela 2ª Ré, e caso tal não fosse cumprido a 1ª Ré asseguraria o pagamento, também esta proposta foi recusada pela 1ª Ré, que perentoriamente se negou a chegar a qualquer acordo.
G. Isto posto foi a então mandatária da Autora informada pelas mandatárias das Rés de que em processo semelhante, também ele tramitado, no Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz 1, em que o autor era um outro trabalhador da 2ª Ré e que esta a 2ª Ré havia assegurado o pagamento dos créditos a tal trabalhador, e que nesse sentido haviam chegado a acordo/transação (homologada por Sentença) e que o mesmo estava a ser cumprido.
H. Face a tal informação, a mandatária da Autora, depois de dialogar com a mesma, apresentou então à 2ª Ré, a sua última proposta de acordo que foi a que ficou vertida na transação.
I. Deste modo, e nesse sentido, ocorreu transação, da qual em síntese resulta seguinte, que a Autora e Rés reconheciam que não havia ocorrido transmissão do contrato de trabalho, que o valor peticionado ficaria reduzido à quantia 5.000,00€, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato, a pagar pela 2ª Ré em prestações, a primeira no valor 1.500,00€ a pagar a 31 de maio, a segunda no valor de 1.250,00€ e as restantes três no montante de 750,00€ a pagar a 30 dos meses seguintes.
J. Sucede que 02-06-2023 a 2ª Ré, B..., Unipessoal, Lda., deu entrada em juízo no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Santo Tirso a ação de insolvência de pessoa coletiva que deu origem ao processo n.º 1778/23.9T8STS, sendo que no referido processo foi proferida Sentença de declaração de insolvência a 13-06-2023.
K. Veja-se que a 2ª Ré deu então entrada da ação de insolvência apenas 17 dias depois de transacionar nos autos aqui em causa, o que revela a sua má-fé no que à transação diz respeito.
NULIDADE DA SENTENÇA:
L. A Sentença viola a norma jurídica contida no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil e com o devido respeito não fez uma correta interpretação dos artigos 264.º, 237.º e 337.º do Código de Trabalho e dos artigos 1248.º e 1249.º do Código Civil.
M. Da Petição Inicial decorre que a Autora havia sido admitida pela 2ª Ré a 01-08-2011 por contrato de trabalho verbal, e que no mês de Dezembro de 2022, a 2ª Ré trespassou a exploração do espaço comercial de pão quente (onde a trabalhadora prestava a sua atividade) para a 1ª Ré.
N. Decorre ainda da Petição Inicial que a 2ª Ré comunicou verbalmente ao marido da Autora a cessação do contrato de trabalho desta, e que posteriormente comunicou à segurança social a cessação do mesmo por despedimento por extinção do posto de trabalho.
O. E nesse sentido a Autora peticionou a reintegração face ao despedimento ilícito, e face à transmissão da unidade económica da 2ª Ré para a 1ª Ré, bem como peticionou os seus créditos laborais, créditos esses que abrangiam o seu direito à retribuição, ao gozo de férias, ao subsídio de férias, e ao período de formação não ministrada.
P. Isto posto, decorre do art.º 127.º, n.º 1, al. b) e d) do Código do Trabalho que o empregador deve pagar pontualmente a retribuição, bem como deve contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação.
Q. Do mesmo modo decorre do art.º 337.º do Código do Trabalho que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
R. Já quanto às férias o art.º 264.º do Código do Trabalho estabelece o direito do trabalhador a auferir de retribuição durante o período de férias, bem como estabelece o direito ao subsídio de férias, no mesmo sentido o art.º 237.º do Código do Trabalho impõe que o direito a férias é irrenunciável.
S. Por sua vez o Código Civil, e quanto às transações, rege o artigo 1248.º, mas mais importante é o preconizado no art.º 1249.º o Código Civil que institui que As partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.
T. Assim, e neste sentido é de avocar o art.º 289.º, n.º 1 do Código de Processo Civil pois que este afirma que não é permitida a transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.
U. Destarte, as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no n.º 1, do art.º 615.º do Código de Processo Civil, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a pôr termo ao processo por transação.
V. Mas a verdade é que o art.º 615.º do Código de Processo Penal, no seu n.º al. d), determina que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
W. E nesse sentido sempre se diga, que bem analisada a sentença, o Tribunal não se pronunciou sobre questões que se devia ter pronunciado, designadamente não se pronunciou quanto ao facto de estarem em causa na transação direitos indisponíveis, antes homologou a sentença e considerou estarem em causa direitos disponíveis, não se debruçando sequer sobre os direitos em causa na transação.
X. Neste sentido a Sentença é nula por não ter conhecido dos direitos que estão em causa nos presentes autos e que foram (erradamente) transacionados.
Y. Portanto, a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão, no caso para a decisão de homologação, ou seja, tal nulidade verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente.
Z. Ora a o Tribunal deveria ter conhecido dos direitos em causa na transação, e devia ter conhecido dos mesmo oficiosamente, no sentido de escrutinar se os mesmo se tratavam de direitos disponíveis ou não.
AA. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, de 05-05-2021, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/200984/.
BB. Assim a Sentença “a quo” violou o previsto no art.º art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia.
NULIDADE DA TRANSAÇÃO:
CC. Desde logo, a transação celebrada entre as partes, e homologada pelo Tribunal é nula, está, pois, em causa a nulidade da decisão judicial proferida com base na transação, ou seja, da sentença homologatória da transação, mas também a “nulidade da transação” formalizada entre as partes.
DD. Assim, provada a nulidade da transação, outra alternativa não resta se não através deste recurso, em consequência, ser a Sentença que homologou a transacção revogada.
EE. Certo é que as partes não podem transigir sobre direitos que não lhes é lícito dispor, como in casu ocorreu, nem sobre questões respeitantes a negócios ilícios (cfr. art.º 1249.º do CC e art.º 289.º do CPC).
