ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
REALIZAÇÃO SOB O IMPÉRIO DAS LEIS COVID
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
ACTUAÇÃO NEGLIGENTE
EXONERAÇÃO
Sumário

1. Sob o império da legislação COVID, e até à entrada em vigor da Lei n.º 4‑B/2021, a realização das assembleias de condóminos estava sujeita às regras gerais vigentes para a realização de eventos. O mesmo é dizer que tais assembleias estavam proibidas (n.º 1 do art.º 33.º do Decreto n.º 11/2020 e n.º 1 do art.º 35.º do Decreto n.º 3‑A/2021).
2. Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 (em 2 de fevereiro de 2022), passou a ser aplicado às assembleias de condóminos, para os efeitos que nos ocupam, o regime de “realização de eventos corporativos”. Isto significa que a realização de assembleias de condóminos continuou a ser proibida, salvo se estas assembleias tivessem lugar “em espaços adequados para o efeito”.
3. Relativamente ao período referido no ponto 2, a parte que sustenta que uma dada assembleia deveria ter tido lugar tem o ónus de alegar e provar que o condomínio dispunha de um espaço adequado para o efeito.
4. A partir de 19 de fevereiro de 2022, a realização das assembleias de condóminos não mais esteve sujeita a restrições impostas pela legislação COVID.
5. Deve entender-se que, em caso de prática de irregularidades ou de atuação negligente, a exoneração do administrador do condomínio não é uma inevitabilidade.
6. A lei reconhece a relevância da vontade maioritária dos condóminos, mesmo na ação instaurada apenas por um deles com vista à exoneração do administrador do condomínio, pois, embora não obrigue à intervenção processual de todos eles, estabelece que, o juiz, sempre que possível, deve ouvi-los (art.ºs 1055.º, n.º 3, segunda parte, e 1056.º do Cód. Proc. Civil).
7. Reconduzindo-se a irregularidade praticada pelo administrador do condomínio a uma única falta juridicamente relevante, não atribuindo a maioria dos condóminos a essa falta importância justificativa da sua exoneração, para além de não traduzir ela um tratamento discriminatório do condómino autor e de dizer respeito a administrações pretéritas, é mais conveniente e oportuno (art.º 987.º do Cód. Proc. Civil) respeitar a vontade maioritária dos restantes condóminos, não exonerando imediatamente o administrador do condomínio.
8. Como instrumento de autorregulação das relações entre os condóminos na utilização das partes comuns, o regulamento do condomínio elaborado pelo administrador tem de ser aprovado pela assembleia de condóminos.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
BPCB instaurou a presente ação declarativa, com processo especial de jurisdição voluntária de “exoneração do administrador na propriedade horizontal” (art.º 1056.º do Cód. Proc. Civil), contra DOMUS L.da, pedindo “a exoneração da ré (…) de sua função de administradora do condomínio do prédio sito na rua …, n.º ## (...)”.
Para tanto, alegou que é proprietária de uma fração autónoma do prédio situado na rua …, n.º ##, e que a ré é a administradora do condomínio respeitante a este prédio, desde 1 de março de 2020. A ré incumpriu diversas obrigações que impendem sobre o administrador do condomínio.
Citada a ré, ofereceu esta a sua contestação, defendendo-se por exceção perentória (crise pandémica impeditiva) e por impugnação.
Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou a ação improcedente, concluindo nos seguintes termos:
(…) julga-se improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolve-se a ré do pedido formulado contra ela nesta ação
Inconformada, a autora apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
I.  O recurso tem, por objeto, a reforma da decisão que julgou improcedente a ação, com reapreciação da prova gravada, visando a reforma da sentença para que a ação seja julgada procedente, por provada.
II.  Acerca da não realização da assembleia de condóminos, a Lei 4-B/2021, de 01 de fevereiro, que alterou a Lei 1-A/2020, de 19 de março, trouxe o acréscimo do artigo 5.º-A a esta Lei, onde elencou as regras para a realização da assembleia de condóminos.
III. Contudo não exonerou, em hipótese alguma, os condomínios da realização das assembleias.
IV. Conquanto a existência da pandemia provocada pela doença Covid-19, o governo nacional decidiu implementar medidas para que atividades essenciais continuassem a decorrer, nomeadamente as assembleias de condóminos, sendo estas:
– O incentivo à realização das assembleias por meios de comunicação à distância;
– Que a assembleia de condóminos poderia se dar, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto;
– Que a administração do condomínio assegurasse a participação dos condóminos que comprovadamente não tivessem os meios adequados para participação à distância.
V. A magistrada a quo teve uma interpretação equivocada quando entendeu que a recorrida estaria desobrigada, até o mês de julho de 2022, de convocar e realizar a assembleia de condóminos.
VI. Não fora suspensa a obrigatoriedade das assembleias de condóminos, apenas possibilitado que estas se realizassem de formas diferentes do originalmente determinado.
VII. Mesmo com a revogação, em setembro de 2022, das normas publicadas no âmbito da pandemia, o ajuntamento de pessoas há muito era permitido, como ocorreu, por exemplo, em um jogo de futebol, realizado no em 29 de janeiro de 2022, onde estiveram presentes 20. 622 espectadores.
VIII. A recorrida, que administra o Condomínio do Prédio sito na Rua …, n.º ##, Mercês, ####-### Rio de Mouro, desde 01/03/2020, não convocou a assembleia de condóminos que deveria se realizar no ano de 2021, tampouco a que deveria se realizar no ano de 2022 até, ao menos, a data em que as partes foram convocadas para a audiência de julgamento.
IX. Foi equivocado o entendimento do tribunal a quo, alicerçado nas declarações da gerente da sociedade recorrida, Sra.  IR, em arrimo com a testemunha AA, de que “a opção por não convocar a Assembleia de Condómino está justificada com a dificuldade de utilização dos meios de comunicação à distância por parte da maioria dos condóminos, seja por não terem esses meios seja por desconhecerem como funcionam.”
X. E em suas declarações a gerente da sociedade (gravação digital na aplicação informática – 15:15:58’ até 15:54:20´ - 39m36s), inicialmente, diz que não tinha conhecimento direto dos acontecimentos ocorridos no Condomínio, porquanto não tratava diretamente daquele condomínio (02m40s até 04m04s).
XI. Convenientemente, a testemunha que antes pouco sabia sobre os acontecimentos ocorridos no prédio, passa a lembrar de alguns factos, com pormenores, tal como que a Sra.  AA, era uma boa vizinha (23m09s até 23m25s), mas que a recorrente era conflituosa, ou mesmo que alguns condóminos eram idosos e tinha pouca instrução (11m00s até 12m03s).
XII. A gerente da recorrida, ainda por conveniência, alegou não recordar que a recorrente, através de mandatário judicial, enviou missivas cobrando uma atitude da administração recorrida (23m45s até 24m35s).
XIII. A testemunha AA, em suas declarações (gravação digital na aplicação informática – 16:39:18’ até 16:57:03´ - 18m:20s) informa que não tinha conhecimento se a generalidade dos condóminos se opunha à realização da assembleia por meio de comunicação à distância (4m56s até 6m30s).
XIV. As declarações da gerente da recorrida não são fidedignas, assim como a credibilidade das declarações da testemunha AA são deveras reduzidas, seja em razão dos conflitos que esta possui com a recorrente, seja por conta de ter sido representada pelo mandatário da recorrida em ação que decorreu no Julgado de Paz.
XV. E, por conseguinte, os factos constantes em 25 e 26 devem passar a compor o rol de “não provados”.
XVI.  A recorrida não produziu outra prova que corroborasse a sua assertiva de que os condóminos não reuniam as condições para acompanhar a assembleia por meios de comunicação à distância, e seja pela obrigatoriedade da realização da assembleia de condóminos, seja pela ausência de comprovação de que os condóminos não poderiam acompanhar a assembleia por videoconferência, por exemplo, inexiste justificativa bastante para a sua não realização.
XVII. Em relação a ausência de prestação de contas, para além da obrigatoriedade da realização da assembleia de condóminos, o envio do demonstrativo dos resultados não pode ser considerado para o efeito, haja vista não ser passível de discussão pela globalidade dos condóminos.
XVIII. A prestação de contas pressupõe, obrigatoriamente, que aquele que analise as contas possa sobre elas se manifestar, oferecendo questionamentos, se assim entender.
XIX. O envio do demonstrativo de resultados pela recorrida que comprovadamente não responde, por mais de um ano, quaisquer dos questionamentos enviados pela recorrente, em hipótese alguma, pode ser considerado como um sucedâneo da prestação de contas.
XX. No concerne ao período da recorrida em funções, nos termos do disposto no 1435.º, n.º 4, do Código Civil, o cargo de administrador tem período de um ano, renovável, salvo disposição em contrário, aplicando-se a regra à recorrida, porquanto inexiste convenção em contrário.
XXI. A recorrente não alega que as funções da recorrida cessaram e que existe uma vacância na função de administrador do condomínio, mas sim que houve a extrapolação do período em que a recorrida está em funções e que, ao seu alvedrio, entendeu por se perpetuar como administradora do condomínio, sem qualquer razão ou justificativa legal.
