CRIME DE FRAUDE FISCAL
Sumário

I - Se uma sociedade, sendo sujeito passivo de I.V.A., se encontra enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, está fiscalmente sujeita à obrigação de apresentar declarações mensais de I.V.A. e a sua conduta só assume relevância criminal quando em cada mês do ano a vantagem patrimonial obtida através da prática de factos integradores de fraude fiscal for superior a € 15.000.
II - E este entendimento vale mesmo para os casos em que se conclui pela verificação de crime único de fraude fiscal, pela ocorrência de uma única resolução criminosa, sendo também nestes casos de desconsiderar as parcelas respeitantes à periodicidade em causa que comportem uma vantagem patrimonial inferior a € 15.000.

Texto Integral

Proc. n.º 84/11.6IDBRG.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 84/11.6IDBRG, a correr termos no Juízo Local Criminal do Porto, por sentença de 14-07-2022, foi decidido:
«I. CONDENO O ARGUIDO AA, COMO COAUTOR MATERIAL, DE DOIS CRIMES DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 103º e 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, NA PENA ÚNICA DE 3 (TRÊS) ANOS, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR IGUAL PERÍODO.
II. CONDENO O ARGUIDO BB PELA PRÁTICA, COMO COAUTOR MATERIAL, DE DOIS CRIMES DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 103º e 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, NA PENA ÚNICA DE 3 (TRÊS) ANOS DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR IGUAL PERÍODO.
III. CONDENO O ARGUIDO CC PELA PRÁTICA, COMO COAUTOR MATERIAL, DE UM CRIME DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103º e 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, NA PENA DE 2 (DOIS) ANOS E 8 (OITO) MESES DE PRISÃO, SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR IGUAL PERÍODO, COM A CONDIÇÃO DE PAGAMENTO DAS QUANTIAS EM DÍVIDA NESTES AUTOS.
IV. CONDENO A SOCIEDADE “A... UNIPESSOAL, LDA.” PELA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 7º, n.º 1, 103º, 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, NA PENA ÚNICA DE 1000 (MIL) DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE €15 (QUINZE EUROS), NO MONTANTE TOTAL DE €15.000 (QUINZE MIL EUROS).
V. CONDENO A SOCIEDADE “B..., LDA.” PELA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 7º, n.º 1, 103º, 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, NA PENA ÚNICA DE 1000 (MIL) DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE €25 (VINTE E CINCO EUROS), NO MONTANTE TOTAL DE €25.000 (VINTE E CINCO MIL EUROS).
VI. DECLARO EXTINTO O PROCEDIMENTO CRIMINAL INSTAURADO CONTRA A SOCIEDADE “C..., LDA.”.

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CUSTAS CRIME: os arguidos vão ainda condenados nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C.’s, (cfr. art. 8º, n.º 9 e Tabela III, do RCP).»
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que o absolva dos crimes por que foi condenado, apresentando nesse sentido, após convite formulado por este Tribunal para o efeito, as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1º - O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes autos no qual condenou o arguido AA, como coautor material, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 103º e 104º, n.º 2, alínea a) do RGIT, na pena única de 3 (três) anos, suspensa na sua execução por igual período.
2º - Os seguintes factos foram dados indevidamente como provados:
Factos nºs:
4) A referida sociedade foi constituída em 11/02/2010, ficando como gerente de direito, até ao dia 30/03/2010, DD, com o NIF ... e, a partir desta data, o arguido AA, NIF ..., sendo que sempre foi este último o responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela 27) Sabendo que, para obter o reembolso de IVA, a sociedade “D...” tinha que declarar perante a Administração Tributária (A.T.) que não tinha procedido à venda dos referidos bens, o seu representante acordou com os arguidos AA e BB que a mercadoria vendida pela sociedade “D...” à sociedade “A...” seria faturada pela sociedade “B...” como se fosse ela a vendedora.
28) Acordaram, ainda, que, nem a sociedade “A...”, nem a sociedade “B...”, declarariam junto da AT aquisições à sociedade “D...”, sendo que seria criado um circuito bancário e documental que suportasse a versão em que a mercadoria era vendida diretamente à sociedade “A...” pela sociedade “B...” para que, deste modo, quer a sociedade “D...”, quer a sociedade “A...” pudessem pedir o reembolso do IVA liquidado nessas faturas.
29) Após ter vendido os bens faturados à sociedade “A...”, foi solicitado pela “D...”, nomeadamente à sociedade “E...”, que os bens fossem remetidos diretamente para sociedades da Comunidade Europeia a quem a “A...” já os tinha vendido (fls. 2597 a 2600, 1624 a 2638).
32) Contudo, para que a AT permitisse que a sociedade “D...” efetuasse a dedução do IVA constante como liquidado nestas faturas, e de acordo com o seu plano:
- foi declarado que aquela sociedade não tinha procedido à venda a terceiros dos bens faturados pelas sociedades “E...” e “F...”;
- os arguidos AA e BB não declararam qualquer aquisição de mercadorias pelas sociedades “A...” e “B...” à sociedade “D...”;
- e o arguido AA declarou que a mercadoria em causa foi adquirida pela sociedade “A...” à sociedade “B...”
35) e agiram em comunhão de esforços com os arguidos AA, na qualidade de representante da sociedade “A...” e BB, na qualidade de representante legal da sociedade “B...”
36) querendo ocultar a venda pela sociedade “D...” à sociedade “A...” da mercadoria adquirida às sociedades “E...” e “F...”.
37) querendo todos, com estas condutas, conduzir a administração fiscal a efetuar o pagamento de reembolsos de IVA à sociedade “D...”, a que não tinha direito e, deste modo, reduzir as respetivas receitas fiscais, o que conseguiram.
38) Em data não apurada, mas anterior a 01/03/2010, o arguido AA, em representação e no interesse da sociedade “A...”, com o intuito de aumentar o valor de IVA suportado por esta sociedade de modo a que o IVA liquidado por ela nas faturas de venda fosse inferior ao que suportou nas faturas de aquisição de bens e serviços e, consequentemente, esta sociedade recebesse reembolsos de IVA, decidiu que iria integrar na contabilidade desta sociedade faturas de aquisição de mercadorias emitidas por outras sociedades, em que era liquidado IVA, como se correspondessem a vendas efetuadas à “A...” mas que, na realidade, não tinham qualquer relação comercial subjacente ou correspondiam a vendas em que não eram intervenientes as sociedades identificadas nas faturas.
39) Na execução deste plano e também conforme havia sido acordado entre os arguidos AA, o representante da D... e BB nos moldes acima descritos no ponto I, o arguido BB, em nome da sociedade “B...”, emitiu a favor da sociedade “A...” as seguintes faturas onde declarou que a sociedade “B...” tinha procedido à venda à sociedade “A...” de mercadoria:



40) Sucede que as faturas em causa não correspondem a bens efetivamente vendidos pela sociedade “B...” à sociedade “A...”, nem a IVA efetivamente liquidado por esta sociedade.
41) As faturas referem-se à mercadoria vendida diretamente pela sociedade “D...” à sociedade “A...”.
42) Com efeito, a sociedade “B...” não tinha condições estruturais e pessoais para fornecer a mercadoria faturada, sendo que:
a) apresentou declaração de IVA do período 10/3T, indicando uma base tributável, no campo 3, de €9.795,35; e do período 10/6T, não indicando qualquer valor e, no dia 05/01/2011, já no decurso da ação inspetiva à sociedade “A...”, que teve início em 19/10/2010, entregou declarações de IVA de substituição, substituindo as referidas declarações de IVA por declarações onde refletia as vendas efetuadas à sociedade “A...” e as aquisições à sociedade “D...”;
b) BB nunca cumpriu qualquer obrigação fiscal;
c) em 15/09/2010, procedeu à alteração do domicílio fiscal para a Rua ... – 1 ° C, Funchal, sendo que nesse local não exerce atividade qualquer empresa (fls. 152). O proprietário desse imóvel desconhece a sociedade “B...” e nunca efetuou qualquer contrato de arrendamento com esta sociedade para aluguer da referida sala. No local declarado antes como sede, Rua ... da freguesia ..., Vila Nova de Famalicão, encontra-se a laborar, desde 25/03/2010, a sociedade “G... Unipessoal Lda.”, NIPC ...”, tendo como funcionários, aqueles que faziam parte dos quadros de pessoal da “B...”
d) tem a sua contabilidade no gabinete do TOC EE, NIF ..., contratado em 14/11/2010, tendo este procedido à entrega das declarações de IVA (modelo C) de 10/03T e 10/06T, para declarar as transmissões efetuadas à sociedade “A...”;
e) a sociedade “B...”, até ao início do mês de março de 2010, emitia as suas faturas manualmente (impressas tipograficamente) e todo o volume de negócios respeitava a Prestações de Serviços, sendo a última fatura emitida com o n.° 306, datada de 04/03/2010, para o cliente “H... Lda.”, NIPC ...;
f) até ao mês de março de 2010, a sociedade “B...” teve funcionários ao seu serviço, deixando de ter custos com o pessoal a partir do segundo trimestre de 2010;
g) até ao mês de março de 2010, existiam movimentos relativos a contas bancárias e correspondente suporte documental, o que deixa de existir no segundo trimestre de 2010;
h) até ao mês de fevereiro de 2010, a sociedade apresentava documentos bancários, cópias de cheques, despesas com eletricidade, telefone, etc. e, após este período, apenas existem os documentos de compra das mercadorias vendidas à sociedade “A...”;
i) as faturas emitidas para a “A...” são processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A, de 01/03/2010 (data posterior à da fatura manual n.º 0306 acima referida), até à 60/A, de 28/05/2010;
j) não se encontram registados na contabilidade os recebimentos destas faturas (transferências bancárias e cheques), que constam na contabilidade da “A...”.
43) Os bens transmitidos à “A...” são os que constam das seguintes faturas de compras efetuadas, exclusivamente, à sociedade “D...”:


44) Sucede que, como acima se referiu, na base da emissão destas faturas não estão transmissões reais de bens entre a sociedade “D...” e a sociedade “B...”, mas vendas realizadas pela sociedade “D...” à sociedade “A...” nos moldes descritos em I, sendo que as faturas em causa foram emitidas na sequência da inspeção realizada à sociedade “A...” e para dar credibilidade ao pedido de reembolso por ela efetuado.
45) Com efeito, a sociedade “D...”:
a) procedeu à entrega das declarações de IVA de janeiro a novembro de 2010, sendo a TOC responsável pela entrega das declarações de IVA, a partir do mês de fevereiro, FF, NIF ...;
b) no exercício de 2010, a sociedade “D...” apenas declarou transmissões (vendas e/ou prestações de serviços) no mês de fevereiro, sendo que, nos meses de março a julho de 2010, as declarações de IVA apenas apresentam valores referentes a deduções de IVA, relativas a aquisições de existências e, a partir de Julho, as declarações de IVA foram entregues a “zero”, ou seja, sem operações ativas e passivas;
c) não incluiu nas bases tributáveis das declarações de IVA qualquer das faturas emitidas à “B...”;
d) as faturas emitidas pela “D...” são processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A, de 01/03/2010, a 56/A, de 28/05/2010 e têm o mesmo desenho das emitidas pela sociedade “B...” (ambas emitidas com software primavera), sendo as quantidades e descrição de mercadorias exatamente iguais, divergindo, apenas, quanto ao preço unitário dos bens, sendo que, até à fatura n.º 36/A, têm também o mesmo número;
e) nas faturas emitidas pela “D...” à “B...” está inscrito como NIPC do cliente o NIPC da “A...” e não o NIPC da “B...”;
f) não consta na contabilidade da “B...” qualquer pagamento à “D...”.
46) Não foi possível saber quem é que emitiu as faturas por computador a partir de março de 2010, das sociedades “D...” e “B...”.
47) Acresce que, para pagamento das referidas faturas emitidas a favor da “A...” pela “B...” foram declarados os seguintes meios e formas de pagamento:

48) Analisados os meios de pagamento acima indicados, verifica-se que:
a) os cheques n.ºs ..., ..., ..., ..., ... e ... foram levantados por GG, à data companheira de AA e a pedido dele, tendo lhe ela entregue o valor por eles titulado; o cheque n.º ... foi depositado na conta n.º ..., de que é titular AA (fls. 1545v e 1464 e ss.); o cheque n.º ... foi levantado por AA (fls. 1542v e 1623); os cheques n.ºs ... e ... foram levantados por HH; o cheque n.º ... foi depositado na conta n.º ..., de que é titular HH (fls. 1557 e ss.); os restantes cheques foram depositados na conta n.º ..., de que é titular HH (fls.1536 e ss.);
b) a assinatura do endosso dos cheques emitidos nos meses de maio e julho, efetuadas na qualidade de gerente da “B...”, contêm os dizeres “BB”, desconhecendo-se como o banco tem conhecimento deste facto, atendendo a que o registo de gerência apenas foi efetuado em 02/08/2010;
c) são efetuados pagamentos mediante transferência bancária para a conta n.º... do Banco 1..., que é titulada por HH, que renunciou à gerência da sociedade em 20/02/2008, e II (fls. 260), sendo que na contabilidade da sociedade “B...” não se encontra registada esta conta bancária, nem qualquer outra conta no “Banco 1...”, estando, apenas, identificadas as contas n.º ... – Banco 2..., ... – Banco 3..., ... – ... e ... – Banco 4...;
d) HH foi gerente, de direito, da sociedade “B...”, sendo que o gerente de facto era o arguido BB, e era advogado do arguido AA.