FF. Não será assim admitida transação sobre direitos relativos a créditos laborais, por se tratarem de direitos indisponíveis e intransponíveis (cfr. art.ºs. 280.º e 294.º do CC).
GG. Assim, e nestes termos segundo o art.º 291.º do Código Civil a transação pode ser declarada nula ou anulada.
HH. Como resulta dos supracitados, a transação judicial para ser eficaz necessita, no entanto, de ser homologada por sentença, a qual apreciará a validade da mesma, e, em caso afirmativo, condenará e absolverá as partes nos seus precisos termos (cfr. arts. 290.º, n.º 3 e 4 e 152.º, n.º 2, ambos do CPC).
II. A função dessa sentença não é a de apreciar ou decidir as razões e argumentos das partes sobre a respetiva controvérsia substancial, mas apenas a de verificar/fiscalizar a regularidade e a validade do acordo, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nele intervieram, o que in casu não aconteceu.
JJ. Pois que in casu, desde logo deveria ter fica afastada a homologação da transação por estar em causa matéria versando sobre direitos indisponíveis.
KK. Do mesmo modo, está também em causa a interpretação das declarações de vontade das partes ao celebrarem a transacção judicial, à luz da regra estabelecida no n.º 1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
LL. Ora, as partes acordaram expressamente que a 2ª) Ré efectuaria os pagamentos nos termos da transação, pagamentos esses que como é lógico correspondem aos créditos salarias a que a Autora tinha direito, ademais e como se demonstra supra a 2ª Ré não honrou os termos do acordo a que se vinculou (ainda que nulo), bem como atuou de má-fé pois que logo passados 17 dias foi peticionar pela insolvência.
MM. Deste modo, e sendo a Sentença homologatória, bem como a própria transação nula, os presentes autos devem retornar aos seus termos originais, isto é, devem configurar na acção as duas Rés, bem como deve configurar o pedido de reconhecimento do despedimento ilícito, o reconhecimento da transmissão da unidade económica, e o direito aos créditos laborais.
NN. Pois que o certo é, que os créditos laborais são irrenunciáveis e indisponíveis conforme tem uniformemente entendido a jurisprudência a partir do disposto, em matéria de prescrição, no art.º 381.º do Código de Trabalho.
OO. Bem como é irrenunciável e indisponível o direito à retribuição, como resulta do preceituado no art.º 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a propósito da prescrição e tratando-se de direito indisponível, não pode ser objecto de transação, conforme art.º 289.º do Código de Processo Civil.
PP. Do mesmo modo o gozo de férias é um direito dos trabalhadores, e é um direito irrenunciável e indisponível, nos termos do art.º 237.º do Código do Trabalho.
QQ. Assim, ao não ter interpretado corretamente os artigos supramencionados, bem como os direitos nele ínsitos, a Sentença incorreu em erro de julgamento ao considerá-los direitos disponíveis e ao homologar a transação, pelo que deve a transação ser declarada nula, e a Sentença homologatória revogada e substituída por outra.
RR. Mais se diga que a aludida transação sempre se teria de ter por nula pois que vontade que presidiu à celebração do negócio em que a transacção se traduz está viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão, no caso em apreço a Recorrente, isto é a sua vontade em celebrar a transacção, nos termos em que o fez, foi determinada pela errónea convicção de que a 2ª Ré pagaria o valor acordado, o que depois não se.
SS. E tal aconteceu porque a 2ª Ré, maliciosamente convenceu a Autora de que iria cumprir com o transacionado, a isto acrescendo todos os comentários feitos em sede de Audiência de partes quanto ao processo do outro trabalhador da 2ª Ré, o que criou na Autora a convicção de que a 2ª Ré era cumpridora e que se havia cumprido com outro trabalhador também iria cumprir consigo.
TT. Com efeito o que se pretendeu com a acção que deu origem aos presentes autos onde a transacção foi celebrada e, foi a declaração de despedimento ilícito, o reconhecimento e o pagamento de créditos laborais, assim é evidente que a vontade da autora foi viciada por erro – inexacta representação da realidade, tal erro foi essencial e determinante da vontade de transigir.
UU. A Ré nunca teve o intuito de cumprir com o teor da transacção homologada por Sentença e com isso a Autora está a ficar prejudicada, tendo-se vencido as demais prestações nos termos do clausulado da transacção judicial.
VV. E não terá sido com esse intuito e pressupostos que a Autora aceitou a transacção judicial, dispondo sobre direitos indisponíveis e irrenunciáveis, créditos laborais, cessação do contrato de trabalho e a transmissão de estabelecimento.
WW. Sendo a primeira prestação do acordo a 31-05-2023, a Ré B..., Unipessoal, Lda nunca terá tido a intenção de proceder a qualquer pagamento, pois, ter-se-á apresentado à insolvência no dia 02-06-2023 no processo n.º 1778/23.9T8STS, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3 (cfr. documentos juntos aos autos com a notificação que antecede do presente dia 15-06-2023, com a Ref.ª 449493404).
XX. Com o prejuízo da Autora com a transacção judicial, pois, nos termos do art.º 336.º do Código do Trabalho em conjugação com o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril e com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o valor da transacção judicial poderá ficar prejudicado/reduzido.
YY. Sendo que as Rés terão agido com o intuito de enganar/induzir em erro a Autora, com o consequente prejuízo desta, pois, as únicas beneficiárias são as Rés.
ZZ. Assim estaremos perante um vício previsto no art.ºs 289.º, 290.º e 291.º do CPC e art.ºs 244.º, 245.º, 283.º, 1248.º e 1249.º, do Código Civil, que aqui se invoca para todos os efeitos legais a sua nulidade.
AAA. Acresce que também é evidente que a vontade da Autora foi viciada por erro – inexacta representação da realidade, tal erro foi essencial e determinante da vontade de transigir, com a verificação da anulabilidade da transacção celebrada com base em erro (cfr. artº 251º do CC),
É pois o que se Requer a V. Exa.”