XXII. A conduta da recorrida é danosa, violadora de imposição legal, compondo mais uma das razões para a sua exoneração, pois subtraiu a realização de assembleia de condóminos, que culminou com a impossibilidade de decisão dos condóminos acerca das matérias de competência da assembleia, dentre elas a eleição da administração.
XXIII. Sendo injustificado o período a maior que a recorrida esteve em funções como administradora do condomínio.
XXIV. Em relação ao regulamento interno, este é obrigatório, exegese do artigo 1429.º-A, do Código Civil.
XXV. A recorrida tem entendimento diverso, uma vez que quando da contestação por ela e pela testemunha AA apresentada, referente a ação proposta pela recorrente no Julgado de Paz de Sintra, informou que o regulamento interno não é obrigatório.
XXVI. Violou a recorrida determinação legal ao não elaborar e pleitear a aprovação do regulamento interno.
XXVII. No que toca à ausência de manutenção das áreas comuns, não fora analisado todo o acervo probatório.
XXVIII. A recorrente, quando de suas declarações (gravação digital na aplicação informática – 14:41:41’ até 15:10:02’ – 29m02s) acerca do evento do incêndio, informa que o técnico da EDP apurou, na data dos factos, que se tratava de ausência de manutenção por parte do condomínio (07:00 até 07:57).
XXIX. O que foi corroborado pela testemunha TB em suas declarações (gravação digital na aplicação informática – 15:55:00’ até 16:10:44’ – 16m14s), que também acrescentou que o técnico da EDP realizou uma precária intervenção para evitar maiores danos, cabendo ao condomínio a realização da manutenção.  (08m35s até 09m05s).
XXX. No relatório técnico junto pela recorrida, cuja intervenção se deu uma semana depois (21/05/2021), consta que alegadamente foram feitas ligações diretas, sendo certo que se isso correspondesse com a verdade a EDP certamente teria comunicado à autoridade policial para se apurar eventual crime.
XXXI. A prova produzida no seio da audiência de julgamento e aqui apontada é suporte bastante para as alegações da inicial, culminando com a passagem dos factos constantes das alíneas a) e b) dos factos não provados para o rol dos factos provados.
XXXII. No que toca ao tratamento parcial oferecido à recorrente pela recorrida é cediço a recorrente sempre foi objeto de forte escrutínio por parte da antiga administração do Condomínio, que era formada pelos condóminos Sra.  AA e Sr.  VT.
XXXIII. Por tais razões apresentou demanda no Julgado de Paz de Sintra (Proc.  291/20-JP), tendo apontado como demandados a anterior administração, na pessoa da Sra.  AA e do Sr.  VT, bem como a recorrida.
XXXIV. Sendo que todos os demandados foram representados pelo mesmo mandatário, facto este incontroverso.  Inicialmente, fora comprovado através da documentação anexa à inicial.  Após, aceito tacitamente pela recorrida (artigos 41.º e 42.º da Contestação).  Por fim, constante expressamente nas motivações da sentença.
XXXV. Motivo pelo qual o facto descrito na alínea d) tido como não provado deve passar a constar do rol de factos provados.
XXXVI. O objeto desta demanda e daquela demanda estão intimamente ligados.
XXXVII. Ainda, as ações da recorrida comprovam a parcialidade no tratamento.  Os factos provados descritos em 5, 7 a 13 e 28 demonstram, com clareza, que a recorrida dispensara um tratamento diferente à recorrente.
XXXVIII. A recorrida jamais respondera a quaisquer das missivas enviadas pela recorrente; mesmo após a reunião aludida em 13 dos factos provados, a recorrida não cumpriu com as obrigações que se comprometera; e não apenas não respondia, mas como se furtava a atender o telefone, sabedora que se tratava do mandatário da recorrente.
XXXIX. Nas declarações prestadas pela Sra.  IR (gravação digital na aplicação informática – 15:15:58’ até 15:54:20´ - 39m36s) esta confirma que recebera as missivas envidas pela recorrente (em março e julho de 2021), mas que a reunião apenas se realizou em 2022 (31m30s até 33m00s e 37m40s até 38m22s).
XL. Ainda, que disse que pouco sabia sobre as questões anteriores à gestão da recorrida, bem como que não tratava diretamente das questões afetas ao Condomínio (02m40s até 04m04s), mas, quando lhe foi conveniente, informou que a testemunha AA era uma ótima vizinha (23m09s até 23m25s).
XLI. A testemunha TB (gravação digital na aplicação informática – 15:55:00’ até 16:10:44’ – 16m14s) corrobora a assertiva de que os questionamentos efetuados pela recorrente não eram respondidos (11m50s até 12m20s).
XLII. Os próprios factos tidos como provados demonstram, claramente, o tratamento parcial e prejudicial dispensado à recorrente e que merece censura.
XLIII. A recorrida violou as seguintes obrigações e que resultam de imposição legal:
Ausência de realização da Assembleia de Condóminos;
Ausência de prestação de contas;
Ausência de cumprimento do dever legal de aprovação do regulamento interno;
Ausência de manutenção das áreas comuns do prédio;
Extrapolação do período em funções;
Parcialidade no tratamento dos condóminos.
XLIV. Que tiveram a sua pedra angular na não convocação e não realização da assembleia de condóminos, órgão máximo decisor, culminando com a violação grosseira, das obrigações a que estava adstrita, nomeadamente aquelas constantes das alíneas a), b), g), l) e m) do artigo 1436.º do Código Civil.
XLV. As alíneas a), b) e d) dos factos não provados devem passar a compor o rol de factos provados, ao passo que os números 22, 25 e 26 dos factos provados devem passar ao rol dos factos não provados.
XLVI. Deve ser acrescido aos factos provados: “A recorrida oferecia à recorrente tratamento parcial em relação aos demais condóminos.”
XLVII. A prova produzida no seio da audiência de julgamento e apresentada detalhadamente neste recurso é suficiente para provocar a modificação da sentença e procedência da ação, que é o que se pleiteia.

A apelada não contra-alegou.

Por determinação deste tribunal ad quem, foi junta aos autos a ata da assembleia se condóminos n.º 31, tendo a autora informado que as deliberações proferidas nesta assembleia foram judicialmente impugnadas, por alegada irregularidade na convocatória.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As questões de facto a decidir são as enunciadas nas conclusões XLV e XLVI.
As questões de direito a tratar – todas em torno da satisfação dos deveres da ré, enquanto administradora do condomínio – serão mais desenvolvidamente enunciadas no início do capítulo dedicado à análise dos factos e à aplicação da lei.
*
B. Fundamentação

B.A. Factos dados por provados pelo tribunal ‘a quo’
1. A autora é proprietária da fração autónoma correspondente ao 2.º andar direito, destinada a habitação, situada à rua …, n.º ##, 2.º (…).
2. Já a ré é a sociedade administradora do condomínio do prédio sito na rua …, n.º ## (…), condomínio onde se situa a fração da qual a autora é proprietária.
3. A sociedade ré passou a administrar o citado condomínio em 1 de março de 2020, conforme decisão da assembleia de condóminos, ocorrida em 25 de janeiro de 2020, consubstanciada na ata n.º 30.
4. Em 7 de março de 2021, a ré enviou à autora, através de seu mandatário, comunicação relatando que a autora estava a incumprir com alguns deveres inerentes ao condomínio, nomeadamente a realização de obras que careceriam de autorização do condomínio e a produção de barulhos excessivos.
5. Por não concordar com o conteúdo da missiva, a autora, em 5 de abril de 2021, através do seu mandatário, respondeu.
6. Na missiva concluiu:
I – Que a administração do condomínio se abstenha de incentivar contendas, nomeadamente relacionadas as infundadas alegações de perturbação da paz por parte de minha constituinte.
II – Que a administração do condomínio se abstenha de tomar qualquer medida contra minha constituinte em relação as obras realizadas, porquanto realizadas dentro dos ditames legais;
III – Que a administração do condomínio alerte aos condóminos que devem se respeitar mutuamente, evitando atitudes que perturbem a paz e o sossego;
IV – Que a administração do condomínio, quando da próxima assembleia de condóminos, inclua na ordem dos trabalhos a necessidade de elaboração do regulamento interno, assim como o prazo para sua elaboração e ulterior votação para aprovação;
V – Que o Exmo. Sr. Dr. JMC, em virtude do conflito de interesses aqui exposto, com todo o respeito que o Exmo. Colega merece, e aqui reforço, verifique se deve continuar a exercer o mandato que lhe foi conferido pela administração do Condomínio, em observância ao disposto no artigo 99.º, n.º s 3 a 6, da Lei 145/2015, de 09 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados).
7. Inexistiu posicionamento por parte da ré, mesmo (depois de) instada para tal.
8. A autora, em 12 de julho de 2021, enviou nova comunicação à ré, tendo como fundamento um evento danoso ocorrido não só em sua fração, mas também de outros condóminos, oriunda da ausência de manutenção da parte elétrica comum do prédio.