49) Não obstante as faturas em causa não corresponderem a serviços efetivamente prestados pela sociedade “B...” à sociedade “A...”, o arguido AA procedeu à consideração dos valores nelas constantes na elaboração das declarações fiscais de IVA desta sociedade.
50) Ainda na execução do plano que havia traçado, em data não apurada mas anterior a 18/06/2010, o arguido AA acordou com JJ e KK a emissão por estes, em nome da sociedade “I..., Lda.”, de faturas a favor da sociedade “A...” que não tinham subjacente qualquer relação comercial entre ambas, liquidando nas mesmas o respetivo IVA em valores que permitissem à sociedade “A...” receber reembolsos.
51) Assim, JJ e KK, em nome da sociedade “I..., Lda.”, emitiram a favor da sociedade “A...”, as seguintes faturas, onde declararam ter procedido à venda de serviços de prestações de confeções, tendo liquidado o respetivo IVA: Fatura Data Valor IVA Total 1/A 18-06-2010 2.064,00 412,80 2.476,80 21A 23-06-2010 4.525,75 905,15 5.430,90 3/A 28-06-2010 1.195,05 239,01 1.434,06 10/A 16-07-2010 2.464,30 517,50 2.981,80 13/A 26-07-2010 9.495,80 1.994,12 11.489,92
52) Sucede que as faturas em causa não correspondem a bens efetivamente vendidos pela sociedade “I..., Lda.” à sociedade “A...”, nem a IVA efetivamente liquidado por esta sociedade.
53) Com efeito, a sociedade “I..., Lda.” não tinha condições físicas e pessoais para fornecer o volume de mercadorias faturado, pois:
a) na data de início da inspeção tributária à sociedade “A...”, que ocorreu em 04/11/2010, a sociedade “I..., Lda.”, não tinha entregue qualquer declaração de IVA ou de IRC referente aos anos de 2009 e 2010;
b) iniciou a sua atividade em 20/08/2008, exerceu atividade até 31/12/2008 desse ano e, no ano de 2009 esteve inativa e, em Junho de 2010, reiniciou atividade;
c) emitiu a primeira fatura em 18/06/2010, para o cliente “A...”
d) todas as faturas emitidas em 2010 pela sociedade “A...”, respeitam a “prestações de serviços” de confeção (trabalho a feitio), mas esta sociedade dispunha de adequada estrutura para o exercício desta atividade, pois no seu imobilizado não existe qualquer equipamento para este fim (máquinas costura), nem qualquer contrato de arrendamento/locação;
e) embora tenha a sede social na Rua ..., ..., ... Matosinhos, esta laborava na freguesia ..., concelho de Guimarães.
f) – a contabilidade da sociedade é efetuada pelo TOC EE, NIF ..., no gabinete de contabilidade J... – Unipessoal, Ld.ª, NIPC ..., com sede na Rua ... – ... ... (...), que, desde 14-11-2010, também era o TOC da sociedade “B...”;
g) as faturas emitidas pela sociedade “I..., Ld.ª” são processadas por computador mas esta sociedade não dispõe de meios informáticos para este fim (computador), nem do correspondente programa informático;
h) parte dos documentos para registo contabilístico, nomeadamente faturas e processamento de salários, chegaram ao TOC EE por correio eletrónico, sendo as mensagens enviadas por “LL K... – Rua ... – ... Guimarães, sendo que “K...” é a sigla para a sociedade “K..., Ld.ª”, NIPC ..., e “LL” é o funcionário desta empresa com o nome LL, NIF ...;
i) é no gabinete de contabilidade “K..., Lda.” que se encontram centralizadas as contabilidades dos dois únicos clientes da “I..., Lda.”, a sociedade “A...” e a sociedade “L..., Lda.”, NIPC ..., que apresentam como gerente comum AA, NIF ...;
j) no período de atividade da sociedade “I..., Lda.”, em 2010 (apenas junho a setembro – uma vez que se encontra em falta a entrega da declaração de IVA do quarto trimestre de 2010), a empresa apenas apresentou custos com o pessoal, e proveitos relativos a prestações de serviços, não tendo nenhum dos custos inerentes e necessários ao exercício desta atividade especifica, como a aquisição de matérias – primas (pelo menos linhas), eletricidade, telefone, materiais acessórios (exemplo agulhas para as máquinas), etc;
k) neste período de laboração, não efetuou nenhum pagamento ao Estado: 1. Não entregou nos cofres do Estado o valor do IVA liquidado aos seus clientes; 2. Não entregou nos cofres do Estado o valor do IRS retido aos seus trabalhadores; 3. constam no balancete do mês de Setembro de 2010, dívidas à Segurança Social deste mesmo período (junho a setembro) de €47.667,83;
l) no período em análise apenas tem dois clientes, a sociedade “A...” e a sociedade “L...”, e estas deduziram na sua contabilidade o valor do IVA que se encontra inscrito nas faturas da sociedade “I..., Lda.”
m) o contabilista das sociedades “A...” e “L...” é MM, NIF ..., da sociedade K...;
n) a esmagadora maioria dos trabalhadores da sociedade “I..., Ld.ª” têm o seguinte percurso: -foram funcionários da sociedade “L...”, passaram a fazer parte dos quadros de pessoal da sociedade “M..., Unipessoal, Lda.”, NIPC ..., de abril de 2009 a maio de 2010, passando a ser funcionários da sociedade “I..., Lda”, a partir de junho de 2010 (fls. 563 e ss.); -a forma de recebimento de salários e o local onde o trabalho é efetuado, sempre foi o mesmo.
54) O arguido AA integrou as faturas na contabilidade da sociedade “A...” e considerou os valores constantes das faturas emitidas pela sociedade “I..., Lda.” na elaboração da declaração de IVA da sociedade.
55) Não obstante nunca ter ocorrido qualquer transmissão de mercadorias das sociedades “B...” e “I..., Lda.”, o arguido AA considerou os valores das mesmas nas declarações de IVA da sociedade “A...” e, em 10/09/2010, apresentou declaração periódica de IVA referente ao período de julho de 2010, fazendo constar da mesma que a sociedade “A...” adquiriu, nesse período, às sociedade “I..., Lda.” e “B...”, que vendeu a países da Comunidade Europeia, solicitando o reembolso de IVA no valor de €97.455,00 referentes a deduções de IVA efetuadas no mês de julho e aos créditos de IVA acumulados nos meses de Março a Junho (fls.1927 a 1998 e 2438 e ss.).
56) Com base nesta declaração periódica de IVA, a AT deduziu o valor de parte do IVA constantes das faturas acima referidos e procedeu ao reembolso à sociedade “A...” de €20.986,52 (fls. 1408).
57) O arguido AA, em representação da sociedade “A...” e no interesse desta, agiu em comunhão de esforços com o arguido CC, na qualidade de representante da sociedade “B...” e no interesse desta, e o representante da sociedade “D...” e em comunhão de esforços com JJ e KK, na qualidade de representantes legais da sociedade “I..., Lda.”, querendo todos possibilitar que a sociedade “A...” integrasse na sua contabilidade faturas que não tinham subjacente à sua emissão as transações comerciais por elas tituladas, e que contabilizasse os respetivos montantes nas declarações fiscais de IVA e, desse modo, conduzir a administração fiscal a efetuar o pagamento de reembolsos de IVA à sociedade “A...”, a que não tinha direito, reduzindo as respetivas receitas fiscais, o que conseguiram.
58) Todos os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
3º - Para efeitos do artigo 412º nº 3 al. a) do CPP, os supra transcritos factos, dados como provados na Douta Sentença recorrida, foram incorrectamente julgados, e se estes mesmos factos tivessem sido dados como não provados, o arguido, aqui recorrente, teria obrigatoriamente de ser absolvido.
4º - Os referidos factos, dados como provados, contrariamente ao que consta da motivação da Douta Sentença do Tribunal a quo, não resultam da prova documental em conjugação com a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento.
5º - Todos os supra mencionados factos resultam apenas e tão só do Parecer/Relatório elaborado pela Administração Tributária que, na sequência de uma inspecção, originada por um pedido de reembolso de IVA efectuado pela sociedade “A...”, conclui que a mercadoria que a sociedade “A...” adquiriu à sociedade “B...”, na verdade não teria sido fornecida por esta última, mas sim pela sociedade “D...”.
6º - Em síntese é isto que resulta dos factos dados como provados nºs 27, 28, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48 e 49, supra transcritos.
7º - Mas, o mencionado relatório não explica, não expõe, nem justifica, como é que apurou que o arguido AA sabia, tinha conhecimento, ou até mesmo se foi ele o responsável pelas transações comerciais em causa nos presentes autos.
8º - A Sra. Inspectora que elaborou o aludido relatório, NN, demonstrou em audiência de julgamento que a Autoridade Tributária não SABIA, e não tinha qualquer PROVA ou indício de PROVA que demonstrasse o envolvimento do arguido AA na alegada fraude.
9º - A referida Sra. Inspetora, bem como TODOS os inspetores ouvidos em audiência de julgamento não conseguiram explicar, ou mesmo indicar, qualquer prova, ou indício, de que o arguido AA sabia que as mercadorias que a sociedade “A...” estava a adquirir eram da “D...” e não eram da “B...”.
10º - Todavia, mesmo que se admita como verdadeiro que os bens que a “B...” vendeu à “A...” eram, na verdade, da sociedade “D...”, não foi dado como provado que o aqui recorrente AA, alegado gerente da “A...”, sabia desse facto, ou se tinha obrigação de o saber.
11º - O que resultou do relatório e das declarações dos Srs. Inspetores é que a sociedade “A...” actuou sempre na legalidade, declarou quer a compra à “B...”, quer a venda a terceiros, pagou integralmente o respectivo IVA nessas operações,
12º - E foi já injustamente punida, pois, conforme resulta dos factos provados 55º e 56º, do pedido de reembolso de IVA que efectuou no valor de € 97.455,00, e que efectivamente pagou, apenas lhe foi devolvido pela AT a quantia de vinte mil e poucos euros.
13º - Não obstante o facto de nenhum dos Srs. Inspectores saber explicar na audiência de julgamento o envolvimento do arguido AA no alegado esquema fraudulento, a verdade é que os factos dados como provados sob os números 42, 44, 46, 46, 47 e 48 parecem querer justificar esse conhecimento.
14º - No entanto, nenhum desses factos é apto a demonstrar o alegado envolvimento do arguido AA, para além de não resultar de qualquer depoimento dos Srs. Inspectores.
15º - Se é verdade que a “B...” não tem condições estruturais e pessoais para fornecer a mercadoria facturada, o arguido AA não tinha, nem precisava saber esse facto.
16 º- O arguido AA não tem, nem tinha que saber que a “B...” apenas procedeu à substituição das declarações de IVA após a inspecção à “A...”, que a facturação a esta empresa foi processada por computador, e que não estão presentes na contabilidade da “B...” os movimentos realizados pela “A...”.
17º - E se parte do pagamento da mercadoria que a “A...” comprou à “B...” foi movimentado pelo arguido AA, e por pessoas das suas relações pessoais, esse facto por si só não é apto a provar que o arguido AA sabia que essa mercadoria não era da “B...”, mas sim de uma “D...”.
18º - Parece resultar da Douta Sentença agora recorrida que o arguido AA é que deveria ter provado, através das suas declarações, que não cometeu o crime, invertendo o ónus da prova e contrariando as conclusões infundadas e sem qualquer suporte dos Srs. Inspetores ouvidos em audiência de julgamento.
19º - A Douta Sentença agora posta em crise alicerça-se no mencionado Relatório elaborado pela Autoridade Tributária, quando a Sra. Inspetora que o elaborou e demais Inspetores ouvidos na audiência de julgamento apenas souberam confirmar o teor do mesmo!!!
20º - Tal relatório foi elaborado e suportado apenas em conjeturas, convicções pessoais e conclusões, não tendo qualquer suporte probatório objectivo, o que ficou bem claro nas declarações que os Srs. Inspectores prestaram em audiência de julgamento.
21º - Nenhum dos Srs. Inspectores, ou qualquer outra testemunha, depôs sobre o conhecimento que o arguido AA tinha ou não tinha da existência do esquema de defraudação do Estado em conjunto com os demais arguidos, nem da intenção do AA de colaborar conscientemente nesse objetivo.
22º - Com a agravante de que os factos dados como provados, que aparentemente imputam ao arguido esse conhecimento, NÃO SÃO APTOS a provar o envolvimento do agora recorrente no alegado plano criminoso.
23º - Não consta dos autos qualquer documento, nem foi produzida na audiência de julgamento prova testemunhal que sustente que o arguido sabia que a mercadoria que a “A...” comprou à “B...” era na verdade da sociedade “D...”.
24º - Sem estes elementos devidamente comprovados o Douto Tribunal a quo não poderia ter considerado assentes os factos nºs 4, 27, 28, 29, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58, que, por este motivo, foram incorrectamente julgados.
25º - No que concerne aos factos dados como provados sob os números 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57, os quais dizem respeito ao fornecimento de produtos da sociedade “I..., Lda.” à sociedade “A...”,
26º - Os mesmos deveriam ter sido dados como não provados, pois não foi produzida na audiência de julgamento, e nem resulta objetivamente do relatório elaborado pela AT, qualquer tipo de prova que sustente a resposta de provado aos supra enunciados factos.