3. Também com data de 15 de junho de 2023, apresentou a Autora requerimento (referência 45868367), dirigida ao Tribunal a quo, que culmina nos termos seguintes:
“(…) Assim estaremos perante um vício previsto no art.ºs 289.º, 290.º e 291.º do CPC e art.ºs 244.º, 245.º, 283.º, 1248.º e 1249.º, do Código Civil, que aqui se invoca para todos os efeitos legais a sua nulidade.
Junta: 2 documentos
É pois o que se Requer a V. Exa.”

3.1. Sobre tal requerimento se pronunciaram as 1.ª Ré, em atos autónomos, culminando a final requerendo o respetivo desentranhamento.

4. Contra-alegaram as Rés, mais uma vez em atos autónomos, pugnando ambas pela improcedência do recurso.

5. Com data de 31 de julho de 2023, deu a Autora entrada de novo requerimento (referência 46243015), mais uma vez dirigido ao Tribunal de 1.ª instância, que finda do modo seguinte:
“Assim e neste sentido requer-se a V. Exa. que admita a junção aos autos “do Relatório do Sr. Dr. Administrador de Insolvência proferido no processo n.º 1778/23.9T8STS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Santo Tirso – Juiz 3.
Junta: um documento.”

5.1. Sobre tal requerimento se pronunciou a 2.ª Ré, impugnando o documento que se pretende juntar e requerendo a final o seu desentranhamento.

5.2. Com data de 4 de setembro de 2013 apresentou a Autora novo requerimento, em resposta ao requerimento da 2.ª (ponto 5.1.), que culmina do seguinte modo: “Pelo que deverá o referido documento junto pela Autora ser admitido e manter-se nos presentes autos, indeferindo-se o requerido pela Ré A....”

6. Em 4 de outubro de 2023 foram proferidos em 1.ª instância os despachos com o teor seguinte:
“Requerimento de 15-06-2023, com a ref.ª citius 35954871
Por força do disposto nos arts. 617.º, n.º 1, do CPC (Código de Processo Civil), profiro despacho quanto ao objeto da reclamação de nulidade da sentença considerando-se inexistir qualquer nulidade porquanto se observou o estatuído no art. 290 n.º 2 do CPC, não estando em causa quaisquer créditos laborais indisponíveis.
Não enferma, pois, a sentença homologatória de qualquer nulidade.
Quanto ao mais que constitui o objeto do recurso, cabe aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto decidir.
Pelo exposto, indefiro o requerimento de arguição de nulidade.
*
Por ser tempestivo e legalmente admissível, defiro o requerimento de interposição de recurso de apelação, tendo este efeito meramente devolutivo, com subida imediata e nos próprios autos, art.s 79 n.º 1 al. a), 80 n.º 1 , 83 n.º 1 e 83 A, n.º1 todos do CPT (Código de Processo de Trabalho).
*
Requerimento de 15-06-2023, com a ref.ª citius 35954872
Visto.
Nada a ordenar e/ou a decidir, porquanto com a prolação da sentença de 16.05.2023 mostra-se esgotado o poder jurisdicional do juiz, sendo certo que a execução da sentença extravasa o objeto dos presentes autos e a autora interpôs recurso da sentença.
Em face do exposto fica prejudicada a apreciação dos requerimentos de 27-06-2023, com a ref.a citius 36058794 e 36058655
*
Requerimento de 31-07-2023, com a ref.ª citius [36353814
A admissibilidade e/ou pertinência do documento junto será questão a decidir pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto.
*
Notifique
Remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”

7. Subindo os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, fazendo constar, designadamente, o seguinte:
«(…) Com base na vontade viciada por erro como refere a Autora, que se entende, como se disse, lhe assiste razão, não poderá a Recorrente obter esse resultado em sede de recurso, neste recurso.
Como se lê no citado Ac. da RC de 26.04.2022, proc. 651/20.7T8LMG-A.P1, www.dgsi.pt, “Se a parte pretender dar sem efeito a transacção com base na existência de vícios da vontade ou de vícios no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção terá de instaurar acção na qual peça a declaração da nulidade ou a anulação desse negócio jurídico.”
Como se refere, ainda, no texto do acórdão citado, “Fora desta situação … a parte interveniente na transacção, para lograr o objectivo que a apelante parece pretender no recurso – que se reabra a discussão no processo de modo a que o mesmo siga os seus termos normais conducentes a uma sentença que conheça do pedido formulado em função dos factos constantes do mesmo - tem que, fora deste, lograr por um lado, a destruição dos efeitos substantivos da transacção e o processual resultante do caso julgado atribuído a esses efeitos pela homologação da transacção, e por outro, a destruição do efeito processual decorrente da extinção da instância no processo em que foi produzida a sentença homologatória.
A destruição daqueles efeitos substantivos obtê-la-á, a parte, em processo autónomo, alegando e provando a existência de vícios da vontade nos outorgantes, ou vício no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção, e pedindo a declaração da nulidade ou a anulabilidade desse negócio jurídico … servindo-se, para o efeito do regime geral dos negócios jurídicos.”
5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer em conformidade.»