9. Na mesma oportunidade chamou a atenção ao uso privado de área comum do prédio (colocação de vasos com plantas nos degraus das escadas comuns) e chamou atenção para ausências de respostas às comunicações da ré.
10. Pediu que fosse convocada a assembleia de condóminos.
11. A ré não respondeu à missiva de 12 de julho de 2021.
12. Em período não concretamente apurado, o mandatário da autora efetuou diversas chamadas telefónicas para o escritório da ré e dois emails, a fim de que fosse designada uma reunião para, de forma consensual, por fim a controvérsia existente entre as partes.
13. Somente quando este mandatário foi, sem aviso, ao escritório da ré, conseguiu o contato com a Sra. IR tendo êxito na marcação da reunião que, após a sua realização e cumprimento pela autora da obrigação se assumiu, não teve, por mais uma vez, qualquer posição da ré.
17. A ré não convocou a assembleia de condóminos que deveria se realizar no ano de 2021.
18. Até 15 de junho de 2022 ainda não tinha convocado a assembleia de condóminos para o ano de 2022.
19. Em 14 de maio de 2021, ocorreu um princípio de incêndio no prédio onde se localiza a fração da autora.
20. O incêndio afetou a fração da autora (2.º direito), do R/C direito, do 1.º direito e do 4.º direito.
21. Apurou-se que o incêndio teve início a partir da área comum do prédio num curto-circuito na caixa elétrica da coluna montante do segundo andar.
22. No dia 12 de julho de 2021, verificou-se que existiu a violação da caixa de coluna de distribuição do 2.º piso por parte de pessoa não identificada com o intuito de retirar energia.
23. A deslocação do técnico, a pedido da administração, ocorreu na mesma data da ocorrência do facto.
24. A ré iniciou o seu período de administração a 1 de março de 2020 em situação de normalidade teria de apresentar em 2021 a prestação de contas do ano de 2020 e eleger a administração para o novo período, em assembleia de condóminos convocada para o efeito.
25. Apesar de ser sido permitido a realização das assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência, após auscultação da generalidade dos condóminos e respostas obtidas, percebeu que a maioria dos condóminos não detinham os meios próprios e os conhecimentos técnicos para a utilização daquelas formas de comunicação.
26. Foi assim entendimento da generalidade dos condóminos de que se aguardaria pelo ano de 2022 para a realização, logo que possível, da assembleia de condóminos.
27. Ainda assim a ré enviou aos condóminos e à autora em particular, por email datado de 25 de setembro de 2021, a demonstração de resultados referente ao período de 1 de março de 2020 a 31 de dezembro de 2020.
28. Em 4 de julho de 2022, ainda não tinha sido convocado a assembleia de condóminos desse ano.

B.B. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
1. Matéria de facto dada por não provada
Tal como resulta da enunciação das questões a resolver, a apelante pretende, no essencial, que se dê por provada a matéria dada por não provada na sentença. O tribunal a quo deu por não provados os seguintes factos:
a) O evento ocorrido a 12.07.2021 no sistema elétrico do prédio tenha ocorrido por falta de manutenção das partes comuns, designadamente o sistema de distribuição de eletricidade do prédio.
b) Que a manutenção dos componentes do sistema elétrico não foi realizada com a periodicidade recomendada.
c) O mandatário judicial da ré seja igualmente sócio da mesma e casado com a sócia gerente.
Entende a apelante que estes factos devem passar a constar como provados, nos seguintes termos:
a) O evento ocorrido a 12.07.2021 no sistema elétrico do prédio se deu por falta de manutenção das partes comuns, designadamente o sistema de distribuição de eletricidade do prédio.
b) Que a manutenção dos componentes do sistema elétrico não foi realizada com a periodicidade recomendada.
c) O mandatário judicial da ré patrocinou os anteriores administradores do condomínio AA e VT na ação intentada pela autora contra eles no julgado de paz.
Pretende, ainda, a apelante que se dê por provado o seguinte facto:
d) A recorrida oferecia à recorrente tratamento parcial [desfavorável] em relação aos demais condóminos.

Finalmente, pretende a apelante que os factos dados por provados nos pontos 22, 25 e 26 transitem para o leque de factos não provados, tendo o seguinte conteúdo:
22. No dia 12.07.2021 verificou-se que existiu a violação da caixa de coluna de distribuição do 2.º piso por parte de pessoa não identificada com o intuito de retirar energia.
25. Apesar de ter sido permitido a realização das assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância, preferencialmente por videoconferência, após auscultação da generalidade dos condóminos e respostas obtidas, percebeu que a maioria dos condóminos não detinham os meios próprios e os conhecimentos técnicos para a utilização daquelas formas de comunicação.
26. Foi assim entendimento da generalidade dos condóminos de que se aguardaria pelo ano de 2022 para a realização, logo que possível, da assembleia de condóminos.

2. Alegações que podem ser objeto da pronúncia sobra a matéria de facto
Começamos por afastar a possibilidade de prova do novo “facto” indicado pela apelante, por ser absolutamente conclusivo. Não pode o tribunal dar por provado que “a recorrida oferecia à recorrente tratamento parcial [desfavorável] em relação aos demais condóminos”. Apenas pode dar por provados os factos que traduzem tal suposta parcialidade, sendo esta afirmada, se o puder ser, na análise de direito da causa.
Idêntico raciocínio deve ser desenvolvido em torno do facto descrito na al. b). A afirmação de “que a manutenção dos componentes do sistema elétrico não foi realizada com a periodicidade recomendada” é uma conclusão assente em duas premissas. A segunda premissa é a periodicidade da manutenção que, de facto, teve lugar – balizada e concretizada temporalmente. A primeira premissa é constituída pela “periodicidade recomendada”. Aqui, das duas uma, ou a periodicidade é estabelecida por lei (questão de direito); ou é recomendada por alguém ou pelas leges artis (questão de facto). Em qualquer caso, na decisão respeitante à matéria de facto, o tribunal pode enfrentar a prova das premissas (de facto), mas nunca formular o juízo puramente conclusivo (a enfrentar na análise jurídica da causa).
O facto da al. c) é absolutamente irrelevante – isto é, é insuscetível de alterar a sorte do litígio e da apelação.
Também a al. a) encerra um juízo conclusivo, para além de, na sua primeira parte – “falta de manutenção das partes comuns” –, ser inadmissivelmente vaga. No entanto, tal juízo – “o evento ocorrido a 12.07.2021 no sistema elétrico do prédio [deu-se] por falta de manutenção [do] sistema de distribuição de eletricidade do prédio” – é de cariz eminentemente técnico, pelo que pode ser objeto de prova, mais precisamente, pode ser objeto de um parecer pericial ou do testemunho de técnicos que tenham presenciado os factos.
Em suma, para além deste facto – al. a) –, apenas são objeto de reapreciação do julgamento respeitante à matéria de facto os pontos 22, 25 e 26 dos factos provados.
3. Motivação da convicção apresentada pelo tribunal ‘a quo’
O tribunal a quo motivou a sua convicção, no que respeita aos factos provados que agora importam, nos seguintes termos:
Os pontos 22. e 23. resultaram provados da conjugação do relatório técnico junto pela ré em 04.07.2022, datado de 21.06.2021 e das declarações da testemunha BB, funcionário da ré, que procede à manutenção dos prédios que estão ao cuidado da ré e que testemunhou sobre o que se apurou relativamente caixa de coluna de distribuição do 2.º piso; que apesar de terem verificado a violação da referida caixa para “ligação direta” não sabem quem realizou tal ato ilícito.
Pontos 25. e 26. Resultaram provados das declarações da gerente da ré que informou que na sequência da possibilidade de realização de assembleias de condóminos à distância indagou da possibilidade junto de diversos condóminos concluindo que a sua maioria não tinha meios ou conhecimentos para realizarem a aludida assembleia com recurso aos meios de comunicação à distância; facto corroborado pela testemunha AA condómina no mesmo prédio da autora que referiu que do seu conhecimento os restantes condóminos não têm meios ou conhecimentos para realizar as assembleias com recurso aos meios tecnológicos.

O tribunal a quo motivou a sua convicção, no que respeita ao facto não provado descrito na al. a), nos seguintes termos:
Quanto aos factos dados como não provados não foi produzida prova sobre os mesmos, antes se demonstrando relativamente ao ponto a) que a porta da caixa de distribuição de eletricidade no 2.º piso foi arrombada e realizadas ligações não autorizadas por terceiro não identificado.
4. Análise da prova processualmente adquirida
Reconduzindo as decisões de facto às respetivas questões de facto, estão em discussão as causas da “não realização da assembleia de condómino” e as causas do “evento ocorrido a 12 de julho de 2021 no sistema elétrico”.