27º - Acresce ainda que, como resulta do despacho de acusação e arquivamento nos presentes autos, o valor de IVA liquidado nas faturas dos fornecimentos da “I...” à “A...” é de € 4.068,58.
28º - Ora, para que se verifique o crime de fraude fiscal é necessário que a vantagem patrimonial auferida com a conduta ilícita seja superior a € 15.000,00, pelo que os factos em análise não são suscetíveis de fazer incorrer o arguido AA no crime de fraude fiscal.
29º - Em conclusão, deve, conforme o supra explanado, ser a Douta Sentença do Tribunal a quo revogada e substituída por outra que absolva o arguido AA.
30º - A Douta Sentença recorrida violou, ente outros, o disposto nos artigos 32º, nº 2, e 205º, nº 1 da CRP e 124º, 127º e 374º, nº 2, do CPP.»
*
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida, aduzindo em apoio da sua posição as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O arguido AA foi condenado pela prática de dois crimes de fraude fiscal, um dos quais em função da sociedade que geria – A... - ter beneficiado de reembolsos de IVA baseados:
a. principalmente, em facturas emitidas pela sociedade B..., apesar nunca ter adquiridos mercadorias a esta sociedade, mas sim à sociedade D... (cfr. em especial, pontos de facto 38 a 54);
b. e em facturas emitidas pela sociedade I... Lda., sem qualquer relação comercial subjacente às mesmas (cfr. pontos de facto 50º e ss.).
§
2. Nas conclusões 1º a 68º, o recurso defende a falta de prova de que o arguido AA sabia que a mercadoria comprada à B... era, na verdade, da sociedade D... (conclusão 10º, v.g.); ou que existiu algum tipo de colaboração com os demais arguidos, com vista à fraude fiscal do Estado (conclusão 56º, v.g.).
3. Apesar de não existir prova directa desses factos, a conjugação dos factos instrumentais provados em julgamento, à luz das regras da normalidade (art.º 127º do Código de Processo Penal), torna óbvio e certo que o arguido só podia conhecer e querer os factos descritos na matéria de facto provada:
a. a sociedade B... não tinha qualquer existência efectiva, muito menos as condições estruturais e pessoais para fornecer a mercadoria faturada em benefício da sociedade gerida pelo arguido, tal como resulta dos 10 factos instrumentais elencados no ponto 42 dos factos provados;
b. a sociedade D... só emitiu as facturas de fornecimento das mercadorias à sociedade B... (que justificavam os negócios desta sociedade para com a sociedade gerida pelo arguido, enquanto intermediária) em consequência da inspeção tributária realizada à sociedade gerida pelo arguido, tal como resulta dos 6 factos instrumentais elencados no ponto 45 dos factos provados;
c. e os meios de pagamento relativos às supostas despesas que a sociedade gerida pelo arguido suportou pelas compras à sociedade B... não correspondem manifestamente a custos efetivamente suportados, como resulta dos 4 factos instrumentais elencados no ponto 48 dos factos provados (nomeadamente, o arguido e pessoas das suas relações é que foram os efetivos beneficiários dos pagamentos, nunca tendo a sociedade B... sido directamente creditada com os mesmos).
4. Nenhum empresário ou comerciante pode:
a. desconhecer a identidade das pessoas com quem faz negócio;
b. não se aperceber da diferença de identidade entre a sociedade a quem compra mercadorias e a sociedade que emite as respectivas facturas, e que lhe permite pedir um reembolso de IVA superior a 97.000 €;
c. desconhecer a inexistência efectiva da sociedade B..., mesmo quando os pagamentos que lhe fazia não eram creditados nessa sociedade, mas aproveitados por si ou por pessoas das suas relações pessoais;
d. e não querer colaborar com os outros arguidos, quando sem essa articulação os factos típicos, simplesmente, não podem ter existência.
5. À luz dos arts.º 125º e 127º do Código Processo Penal, perante a força probatória dos factos instrumentais elencados na sentença, o Tribunal podia e devia usar as presunções judiciais que levaram à prova dos factos descritos na sentença, inexistindo qualquer violação ao princípio da inocência do arguido ou inversão do ónus da prova.
§
6. Nas conclusões 69 a 73 do recurso, defende-se que o IVA das facturas emitidas pela sociedade I... tem um valor inferior a 15.000 € e não tem qualquer relacionamento com as facturas emitidas pela B..., pelo que tais factos não constituem a prática de crime.
7. Os dois conjuntos de facturas serviram para o arguido apresentar a declaração de IVA de Julho de 2010, em ordem à obtenção dum reembolso tentado de 97.455 € (ponto 55) e conseguido de mais de 20.000 € (ponto 56).
8. Nessa medida e à luz do n.º 3 do art.º 103º do RGIT, existe um ponto de contacto entre os dois conjuntos de facturas e as facturas emitidas pela sociedade I... fazem parte do crime resultante da declaração de IVA de Julho de 2010.»
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu, e desenvolveu, a posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido na resposta ao recurso apresentada, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
*
Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente não apresentou resposta.
*
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:
- Erro de julgamento em sede de matéria de facto, com violação do princípio in dubio pro reo; e
- Erro de julgamento em sede de direito, quanto à autonomização de um segundo crime de fraude fiscal.
*
Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida (transcrição):
«II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Da prova produzida, resultaram os seguintes:
1. FACTOS PROVADOS:
1) A sociedade arguida “A..., Lda.” é uma sociedade por quotas unipessoal, constituída a 11/02/2010, com sede na Estrada ..., ..., ... ..., Guimarães.
2) A referida sociedade tem como atividade o “fabrico e comércio de roupas de homem, senhora e criança; gabinete de design e produção têxtil; moda e representações”, sendo sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
3) A aludida sociedade está obrigada a enviar ao Serviço de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado (SIVA) a declaração periódica e o montante de imposto por si liquidado e recebido (nos termos do disposto nos arts. 7º, n.º 1, alínea a), 27º, n.º 1 e 41º, n.º 1, alínea a), do CIVA).
4) A referida sociedade foi constituída em 11/02/2010, ficando como gerente de direito, até ao dia 30/03/2010, DD, com o NIF ... e, a partir desta data, o arguido AA, NIF ..., sendo que sempre foi este último o responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela.
5) Por sua vez, a sociedade arguida “B..., Lda.” é uma sociedade por quotas, constituída a 27/02/2007, com sede na Rua ..., ..., Funchal.
6) A referida sociedade tem como atividade a “confeção em série de todos os artigos de vestuário”, sendo sujeito passivo de IVA.
7) A partir do dia 20/02/2008 foi sócio gerente da “B...” o arguido BB, NIF ..., sendo responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela.
8) A sociedade “D..., Lda.” foi uma sociedade por quotas, constituída a 14/05/2007, com sede na Rua ..., ..., ... Maia e extinta em 06/03/2015.
9) Esta sociedade tinha como atividade o “fabrico e comércio de roupas de homem, senhora e criança; gabinete de design e produção têxtil; moda e representações”, sendo sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
10) OO foi, desde 18/02/2010, o gerente da sociedade “D...”, sendo responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela.
11) A sociedade arguida “C... Lda.” é uma sociedade por quotas, constituída a 10/04/1965, com sede na Rua ..., ..., ... Porto.
12) Esta sociedade tem como atividade a “indústria de confeção de malhas”, sendo sujeito passivo de IRC, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável e sujeito passivo de IVA.
13) Desde o dia 01/01/2005, é gerente da sociedade o arguido CC, sendo responsável pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela.
14) A sociedade “I..., Lda.” foi uma sociedade por quotas que teve a sua sede na Rua ..., ..., ... Matosinhos e extinta em 03/12/2015.
15) Esta sociedade encontrava-se coletada para o exercício da atividade “comércio por grosso de vestuário e acessórios”, CAE 46421, sendo sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
16) Desde a data da sua constituição, foram sócios gerentes da sociedade “I..., Lda.”, KK e JJ, sendo ambos responsáveis pelos atos de gestão administrativa e financeira e pela emissão de faturas em nome daquela.
17) Todos os arguidos sabiam que, nas transações, o IVA a entregar ao Estado resultava da diferença entre o IVA liquidado nas faturas de venda e o que foi suportado nas faturas de aquisição de bens e serviços.
18) Em data não apurada, mas anterior ao dia 12/04/2010 (fls. 2418), com o intuito de aumentar o valor do IVA suportado pela sociedade de modo a que o IVA liquidado por ela nas faturas de venda fosse inferior ao que suportou nas faturas de aquisição de bens e serviços e, consequentemente, esta sociedade recebesse reembolsos de IVA, foi decidido no âmbito da sociedade D...” integrar na contabilidade desta sociedade faturas de aquisição de mercadorias emitidas por outras sociedades, em que era liquidado IVA, como se correspondessem a vendas efetuadas à sociedade “D...”, mas que, na realidade, não tinham qualquer relação comercial subjacente, bem como iria declarar que a sociedade não tinha procedido à venda de todos os bens constantes das faturas emitidas por terceiros.
19) Neste seguimento, em data não apurada, mas anterior a 12/04/2010 (fls. 2418 e 2422), o arguido CC emitiu, em nome da sociedade “C... Lda.”, faturas a favor da sociedade “D...” que não tinham subjacente qualquer relação comercial entre ambas, liquidando nas mesmas o respetivo IVA em valores que permitissem à sociedade “D...” receber reembolsos.
20) Assim, o arguido CC emitiu em nome da sociedade arguida “C... Lda.” e a favor da sociedade arguida “D...”, faturas onde declarou que a primeira sociedade procedeu à venda de mercadorias à segunda, no período 1001, no valor de €201.250,25, tendo liquidado IVA no valor de €40.250,05 e, no período 1003, no valor de €191.814,20, tendo liquidado IVA no valor de €38.362,84.
21) Sucede que a sociedade arguida “C... Lda.” não tinha meios técnicos e humanos para fornecer o volume de bens faturado à sociedade “D...”.
22) Com efeito, a sociedade “C... Lda.”:
a) tem como TOC, MM, NIF ..., com gabinete de contabilidade na sociedade “K...” e que também é o TOC da sociedade “A...”;
b) no ano de 2007, apresentou um volume de negócios no valor de €512.398,59; no ano de 2008, apresentou um volume de negócios no valor de €512.261,07; no ano de 2009, apresentou um volume de negócios no valor de €270.275,99 e, só nos meses de Janeiro, fevereiro e março de 2010, apresentou um volume de negócios no valor de €510.974,90, pelo que as bases tributáveis declaradas, em 2010 (janeiro e março) são demasiado elevadas quando comparadas com os períodos anteriores;
c) apresentou declaração periódica de IVA referente ao período 2010/03 com IVA a entregar ao Estado no valor de €58.265,47 mas não entregou qualquer quantia nos cofres do Estado;
d) apenas entregou declarações de IVA até abril de 2010;
e) a sociedade, neste período, não dispunha de pessoas ao seu serviço, sendo que a última declaração de remunerações apresentada foi em fevereiro de 2010, com um único funcionário - PP, NIF ...;
f) em 21/07/2010, o arguido CC procedeu ao levantamento de toda a documentação e base informática referente a sociedade que se encontravam no gabinete de contabilidade “K..., Lda.”.
23) Não obstante nunca ter ocorrido qualquer transmissão de mercadorias da sociedade “C..., Lda.” para a sociedade “D...”, foram considerando os valores das mesmas nas declarações de IVA da sociedade “D...” e:
-em 12/04/2010, apresentou declaração periódica de IVA referente ao período de fevereiro de 2010, fazendo constar da mesma que a sociedade “D...” adquiriu, nesse período, à sociedade “C..., Lda.” mercadorias no valor de €201.250,25, tendo liquidado IVA no valor de €40.250,05 (fls. 2418 e ss);
-em 10/05/2010, apresentou declaração periódica de IVA referente ao período de março de 2010, fazendo constar da mesma que a sociedade “D...” adquiriu, nesse período, à sociedade “C..., Lda.” mercadorias no valor de €191.814,20, tendo liquidado IVA no valor de €38.362,84 (fls. 2424 e ss).
24) Com o mesmo objetivo, a sociedade “D...” adquiriu à sociedade “E..., S.A.” diversas mercadorias tendo esta emitido as seguintes faturas:
FACTURAS E...- D...:


25) Do mesmo modo, a sociedade “D...” adquiriu à sociedade “F..., S.A.”, NIF ..., diversas mercadorias, emitindo as seguintes faturas:


26) A sociedade “D...” não procedeu ao pagamento dos bens que adquiriu às sociedades “F...” e “E...” a que respeitavam as faturas acima identificadas, mas vendeu parte destes bens a sociedades da Comunidade Europeia e outra parte à sociedade “A...”.
27) Sabendo que, para obter o reembolso de IVA, a sociedade “D...” tinha que declarar perante a Administração Tributária (A.T.) que não tinha procedido à venda dos referidos bens, o seu representante acordou com os arguidos AA e BB que a mercadoria vendida pela sociedade “D...” à sociedade “A...” seria faturada pela sociedade “B...” como se fosse ela a vendedora.