7.1. Notificadas as partes, respondeu a Recorrida A..., Unipessoal, Lda., ao aludido parecer, evidenciando a sua concordância quanto ao mesmo.

II – Questão prévia
Aquando da admissão do recurso pelo Tribunal recorrido, pronunciando-se sobre o requerimento, dirigido a esse tribunal, apresentado da Autora nos autos em 31 de julho de 2023, em que requereu que admita a junção aos autos “do Relatório do Sr. Dr. Administrador de Insolvência proferido no processo n.º 1778/23.9T8STS, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Santo Tirso – Juiz 3”, fez o Tribunal constar que “a admissibilidade e/ou pertinência do documento junto será questão a decidir pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto”.
Salvo o devido respeito, não se percebe, até em face da circunstância de a Autora ter dirigido tal requerimento expressamente a esse Tribunal, como ainda outros requerimentos que de resto foram por esse apreciados (desde logo aquele em que invocou “estaremos perante um vício previsto no art.ºs 289.º, 290.º e 291.º do CPC e art.ºs 244.º, 245.º, 283.º, 1248.º e 1249.º, do Código Civil” e que foi apreciado por despacho proferido em 4 de outubro de 2023 em que se indeferiu), e não, pois, a este Tribunal da Relação – tal junção não foi efetuada aquando da apresentação das alegações –, a razão por que a questão da admissibilidade e/ou pertinência do documento junto deva ser questão a decidir por este Tribunal da Relação e não, como entendemos que o deve ser, pelo Tribunal de 1.ª instância, nos termos, circunstâncias e momento em que foi requerida a junção.
Nos termos expostos, por não se incluir no âmbito do recurso que apreciamos, não se conhece da referida questão.
*

Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do CPT), a única questão a decidir passa por saber se a decisão recorrida padece dos vícios invocados pela Recorrente.
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IV – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação do recurso resultam do relatório que antes se elaborou.

B) Discussão
1. Introito
Como resulta das conclusões, a questão a decidir passa por saber se a decisão recorrida aplicou adequadamente a lei e o direito ao ter homologado, por sentença, a transação a que chegaram às partes na audiência de partes.
A Recorrente, nas suas extensas e prolixas conclusões – deixando-se consignado que o relator só não proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no artigo 639.º, do CPC, por ter considerado que a questão a decidir não envolve especial complexidade e foi claramente percebida pelas Recorridas –, dizendo que “a Sentença viola a norma jurídica contida no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC”, e que “não fez uma correta interpretação dos artigos 264.º, 237.º e 337.º do Código de Trabalho e dos artigos 1248.º e 1249.º do Código Civil”, invoca, para o efeito, os argumentos que resultam das conclusões, para onde se remete.
L. A Sentença viola a norma jurídica contida no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil e com o devido respeito não fez uma correta interpretação dos artigos 264.º, 237.º e 337.º do Código de Trabalho e dos artigos 1248.º e 1249.º do Código Civil.

Pugnando as Apeladas pela improcedência do recurso, no que são acompanhadas pelo Ministério Público nesta Relação no parecer emitido, cumprindo-nos apreciar e decidir, desde já avançaremos que o recurso está votado ao insucesso, pelas razões que diremos de seguida, em que analisaremos, pela ordem que foram invocadas, as questões que nos são colocadas.