No que respeita à primeira questão, entende a apelante serem insuficientes os depoimentos da legal representante da ré e da testemunha AA. No primeiro caso, por entender que o seu depoimento foi incoerente – tendo a depoente “memória seletiva” – e, no segundo caso, por ser a “credibilidade” da testemunha “deveras reduzida, seja em razão dos conflitos que possui com a recorrente”. Quanto a este último argumento, é ele revertível: se os conflitos abalam a credibilidade, então a credibilidade da autora é “manifestamente reduzida”.
Não existem dados de facto (indiciários) que permitam afirmar que a depoente e a testemunha identificadas faltaram à verdade. No mais, os seus depoimentos não se revelaram contraditórios nem ostentaram características – hesitações, pausas ou “teatralidades” inusitadas – que poderiam reduzir a sua relevância probatória. A prova dos factos descritos nos pontos 25 e 26 não é abundante, mas existe e é suficiente. Por assim se dever entender, restaria à apelante fazer a sua contraprova (art.º 346.º do Cód. Civil) – o que não logrou fazer.
No que toca ao “evento ocorrido a 12 de julho de 2021 no sistema elétrico”, começamos por notar que a narrativa da autora não encontra sustentação em nenhum documento, relatório ou testemunho produzido por um técnico. Não pode o tribunal, apenas com base nas palavras da autora e de duas testemunhas sem conhecimentos técnicos dar por provado que “o evento ocorrido a 12.07.2021 no sistema elétrico do prédio [deu-se] por falta de manutenção [do] sistema de distribuição de eletricidade do prédio”.
Em face desta conclusão, torna-se inútil a revisão do facto provado contraposto – “no dia 12.07.2021 verificou-se que existiu a violação da caixa de coluna de distribuição do 2.º piso por parte de pessoa não identificada com o intuito de retirar energia” – com vista à sua eventual transição para o leque de factos não provados. Com efeito, na ausência de qualquer factualidade provada com este conteúdo, não pode proceder a ação, com tal fundamento, por falta de base factual bastante que revele o incumprimento das suas obrigações (nesta matéria) pela administradora.
De todo o modo, sempre se dirá que os depoimentos invocados pela apelante são de ouvir dizer e não são suficientemente circunstanciados sobre o sentido da conclusão pretendida. A testemunha TB (mãe da autora) afirmou que o eletricista chamado ao local disse que “isto está com fusíveis que deviam ter sido trocados há muito tempo e está com fios descarnados” – aos 7m45s do depoimento. Ora, quanto aos fios descarnados, nada se conclui desta afirmação relativamente à causa desta anomalia – sendo compatível com uma puxada ilegal de eletricidade. Quanto aos “fusíveis que deviam ter sido trocados”, não é estabelecida nenhuma relação causal direta entre a obsolescência destes elementos (ou os danos que apresentavam) e o evento em questão. A testemunha BAC (casado com a mãe da autora) confirmou que a causa do sinistro foi “um fio descarnado” – aos 5m55s do depoimento. Também referiu que o eletricista do piquete terá dito que o sucedido resultou da “falta de vistorias”. Note-se, no entanto, que não é esclarecido o sentido desta afirmação, sendo certo que o referido eletricista “andou de caixa em caixa”, nos diferentes andares, não tendo detetado anomalias que justificassem o sinistro – tendo todas as caixas equipamento e material idênticos, como revelam as fotografias juntas. Apenas no 2.º andar foi detetada uma causa, sendo esta os referidos fios descarnados – e não a obsolescência do material.
Já sobre diferente irregularidade imputada à ré, a testemunha AA afirmou não ter conhecimento de oposição à realização da assembleia de condóminos por videoconferência, mas também afirmou que há condóminos idosos, que não teriam qualquer possibilidade de fazer a videochamada, bem como condóminos sem estudos e (à data) sem computador em casa, que não saberiam fazer uma reunião destas – aos 4m55s do depoimento. Esta afirmação é concordante com o depoimento da legal representante da ré, a qual referiu que, nestes anos (2020 e 2021), foram realizadas não mais de meia dúzia de assembleias de condóminos pelos seus clientes por meios telemáticos.
Em suma, a prova produzida analisada não impõe decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo.
5. Alteração oficiosa da decisão respeitante à matéria de facto
A testemunha AA esclareceu que apenas em dezembro de 2022 teve lugar a primeira assembleia de condóminos, desde que a ré foi contratada – aos 3m55s do depoimento. Esta afirmação é concordante com o depoimento da legal representante da ré, a qual admitiu que a assembleia anual (respeitante aos exercícios de 2020 e 2021) só veio ser realizada em dezembro de 2022, sendo a administração reconduzida – aos 12m do depoimento. Estamos perante um facto relevante processualmente adquirido em resultado da instrução da causa (art.º 5.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), inscrevendo-se diretamente no âmago da relação material controvertida, amplamente debatida entre as partes, no exercício do seu direito de contraditório.
Tal como consta do relatório deste aresto, por determinação deste tribunal ad quem, foi junta aos autos a ata da assembleia se condóminos n.º 31 – respeitante à reunião de 28 de dezembro de 2022 –, tendo a autora informado que as deliberações proferidas nesta assembleia foram judicialmente impugnadas, por alegada irregularidade na convocatória.
Esta factualidade não foi objeto de pronúncia pelo tribunal a quo, falha que pode agora ser suprida, por constarem dos autos todos os elementos a tanto necessários (art.º 662.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil) – no espírito, aliás, da natureza voluntária da jurisdição do processo vertente. Impõe-se, pois, quer ao abrigo da norma enunciada no n.º 1 do art.º 662.º do Cód. Proc. Civil, quer por força do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do Cód. Proc. Civil, alterar a decisão de facto – sobre a admissibilidade da alteração oficiosa, cfr. o Ac. do STJ de 17-10-2019 (3901/15.8T8AVR.P1.S1), bem como António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2022, pp. 357 e 358.
6. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto e de conhecimento oficioso
Ouvidos os registos áudio da prova produzida, não podemos deixar de confirmar, no essencial, a decisão de facto impugnada. Se os meios de prova invocados pelo tribunal a quo sustentam a decisão vertida na sentença, já os depoimentos invocados pela apelante não permitem, minimamente, sustentar a impugnação da decisão sobre a questão de facto.
Em face do exposto, deve ser mantida a decisão sobre a questão de facto proferida pelo tribunal a quo, com as ressalvas que se seguem, improcedendo a sua impugnação.
Adita-se ao leque dos factos provados o seguinte ponto:
29. Em 28 de dezembro de 2022, realizou-se uma assembleia de condóminos do condomínio referido no ponto 2 dos factos provados, cujas deliberações se encontram pendentes de impugnação, por alegada irregularidade de convocatória, tendo a sua ata, além do mais, o seguinte teor:
Ata n.º 31
Aos vinte e oito dias do mês de dezembro do ano 2022, pelas vinte horas, reuniu no escritório da DOMUS, a assembleia geral ordinária do prédio sito na rua …, n.º ## – em Rio de Mouro, e com a seguinte ordem de trabalhos: (…)
2. Eleição da administração para os próximos 12 meses: (…)
A assembleia foi regularmente convocada, e estiveram presentes os seguintes condóminos:
Sra. (…), proprietária da fração correspondente ao 3.º andar direito (…);
Sra. (…), proprietária da fração correspondente ao 2.º andar esquerdo (…);
Sr. (…), proprietário da fração correspondente ao 1.º andar esquerdo (…);
Sr. (…), proprietário da fração correspondente ao r/c esquerdo (…);
Sr. (…), proprietário da fração correspondente ao 1.º andar direito (…);
Sr. (…), proprietário da fração correspondente ao 4.º andar esquerdo (…);
Sr. (…), proprietário da fração correspondente ao 4.º andar direito (…).
E ausentes: 3.º andar esquerdo; 2.º andar direito; e r/c direito.
Os condóminos presentes representam 705 do valor total do edifício, permitindo que a assembleia funcionasse em 1.ª convocatória e deliberar sobre os pontos da ordem de trabalhos.
Presidiu à assembleia a representante da empresa DOMUS (…) e aberta a sessão (…).
2.º ponto da ordem de trabalhos: “eleição da administração para os próximos 12 meses” – A assembleia deliberou por unanimidade renovar o mandato da empresa DOMUS L.da,

Não obstante a manutenção do julgamento dos restantes (genuínos) factos:
a) o ponto 18 não será considerado como fundamento de facto da decisão de mérito, por ser redundante (cfr. o ponto 28 do leque de factos provados);
b) o ponto 24 não será considerado como fundamento de facto da decisão de mérito, por, no seu primeiro segmento, ser redundante (cfr. o ponto 3 do leque de factos provados) e por, na parte restante, integrar apenas matéria de direito ou puramente conclusiva;
c) o primeiro segmento do ponto 25 (até “videoconferência”) não será considerado como fundamento de facto da decisão de mérito, por integrar apenas matéria de direito ou puramente conclusiva.