28) Acordaram, ainda, que, nem a sociedade “A...”, nem a sociedade “B...”, declarariam junto da AT aquisições à sociedade “D...”, sendo que seria criado um circuito bancário e documental que suportasse a versão em que a mercadoria era vendida diretamente à sociedade “A...” pela sociedade “B...” para que, deste modo, quer a sociedade “D...”, quer a sociedade “A...” pudessem pedir o reembolso do IVA liquidado nessas faturas.
29) Após ter vendido os bens faturados à sociedade “A...”, foi solicitado pela “D...”, nomeadamente à sociedade “E...”, que os bens fossem remetidos diretamente para sociedades da Comunidade Europeia a quem a “A...” já os tinha vendido (fls. 2597 a 2600, 1624 a 2638).
30) Posteriormente, os valores constantes das faturas emitidas pela sociedade “E...” foram considerados na elaboração das declarações de IVA daquela sociedade, declarando que a sociedade “D...” adquiriu mercadoria à sociedade “E...”:
-no período 1002, no valor de €12.276,60, tendo liquidado IVA no valor de €2.455,32 (fls. 2418 e ss.);
-no período 1005, no valor de €18.653,40, tendo liquidado IVA no valor de €3.730,68 (fls. 2428 e ss.); e
-e, no período 1006, no valor de €178.057,20, tendo liquidado IVA no valor de €35.611,44 (fls.2428 e ss.).
31) Do mesmo modo, os valores constantes das faturas emitidas pela sociedade “F...” foram considerados na elaboração da declaração de IVA daquela sociedade, declarando que a sociedade “D...” adquiriu mercadoria à sociedade “F...”:
-no período 1003, no valor de €30.956,90, tendo liquidado IVA no valor de €6.191,38 (fls. 2424 e ss.);
-no período 1004, no valor de €11.857,40, tendo liquidado IVA no valor de €2.371,48 (fls. 2428 e ss.); e
-no período 1005, no valor de €22.789,00, tendo liquidado IVA no valor de €4.557,80 (fls. 2428 e ss.).
32) Contudo, para que a AT permitisse que a sociedade “D...” efetuasse a dedução do IVA constante como liquidado nestas faturas, e de acordo com o seu plano:
-foi declarado que aquela sociedade não tinha procedido à venda a terceiros dos bens faturados pelas sociedades “E...” e “F...”;
-os arguidos AA e BB não declararam qualquer aquisição de mercadorias pelas sociedades “A...” e “B...” à sociedade “D...”;
-e o arguido AA declarou que a mercadoria em causa foi adquirida pela sociedade “A...” à sociedade “B...”.
33) Acreditando que as faturas emitidas em nome da sociedade “C... Lda.” tinham subjacente à sua emissão a existência de relações comerciais entre esta sociedade e a sociedade “D...” e que esta sociedade não tinha procedido à venda da mercadoria adquirida às sociedades “E...” e “F...”, a AT aceitou deduzir o valor do IVA constante das faturas acima referidas e procedeu a reembolsos de IVA à sociedade “D...”:
-em 08/06/2010, no valor de €41.134,00, referente ao pedido de reembolso efetuado em fevereiro;
-em 07/07/2010, no valor de €45.911,91, referente ao pedido de reembolso efetuado em março; e
-em 06/10/2010, no valor de €54.000,22, referente ao pedido de reembolso efetuado em junho.
34) O representante da sociedade “D...” e no interesse desta, agiu em comunhão de esforços com o arguido CC, na qualidade de representante da sociedade “C... Lda.”, querendo possibilitar que a sociedade “D...” integrasse faturas que não tinham subjacente transações comerciais na sua contabilidade e contabilizasse os respetivos montantes nas declarações fiscais de IVA
35) e agiram em comunhão de esforços com os arguidos AA, na qualidade de representante da sociedade “A...” e BB, na qualidade de representante legal da sociedade “B...”
36) querendo ocultar a venda pela sociedade “D...” à sociedade “A...” da mercadoria adquirida às sociedades “E...” e “F...”,
37) querendo todos, com estas condutas, conduzir a administração fiscal a efetuar o pagamento de reembolsos de IVA à sociedade “D...”, a que não tinha direito e, deste modo, reduzir as respetivas receitas fiscais, o que conseguiram.
II.
38) Em data não apurada, mas anterior a 01/03/2010, o arguido AA, em representação e no interesse da sociedade “A...”, com o intuito de aumentar o valor de IVA suportado por esta sociedade de modo a que o IVA liquidado por ela nas faturas de venda fosse inferior ao que suportou nas faturas de aquisição de bens e serviços e, consequentemente, esta sociedade recebesse reembolsos de IVA, decidiu que iria integrar na contabilidade desta sociedade faturas de aquisição de mercadorias emitidas por outras sociedades, em que era liquidado IVA, como se correspondessem a vendas efetuadas à “A...” mas que, na realidade, não tinham qualquer relação comercial subjacente ou correspondiam a vendas em que não eram intervenientes as sociedades identificadas nas faturas.
39) Na execução deste plano e também conforme havia sido acordado entre os arguidos AA, o representante da D... e BB nos moldes acima descritos no ponto I, o arguido BB, em nome da sociedade “B...”, emitiu a favor da sociedade “A...” as seguintes faturas onde declarou que a sociedade “B...” tinha procedido à venda à sociedade “A...” de mercadoria:


40) Sucede que as faturas em causa não correspondem a bens efetivamente vendidos pela sociedade “B...” à sociedade “A...”, nem a IVA efetivamente liquidado por esta sociedade.
41) As faturas referem-se à mercadoria vendida diretamente pela sociedade “D...” à sociedade “A...”.
42) Com efeito, a sociedade “B...” não tinha condições estruturais e pessoais para fornecer a mercadoria faturada, sendo que:
a) apresentou declaração de IVA do período 10/3T, indicando uma base tributável, no campo 3, de €9.795,35; e do período 10/6T, não indicando qualquer valor e, no dia 05/01/2011, já no decurso da ação inspetiva à sociedade “A...”, que teve início em 19/10/2010, entregou declarações de IVA de substituição, substituindo as referidas declarações de IVA por declarações onde refletia as vendas efetuadas à sociedade “A...” e as aquisições à sociedade “D...”;
b) BB nunca cumpriu qualquer obrigação fiscal;
c) em 15/09/2010, procedeu à alteração do domicílio fiscal para a Rua ... – 1 ° C, Funchal, sendo que nesse local não exerce atividade qualquer empresa (fls. 152). O proprietário desse imóvel desconhece a sociedade “B...” e nunca efetuou qualquer contrato de arrendamento com esta sociedade para aluguer da referida sala. No local declarado antes como sede, Rua ... da freguesia ..., Vila Nova de Famalicão, encontra-se a laborar, desde 25/03/2010, a sociedade “G... Unipessoal Lda.”, NIPC ...”, tendo como funcionários, aqueles que faziam parte dos quadros de pessoal da “B...”;
d) tem a sua contabilidade no gabinete do TOC EE, NIF ..., contratado em 14/11/2010, tendo este procedido à entrega das declarações de IVA (modelo C) de 10/03T e 10/06T, para declarar as transmissões efetuadas à sociedade “A...”;
e) a sociedade “B...”, até ao início do mês de março de 2010, emitia as suas faturas manualmente (impressas tipograficamente) e todo o volume de negócios respeitava a Prestações de Serviços, sendo a última fatura emitida com o n.° 306, datada de 04/03/2010, para o cliente “H... Lda.”, NIPC ...;
f) até ao mês de março de 2010, a sociedade “B...” teve funcionários ao seu serviço, deixando de ter custos com o pessoal a partir do segundo trimestre de 2010;
g) até ao mês de março de 2010, existiam movimentos relativos a contas bancárias e correspondente suporte documental, o que deixa de existir no segundo trimestre de 2010;
h) até ao mês de fevereiro de 2010, a sociedade apresentava documentos bancários, cópias de cheques, despesas com eletricidade, telefone, etc. e, após este período, apenas existem os documentos de compra das mercadorias vendidas à sociedade “A...”;
i) as faturas emitidas para a “A...” são processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A, de 01/03/2010 (data posterior à da fatura manual n.º 0306 acima referida), até à 60/A, de 28/05/2010;
j) não se encontram registados na contabilidade os recebimentos destas faturas (transferências bancárias e cheques), que constam na contabilidade da “A...”.
43) Os bens transmitidos à “A...” são os que constam das seguintes faturas de compras efetuadas, exclusivamente, à sociedade “D...”:

44) Sucede que, como acima se referiu, na base da emissão destas faturas não estão transmissões reais de bens entre a sociedade “D...” e a sociedade “B...”, mas vendas realizadas pela sociedade “D...” à sociedade “A...” nos moldes descritos em I, sendo que as faturas em causa foram emitidas na sequência da inspeção realizada à sociedade “A...” e para dar credibilidade ao pedido de reembolso por ela efetuado.
45) Com efeito, a sociedade “D...”:
a) procedeu à entrega das declarações de IVA de janeiro a novembro de 2010, sendo a TOC responsável pela entrega das declarações de IVA, a partir do mês de fevereiro, FF, NIF ...;
b) no exercício de 2010, a sociedade “D...” apenas declarou transmissões (vendas e/ou prestações de serviços) no mês de fevereiro, sendo que, nos meses de março a julho de 2010, as declarações de IVA apenas apresentam valores referentes a deduções de IVA, relativas a aquisições de existências e, a partir de Julho, as declarações de IVA foram entregues a “zero”, ou seja, sem operações ativas e passivas;
c) não incluiu nas bases tributáveis das declarações de IVA qualquer das faturas emitidas à “B...”;
d) as faturas emitidas pela “D...” são processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A, de 01/03/2010, a 56/A, de 28/05/2010 e têm o mesmo desenho das emitidas pela sociedade “B...” (ambas emitidas com software primavera), sendo as quantidades e descrição de mercadorias exatamente iguais, divergindo, apenas, quanto ao preço unitário dos bens, sendo que, até à fatura n.º 36/A, têm também o mesmo número;
e) nas faturas emitidas pela “D...” à “B...” está inscrito como NIPC do cliente o NIPC da “A...” e não o NIPC da “B...”;
f) não consta na contabilidade da “B...” qualquer pagamento à “D...”.
46) Não foi possível saber quem é que emitiu as faturas por computador a partir de março de 2010, das sociedades “D...” e “B...”.
47) Acresce que, para pagamento das referidas faturas emitidas a favor da “A...” pela “B...” foram declarados os seguintes meios e formas de pagamento:


48) Analisados os meios de pagamento acima indicados, verifica-se que:
a) os cheques n.ºs ..., ..., ..., ..., ... e ... foram levantados por GG, à data companheira de AA e a pedido dele, tendo-lhe ela entregue o valor por eles titulado; o cheque n.º ... foi depositado na conta n.º ..., de que é titular AA (fls. 1545v e 1464 e ss.); o cheque n.º ... foi levantado por AA (fls. 1542v e 1623); os cheques n.ºs ... e ... foram levantados por HH; o cheque n.º ... foi depositado na conta n.º ..., de que é titular HH (fls. 1557 e ss.); os restantes cheques foram depositados na conta n.º ..., de que é titular HH (fls.1536 e ss.);
b) a assinatura do endosso dos cheques emitidos nos meses de maio e julho, efetuadas na qualidade de gerente da “B...”, contêm os dizeres “BB”, desconhecendo-se como o banco tem conhecimento deste facto, atendendo a que o registo de gerência apenas foi efetuado em 02/08/2010;
c) são efetuados pagamentos mediante transferência bancária para a conta n.º... do Banco 1..., que é titulada por HH, que renunciou à gerência da sociedade em 20/02/2008, e II (fls. 260), sendo que na contabilidade da sociedade “B...” não se encontra registada esta conta bancária, nem qualquer outra conta no “Banco 1...”, estando, apenas, identificadas as contas n.º ... – Banco 2..., ... – Banco 3..., ... – ... e … – Banco 4...;
d) HH foi gerente, de direito, da sociedade “B...”, sendo que o gerente de facto era o arguido BB, e era advogado do arguido AA.
49) Não obstante as faturas em causa não corresponderem a serviços efetivamente prestados pela sociedade “B...” à sociedade “A...”, o arguido AA procedeu à consideração dos valores nelas constantes na elaboração das declarações fiscais de IVA desta sociedade.
50) Ainda na execução do plano que havia traçado, em data não apurada mas anterior a 18/06/2010, o arguido AA acordou com JJ e KK a emissão por estes, em nome da sociedade “I..., Lda.”, de faturas a favor da sociedade “A...” que não tinham subjacente qualquer relação comercial entre ambas, liquidando nas mesmas o respetivo IVA em valores que permitissem à sociedade “A...” receber reembolsos.
51) Assim, JJ e KK, em nome da sociedade “I..., Lda.”, emitiram a favor da sociedade “A...”, as seguintes faturas, onde declararam ter procedido à venda de serviços de prestações de confeções, tendo liquidado o respetivo IVA:


52) Sucede que as faturas em causa não correspondem a bens efetivamente vendidos pela sociedade “I..., Lda.” à sociedade “A...”, nem a IVA efetivamente liquidado por esta sociedade.