2. Enquadramento
Em termos de melhor se enquadrar a nossa pronúncia, importa que façamos previamente o enquadramento das questões que nos são colocadas, tarefa a que nos dedicaremos de seguida, socorrendo-nos, para o efeito, porque o temos como bastante, do que se afirmou no acórdão desta Secção de 14 de julho de 2021[1], nos termos que seguidamente se transcrevem:
«Desde logo, importa que tenhamos presente que, como resulta do disposto no artigo 1248º, n.º 1, do CC, a transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Assim, como expressamente desse preceito resulta, a finalidade do contrato de transação consiste, pois, precisamente em prevenir ou terminar um litígio, ou seja, nas palavras de Rodrigues Bastos[2], através da transação substitui-se “a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação”, sendo que, constituindo pois a existência de concessões recíprocas requisito constitutivo do contrato de transação, sendo deste modo deixados os termos da exigida reciprocidade afinal à liberdade das partes e à avaliação que as mesmas façam da distribuição do risco do resultado do litígio, agora também por apelo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, poderemos dizer que a transação situar-se-á, assim, a meio da desistência do pedido e da confissão[3].
Vistas agora as normas processuais (CPC), configurando-se a transação (tal como a confissão e a desistência) como causa de extinção da instância (como resulta da al. d) do artigo 277.º), sendo que, dispondo-se no n.º 2 do artigo 283.º ser “lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa”, resulta depois do artigo 284.º que a mesma (à semelhança da confissão) modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetue.
Sendo efetuada em ata[4], nos termos previstos no n.º 4 do artigo 291.º, o juiz, caso verifique que a transação é válida pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, limita-se a homologá-la por sentença, ditada para a ata, condenando nos respetivos termos. Ou seja, como resulta da citada norma, dependendo é certo a eficácia da transação da prolação da sentença homologatória, constata-se que a função dessa sentença não é a de apreciar/decidir as razões e argumentos das partes sobre a respetiva controvérsia substancial e sim, apenas, diversamente, a de verificar/fiscalizar a regularidade e a validade do acordo, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nele intervieram.
Daí que, verdadeiramente, como de resto resulta do antes citado n.º 1 do artigo 1248º do CC, se possa dizer, sem grande margem para dúvidas, que a fonte real da resolução do litígio não é nestes casos propriamente a sentença homologatória e sim, afinal, o ato de vontade das partes, mais propriamente a respetiva convergência no sentido de, mediante recíprocas concessões, terminam esse litígio.
Isso mesmo tem sido evidenciado pela nossa Jurisprudência, ao pronunciar-se sobre o alcance da transação judicial, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2018[5], nos termos do qual, entendimento que também sufragamos, “«tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera» (ASTJ de 4.11.93, apenas com sumário disponível em www.dgsi.pt e publicado em BMJ 431/417, realce acresc.; no mesmo sentido, transcrevendo o passo do acórdão, ASTJ, de 25.3.2004, publicado na página referida)”.
Vale, pois, a transação por si, como negócio das partes, sendo que “a intervenção do juiz é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa” – como se refere no Acórdão desta Secção da Relação do Porto de 21 de dezembro de 2006[6]. E, porque assim é, proferida a sentença homologatória qualquer eventual recurso que essa tenha por objeto apenas pode incidir sobre um vício de que enferme essa mesma decisão – e não pois sobre o mérito da transação que foi homologada, ou, dito de outro modo, sobre a validade intrínseca do contrato de transação que foi celebrado entre as partes –, sendo que, tal como resulta do regime processual vigente, a transação (tal como a confissão e a desistência) pode então ser declarada nula ou anulada como os outros atos da mesma natureza, não obstando pois o trânsito em julgado da sentença homologatória proferida a que se intente a ação destinada à sua declaração de nulidade ou anulação, ou, ainda, por outra via, que se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação[7]– não constituindo pois o recurso a interpor de uma sentença homologatória de uma transação a sede própria para se pôr em causa a validade substantiva do contrato de transação sobre o qual aquela incidiu[8].
Isso mesmo resulta do que tem sido repetidamente afirmado também pela Jurisprudência, como ocorre no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2016[9], quando nesse se fez constar que o juiz, ao homologar o acordo/transação, “nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram”, sendo que “a exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva”, sem que, porém, tome “o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado”. E, precisamente por ser assim, como de seguida se esclarece no mesmo Acórdão, “a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 195.º do C.Civil)”, do que decorre, neste contexto, que «terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação"» - ainda citando o mesmo Acórdão: “Assumindo a transação judicial a natureza jurídica de um autêntico contrato, há-de ela incluir-se no regime legal acomodado para o regime geral dos negócios jurídicos (artigo 217.º e segs. do C.Civil), designadamente é permissível que se apure se, em especificada transação, ocorreu erro na declaração que a materializou, nos termos e pelo modo como está doutrinado e condensado nos artigos 247.º do Cód. Civil - quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”

3. O caso que se aprecia
Na consideração, então, do regime que antes se enunciou, que importa aplicar ao caso, tendo presente, como se disse, que o juiz ao homologar o acordo/transação, nos termos do disposto no artigo 290.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, se limita a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objeto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram, então, tendo agora presentes as questões que são colocadas no presente recurso, percebe-se que a Recorrente começa por invocar, afinal, o que nos termos antes também ditos é em tese admissível (como ainda que fundamente então a interposição de recurso com esse objeto), que a sentença homologatória padece no caso precisamente de um daqueles referidos vícios, nomeadamente, em particular, referente à verificação, que se impõe ao tribunal, sobre se, em face da qualidade do objeto, a transação é válida, ou seja, no que ao caso importa, pois é esse o fundamento que a Recorrente invoca, se não incidirá, como essa o diz, sobre direitos indisponíveis, pois que, se assim for, importará ter desde logo presente a proibição estabelecida no n.º 1 do artigo 289.º do CPC – “Não é permitida confissão, desistência ou transação que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.”