B.C. Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. Violação do dever de convocação da assembleia de condóminos
1.1. Regime aplicável à realização das assembleias de condóminos
1.1.1. Estado de emergência (ano de 2020)
1.1.2. Estado de emergência (janeiro a abril de 2021)
1.1.3. Situação de calamidade (maio a setembro de 2021)
1.1.4. Situação de alerta (outubro a novembro de 2021)
1.1.5. Situação de calamidade (dezembro de 2021 a fevereiro de 2022)
1.1.6. Situação de alerta (fevereiro a setembro de 2022)
1.2. Realização da assembleia entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022
1.3. Realização da assembleia a partir de 19 de fevereiro de 2022
2. Restantes fundamentos do pedido
2.1. Não prestação de contas
2.2. Incumprimento do dever de aprovação do regulamento interno
2.3. Falta de manutenção das áreas comuns do prédio
2.4. Excesso de período em funções
2.5. Parcialidade no tratamento dos condóminos
3. Conclusão
3.1. Irregularidade da atuação da ré
3.2. Exercício do direito pela autora
4. Responsabilidade pelas custas
Violação do dever de convocação da assembleia de condóminos
Reza o n.º 3 do art.º 1435.º do Cód. Civil que “[o] administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções”. Sobre as funções do administrador do condomínio, dispõe o n.º 1 do art.º 1426.º do Cód. Civil, na sua atual redação, no que para o caso releva:
“1 – São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
a) Convocar a assembleia dos condóminos;
(…)
g) Realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;
h) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
(…)
l) Prestar contas à assembleia;
m) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; (…)”
Ainda relevantes para a decisão do caso, face à relação material controvertida alegada pela autora, são os arts. 1429.º-A, n.º 2, e 1435.º, n.ºs 4, segunda parte, e 5, do Cód. Civil:
“2 – Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 1418.º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado”;

“4 – (…); o período de funções [do administrador] é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.
5 – O administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor”.
A autora invoca seis supostas irregularidades na atuação da ré:
a) ausência de realização da assembleia de condóminos;
b) ausência de prestação de contas;
c) ausência de cumprimento do dever legal de aprovação do regulamento interno;
d) ausência de manutenção das áreas comuns do prédio;
e) extrapolação do período em funções;
f) parcialidade no tratamento dos condóminos.
A análise destas questões deve ser sequencial, pois o julgamento de algumas delas pode prejudicar e tornar desnecessário o conhecimento das restantes (arts. 608.º, n.º 2, primeira parte, e 663.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil). Começaremos, pois, pela não convocação nem realização da assembleia de condóminos em janeiro de 2021 e em janeiro de 2022.

1.1. Regime aplicável à realização das assembleias de condóminos

Reza o n.º 1 do art.º 1431.º do Cód. Civil: “A assembleia reúne-se na primeira quinzena de janeiro, mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano” – cfr., no entanto, o n.º 4 do mesmo artigo, introduzido pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro (com início de vigência em 10 de abril seguinte). No condomínio administrado pela ré a que respeita esta ação, não foram convocadas nem realizadas as assembleias de condóminos referidas nesta norma na primeira quinzena de janeiro dos anos de 2021 e de 2022. Todavia, neste período vigorou legislação especial, a qual afastou temporariamente a aplicação da transcrita norma geral.
A ré justificou a omissão de convocação das assembleias referidas com as normas previstas no art.º 5.º-A da Lei  n.º 1-A/2020, de 19 de março. É por aqui que começaremos.
Os n.ºs 1 e 2 do art.º 5.º-A da Lei  n.º 1-A/2020, de 19 de março, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, vieram estabelecer:
Artigo 5.º-A
Realização de assembleias de condóminos
1 – A realização de assembleias de condóminos obedece às regras aplicáveis à realização de eventos corporativos, vigentes em cada momento e para a circunscrição territorial respetiva.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, é permitida e incentivada a realização de assembleias de condóminos através de meios de comunicação à distância no ano de 2021, nos termos seguintes:
a) Sempre que a administração do condomínio assim o determine ou a maioria dos condóminos o requeira, a assembleia de condóminos tem lugar através de meios de comunicação à distância, preferencialmente, por videoconferência, ou em modelo misto, presencialmente e por videoconferência;
b) Caso algum dos condóminos não tenha, fundamentadamente, condições para participar na assembleia de condóminos através de meios de comunicação à distância e tenha transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, compete a esta assegurar-lhe os meios necessários para o efeito, sob pena de a assembleia ter de se realizar presencialmente ou em modelo misto. (…)
Estas normas levantam duas questões, no que para o caso releva: (i) saber a que regras obedecia a realização de assembleias de condóminos em janeiro de 2021; (ii) saber quais eram as regras aplicáveis à realização de eventos corporativos. Obtida resposta para estas questões, uma terceira surgirá: (iii) saber até quando vigoraram as regras especiais sobre a realização das assembleias de condóminos.
1.1.1. Estado de emergência (ano de 2020)
Em 4 de dezembro de 2020, foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020 – “Renova a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”. O art.º 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020 estabelecia: “A renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 9 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 23 de dezembro de 2020, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.
Em 6 de dezembro de 2020, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 11/2020 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, vigorando entre as 00:00 h do dia 9 de dezembro e as 23:59 h do dia 23 de dezembro de 2020, e entre as 00:00 h de dia 24 de dezembro de 2020 e as 23:59 h do dia 7 de janeiro de 2021, em caso de renovação da declaração do estado de emergência para esse período. Os n.ºs 1 e 2, al. c), do art.º 33.º (Eventos em concelhos de risco moderado) do Decreto n.º 11/2020 estabeleciam, além do mais: “1 – Não é permitida a realização de (…) eventos que impliquem uma aglomeração de pessoas em número superior a seis pessoas, (…) sem prejuízo do disposto no número seguinte. // 2 – A DGS define as orientações específicas para os seguintes eventos: (…) c) Eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e espaços ao ar livre”. O art.º 44.º (Eventual renovação do estado de emergência) do Decreto n.º 11/2020 estabelecia, além do mais: “Caso se verifique a renovação do estado de emergência a partir das 00:00 h do dia 24 de dezembro, é prorrogada a vigência do presente decreto (…)”. No Anexo II a que se refere o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto n.º 11/2020, Sintra é qualificada como sendo um “concelho de risco elevado”.
Em 17 de dezembro de 2020, foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020 – “Renova a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”. O art.º 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020 estabelecia: “A renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 24 de dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 7 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.
Em 21 de dezembro de 2020, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 11-A/2020 (altera e republica o Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro) – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, com início de vigência às 00:00 h do dia 24 de dezembro de 2020, mantendo os n.os 1 e 2, al. c), do art.º 33.º do Decreto n.º 11/2020, bem como a qualificação de Sintra como sendo um “concelho de risco elevado”.
1.1.2. Estado de emergência (janeiro a abril de 2021)
Em 6 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021 – “Renova a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”. O art.º 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021 estabelecia: “A renovação do estado de emergência tem a duração de 8 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 8 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 15 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.
Em 7 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 2‑A/2021, (procedeu à segunda alteração ao Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro) – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República” –, com início de vigência às 00:00 h do dia 8 de janeiro de 2021, mantendo os n.os 1 e 2, al. c), do art.º 33.º do Decreto n.º 11/2020, bem como a qualificação de Sintra como sendo um “concelho de risco elevado”.
Em 13 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021 – “Renova a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”. O ponto 2 do art.º 3.º do Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021 estabelecia: “A renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 16 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 30 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.
Em 14 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 3‑A/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”. O n.º 1 do art.º 35.º (Eventos) do Decreto n.º 3‑A/2021 estabelecia, além do mais: “É proibida a realização de (…) eventos (…)”.
Em 29 de janeiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 3‑D/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, prorrogando a aplicação do Decreto n.º 3‑A/2021 até 14 de fevereiro de 2021. Em 12 de fevereiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 3‑E/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, prorrogando a aplicação do Decreto n.º 3‑A/2021 até 1 de março de 2021. Em 26 de fevereiro de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 3‑F/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, prorrogando a aplicação do Decreto n.º 3‑A/2021 até 16 de março de 2021.
Em 13 de março de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 4/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”. O n.º 1 do art.º 42.º (Eventos) do Decreto n.º 4/2021 estabelecia, além do mais: “É proibida a realização de (…) eventos (…)”.
Em 28 de março de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 5/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, prorrogando a aplicação do Decreto n.º 4/2021 até 5 de abril de 2021.
Em 3 de abril de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 6/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”. O n.º 1 do art.º 42.º (Eventos) do Decreto n.º 6-A/2021 estabelecia, além do mais: “É proibida a realização de (…) eventos (…)”.
Em 15 de abril de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 6‑A/2021 – “Regulamenta o estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, prorrogando a aplicação do Decreto n.º 6/2021 até 18 de abril de 2021.
Em 17 de abril de 2021, foi publicado no Diário da República o Decreto n.º 7/2021 – “Regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República”, iniciando-se este “às 00h00 do dia 16 de abril de 2021 e cessando às 23h59 do dia 30 de abril de 2021”. Os n.ºs 1 e 2, al. c), do art.º 38.º (Eventos) do Decreto n.º 7/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – É proibida a realização de celebrações e de outros eventos em interior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. // 2 – A DGS define as orientações específicas para os seguintes eventos: (…) c) Eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e espaços ao ar livre, com diminuição de lotação”.