53) Com efeito, a sociedade “I..., Lda.” não tinha condições físicas e pessoais para fornecer o volume de mercadorias faturado, pois:
a) na data de início da inspeção tributária à sociedade “A...”, que ocorreu em 04/11/2010, a sociedade “I..., Lda.”, não tinha entregue qualquer declaração de IVA ou de IRC referente aos anos de 2009 e 2010;
b) iniciou a sua atividade em 20/08/2008, exerceu atividade até 31/12/2008 desse ano e, no ano de 2009 esteve inativa e, em Junho de 2010, reiniciou atividade;
c) emitiu a primeira fatura em 18/06/2010, para o cliente “A...”
d) todas as faturas emitidas em 2010 pela sociedade “A...”, respeitam a “prestações de serviços” de confeção (trabalho a feitio), mas esta sociedade dispunha de adequada estrutura para o exercício desta atividade, pois no seu imobilizado não existe qualquer equipamento para este fim (máquinas costura), nem qualquer contrato de arrendamento/locação;
e) embora tenha a sede social na Rua ..., ..., ... Matosinhos, esta laborava na freguesia ..., concelho de Guimarães. f) – a contabilidade da sociedade é efetuada pelo TOC EE, NIF ..., no gabinete de contabilidade J... – Unipessoal, Ld.ª, NIPC ..., com sede na Rua ... – ... ... (...), que, desde 14-11-2010, também era o TOC da sociedade “B...”;
g) as faturas emitidas pela sociedade “I..., Ld.ª” são processadas por computador mas esta sociedade não dispõe de meios informáticos para este fim (computador), nem do correspondente programa informático;
h) parte dos documentos para registo contabilístico, nomeadamente faturas e processamento de salários, chegaram ao TOC EE por correio eletrónico, sendo as mensagens enviadas por “LL K... – Rua ... – ... Guimarães, sendo que “K...” é a sigla para a sociedade “K..., Ld.ª”, NIPC ..., e “LL” é o funcionário desta empresa com o nome LL, NIF ...;
i) é no gabinete de contabilidade “K..., Lda.” que se encontram centralizadas as contabilidades dos dois únicos clientes da “I..., Lda.”, a sociedade “A...” e a sociedade “L..., Lda.”, NIPC ..., que apresentam como gerente comum AA, NIF ...;
j) no período de atividade da sociedade “I..., Lda.”, em 2010 (apenas junho a setembro – uma vez que se encontra em falta a entrega da declaração de IVA do quarto trimestre de 2010), a empresa apenas apresentou custos com o pessoal, e proveitos relativos a prestações de serviços, não tendo nenhum dos custos inerentes e necessários ao exercício desta atividade especifica, como a aquisição de matérias – primas (pelo menos linhas), eletricidade, telefone, materiais acessórios (exemplo agulhas para as máquinas), etc;
k) neste período de laboração, não efetuou nenhum pagamento ao Estado:
1. Não entregou nos cofres do Estado o valor do IVA liquidado aos seus clientes;
2. Não entregou nos cofres do Estado o valor do IRS retido aos seus trabalhadores;
3. constam no balancete do mês de Setembro de 2010, dívidas à Segurança Social deste mesmo período (junho a setembro) de €47.667,83;
l) no período em análise apenas tem dois clientes, a sociedade “A...” e a sociedade “L...”, e estas deduziram na sua contabilidade o valor do IVA que se encontra inscrito nas faturas da sociedade “I..., Lda.”;
m) o contabilista das sociedades “A...” e “L...” é MM, NIF ..., da sociedade K...;
n) a esmagadora maioria dos trabalhadores da sociedade “I..., Ld.ª” têm o seguinte percurso:
-foram funcionários da sociedade “L...”, passaram a fazer parte dos quadros de pessoal da sociedade
“M..., Unipessoal, Lda.”, NIPC ..., de abril de 2009 a maio de 2010, passando a ser funcionários da sociedade “I..., Lda”, a partir de junho de 2010 (fls. 563 e ss.);
-a forma de recebimento de salários e o local onde o trabalho é efetuado, sempre foi o mesmo.
54) O arguido AA integrou as faturas na contabilidade da sociedade “A...” e considerou os valores constantes das faturas emitidas pela sociedade “I..., Lda.” na elaboração da declaração de IVA da sociedade.
55) Não obstante nunca ter ocorrido qualquer transmissão de mercadorias das sociedades “B...” e “I..., Lda.”, o arguido AA considerou os valores das mesmas nas declarações de IVA da sociedade “A...” e, em 10/09/2010, apresentou declaração periódica de IVA referente ao período de julho de 2010, fazendo constar da mesma que a sociedade “A...” adquiriu, nesse período, às sociedade “I..., Lda.” e “B...”, que vendeu a países da Comunidade Europeia, solicitando o reembolso de IVA no valor de €97.455,00 referentes a deduções de IVA efetuadas no mês de julho e aos créditos de IVA acumulados nos meses de Março a Junho (fls.1927 a 1998 e 2438 e ss.).
56) Com base nesta declaração periódica de IVA, a AT deduziu o valor de parte do IVA constantes das faturas acima referidos e procedeu ao reembolso à sociedade “A...” de €20.986,52 (fls. 1408).
57) O arguido AA, em representação da sociedade “A...” e no interesse desta, agiu em comunhão de esforços com o arguido CC, na qualidade de representante da sociedade “B...” e no interesse desta, e o representante da sociedade “D...” e em comunhão de esforços com JJ e KK, na qualidade de representantes legais da sociedade “I..., Lda.”, querendo todos possibilitar que a sociedade “A...” integrasse na sua contabilidade faturas que não tinham subjacente à sua emissão as transações comerciais por elas tituladas, e que contabilizasse os respetivos montantes nas declarações fiscais de IVA e, desse modo, conduzir a administração fiscal a efetuar o pagamento de reembolsos de IVA à sociedade “A...”, a que não tinha direito, reduzindo as respetivas receitas fiscais, o que conseguiram.
58) Todos os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais ficou provado:
59) O arguido AA não tem antecedentes criminais.
60) O arguido BB não tem antecedentes criminais.
61) O arguido CC tem os seguintes antecedentes criminais:
-por sentença de 25/11/2014, transitada em julgado em 07/01/2015, proferida no âmbito do Proc. n.º 43/13.4IDBRG, foi o arguido condenado pela prática, em 10/09/2012, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição de deveres;
-por sentença de 05/10/2015, transitada em julgado em 16/11/2015, proferida no âmbito do Proc. n.º 4/14.6IDBRG, foi o arguido condenado pela prática, em 2012, de dois crimes de abuso de confiança fiscal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de pagamento das quantias em dívida, pena esta já extinta;
-por acórdão de 29/05/2017, transitado em julgado em 29/06/2018, proferido no âmbito do Proc. n.º 255/14.3TAVVD, foi o arguido condenado pela prática, em 30/06/2014, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, substituídos por 480 horas de TFC, pena esta já extinta pelo cumprimento.
62) A sociedade “B...” não tem antecedentes criminais.
63) A sociedade “A...” não tem antecedentes criminais.
Resulta ainda dos autos:
64) O arguido AA nasceu no dia .../.../1973, tendo atualmente 49 anos de idade.
65) Resulta ainda dos autos (cfr. teor do relatório social datado de 26/01/2022):
-AA é o mais novo de uma fratria de dois, de um agregado familiar emigrante em França. Regressaram a Portugal quando o arguido tinha cerca de catorze anos de idade e o pai dedicou-se ao comércio têxtil. A dinâmica familiar foi descrita como positiva e de suporte, e sem constrangimentos de ordem financeira.
-O percurso escolar de AA decorreu até ao 12º ano de escolaridade, de forma positiva e sem constrangimentos. Depois de uma experiência laboral como operário têxtil, durante seis meses, decidiu prosseguir os estudos e frequentou curso superior de Gestão de empresas, na Universidade ....
-Trabalhou numa empresa têxtil, até janeiro de 2001, quando alterou o contexto laboral para empresa de exportação em Matosinhos, da qual se tornou sócio-gerente em 2003. O percurso profissional de AA desenvolveu-se orientado para o setor têxtil, com perfil de investidor no mesmo. Destacam-se a constituição, conjuntamente com um sócio, da empresa “L..., Lda.”, em 2003; e entre 2010 e 2015, a gerência da empresa arguida nos autos, “A... Unipessoal, Lda.”.
-Neste contexto, a situação financeira do arguido é descrita como suficiente para os encargos do quotidiano, sem dificuldades de relevo. AA estabeleceu uma relação afetiva com uma namorada, com quem passou a coabitar.
Desta relação resultaram três descendentes, dois ainda menores. A relação conjugal tem evidenciado relativa fragilidade, com períodos de separação entre o casal.
-AA constitui agregado familiar com a companheira e com os três filhos do casal, com 19, 17 e 12 anos de idade. Residem em apartamento próprio, localizado na cidade de Guimarães, em local positivamente conotado. Porém, a relação entre o casal apresenta momentos de separação sem, no entanto, impactar na relação do arguido com os descendentes, que se mantém próxima e de suporte efetivo.
-AA beneficia de suporte consistente por parte dos pais e do irmão, que se mostram disponíveis para o apoiar.
-À data dos factos, tal como atualmente, AA mantinha atividade laboral estável, como gestor de empresas ligadas ao setor têxtil, entre as quais a empresa arguida nos autos, que vendeu em 2015, segundo refere, pelo valor do passivo. Demonstra perfil de investidor e empreendedor, destacando-se, atualmente, a empresa da qual é sócio-gerente, com crescimento estável nos últimos anos, a “L..., Lda”.
-A situação financeira do arguido é percecionada como confortável e sem a existência de constrangimentos. A companheira trabalha por conta própria, ligada ao setor do vestuário.
-Nos tempos livres, o arguido privilegia o contacto com família e amigos, e está ligado, há vários anos, ao clube desportivo da localidade de onde é natural, N..., sendo atualmente presidente da Direção.
-AA é socialmente conotado com a atividade profissional e com o clube desportivo, recaindo sobre si uma imagem bastante positiva. É associado a sucesso profissional e a perfil de empreendedor, com relações cordiais e adequada integração comunitária.
-Em relação ao presente processo, AA denota frustração pelo prolongar das diligências associadas ao mesmo e não resolução atempada. Embora o próprio percecione não existirem constrangimentos significativos ao nível pessoal ou familiar decorrentes da existência do mesmo, o seu irmão relata alterações significativas ao nível do estado de humor e envolvimento nas rotinas laborais. Neste sentido, são descritas alterações que aquele entende decorrem da existência deste processo, relacionadas com maior isolamento social e estados mais depressivos. Da perceção do arguido, a constituição da empresa como arguida e as diligências seguintes, precipitaram o encerramento da mesma, devido à perda de confiança por parte dos clientes. Porém, na situação profissional e social atual não se perceciona a existência de impacto significativo.
-Em abstrato, o arguido é capaz de analisar criticamente a natureza do crime que lhe é imputado, reconhecendo a sua ilicitude, gravidade e impacto. AA apenas considera um desfecho de absolvição.
66) O arguido BB nasceu no dia .../.../1970, tendo atualmente 51 anos de idade. Trabalha por conta de outrem, aufere mensalmente o montante líquido de €1.500, quando está em Portugal reside com a mulher, que aufere o SMN; não tem filhos menores a seu cargo; vive em casa arrendada pela qual paga o montante mensal da €350; suporta ainda as despesas normais da vida familiar; tem o 9º ano de escolaridade.
67) O arguido CC nasceu no dia .../.../1960, tendo atualmente 62 anos de idade.
68) Resulta ainda dos autos (cfr. teor do relatório social datado de 14/07/2017, de fls. 2944):
-CC é o quinto de seis irmãos, proveniente de um agregado em que os progenitores, mãe cabeleireira e pai empregado num cinema, asseguraram de forma adequada a subsistência do agregado. O arguido reporta uma dinâmica relacional equilibrada ao longo do seu processo de crescimento, tendo integrado o agregado de origem até se casar, aos 25 anos.
-O arguido tem o 6º ano de escolaridade, concluído aos 12 anos. O arguido iniciou o seu percurso profissional aos 17 anos, tendo trabalhado cerca de 16 anos num armazém da empresa de vestuário “O...”, passando posteriormente a dedicar-se ao comércio de vestuário por conta própria, alegadamente até 2008. Conforme refere, desempenhou desde janeiro de 2005 funções de gerente na sociedade arguida no presente processo “C..., Lda.”, até à cessação da atividade alegadamente em Julho de 2010.
-Ao nível afetivo-relacional, CC contraiu matrimónio aos 25 anos, passando a residir em habitação arrendada. Na sequência do divórcio, quando tinha 33 anos, CC reintegrou o agregado de origem, no qual permaneceu 10 anos, reportando uma dinâmica relacional normativa.
-Em 2004, o arguido refere que comprou um apartamento no qual residiu cerca de 1 ano, e por motivos de ordem financeira regressou a casa dos progenitores na sequência do falecimento do seu pai. A partir de 2009 passou a residir em habitação arrendada em Vila Nova de Famalicão. O arguido tem 1 filho com 30 anos e dois netos.
-No período a que se reportam os factos residia só, em habitação arrendada.
-Ao nível profissional, à data dos factos, era o gerente da empresa arguida no presente processo, a qual alegadamente cessou a atividade em julho de 2010, devido aos problemas a nível da gestão/tesouraria.
-Conforme refere, CC prestou serviços, desde meados de 2010, para a empresa “P..., Lda.”, na angariação de clientes, auferindo o salário mínimo nacional e, usufruindo de viatura da empresa. Ao nível da prestação de serviços é reconhecida a sua capacidade de trabalho, tomando em consideração a experiência profissional como comercial de produtos de vestuário, pese embora ter estado de baixa médica.