3.1. Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Antes de entrarmos propriamente na análise sobre se estamos ou não perante direitos indisponíveis teremos de fazer um esclarecimento, este no sentido de que, a ser esse o caso, ou seja se estiver em causa homologação judicial de transação que teve por objeto direitos indisponíveis, não estaremos, assim o entendemos, diversamente do que se invoca, perante uma qualquer situação enquadrável na nulidade da sentença por omissão de pronúncia, vício este a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
É que, quanto a tal vício – alínea d): O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento –, como no Acórdão desta Relação de 28 de outubro de 2021[10], pretende o mesmo sancionar, “em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3.º do CPC, a violação do disposto no artigo 608.º n.º 2 do CPC, sendo assim “em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões/exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso” – “o mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia». Ou seja, para que seja cumprido o dever aí estabelecido é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[11], o que, voltando ao caso, dada precisamente a própria natureza da transação, ao poder modificar a mesma (como resulta do artigo 284.º) o pedido ou fazer cessar a causa nos precisos termos em que se efetue, então, não terá a mesma de se conformar, necessariamente, em função do objeto processual.
Mas mais, pois que, independentemente do que se referiu anteriormente, no caso ocorreu expressa pronúncia por parte do Tribunal recorrido, na medida em que, como se escreveu na sentença, esse Tribunal, ao ter afirmado que julga a transação que se fez constar da ata (e que se deu por integralmente reproduzida como fazendo parte integrante da sentença) “objetiva e subjetivamente válida”, tal pronúncia traduz-se na afirmação de que é válida pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, ou seja, foi cumprida a função dessa sentença, nos termos supra mencionados, que aqui se repetem, assim, não propriamente a apreciação/decisão das razões e argumentos das partes sobre a respetiva controvérsia substancial e sim, apenas, a de verificar/fiscalizar a regularidade e a validade do acordo, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nele intervieram.
Relembrando também os ensinamentos de Lebre de Freitas[12], “através (da desistência do pedido, da confissão do pedido) e da transacção, as partes dispõem da situação jurídica de direito substantivo afirmada em juízo (…). Estes actos dispositivos de direito civil determinam, assim, o conteúdo dos direitos e deveres das partes (…) que a subsequente homologação judicial vem tutelar, extinguindo o processo (tornado inútil pela supressão do litígio) e abrangendo-as na autoridade do caso julgado. No momento de proferir a sentença homologatória, o juiz encontra-se assim perante as situações jurídicas definidas pelas partes. A tutela judiciária é, ainda aqui, tutela de situações jurídicas dela carecidas, já não porque necessitadas duma definição, mas porque à definição feita pelas partes falta a força do caso julgado”.
Assim, como se refere, fundando-se também nos ensinamentos do mesmo Autor, no Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de abril de 2022[13], a que aliás alude o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, a sentença homologatória só poderá ser concedida se o objeto do litigio estiver na disponibilidade das partes (artigo 289.º, do CPC), tiver idoneidade negocial (artigos 280.º e 281.º, do Código Civil), se as pessoas que tiveram intervenção na transação tiverem capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objeto (artigo 287.º, do CPC), sem prejuízo de dever o juiz, também, a pertinência do objeto do negócio para o processo, isto é, a sua coincidência com o pedido deduzido, mas tendo em conta que a transação pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido[14] – acrescentando-se de seguida, citando-se: “Por isso, a sentença homologatória não constitui «resposta» ao pedido formulado pelo autor na acção. Sendo uma sentença de mérito, não o é por ter conhecido do pedido do A. ou do do R., mas porque absorve o conteúdo do negócio jurídico em que se traduz a transacção, condenando e absolvendo nos termos exactamente pretendidos e resultantes das concessões reciprocas das partes em que aquela se traduz. Com o que, «havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objectivo aos factos provados, tutelando o direito subjectivo ou o interesse juridicamente protegido que, em conformidade, se verifique existir».[4]”[15]
Do exposto resulta, pois, que o Tribunal recorrido se pronunciou sobre as questões que lhe eram colocadas, razão pela qual não padece da nulidade de omissão de pronúncia que lhe é imputada.
Coisa diversa, mas que já não se integrará no âmbito do analisado vício, é o saber se ocorreu errada ou inadequada aplicação do direito, mais precisamente, no que aqui importa, que não seja ajustada a afirmação do Tribunal de que a transação em causa é válida no que se refere ao seu objeto, por versar, como o refere a Recorrente, sobre direitos indisponíveis, questão essa que apreciaremos de seguida.

3.2. Da natureza disponível dos direitos
Em traços breves, do que se extrai em síntese da sua invocação, sustenta a Recorrente que a transação, contrariamente ao afirmado na sentença homologatória, não é válida pois que a transação versou sobre direitos indisponíveis.
Mas sem razão, adiante-se desde já.
É que, e desde logo, o que assume determinante relevância para a questão que se aprecia, estamos afinal perante um acordo / transação, de resto firmado em ato processual realizado em tribunal e na presença do juiz, em que as partes decidem, por acordo, por um lado reconhecer que não houve transmissão do contrato de trabalho entre a autora e a 1ª Ré, desistindo a Autora do pedido quanto a essa Ré, e, por outro, a cessação da relação laboral entre a Autora e a 2.ª Ré, fixando o valor, por acordo, a pagar por esta, a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho, mais declarando que “com o pagamento da quantia acima referida, as partes declaram reciprocamente não serem detentoras entre si de quaisquer outros créditos e/ou direitos emergentes da relação laboral objeto dos autos e da sua cessação, nada mais tendo a reclamar um do outro a esse título”.
Ou seja, estamos efetivamente perante um típico contrato de transação, tal como é definido no artigo 1248.º n.º 1 do CC, ou seja, as partes, reconhecendo a potencialidade do litígio, acordaram em terminá-lo mediante recíprocas concessões, sendo que, diga-se, porque expressamente acordam, sem que restem dúvidas, na cessação da relação laboral, então – mesmo independentemente da questão de essa se dever ter como finda pelo despedimento que foi invocado na ação como tendo ocorrido –, importa ter presente que o direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral. Daí que, cessada a relação laboral, nada justifica já que o trabalhador não disponha livremente dos seus créditos laborais, quer salariais, quer outros emergentes da sua violação ou cessação, terminados os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação, razão pela qual a eles pode renunciar já, ou estabelecer transação sobre eles.
Tem sido esse o sentido que aponta a Jurisprudência dos nossos Tribunais, como aliás se afirmou já no Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de fevereiro de 2010[16], dele constante, nomeadamente, daí a prática generalizada “de nos tribunais de trabalho se julgarem válidas transações judiciais no âmbito das quais, em processos de impugnação de despedimento, os trabalhadores transigem/desistem/renunciam em relação a créditos laborais, pondo termo aos respectivos processos”[17], para concluir que, “dito isto, chegamos à conclusão que o referido contrato de transacção se deve considerar válido.”
No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação do Porto de 18 de maio de 2020[18], aí se afirmando:
«(…) Resulta, pois, deste contrato de transacção que as partes não só acordaram “em pôr termo ao presente litígio”, como “acordam em pôr termo ao contrato de trabalho entre ambos existente, com efeitos ao dia 23.9.2019”, data da entrada em juízo do respectivo contrato de transacção. (…)
Cessado o contrato de trabalho por acordo das partes, os créditos dele resultantes - os vencidos à data da cessação ou os exigíveis em virtude desta - passaram a ter natureza disponível e, consequentemente, a permitir às partes transigirem licitamente sobre o objecto da causa e, bem assim, sobre outros direitos diversos do direito controvertido. (…)”.
De resto, diga-se por último, a respeito de estarmos perante transação feita em juízo, importa relembrar que, mesmo na recente alteração da redação do artigo 337.º do Códido do Trabalho, com a introdução do seu n.º 3, em que se estabelece que o crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvaguarda-se, porém, podendo nesse caso sê-lo, que o seja por transação judicial.
Em face de todo o exposto, voltando-se ao caso, sem necessidade de outras considerações, resta-nos concluir pela improcedência do recurso também quanto a esta questão.