1.1.3. Situação de calamidade (maio a setembro de 2021)
Em 30 de abril de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 (alterada pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.ºs 46-C/2021, de 6 de maio, e 52-A/2021, de 11 de maio, prolongado até 30 de maio, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 14 de maio, e até 13 de junho de 2021,  através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 64-A/2021, de 28 de maio) – “Declara a situação de calamidade, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”. Os n.ºs 1 e 2, al. c), do art.º 28.º (Eventos) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – É permitida a realização eventos e celebrações nos termos do disposto nos números seguintes. // 2 – A DGS define as orientações específicas para os seguintes eventos: (…) c) Eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e espaços ao ar livre, com diminuição de lotação”.
Em 9 de junho de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021 – “Altera as medidas aplicáveis em situação de calamidade, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da COVID-19, até às 23:59 h do dia 27 de junho de 2021, a situação de calamidade em todo o território nacional continental”. Os n.ºs 1 e 2, al. c), do art.º 25.º (Eventos) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – É permitida a realização eventos e celebrações nos termos do disposto nos números seguintes. // 2 – A DGS define as orientações específicas para os seguintes eventos: (…) c) Eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e espaços ao ar livre, com diminuição de lotação”.
Pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 77-A/2021, de 24 de junho, n.º 91‑A/2021, de 9 de julho, n.º 96-A/2021, de 22 de julho, e n.º 101-A/2021, de 30 de julho a vigência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 74-A/2021 foi prorrogada até 31 de agosto de 2021.
Em 20 de agosto de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 – “Declara a situação de contingência no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da COVID-19, até às 23:59h do dia 30 de setembro de 2021, a situação de contingência em todo o território nacional continental”. Os n.ºs 1 e 2, al. c), do art.º 22.º (Eventos) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – É permitida a realização eventos e celebrações nos termos do disposto nos números seguintes (…). // 2 – A DGS define as orientações específicas para os seguintes eventos: (…) c) Eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e espaços ao ar livre, com diminuição de lotação”.
1.1.4. Situação de alerta (outubro a novembro de 2021)
Em 29 de setembro de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 135-A/2021 – “Altera as medidas no âmbito da situação de alerta”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da COVID-19, até às 23:59 h do dia 31 de outubro de 2021, a situação de alerta em todo o território nacional continental”. Os n.ºs 1 e 3, do art.º 10.º (Eventos) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 135-A/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – Os eventos e celebrações desportivas, bem como os outros eventos não abrangidos pelo n.º 3, sejam realizados em interior, ao ar livre ou fora de recintos fixos, podem realizar-se de acordo com as orientações específicas da DGS desde que precedidos de avaliação de risco, pelas autoridades de saúde locais, para determinação da viabilidade e condições da sua realização. (…) 3 – Excetuam-se do disposto nos números anteriores, podendo os mesmos realizar-se sem diminuição de lotação e sem necessidade de avaliação prévia de risco, (…) os eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e os eventos culturais em recintos de espetáculo de natureza fixa”.
Em 29 de outubro de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 142-A/2021 – “Altera as medidas no âmbito da situação de alerta”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da doença COVID-19, até às 23:59 h do dia 30 de novembro de 2021, a situação de alerta em todo o território nacional continental”.
1.1.5. Situação de calamidade (dezembro de 2021 a fevereiro de 2022)
Em 27 de novembro de 2021, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2021 – “Declara a situação de calamidade no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da doença COVID-19, até às 23:59 h do dia 20 de março de 2022, a situação de calamidade em todo o território nacional continental”.
Os n.ºs 1 e 6, do art.º 13.º (Eventos) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2021 estabeleciam, além do mais: “1 – Os eventos, incluindo os desportivos, bem como os outros eventos não abrangidos pelo n.º 6, sejam realizados em interior, ao ar livre ou fora de recintos fixos, podem realizar-se de acordo com as orientações específicas da DGS desde que precedidos de avaliação de risco, pelas autoridades de saúde locais, para determinação da viabilidade e condições da sua realização. (…) 6 – Excetuam-se do disposto no n.º 1, podendo os mesmos realizar-se sem diminuição de lotação e sem necessidade de avaliação prévia de risco, (…) os eventos de natureza corporativa realizados em espaços adequados para o efeito, designadamente salas de congressos, estabelecimentos turísticos, recintos adequados para a realização de feiras comerciais e os eventos culturais em recintos de espetáculo de natureza fixa”.
1.1.6. Situação de alerta (fevereiro a setembro de 2022)
Em 18 de fevereiro de 2022, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 25-A/2022 – “Declara a situação de alerta no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, declarando, “na sequência da situação epidemiológica da doença COVID-19, até às 23:59 h do dia 7 de março de 2022, a situação de alerta em todo o território nacional continental”. Nesta resolução, cessam as limitações à realização de eventos, deixando mesmo “de se exigir apresentação de comprovativo de realização de teste com resultado negativo para acesso a grandes eventos, recintos desportivos, bares e discotecas”. Pelo seu n.º 12, foi revogada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2021, de 27 de novembro.
A situação de alerta foi mantida pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.ºs 29-C/2022, de 7 de março, 29-F/2022, de 21 de março, 34-A/2022, de 28 de março, 41/2022, de 14 de abril, 41-A/2022, de 21 de abril, 41-C/2022, de 5 de maio, 47/2022, de 30 de maio, 51-A/2022, de 30 de junho, 67-A/2022, de 29 de julho e 73-A/2022, de 26 de agosto, declarando-se nesta última a situação de alerta em todo o território nacional continental “até às 23:59 h do dia 30 de setembro de 2022”.
Em 30 de setembro de 2022, foi publicado no Diário da República o Decreto Lei n.º 66-A/2022 – “Determina a cessação de vigência de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”, com início de vigência em 1 de outubro de 2022.
Em 24 de outubro de 2022, foi publicada no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2022 – “Determina a cessação de vigência de resoluções do Conselho de Ministros publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19”.
Em 4 de julho de 2023, foi publicada no Diário da República a Lei n.º 31/2023 – “Cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19”.
1.2. Realização da assembleia entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022

Executada a espinhosa tarefa de percorrer uma legislação claramente resultante de uma “navegação de cabotagem”, podemos assentar nalgumas conclusões. Até à entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, a realização das assembleias de condóminos estava sujeita às regras gerais vigentes. O mesmo é dizer que tais assembleias estavam proibidas (n.º 1 do art.º 33.º do Decreto n.º 11/2020 e n.º 1 do art.º 35.º do Decreto n.º 3‑A/2021).
Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 (em 2 de fevereiro de 2022), passou a ser aplicado às assembleias de condóminos, para os efeitos que nos ocupam, o regime de “realização de eventos corporativos”. Isto significa que a realização de assembleias de condóminos continuou a ser proibida, salvo se estas assembleias tivessem lugar “em espaços adequados para o efeito”. Com a entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 (em 1 de maio de 2021), passou a ser “permitida a realização eventos” (art.º 28.º desta resolução), desde que “realizados em espaços adequados para o efeito (…) com diminuição de lotação”. Com a entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 135-A/2021 (em 1 de outubro de 2021), continuou a ser permitida a realização de assembleias de condóminos “em espaços adequados para o efeito” (art.º 10.º, n.º 3, desta Resolução). Com a entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2021 (em 1 de dezembro de 2021), continuou a permitida a realização de assembleias de condóminos “em espaços adequados para o efeito” (art.º 13.º, n.º 6, desta Resolução). Com a entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 25-A/2022 (em 19 de fevereiro de 2022), cessaram as limitações realização de assembleias de condóminos.
Em suma, não subsistem dúvidas de que, no ano de 2021, a realização de assembleias de condóminos presenciais esteve totalmente proibida até 2 de fevereiro. A partir desta data, e simplificando, as assembleias de condóminos presenciais eram permitidas, desde que realizadas “em espaços adequados para o efeito”. Isto significa que, quem sustente que uma dada assembleia deveria ter tido lugar tem de alegar e provar que o condomínio dispunha de um espaço adequado para o efeito – ou que a administração dispunha de mandato para arrendar um espaço provisório com este propósito. Este regime vigorou até 18 de fevereiro de 2022. A partir de 19 de fevereiro de 2022, a realização das assembleias de condóminos não mais esteve sujeita a restrições impostas pela legislação COVID.
No caso dos autos, não foi alegado nem resulta dos factos provados que o condomínio dispunha de um espaço adequado para a realização da assembleia, isto é, um espaço que permitisse algum distanciamento entre participantes, considerando o número de condóminos e o tempo previsível de duração da reunião. (A título meramente exemplificativo, refira-se que, na al. a) do n.º 1 do art.º 20.º do Decreto n.º 3‑A/2021, em vigor na data de entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, prescrevia-se para os estabelecimentos abertos ao público, uma “regra de ocupação máxima indicativa de 0,05 pessoas por metro quadrado de área”). Também não resulta provado que a administração (a ré) dispunha de mandato para arrendar um espaço para o efeito. O mesmo é dizer que não resultou demonstrado o incumprimento do dever de promoção da realização da assembleia de condóminos até 18 de fevereiro de 2022.