-A situação económica do arguido, à data dos factos que motivaram o presente processo, é vivenciada como instável, devido às dificuldades de gestão da empresa e que culminaram com o atual confronto com o sistema penal. O arguido identifica a sua situação financeira como precária, considerando os rendimentos que aufere.
-À data dos factos o arguido centrava o seu quotidiano na gestão da sua empresa e no trabalho com carácter regular.
-Atualmente (à data de 14/07/2017) centra o quotidiano no trabalho, pese embora os problemas de saúde derivados de uma pancreatite, que motivaram alguns internamentos hospitalares. O arguido encontra-se de baixa médica desde abril de 2017 alegando problemas depressivos. O arguido reporta alguns comportamentos de consumo abusivo de álcool, os quais estarão ultrapassados desde 2009 alegadamente devido à pancreatite aguda.
-O presente contacto com o sistema de justiça está a ser vivido com expectativa pelo arguido, o qual revela ter conhecimento do papel do sistema legal e de administração da justiça e respeitar a sua intervenção.
-CC usufruia de suporte afetivo e relacional por parte do núcleo familiar do seu filho, reconhecendo atualmente algum isolamento relacional devido ao desgaste provocado por toda a situação jurídico-penal que tem enfrentado.
-Relativamente à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, manifesta juízo de censura e apreciação crítica, reconhecendo em abstrato a sua ilicitude e gravidade, e consequente lesado, revelando consciência das consequências daí inerentes. Contudo, será de referenciar que o arguido reconhece que a fragilidade da sua situação financeira o inibe de manifestar disponibilidade para proceder à eventual regularização da situação.
-Em termos sociais, a situação jurídico-penal não causou qualquer impacto sobre a imagem do arguido.
69) A sociedade “A...” foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/02/2020, pelas 17h20m e transitada em julgado em 09/03/2020.
2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa não resultaram factos não provados.
3. MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal alicerçou-se, concreta e globalmente, na apreciação e análise crítica da documentação constante dos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e as regras da lógica e da experiência comum, tudo nos termos do disposto no art. 127º do CPP, sendo que o princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.
Na análise do caso concreto que lhe é trazido, e em particular na decisão da matéria de facto, cabe ao julgador harmonizar, com bom senso e justa medida, as regras da experiência e da normalidade e o princípio da presunção da inocência.
Assim, a convicção deste Tribunal formou-se dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, linguagem silenciosa e do comportamento, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências, inverosimilhanças que transpareceram da prova produzida em audiência.
O Tribunal fundou, deste modo, a sua convicção, no que respeita à factualidade provada e não provada, na conjugação da vasta e extensa prova documental, mormente faturas e demais elementos contabilísticos das diversas sociedades envolvidas e ainda o Parecer elaborado e junto aos autos, com os depoimentos das testemunhas produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente os Inspetores Tributários: NN - fls. 2416, 7 e ss., 551 e ss. (A...); 736 e ss., 741 e ss. (I...); 752 e ss. (B...), QQ (fls. 7 e ss., 551 e ss., 736 e ss., 741 e ss. 752 e ss.), RR (fls. 981 e ss. - D...) e SS (fls. 563 e ss. - M...).
Foram ainda ouvidas as seguintes testemunhas: FF (TOC; não se recorda de ter trabalhado com qualquer uma destas empresas), MM (TOC; fez a contabilidade da “A...” em 2010/2011; conhece o arguido AA), EE (contabilista certificado; conhece os arguidos AA e OO apenas de nome; não conhece os arguidos BB e CC; não conhece as sociedades arguidas, apenas a “B...” de nome; não conhece as sociedades “D...” e “F...”; nunca foi contabilista em qualquer uma destas sociedades), TT (gestor comercial; não conhece os arguidos, nem as sociedades arguidas; é Diretor Comercial da F...), UU (gerente da sociedade “F...”; não conhece os arguidos, nem as sociedades arguidas), VV (industrial; sócio da sociedade "E..."; não conhece as sociedades arguidas nem os arguidos), WW (industrial têxtil; administrador da E... há cerca de 15 anos; não conhece os arguidos), HH (atualmente advogado e empresário de peças automóveis "online"; conhece o arguido AA, são amigos desde o tempo da Universidade; conhece a "A..." e a "B...", onde foi apenas gerente de direito; também conhece o arguido BB e o CC), JJ (foi inspetor devendas; foi sócio da sociedade “I...” em 2009 juntamente com KK; só esteve 6 meses na empresa; não conhece os arguidos; só arguido AA de nome), XX (comercial na sociedade "L..."; apenas conhece o arguido AA, pelo facto do mesmo ser seu patrão; trabalhou como comercial na empresa “I...” há 10 anos), YY (contínuo na empresa “L..."; apenas conhece o arguido AA, há muito tempo, são amigos e ele é seu patrão; também trabalhou na sociedade “I...”, no corte), ZZ (encarregada têxtil na "L..."; cunhada do arguido AA, casada com um irmão – não quis prestar declarações) e GG (esposa do arguido AA; não quis prestar depoimento).
Para as conclusões que o Tribunal retirou socorreu-se e contraditou em julgamento os seguintes documentos: fls. 5 (print referente à situação fiscal da sociedade “A...”), fls. 7 a 9, 313 a 315 (informação da D.F. de Braga), fls. 17 a 37, 361 a 371 (informação da D.F. de Braga), fls. 39 (esquema/descrição de circuito documental), fls. 40 e 41, 335 a 338, 1076 a 1082, 1251 a 1258 (certidão permanente da sociedade “A...”, fls. 42 a 44, 329 a 334, 1062 a 1072, 1261 a 1269 (certidão permanente da sociedade “B...”, fls. 45 a 50, 346 a 356, 1085 a 1101, 1205 a 1224 (certidão permanente da sociedade “D...”), fls. 51 a 54, 339 a 344, 1240 a 1249 (certidão permanente da sociedade “C... Lda.”), fls. 55 a 56, 1227 a 1229, 1233 a 1237 (certidão permanente da sociedade “I..., Lda.”), fls. 57, 373 (cópia da declaração periódica de IVA referente ao período 2010/07 apresentada pela sociedade “A...”, fls. 58 a 120, 374 a 436 (cópia de faturas emitidas pela sociedade “B...” à sociedade “A...”, fls. 121 a 125, 437 a 441 (cópias das declarações periódicas de IVA referentes aos períodos 2010/03T, 2010/06T, 2010/09T e 2010/12T apresentada pela sociedade “B...”, fls. 126 a 128, 139, 442 a 444, 455 (documentos referentes a transferências bancárias efetuadas pela sociedade “A...” para a conta n.º ... do Banco 1...), fls. 129 a 137, 445 a 454 (cópias de cheques emitidos em nome da sociedade “A...” a favor da sociedade “B...”), fls. 138 (cópia de extrato integrado da conta n.º ... do Banco 1..., titulada pela sociedade “A...”), fls. 140 a 144, 456 a 460 (cópia de faturas emitidas pela sociedade “I..., Lda.” à sociedade “A...”; fls. 145 a 151, 461 a 467 (prints de declarações periódicas referentes à sociedade “I..., Lda.”), fls. 152 a 157, 468 a 473 (informação da DRAF), fls. 158, 474 (declaração de “B...”, fls. 159, 475 (cópia de modelo de fatura da sociedade “B...”), fls. 160 a 216, 476 a 531 (cópia de faturas emitidas pela sociedade “D...” à sociedade “B...”, fls. 217 a 227, 532 a 542 (prints de declarações periódicas referentes à sociedade “D...”, fls. 228, 543 (declaração de “C..., Lda”), fls. 229 e 230, 544 a 545 (análise contabilística da sociedade “C..., Lda.), fls. 231, 546 (print de declaração periódica referente à sociedade “C..., Lda.”), fls. 260 (informação do Banco 5... referente à conta n.º ...), fls. 273 a 277 (informação do Banco de Portugal referente às sociedades “B...”, “A...” e “D...”), fls. 278 e 279 (informação do Banco 3... referente à conta com o NIB ...), fls. 318 a 324, 357 a 360 (certidão permanente da sociedade “L...”), fls. 326 a 327 (certidão permanente da sociedade “I..., Lda”), fls. 563 a 593 (relatório de inspeção tributária efetuada à sociedade “M...”, datado de 06/12/2010 e referente ao ano de 2009 e 2010), fls. 595 (conta corrente na sociedade “F...” e da sociedade “D...”), fls. 596 a 610 (faturas emitidas pela “F...” a favor da “D...”), fls. 611 e 612 (fatura emitida pela sociedade “Q..., Ld.ª” a favor da “F...”), fls. 613 a 621, 623, 624, 626, 627, 629, 630, 632, 633, 635 a 637, 639 a 641, 643 a 647, 650 a 653, 655 a 659, 662 a 665, 667 a 670, 672 a 674, 678, 679 (faturas e guias de remessa emitidas pela sociedade “E...” a favor da “D...”), fls. 622 (extrato de conta bancária da “E...”), fls. 625, 628, 631, 634, 638, 642, 649, 661 (guias de transporte emitidas pela “D...” a favor da “R...”), fls. 648, 660 (recibos de depósito emitido pela “R...” a favor da “D...”), fls. 654 (documentos emitidos pela “E...” para “S...”), fls. 666, 671 (faturas emitidas pela “T...” a favor da “E...”), fls. 675 a 677 (faturas emitidas por “U... favor da “E...”), fls. 680 (documento emitido pela “D...” a favor do “V...”), fls. 689 a 698 (print de síntese cadastral de trabalhadores), fls. 736 a 740 (informação referente à sociedade “I..., Lda.”, fls. 741 a 747 (relatório de inspeção tributária efetuada à sociedade “I..., Lda”), fls. 752 a 907 (auto de notícia e respetivos anexos), fls. 981 a 1048 (relatório de inspeção tributária efetuada à sociedade “D...” e respetivos anexos), fls. 1051 a 1057 (síntese cadastral da sociedade “D...”), fls. 1108 a 1126 (cópia do relatório de inspeção tributária efetuada à sociedade “A...”), fls. 1127 a 1145 (cópia do relatório de inspeção tributária efetuada à sociedade “B...”), fls. 1147 a 1168 (cópia das declarações de IVA entregues pela sociedade “D...”), fls. 1170 (informação cadastral com identificação de IBAN referente à sociedade “D...”), fls. 1175, 1277 (síntese cadastral de OO), fls. 1180 e 1181 (informação cadastral com identificação de IBAN referente à sociedade “B...”), fls. 1191, 1272 (síntese cadastral da sociedade “A...”), fls. 1192, 1275 (síntese cadastral da sociedade “D...”), fls. 1193, 1278 (síntese cadastral da sociedade “B...”), fls. 1194 (síntese cadastral da sociedade “I..., Lda.”), fls. 1195 (síntese cadastral da sociedade “C..., Lda.”), fls. 1273 (síntese cadastral de DD), fls. 1274 (síntese cadastral de AA), fls. 1276 (síntese cadastral de AAA), fls. 1279 (síntese cadastral de BB), fls. 1280 (síntese cadastral de HH), fls. 1281 (síntese cadastral de BBB), fls. 1307 a 1311 (situação cadastral de CCC), fls. 1313 a 1320 (relação TOCs – sociedades), fls. 1370 a 1374 (cópia da acusação proferida no Proc. n.º 6319/11.8IDPRT), fls. 1379 a 1381 (documentação bancária referente a pagamentos à “B...”), fls. 1384 (fatura emitida pela “A...” a favor do V...), fls. 1285 (fatura emitida pela “A...” a favor de W...), fls. 1395 (despacho de arquivamento proferido no processo n.º 5392/10.0IDPRT), fls. 1408 a 1411 (detalhe de pedidos de reembolso das sociedades “A...”, “B...” e “D...”), fls. 1418 a 1425 (liquidação de IVA das sociedades “A...”, “B...” e “D...”), fls. 1461 a 1465 (certidão permanente da sociedade “A...”), fls. 1466 a 1478 (certidão permanente da sociedade “D...” – Em liquidação), fls. 1503 a 1516 (cópia da petição de impugnação apresentada por “A...”), fls. 1521 a 1533 (cópia da sentença proferida no âmbito do Proc. de impugnação n.º 449/12.6BEBRG), fls. 1536 a 1547 (informação do “Banco 1...” – titulares da conta n.º ..., cópia dos cheques n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e informação sobre estes cheques e o cheque n.º ...), fls. 1551 (print de identificação civil de GG, titular do B.I. n.º ...), fls. 1552 (print de identificação civil de HH, titular do B.I. n.º ...), fls. 1553 (print de identificação civil de DDD, titular do B.I. n.º ...), fls. 1557 a 1563 (informação do Banco 2... – informação sobre o cheque n.º ... e sobre os titulares da conta n.º ...), fls. 1564 a 1570 (informação do Banco 5... – informação referente às contas n.º ... (HH) e n.º .... (AA); fls. 1618 (print de identificação civil de EEE, titular do B.I. n.º ...), fls. 1619 (print de identificação civil de FFF, titular do B.I. n.º ...), fls.1623 (informação do Banco 5... – informação referente ao cheque ... – n.º ... – último endosso a AA, B.I. ...), fls. 1625 (print de identificação civil de AA, titular do B.I. n.