4. Dos demais vícios invocados
Invoca por último a Recorrente que: a transação sempre se teria de ter por nula, pois que vontade que presidiu à celebração do negócio em que se traduz está viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão, no caso em apreço a Recorrente, isto é a sua vontade em celebrar a transação, nos termos em que o fez, foi determinada pela errónea convicção de que a 2ª Ré pagaria o valor acordado, o que depois não fez – tal aconteceu porque a 2ª Ré, maliciosamente convenceu a Autora de que iria cumprir com o transacionado, a isto acrescendo todos os comentários feitos em sede de Audiência de partes quanto ao processo do outro trabalhador da 2ª Ré, o que criou na Autora a convicção de que a 2ª Ré era cumpridora e que se havia cumprido com outro trabalhador também iria cumprir consigo (é evidente que a vontade da autora foi viciada por erro – inexata representação da realidade, tal erro foi essencial e determinante da vontade de transigir); a Ré nunca teve o intuito de cumprir com o teor da transação e com isso a Autora está a ficar prejudicada, tendo-se vencido as demais prestações nos termos do clausulado da transação judicial e não foi com esse intuito e pressupostos que aceitou a transação judicial, dispondo sobre direitos indisponíveis e irrenunciáveis, créditos laborais, cessação do contrato de trabalho e a transmissão de estabelecimento – sendo a primeira prestação do acordo a 31-05-2023, a Ré B..., Unipessoal, Lda. nunca terá tido a intenção de proceder a qualquer pagamento – pois, ter-se-á apresentado à insolvência no dia 02-06-2023 no processo n.º 1778/23.9T8STS, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3 (cfr. documentos juntos aos autos com a notificação que antecede do presente dia 15-06-2023, com a Ref.ª 449493404) –, com o prejuízo da Autora, pois, nos termos do art.º 336.º do Código do Trabalho em conjugação com o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril e com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o valor da transação judicial poderá ficar prejudicado/reduzido; as Rés terão agido com o intuito de enganar/induzir em erro a Autora, com o consequente prejuízo desta, pelo que estaremos perante um vício previsto no art.ºs 289.º, 290.º e 291.º do CPC e art.ºs 244.º, 245.º, 283.º, 1248.º e 1249.º, do Código Civil, que aqui se invoca para todos os efeitos legais a sua nulidade.
Pois bem, cumprindo-nos apreciar nesta parte o recurso, como bem refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, este está também aqui votado ao insucesso.
Como resulta do Acórdão citado nesse parecer, já antes identificado, com o qual concordamos – dispensando-se assim outras considerações da nossa parte:
(…) Fora desta situação – que as conclusões das alegações no presente recurso não reflectem minimamente – a parte interveniente na transacção, para lograr o objectivo que a apelante parece pretender no recurso – que se reabra a discussão no processo de modo a que o mesmo siga os seus termos normais conducentes a uma sentença que conheça do pedido formulado em função dos factos constantes do mesmo - tem que, fora deste, lograr por um lado, a destruição dos efeitos substantivos da transacção e o processual resultante do caso julgado atribuído a esses efeitos pela homologação da transacção, e por outro, a destruição do efeito processual decorrente da extinção da instância no processo em que foi produzida a sentença homologatória.
A destruição daqueles efeitos substantivos obtê-la-á, a parte, em processo autónomo, alegando e provando a existência de vícios da vontade nos outorgantes, ou vício no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção – cfr Ac RL 3/2/2009 [7] - e pedindo a declaração da nulidade ou a anulabilidade desse negócio jurídico (no caso desta, sem prejuízo da caducidade correspondente), servindo-se para o efeito do regime geral dos negócios jurídicos.
Por isso, o nº 1 do art 291º CPC refere que «a (…) transacção pode ser declarada nula ou anulada como os outros actos da mesma natureza», querendo com isso tornar claro que se pretende, neste particular, remeter para o regime jurídico do negócio jurídico – arts 285º/289º CC - como o salienta Lebre de Freitas [8].
A sentença que declare a nulidade ou a anulabilidade da transacção pode decretar os efeitos substantivos daí emergentes, pelo que «anulada a transacção - seja por via de acção (art 301º/2), seja por via de oposição à execução (art 814ºal h) do COC ) – a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto titulo executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida». [9]
A destruição do efeito de extinção da instância produzido pela sentença homologatória só pode, porém, obtê-lo, através da interposição de recurso de revisão.
Desde o DL 38/2003 - que no âmbito do aCPC deu ao então nº 2 do art 301º a redacção que hoje consta do nº 2 do art 291º do actual CPC [10] – que a parte que pretenda um e outro dos referidos objectivos os pode obter interpondo meramente recurso de revisão, e não já, como anteriormente, através da propositura de dois processos.
Referindo-se a essa situação, comentam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[11]: «Esta duplicidade de meios (acção e recurso) fundava-se na distinção entre os efeitos (negociais) do acto de confissão do pedido, desistência ou transacção e os efeitos (processuais) da sentença que o homologa (…) Mas sendo desnecessariamente complexa, melhor seria um esquema, como o do CPC de 1939, que se contentasse com um único meio processual para a impugnação simultânea do acto das partes e do acto jurisdicional». Acrescentando: «Este esquema vigora de novo desde o DL 38/2003; a acção prévia ao recurso de revisão é dispensada (art 696-d); o recurso de revisão tem de ser interposto no prazo de 60 dias contado a partir do momento em que a parte tem conhecimento do fundamento de nulidade ou anulabilidade do negócio de auto composição do litígio, mas não depois do prazo de cinco anos sobre o trânsito da sentença homologatória - art 697º/2. (…) O nº 2 prevê em alternativa ao recurso de revisão, a proposição de acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação da confissão, desistência ou transacção. Tem-se assim em conta a eventualidade de se pretender atacar apenas o negócio jurídico de auto composição e não também a sentença que o homologou, sem prejuízo da responsabilidade do autor pelas custas - art 535º/1-d). O único prazo que a acção terá de respeitar é o da caducidade do direito à anulação».
Deverá notar-se que quando deixe ser possível à parte servir-se do recurso de revisão - porque o não haja interposto no prazo de 60 dias após o conhecimento do fundamento da nulidade ou da anulabilidade do negócio jurídico em que se traduz a transacção e dentro dos cinco anos sobre o trânsito da sentença homologatória – deve considerar-se haver ainda interesse processual na interposição da acção para fazer valer a nulidade ou anulabilidade do negócio de auto composição do litigio, ou na defesa que para esse efeito a parte apresente na oposição à execução[12], por subjazer à parte que assim aja interesse directo e legítimo nesse sentido[13].
Evidentemente que, não utilizando a parte o recurso de revisão – porque o não pretenda ou porque já esteja fora do contexto temporal em que o teria de fazer - apenas vai obter a anulação da transacção, pelo que «a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto titulo executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que nesta parte se deve considerar eliminada ou inutilizada pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida», e já não a reabertura da instância no processo em que foi proferida a sentença homologatória, efeito que só poderia alcançar através do recurso de revisão.
Feitas estas considerações, ter-se-á de julgar improcedente o presente recurso, visto que não tem por objecto um qualquer vício da própria sentença homologatória, mas antes um vicio da vontade da aqui Recorrente no acto da transacção, vicio esse a que cabe o regime da anulabilidade, sendo que o direito potestativo da anulação só pode ser feito através de acção judicial (art 287º CC ), estando, pois, excluído, de todo o modo, que o pudesse fazer em recurso da sentença homologatória [14]. (…).
Por decorrência do exposto, improcede também o recurso quanto à analisada questão.
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As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente, sem prejuízo de benefício de que beneficie (artigo 527, do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
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V – DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo de benefício de que beneficie.