Idêntico raciocínio, imposto pela “teoria das normas” rosenberguiana, deve ser aplicado à realização da assembleia de condóminos por meios telemáticos, embora conduzindo a resultados não totalmente coincidentes. A convocação da assembleia de condóminos é uma obrigação da administração do condomínio (art.ºs 1431.º, n.º 1, e 1436.º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil). A insatisfação deste dever é um ato ilícito. Esta ilicitude foi afastada pela legislação COVID, ao proibir as reuniões, em geral. No entanto, esta causa de exclusão da ilicitude cessou a partir do momento em que a assembleia deixou de ser obrigatoriamente presencial.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, sendo permitida a realização da assembleia por meios telemáticos, a obrigação da sua convocação não mais podia ser afastada com a proibição de reuniões. Assim, a partir de 2 de fevereiro de 2022, a administração do condomínio passou a poder optar: ou convocava a assembleia para um espaço adequado para o efeito; ou realizava a assembleia “através de meios de comunicação à distância” – é nesta opção que se encontra o sentido da primeira hipótese da al. a) do n.º 2 do citado art.º 5.º-A. Este segundo meio era incentivado pelo legislador. Como é evidente, inexistindo um espaço adequado para a realização da assembleia, teria esta, necessariamente, de se realizar por meios telemáticos. Só assim não seria se estes meios não estivessem disponíveis.
Do exposto decorre que, não dispondo o condomínio de um espaço adequado para o efeito (ou não se provando que dele dispusesse), a assembleia não teria de ser convocada (não deveria), se algum dos condóminos não tivesse condições para participar nela através de meios de comunicação à distância e se este tivesse transmitido essa impossibilidade à administração do condomínio, devendo, no entanto, a assembleia ter lugar por meios telemáticos se for possível assegurar aos condóminos deles carecidos os meios necessários para o efeito.
A previsão desta competência da administração do condomínio, contida na parte final da al. b) do n.º 2 do art.º 5.º-A da Lei  n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, suscita várias questões, desde logo, as de saber se (i) os “meios necessários” a ser proporcionados pela administração são meios do condomínio, se (ii) a administração, embora não mandatada, pode adquirir esses meios ou (iii) o que fazer quando é a própria administração – muitas vezes assegurada por um dos condóminos – que não tem “meios de comunicação à distância”. A par destas questões existe a questão de (iv) saber o que fazer quando a incapacidade de intervenção dos condóminos não se reduz – e raramente se reduz – à falta de meios de comunicação, resultando, sim, essencialmente, da falta de conhecimentos e de capacidade de operar tais meios de comunicação.
Sobre esta última questão, não se afigura exequível, por regra, a disponibilização de “meios humanos” para o acompanhamento de cada um dos condóminos, durante a assembleia. Presumindo que o legislador consagrou a solução mais acertada (art.º 9.º, n.º 3, do Cód. Civil), devemos, pois, entender que, quando os condóminos não revelem capacidade para usar as ferramentas informáticas necessárias, a assembleia só poderá ter lugar, se puder ter – isto é, se houver um espaço apropriado –, total ou parcialmente, em reunião presencial.
Em ordem a afastar o seu dever de convocação da assembleia a realizar-se por meios telemáticos – isto é, de excluir a ilicitude da não convocação –, a administração deve alegar e provar que um dos condóminos, pelo menos, não tinha, fundadamente, condições para participar na assembleia por videoconferência e que tal facto lhe foi comunicado. Deverá, em alternativa, alegar e provar que pelo menos um condómino não tinha capacidade para usar “meios de comunicação à distância” ou que os meios de comunicação que o condomínio possuía – cabendo à contraparte provar a existência destes meios – não podiam ser disponibilizados.
Ora, resulta claro dos factos provados que vários condóminos não possuíam “meios de comunicação à distância” nem tinham conhecimentos bastantes para a utilização desses meios. O mesmo é dizer que, até 18 de fevereiro de 2022, a ré não tinha a obrigação de convocar a assembleia de condóminos, nem a ter lugar em reunião presencial, nem a ter lugar por meios telemáticos.
Apendicularmente acrescentamos que não tem aqui cabimento oferecer à autora a possibilidade de alegar e provar que o condomínio dispunha de meios que poderiam ser disponibilizados aos condóminos deles carecidos, pelo que a ré os deveria ter assegurado. Como lapidarmente se afirma no sumário do Ac. do TRC de 09-05-2000 (102/00), “[n]ão há lugar a convite ao aperfeiçoamento quando o que é insuficiente não é a alegação, mas a realidade alegada. O mecanismo do art.º 508.º, n.º 3 [atual 590.º, n.º 4], destina-se a suprir a insuficiência da alegação, não a insuficiência da realidade”.
1.3. Realização da assembleia a partir de 19 de fevereiro de 2022
Como vimos, a partir de 19 de fevereiro de 2022, a realização das assembleias de condóminos não mais esteve sujeita a restrições impostas pela legislação COVID. Não obstante, até 28 de dezembro de 2022 – cfr. o ponto 29 dos factos provados –, a ré não convocou a assembleia de condóminos do condomínio do prédio no qual se insere a fração da autora – isto é, durante dez meses. (Entre parêntesis, chama-se a atenção para o facto de, a partir de 10 de abril de 2022, passar a ser admissível, nos termos gerais, a realização da assembleia de condóminos por meios de comunicação à distância, conforme previsto no art.º 1.º-A do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, aditado pelo art.º 5.º da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro).
O tribunal a quo considerou justificada a omissão de convocação da assembleia presencial, a partir do momento em que passou a ser permitida, com o seguinte fundamento: “(…) não se pode olvidar a existência excecional do período atrás referido e, claro está, a necessidade de recuperação dos atos que não foram realizados durante aquele período, designadamente das empresas de gestão de condomínio realizarem as dezenas, talvez centenas de assembleias de condóminos” – sublinhado nosso. Afigura-se-nos que este argumento demonstra mais do que pretende. A ser procedente, prova a incompetência da empresa de gestão do condomínio, pois a regra é a de que todas essas assembleias devem ter lugar num período de 15 dias, em janeiro de cada ano. Ou seja, a empresa de gestão tem de estar organizada de modo a conseguir realizar todas as assembleias dos seus clientes no espaço de 15 dias.
Questão diferente da realização das assembleias num curto espaço de tempo é a da sua preparação. Como é evidente, em circunstâncias normais, a administração pode começar a preparar a assembleia com meses de antecedência. No caso que nos ocupa, só em 18 de fevereiro de 2022 tomou a ré conhecimento de que poderia convocar as assembleias dos seus clientes, pelo que só então pôde começar a preparar a sua realização. No entanto, nada obstava a que, diligentemente, tivesse anteriormente preparado as assembleias – com a elaboração dos documentos necessários, com vista à sua apreciação pelos condóminos. Apenas lhe restaria o envio das convocatórias e a realização da assembleia.
Não vale aqui dizer que a atividade da ré foi negativamente afetada pela crise pandémica (o que poderia explicar não ter preparado a realização das assembleias), não só porque tal não resulta provado, como também porque não consta que tenha deixado de receber a sua remuneração nem que os condóminos tenham deixado de pagar as suas comparticipações para este efeito. Se, no início de janeiro, se concebe a existência algum atraso na elaboração dos documentos respeitantes ao exercício do ano anterior, o mesmo já não será de dizer no fim do mês de fevereiro – tanto mais que não resulta provado que a ré tenha estado ocupada com a realização de outras assembleias de condóminos.
2. Restantes fundamentos do pedido
2.1. Não prestação de contas
As questões suscitadas pela apelante relacionadas com as competências da assembleia de condóminos – “prestação de contas” e “aprovação do regulamento interno” – carecem de autonomia, relativamente à primeira irregularidade relevante invocada – “ausência de realização da assembleia de condóminos”. Se a assembleia não se tiver realizado justificadamente, não podem ter lugar as atividades que apenas no seu âmbito podem ocorrer na totalidade, estando, por consequência, a omissão destas justificada.
Já se esta irregularidade efetivamente se verificar (omissão injustificada da realização da assembleia), por arrastamento temos de concluir que não foram prestadas as contas devidas, o que também representa a violação de um dever do administrador (art.º 1436.º, n.º 1, al. l), do Cód. Civil, na sua atual redação). É o que veremos adiante, no capítulo dedicado à conclusão da nossa análise.