º ...), fls. 1627 a 1639 (certidão permanente da sociedade “D...” – em liquidação), fls. 1640 a 1646 (certidão permanente da sociedade “B...”), fls. 1647 a 1655 (certidão permanente da sociedade “C..., Lda.”), fls. 1656 a 1659 (certidão permanente da sociedade “I..., Lda.”), fls. 1663, 1774 (print de identificação fiscal de BB – NIF ...), fls. 1664, 1770 a 1771 (print de identificação civil de BB, titular do B.I. n.º ...), fls. 1665, 1772 (print do ISS referente a BB, NISS ...), fls. 1666, 1773 (print de carta de condução de BB); fls. 1667, 1779 (print de identificação fiscal de OO – NIF ...), fls. 1668, 1775 a 1776 (print de identificação civil de OO, titular do B.I. n.º ...), fls. 1669, 1777 (print do ISS referente a OO, NISS ...), fls. 1670, 1778 (print de carta de condução de OO), fls. 1671, 1785 (print de identificação fiscal de CC– NIF ...), fls. 1672, 1780 a 1781 (print de identificação civil de CC, titular do B.I. n.º ...), fls. 1673 e 1674, 1782 a 1783 – print do ISS referente a CC, NISS ...), fls. 1675, 1784 (print de carta de condução de CC), fls. 1676, 1791 (print de identificação fiscal de KK – NIF ...), fls. 1677, 1786 a 1787 (print de identificação civil de KK, titular do B.I. n.º ...), fls. 1678 e 1679, 1788 a 1789 (print do ISS referente a KK, NISS ...), fls. 1680, 1790 (print de carta de condução de KK), fls. 1681, 1799 (print de identificação fiscal de JJ – NIF ...), fls. 1682, 1792 a 1793 (print de identificação civil de JJ, titular do B.I. n.º ...), fls. 1683 a 1685, 1794 a 1797 (print do ISS referente a JJ, NISS ...), fls. 1686, 1798 (print de carta de condução de JJ), fls. 1689 a 1736 (certidão da sentença/acórdão proferidos no Proc. n.º 6319/11.8IDPRT do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos), fls. 1737 a 1742 (certidão permanente da sociedade “A...”), fls. 1743 a 1748 (certidão permanente da sociedade “B...”), fls. 1749 a 1759 (certidão permanente da sociedade “D...” - em liquidação), fls. 1760 a 1766 (certidão permanente da sociedade “C..., Lda. – em liquidação), fls. 1767 a 1769 (certidão permanente da sociedade “I..., Lda.”), fls. 1818 (informação da D.F. do Porto), fls. 1845 a 1854 (certidão permanente da sociedade “F...”), fls. 1855 a 1860 (certidão permanente da sociedade “E...”), fls. 1862 a 1863 (print do ISS referente a UU, NISS ...), fls. 1864 a 1865 (print de identificação civil de UU, titular do B.I. n.º ...), fls. 1866 (print de carta de condução de UU), fls. 1867 (print de identificação fiscal de UU – NIF ...), fls. 1868 (print do ISS referente a TT, NISS ...), fls. 1869 a 1870 (print de identificação civil de TT, titular do B.I. n.º ...), fls. 1871 (print de carta de condução de TT), fls. 1872 (print de identificação fiscal de TT – NIF ...), fls. 1873 (print do ISS referente a GGG, NISS ...), fls. 1874 a 1875 (print de identificação civil de GGG, titular do B.I. n.º ...), fls. 1876 (print de carta de condução de GGG), fls. 1877 (print de identificação fiscal de GGG – NIF ...), fls. 1878 (print do ISS referente a VV, NISS ...), fls. 1879 a 1880 (print de identificação civil de VV, titular do B.I. n.º ...), fls. 1881 (print de carta de condução de VV), fls. 1882 (print de identificação fiscal de VV – NIF ...), fls. 1883 (print do ISS referente a WW, NISS ...), fls. 1884 a 1885 (print de identificação civil de WW, titular do B.I. n.º ...), fls. 1886 (print de carta de condução de WW), fls. 1887 (print de identificação fiscal de WW – NIF ...), fls. 1925 a 1998 (informação da D.F. de Braga – cópia das faturas e relação de vendas para o mercado intracomunitário), fls. 2033 a 2035 (print de certidão permanente da sociedade “I..., Lda.”), fls. 2036 (cópia de notificação efetuada a JJ pelo ISS), fls. 2037 a 2038 (cópia de notificação efetuada pela D.F. do Porto a JJ), fls. 2380 e 2381 (extrato de conta corrente da sociedade “E...” referente à cliente “D...” nos anos de 2009 a 2015), fls. 2418 a 2437, 2488 a 2498 (cópia das declarações periódicas de IVA apresentadas pela sociedade “D...”), fls. 2438 a 2454 (cópia da declaração periódica de IVA apresentada pela sociedade “A...”), fls. 2457 a 2484 (cópia da petição e sentença proferido no Proc. n.º 449/12.6BEBRG do TAF de Braga), fls. 2504 a 2525 (cópia de faturas emitidas pela “B...” a favor da “A...”), fls. 2536 a 2580, 2607 a 2617 (prints de certidões de matrícula e inscrições de sociedades transportadoras), fls.2589 a 2600, 2604, 2605, 2622 a 2638 (cópia de documentos de transporte e faturas referentes a transporte de mercadorias), fls. 2640 a 2655, 2670 a 2674 (CRCs), fls. 2679 a 2685 (print de matrícula e demais inscrições referentes à sociedade “D...”), fls. 2686 a 2690 (print de matrícula e demais inscrições referentes à sociedade “A...”), fls. 2691 a 2694 (print de matrícula e demais inscrições referentes à sociedade “B...”, fls. 2695 a 2696 (print de matrícula e demais inscrições referentes à sociedade “I..., Lda”), fls. 2697 a 2701 (print de matrícula e demais inscrições referentes à sociedade “C..., Lda.”) e Anexos I e II
Com base nos sobreditos elementos, foi possível apurar, nos exatos termos dados como demonstrados, a materialidade relativa ao objeto das sociedades consideradas, bem como a matéria concernente às respetivas datas de constituição, aos termos de representação delas por banda das pessoas acima identificadas e tudo o mais quanto se deu por demonstrado com respeito às vicissitudes que se verificaram com relevo nos períodos em alusão nos autos. Complementarmente atendeu-se aos elementos decorrentes dos relatórios elaborados pelas competentes Direções de Finanças, na sequência das ações inspetivas levadas a efeito àquelas sociedades, cujos teores foram confirmados pelos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelos respetivos inspetores / técnicos tributários.
Os depoimentos dos Inspetores Tributários foram fundamentais para esclarecer o vertido no Parecer e para explicar como chegaram às conclusões contidas no Relatório. Foram bastante pormenorizados nas suas declarações, revelando conhecimento preciso e rigoroso de toda a prova documental existente, fazendo o cruzamento da mesma e respondendo de forma clara e objetiva a todas as instâncias, tudo isto criticamente apreciado e conjugado com a restante prova testemunhal e com as conclusões que derivam da aplicação de regras da lógica e da experiência comum ao caso concreto.
A prova assentou e alicerçou-se fundamentalmente no Parecer e nos elementos documentais recolhidos pela Administração Tributária e que constam dos autos. Assim, dos relatórios periciais juntos aos autos, conjugados com os depoimentos dos inspetores ouvidos em audiência, ficou clara a demonstração do que na acusação se descrevia quanto ao esquema fraudulento existente entre as diversas sociedades e o modo como isso se refletia na contabilidade de cada uma das empresas.
Vejamos:
Da análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como do Parecer elaborado, corroborado e sustentado em audiência de julgamento pelos Srs. Inspetores é de concluir o seguinte:
» Foi apurado que a sociedade “A...” solicitou, na declaração periódica de IVA de julho de 2010, o reembolso do imposto no valor de €97.455,00 (reembolso n.º ...), sendo que, e por se tratar de um primeiro pedido de reembolso, foi emitida em 19/10/2010, a ordem de serviço externa n.º ..., a qual foi iniciada em 04/11/2010. O referido reembolso dizia respeito às deduções de IVA efetuadas no mês julho e dos créditos de IVA acumulados nos meses de março a junho.
» Da análise dos registos contabilísticos e documentos de suporte documental da aludida sociedade “A...” constatou-se que:
-nos meses de março a maio de 2010 a “A...” efetuou compras à “B...” e procedeu à dedução de IVA (cfr. documentos de suporte destas operações juntos aos autos) – facto 39 dos factos provados;
-da consulta às declarações de IVA entregues pela “B...” até novembro de 2010, constatou-se que a mesma não declarou vendas à “A...”. Na verdade, a declaração do 2º trimestre de 2010 foi entregue a “zeros” / sem movimento;
-relativamente a estas operações foram recolhidos alguns documentos justificativos do pagamento (transferências bancários e cheques), tendo ainda sido feita a análise dos cheques emitidos a favor da “B...”, tendo-se constatado o seguinte: não foi possível identificar a identidade da pessoa que efetuou o levantamento dos cheques; a assinatura do endosso do cheque de BB (na qualidade de gerente da “B...”) foi efetuada em data anterior ao registo da gerência; a transferência bancária para a conta n.º ... do Banco 1..., a favor de “B...”, a qual, todavia, não tinha qualquer conta bancária neste banco (cfr. fls. 260). Cfr. documentos de suporte destas operações juntos aos autos) – facto 47 dos factos provados.
» Apurou-se ainda que a “A...”, em julho de 2010, adquiriu serviços de confeção, à empresa “I... Lda.” (cfr. documentos de suporte juntos aos autos) - facto 51 dos factos provados.
Porém, através da consulta ao sistema informático da AT verificou-se que, à data de início da inspeção efetuada à “A...”, a empresa “I... Lda.” não tinha entregue qualquer declaração, quer de IVA, quer de IRC, relativa aos exercícios de 2009 e 2010.
» Foi ainda verificado que a sociedade “B...” alterou a sede social para o Funchal (Madeira), tendo nesse seguimento sido solicitada à Direção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira informação sobre a atividade ali desenvolvida pela empresa. De acordo com informação prestada por esta entidade, no local da suposta sede (Rua ..., Funchal) não foi encontrada qualquer empresa a exercer alguma atividade, facto que foi corroborado pelo proprietário do imóvel (disse desconhecer a empresa em causa e que nunca efetuou qualquer contrato de arrendamento com aquela sociedade), sendo que, com base nesta informação, foi alterada oficiosamente a sede da empresa para a sede anterior, ou seja na Rua ... da freguesia ..., Vila Nova de Famalicão.
» Por outro lado, foi ainda apurado pela Inspeção Tributária que, em 25/03/2010, na Rua ... se encontra a laborar a empresa “G... Unipessoal, Lda.”, com o NIPC ..., tendo como funcionários aqueles que faziam parte dos quadros de pessoal da “B...”.
» O TOC da “B...” foi, até 19/11/2010, EE, conforme declaração emitida e assinada pelo gerente BB. De acordo com declaração de alterações entregue pelo sujeito passivo em 25/11/2010, a contabilidade da B... encontra-se no gabinete de contabilidade do TOC EE, sito na Rua ..., ... ... (...), Vila Nova de Famalicão. Tal facto foi formalizado pela assinatura de contrato de prestação de serviços em 09/11/2010, pelo gerente BB.
» Além do mais, da análise à contabilidade da sociedade “B...”, foi verificado o seguinte:
-até ao início do mês de março de 2010, a “B...” emitia as suas faturas manualmente (impressas tipograficamente) e todo o volume de negócios dizia respeito a prestações de serviços. A última fatura emitida foi a n.º 306 em 04/03/2010, para a empresa H..., Lda., NIPC ...;
-até março de 2010, a “B...” teve custos com pessoal, bem como movimentos relativos a contas bancárias e correspondente suporte documental, o que deixou de existir a partir do 2º Trimestre de 2010;
-as faturas emitidas para a “A...” foram processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A de 01/03/2010 até à 60/A de 28/05/2010;
-não foram encontrados registos na contabilidade de quaisquer recebimentos destas faturas (transferências bancárias e cheques), contrariamente aos registos que constam na contabilidade da “A...”;
-de acordo com a contabilidade da “B...”, as mercadorias vendidas à “A...” foram adquiridas à empresa “D...”.
» Foi apurado que, após o início das ações inspetivas à “A...” e “B...”, esta última empresa entregou declarações de IVA de substituição dos períodos 1003T (1º trimestre 2010) e 1006T (2º trimestre de 2010) onde foram refletidas as vendas efetuadas à “A...” e as aquisições efetuadas à “D...”.
» Quanto à sociedade – D...” – e após análise de toda a documentação é possível concluir, com relevância para os autos, que:
-As faturas emitidas pela “D...” são também processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A de 01/03/2010 a 56/A de 28/05/2010;
-As faturas emitidas pela “D...” e pela “B...” têm a mesma configuração (desenho), as mesmas datas de emissão, as mesmas quantidades, a mesma descrição do produto e a mesma referência dos artigos, diferindo apenas no preço;
-Nas faturas emitidas pela “D...” à “B...” foi inscrito como NIPC de cliente o NIPC da “A...” e não o NIPC da “B...”;
-Foi apurado não se encontrar registado na contabilidade da “B...” qualquer pagamento à “D...”.