Porto, 19 de dezembro de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Rita Romeira
Germana Ferreira Lopes
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[1] Processo n.º 12/20.8T8VFR-A.P1, relatado pelo também aqui relator, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221
[3] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 489 e ss
[4] Pode também sê-lo por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo, como se dispõe no n.º 1 do artigo 290.º.
[5] Relator Conselheiro Cabral Tavares, in www.dgsi.pt.
[6] No âmbito do processo n.º 0633635, disponível na mesma base jurídico-documental.
[7] Cfr. artigo 291.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil
[8] É que (como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2013 – processo 6898/11.0TBCSC.L1-1, também disponível www.dgsi.pt), “desde o momento que a intervenção do juiz – quando tem de decidir se homologa ou não a transacção – é de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebraram, tudo quanto pode pôr-se em crise – no recurso a interpor duma sentença homologatória duma transacção – é se o litígio versava ou não sobre direitos na livre disponibilidade das partes (já que, nos termos do artigo 1249.º do Código Civil, as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos) ou se as pessoas que intervieram na transacção detinham ou não poderes para o efeito.”
[9] Relator Conselheiro Silva Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[10] Processo 257/19.3T8STS.P1, Relatora Desembargadora Fátima Andrade, in www.dgsi.pt.
[11] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.55
[12] Introdução ao Processo Civil», Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pág. 36
[13] Relatora Desembargadora Maria Teresa Albuquerque, in www.dgsi.pt., com exclusão de notas de rodapé.
[14] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Vol I, 3.ª ed, pág 571
[15] Respetiva nota [4] - «Introdução ao Processo Civil», Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 35
[16] Apelação 91/09.9TTCVL.C1, Relator então Desembargador Azevedo Mendes, in www.dgsi.pt.
[17] Fazendo-se constar: “(no sentido da não verificação da irrenunciabilidade depois da cessação de facto v., p. ex., os Ac. Rel. Lisboa de 6.6.1990, in CJ, t. III, pag, 190, Ac. do STJ de 3.07.96 em www.dgsi proc. 96S248, Ac. do STJ de 12.5.99, in CJ t. II, pág. 281, Ac. da Rel. do Porto de 22.05.2000, CJ, 2000, T. III, pag. 246, Ac. STJ de 24-11-2004, in www.dgsi.pt, processo 04S2846, Ac. STJ de 25-5-2005, in www.dgsi.pt, processo 05S480, Ac. da Rel. De Lisboa de 28-9-2005, in www.dgsi.pt, processo 1693/2004-04, Ac. da Rel. De Coimbra de 2-3-2006, in www.dgsi.pt, processo 3900/05, Ac. da Rel. do Porto de 8-5-2006, in www.dgsi.pt, processo 0542317, Ac. do STJ de 8-6-2006, in CJ/STJ, t. II e CJ-on line ref. 7953/2006, Ac. da Rel. De Coimbra de 11-1-2007, in www.dgsi.pt, proc. 355/05.0TTLRA.C1).”
[18] Relator o então Desembargador Domingos Morais, in www.dgsi.pt.