2.2. Incumprimento do dever de aprovação do regulamento interno

Não cabe ao administrador do condomínio o dever legal de aprovar o regulamento interno. Cabe-lhe, sim, elaborar o seu clausulado, no caso de não constar do título constitutivo da propriedade horizontal (art.º 1418.º, n.º 2, al. b), do Cód. Civil) e de a assembleia não o ter feito (art.º 1429.º-A, n.º 2, do Cód. Civil). No entanto, como instrumento de autorregulação dos comproprietários das partes comuns (art.º 1420.º, n.º 1, do Cód. Civil), tem ele de ser aprovado pela assembleia de condóminos (por maioria simples). Embora a lei não o refira expressamente, esta aprovação é imposta pela referida natureza do regulamento – instrumento de autorregulação –, transparecendo de alguns enunciados legais – cfr., por exemplo, o n.º 2 do art.º 1424.º ou o n.º 1 do art.º 1433.º do Cód. Civil.
No caso dos autos, e quanto à elaboração do clausulado do regulamento do condomínio, considerando que só poderia ele ser aprovado em assembleia de condóminos, a omissão de tal elaboração só é relevante se a assembleia podia e devia ter sido anteriormente convocada e realizada. É o que também veremos adiante, no capítulo dedicado à conclusão.
2.3. Falta de manutenção das áreas comuns do prédio
Inexistem factos provados que revelem a falta de manutenção imputável à ré das áreas comuns do prédio. Improcede este fundamento do pedido.
2.4. Excesso de período em funções
Estabelece o n.º 5 do art.º 1435.º do Cód. Civil que “[o] administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor”. Não tendo sido nomeada nova administração, não foi indevidamente excedida a duração do mandato da ré como administradora do condomínio. Improcede este fundamento do pedido.
2.5. Parcialidade no tratamento dos condóminos
Inexistem factos provados que revelem a parcialidade no tratamento dos condóminos por parte da ré. Improcede este fundamento do pedido.
3. Conclusão
3.1. Irregularidade da atuação da ré
Concluída a análise dos factos e a sua subsunção jurídica às normas que definem o conteúdo dos deveres do administrador do condomínio, conclui-se que, sem justificação bastante, a assembleia de condóminos (respeitante aos anos de 2020 e 2021) não foi convocada, como deveria ter sido, ao menos, no primeiro semestre de 2022 – e a partir do dia 18 de fevereiro. Trata-se de uma relevante irregularidade por omissão.
O mesmo é dizer que as restantes omissões acima abordadas – “prestação de contas” e “aprovação do regulamento interno” – não podem encontrar a sua justificação na não realização da assembleia de condóminos. Se a assembleia não for realizada (irregularmente), não podem ter lugar as atividades que apenas no seu âmbito devem ocorrer na totalidade. A falta de justificação bastante para a não realização da assembleia tem, pois, por efeito que, na inexistência de outra justificação, também a omissão destas atividades se tenha por injustificada.
Em suma, a ré violou o seu dever de oportuna convocação e realização da assembleia de condóminos, bem como o seu dever de prestar contas (em assembleia) e o seu dever de suprir a falta de elaboração do regulamento interno pela assembleia de condóminos.
3.2. Exercício do direito pela autora
Tal como acima adiantámos, dispõe o n.º 3 do art.º 1435.º do Cód. Civil que “[o] administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções”. Retomamos a análise deste enunciado, começando por sublinhar a locução verbal empregue pelo legislador – “pode ser”, e não, por exemplo, “é”. Deve, pois, entender-se que, em caso de prática de irregularidades ou de atuação negligente, a exoneração do administrador não é uma inevitabilidade.
O n.º 5 do art.º 1432.º do Cód. Civil (Convocação e funcionamento da assembleia), na sua atual redação, estabelece que “[a]s deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido”. O condomínio é uma forma de comunhão (art.º 1420.º, n.º 1, do Cód. Civil), pelo que é útil recordar aqui as disposições em matéria de decisão sobre a sorte da coisa comungada previstas nos arts. 985.º, 1404.º e 1407.º do Cód. Civil. Dos diferentes regimes referidos, e outros poderiam ser convocados, resulta que a lei dá prevalência à vontade da maioria – desde que o objeto da deliberação seja lícito. Não pode a vontade de um único consorte minoritário sobrepor-se à vontade de todos os demais.
Como é evidente, se a vontade da maioria não for legítima, não poderá prevalecer. Assim, dando como exemplo a alegação (não provada) da autora, se a irregularidade cometida pelo administrador se traduzir num tratamento discriminatório de um condómino, a vontade maioritária dos restantes condóminos no sentido da ratificação da atuação daquele não será legítima. Já se a irregularidade for de diferente ordem, não é de afastar a possibilidade de a assembleia relevar a falta, reiterando a vontade de manutenção do administrador no cargo.
A lei reconhece a relevância da vontade maioritária mesmo no âmbito da ação vertente, pois, embora não obrigue à intervenção processual de todos os condóminos, estabelece que, o juiz, sempre que possível, deve ouvir os restantes condóminos. O tribunal a quo não cumpriu a formalidade prevista nos arts. 1055.º, n.º 3, segunda parte, e 1056.º do Cód. Proc. Civil, não tendo sido ouvidos os restantes condóminos. No entanto, esta omissão não foi invocada pelas partes, pelo que não pode o tribunal ad quem dela retirar quaisquer consequências. Acresce que, por um lado, a opinião maioritária dos condóminos não é absolutamente determinante na decisão a tomar – cfr. o Ac. do TRL de 28-09-2022 (4040/21.8T8ALM.L1-2). Por outro lado, foi junta aos autos a ata da assembleia realizada em 28 dezembro de 2022, na qual foi aprovada a recondução da ré como administradora do condomínio (deliberação impugnada), deliberação da qual se conclui que os restantes condóminos não entendem que, por agora, a conduta da demandada justifica a sua exoneração do cargo.
Note-se que esta ata não é aqui considerada para retirar efeitos das suas deliberações – designadamente, de recondução da ré na administração do condomínio –, dado que não está assente que estas sejam definitivas – isto é, que não tenham sido oportunamente impugnadas por vício da convocatória. Apenas é considerada enquanto expressão da vontade dos condóminos presentes – quer esta expressão seja útil, por serem as deliberações (hipoteticamente) válidas e eficazes, quer seja inútil, por serem as deliberações (hipoteticamente) inválidas ou ineficazes.
Devemos, pois, concluir que a vontade maioritária dos condóminos não coincide com a vontade da autora presente no seu pedido formulado nesta ação. Também devemos afirmar que as irregularidades dadas por provadas não são de natureza discriminatória (contra a autora) nem dizem respeito à violação de normas imperativas cujo conteúdo pode ter influência direta nas relações externas do condomínio – como seja a manutenção de um seguro obrigatório (art.º 1429.º do Cód. Civil).
A principal irregularidade provada é a falta de oportuna realização da assembleia de condóminos. Foi ensaiada a realização de uma assembleia em 28 de dezembro de 2022, estando em discussão a regularidade desta. Estamos, pois, perante uma única falta da administração – verificando-se relativamente às demais irregularidades detetadas um fenómeno de consunção.
Importa, ainda, aqui notar que nada na lei impede que o administrador exonerado seja ulteriormente nomeado para novo mandato, se for esta a vontade dos condóminos (e tal nomeação não se revelar abusiva). O tribunal deve sopesar estes dados de facto e argumentos, em ordem a decidir, ou não, a exoneração da ré, não estando “sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art.º 987.º do Cód. Proc. Civil).
Em face do exposto, considerando que a irregularidade cometida se deve reconduzir a uma única falta juridicamente relevante, que a maioria dos condóminos não atribui a essa falta importância justificativa da exoneração do administrador, que ela não traduz um tratamento discriminatório da autora (nem afeta imediatamente as relações do condomínio com terceiros) e que diz respeito às administrações pretéritas dos anos de 2021 e 2022 (mesmo que ainda hoje subsista a administração do condomínio pela ré), entende-se ser mais conveniente e oportuno respeitar a vontade maioritária dos restantes condóminos, não exonerando imediatamente a ré – sem prejuízo de os factos dados por provados poderem assumir relevância nos quadros de uma futura alegação e prova (em nova ação) da prática reiterada de irregularidades pela ré.
4. Responsabilidade pelas custas
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art.º 25.º do Reg. Cus. Proc.).
Quando a demanda do autor era fundada no momento em que foi intentada e deixou de o ser por circunstâncias supervenientes a este não imputáveis, as custas são repartidas entre autor e réu, em partes iguais (art.º 536.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Esta hipótese legal é concretizada, designadamente, no n.º 3 do art.º 611.º do Cód. Proc. Civil, nos seguintes termos: “A circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 536.º”.
No caso dos autos, atribuímos especial relevância à vontade maioritária expressa pelos restantes condóminos. Quer a convocação da assembleia de condóminos respeitante aos exercícios de 2020 e 2021 (impugnada noutra ação), quer a manifestação daquela vontade maioritária, só ocorreram após a propositura da ação (em vésperas de realização da audiência final). Isto significa que a responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe a autora e ré, em partes iguais.
C. Dispositivo
C.A. Do mérito do recurso
Em face do exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em confirmar a decisão recorrida, embora com diferente fundamento.
C.B. Das custas
Custas da ação e da apelação pela autora e pela ré, em partes iguais.
*
Notifique.
Lisboa, 23-01-2024
Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha
Carlos Oliveira