-Mais se apurou que a sociedade “D...” procedeu à entrega das declarações de IVA de janeiro a novembro de 2010, sendo que o TOC responsável pela entrega das declarações de IVA, a partir do mês de fevereiro, foi FF. As referidas declarações entregues não continham os valores referentes às faturas emitidas para a “B...”. A “D...” apenas declarou operações tributáveis em fevereiro de 2010, sendo que, nos meses de março a julho de 2010, as declarações de IVA apenas continham valores atinentes a deduções de IVA decorrentes de aquisições de existências.
-As deduções de IVA efetuadas pela D... deram origem a três pedidos de reembolso de IVA (2010):
-fevereiro - €41.134,00 — reembolso n.º ... - reembolso pago em 2010/06/08;
-março - €45.911,91 — reembolso n.º ... — reembolso pago em 2010/07/07;
-junho - €54.000,22 — reembolso n.º ... — reembolso pago em 2010/10/06.
-Analisou-se anexos de fornecedores entregues pela “D...” juntamente com as declarações de IVA (fls. 28 –
1º Volume), tendo-se verificado que as deduções de IVA respeitam a aquisições de existências efetuadas aos seguintes
sujeitos passivos: “C..., Lda.”, E..., S.A.” e “F..., S.A.”
» Foram recolhidas nas empresas “E...” e “F...” cópias das faturas emitidas para a “D...” e extratos de conta corrente, sendo de salientar o facto de ambas as empresas – “E...” e “F...” - não terem recebido os valores das mercadorias transmitidas à “D...”.
» Verificou-se também que as mercadorias adquiridas pela “D...” são parte daquelas que constam das faturas emitidas pela “D...” à “B...” e que, por sua vez, foram posteriormente adquiridas pela A... à B....
» Por seu turno, a empresa C... apresentava, conforme declarações fiscais entregue, os seguintes volumes de negócio:
2007 — €512.398,59 (valor constante na declaração anual);
2008 - €512.261,07 (valor constante na declaração anual);
2009 - €270.275,99 (somatório das declarações de IVA entregues).
» Só nos meses de janeiro a março de 2010, esta empresa declarou transmissões num total de €510.974,90 (o dobro do volume de negócios declarado no exercício de 2009).
» Todavia, no período supra, não dispunha de colaboradores ao serviço (última declaração de remunerações apresentada foi em fevereiro de 2010, com um único funcionário – PP, NIF ...).
» Na declaração de IVA de março de 2010, a empresa calculou imposto a entregar nos cofres do Estado de €58.265,47, mas sem o correspondente meio de pagamento.
» A empresa I..., Lda. iniciou a sua atividade em 20/08/2008, tendo exercido a mesma até 31/12 desse ano. Esteve inativa durante o ano de 2009, tendo reiniciado a atividade em junho de 2010, tendo emitido a 1ª fatura em 18/06/2010, para a “A...”. Todas as faturas emitidas pela referida sociedade em 2010 respeitam a “prestação de serviços” de confeção (trabalho a feitio).
» Foi, no entanto, apurado que esta empresa não dispunha de estrutura adequada para o exercício desta atividade, face à inexistência no imobilizado de qualquer equipamento para este fim (máquinas de costura), nem de qualquer contrato de arrendamento / locação.
» As faturas emitidas por esta empresa foram processadas por computador, pese embora não dispor de meios informáticos para este fim (computador), nem do correspondente programa informático.
» Da análise à contabilidade da empresa I... resultaram os seguintes factos:
-De junho a setembro de 2010 a empresa apenas apresentou custos com o pessoal e proveitos relativos a prestações de serviços.
-Neste período não teve custos inerentes e necessários ao exercício desta atividade específica, como sejam: aquisição de matérias-primas (pelo menos linhas), eletricidade, telefone, materiais acessórios (exemplo agulhas para as máquinas), etc.
-Neste período de laboração, a empresa não efetuou nenhum pagamento ao Estado: não entregou nos cofres do Estado o valor do IVA liquidado aos seus clientes, encontrando-se em dívida os seguintes valores de IVA: 2º trimestre de 2010 - €1.556,96; 3º trimestre de 2010 - €24.363,88; não entregou nos cofres do Estado o valor do IRS retido aos seus trabalhadores, encontrando-se já em dívida os seguintes valores: julho de 2010 - €1.748,00; agosto de 2010 - €3.133,00; setembro de 2010 - €2.140,00; outubro de 2010 - €2.149,00.
-Também consta no balancete do mês de setembro de 2010, dívidas à Segurança Social deste mesmo período (junho a setembro) de €47.667,83.
-No período em análise este sujeito passivo apenas teve dois clientes: a “A...” e a “L...”. Estes dois sujeitos passivos deduziram na sua contabilidade o valor do IVA que se encontra inscrito nas faturas de “I...”.
-O contabilista das sociedades “A...” e “L...” é o mesmo: MM, NIF ....
-A esmagadora maioria dos trabalhadores desta empresa “I...” tiveram o seguinte percurso: foram funcionários da “L...”; passaram a fazer parte dos quadros de pessoal da M... Unipessoal, Lda. NIPC ... (abril de 2009 a maio de 2010); passaram a ser funcionários da “I...” a partir de junho de 2010.
Deste acervo documental resulta demonstrado um esquema concertado pelos arguidos de defraudação do Erário Público que, partindo de determinadas empresas - através das quais se criava um circuito de papel de venda de mercadorias – se permitia instituir em simultâneo uma cadeia que possibilitava às empresas intervenientes beneficiar de indevidos reembolsos de IVA.
Tudo isto conjugado leva-nos a concluir pela existência de um esquema fraudulento, num contexto comercial incompreensível, exceto num quadro de emissão de faturação falsa. Todos estes factos que ficaram demonstrados conduzem-nos à conclusão que estamos perante uma rede organizada, que envolve todas estas empresas e pessoas singulares, que criaram este esquema, suportado num conjunto de operações, facto que lhes permitiu obter vantagens patrimoniais em sede de IVA, designadamente com a obtenção de reembolsos indevidos.
Em abono deste raciocínio que, conforme flui dos depoimentos referidos, mormente dos Inspetores ouvidos, corroboram os relatórios das ações inspetivas realizadas às sociedades, existe uma série de factos que sustentam estas conclusões, como sejam:
-da consulta às declarações de IVA entregues pela “B...” até 11/2010, constatou-se que a mesma não declarou vendas à “A...”;
-relativamente a estas operações, foi efetuada a análise dos cheques emitidos a favor da “B...”, tendo-se constatado: não foi possível identificar a identidade da pessoa que efetuou o levantamento dos cheques; a assinatura do endosso do cheque de BB (na qualidade de gerente da “B...”) foi efetuada em data anterior ao registo da gerência; a transferência bancária para a conta n.º ... do Banco 1..., a favor de “B...”, a qual não tinha qualquer conta bancária neste banco;
-a “A...”, em julho de 2010, adquiriu serviços de confeção, à empresa “I... Lda.”, sendo que esta sociedade não tinha entregue qualquer declaração, quer de IVA, quer de IRC, relativa aos exercícios de 2009 e 2010;
-a sociedade “B...” alterou a sede social para o Funchal (Madeira), tendo-se apurado que no local da suposta sede (Rua ..., Funchal) não foi encontrada qualquer empresa a exercer alguma atividade;
-na Rua ... encontrava-se a laborar a empresa “G... Unipessoal, Lda.”, com o NIPC ..., tendo como funcionários aqueles que faziam parte dos quadros de pessoal da “B...”;
-até ao início do mês de março de 2010, a “B...” emitia as suas faturas manualmente (impressas tipograficamente) e todo o volume de negócios dizia respeito a prestações de serviços. A última fatura emitida foi a n.º 306 em 04/03/2010, para a empresa H..., Lda., NIPC ...;
-até março de 2010, a “B...” teve custos com pessoal, bem como movimentos relativos a contas bancárias e correspondente suporte documental, o que deixou de existir a partir do 2º Trimestre de 2010;
-as faturas emitidas para a “A...” foram processadas por computador, sequenciais e numeradas de 1/A de 01/03/2010 até à 60/A de 28/05/2010;
-não foram encontrados registos na contabilidade de quaisquer recebimentos destas faturas, contrariamente aos registos que constam na contabilidade da “A...”;
-de acordo com a contabilidade da “B...”, as mercadorias vendidas à “A...” foram adquiridas à empresa “D...”.
-as faturas emitidas pela “D...” e pela “B...” têm a mesma configuração (desenho), as mesmas datas de emissão, as mesmas quantidades, a mesma descrição do produto e a mesma referência dos artigos, diferindo apenas no preço;
-nas faturas emitidas pela “D...” à “B...” foi inscrito como NIPC de cliente o NIPC da “A...” e não o NIPC da “B...”;
-não se encontra registado na contabilidade da “B...” qualquer pagamento à “D...”;
-a sociedade “D...” procedeu à entrega das declarações de IVA de janeiro a novembro de 2010, sendo que o TOC responsável pela entrega das declarações de IVA, a partir do mês de fevereiro, foi FF. As referidas declarações entregues não continham os valores referentes às faturas emitidas para a “B...”. A “D...” apenas declarou operações tributáveis em fevereiro de 2010, sendo que, nos meses de março a julho de 2010, as declarações de IVA apenas continham valores atinentes a deduções de IVA decorrentes de aquisições de existências;
-as deduções de IVA da “D...” respeitam a aquisições de existências efetuadas a “C..., Lda.”, E..., S.A.” e “F..., S.A.”;
-ambas as empresas – “E...” e “F...” - não receberam os valores das mercadorias transmitidas à “D...”;
-as mercadorias adquiridas pela “D...” são parte daquelas que constam das faturas emitidas pela “D...” à “B...” e que, por sua vez, foram posteriormente adquiridas pela A... à B....
-só nos meses de janeiro a março de 2010, a empresa C... declarou transmissões num total de €510.974,90 (o dobro do volume de negócios declarado no exercício de 2009), sendo que, no período referido, não dispunha de colaboradores ao serviço (última declaração de remunerações apresentada foi em fevereiro de 2010, com um único funcionário — PP, NIF ...).
-na declaração de IVA de março de 2010, a empresa calculou imposto a entregar nos cofres do Estado de €58.265,47, mas sem o correspondente meio de pagamento.
-a empresa “I..., Lda.” iniciou a sua atividade em 20/08/2008, tendo exercido a mesma até 31/12 desse ano. Esteve inativa durante o ano de 2009, tendo reiniciado a atividade em junho de 2010, tendo emitido a 1ª fatura em 18/06/2010, para a “A...”. Todas as faturas emitidas pela referida sociedade em 2010 respeitam a “prestação de serviços” de confeção (trabalho a feitio), sendo certo que esta empresa não dispunha de estrutura adequada para o exercício desta atividade, face à inexistência no imobilizado de qualquer equipamento para este fim (máquinas de costura), nem de qualquer contrato de arrendamento / locação. As faturas emitidas por esta empresa foram processadas por computador, pese embora não dispor de meios informáticos para este fim (computador), nem do correspondente programa informático. Da análise à contabilidade da empresa I... resultaram os seguintes factos: de junho a setembro de 2010 a empresa apenas apresentou custos com o pessoal e proveitos relativos a prestações de serviços; neste período não teve custos inerentes e necessários ao exercício desta atividade específica, como sejam: aquisição de matérias-primas, eletricidade, telefone, materiais acessórios; neste período, a empresa não efetuou nenhum pagamento ao Estado; no período em análise este sujeito passivo apenas teve dois clientes: a “A...” e a “L...”. Estes dois sujeitos passivos deduziram na sua contabilidade o valor do IVA que se encontra inscrito nas faturas de “I...”; o contabilista das sociedades “A...” e “L...” é o mesmo: MM, NIF ...; a esmagadora maioria dos trabalhadores desta empresa “I...” foram funcionários da “L...”; passaram a fazer parte dos quadros de pessoal da M... Unipessoal, Lda. NIPC ... (abril de 2009 a maio de 2010); passaram a ser funcionários da “I...” a partir de junho de 2010.
É, assim, de concluir que a sociedade “A...", no exercício de 2010, deduziu IVA sobre faturas emitidas em nome de outra empresa, a "B...”, faturas essas numeradas de 1/A a 60/A, sendo o valor total das faturas de €360.087,08, acrescidas de IVA no montante de €72.017,42. As aquisições desses bens, por parte da "B...", foram efetuadas à "D...", estando as faturas emitidas por esta última e numeradas de 1/A a 56/A, existindo coincidência de quantidades e modelos das respetivas peças. O NIF do cliente que consta das faturas não é o da "B...", mas sim da "A...", sendo que existe um administrador em comum entre a "D..." e a "A...", que é DD.
A mercadoria vendida à "A..." pela "B..." é, por sua vez, adquirida pela "B..." à "D..." e foi originalmente produzida pelas empresas "E...", "F..." e, possivelmente "C...". As empresas intermediárias "D..." e "B... não dispunham, à data dos factos (março a maio de 2010), de estrutura para o exercício da atividade declarada. Por outro lado, estas duas sociedades - "B..." e "D..." - não declararam, em tempo devido; a existência destas operações (apenas foram declaradas as operações pela "B...", mas só após início de ação inspetiva — inicialmente não foram refletidas as vendas nas declarações periódicas do IVA enviadas), nem foi possível contactar pessoalmente os representantes das mesmas.
As mesmas mercadorias deram origem dois pedidos de reembolso de IVA (um pela “D..." e outro pela "A...”, não existindo a contrapartida da transmissão de mercadorias pela "D...". Não existem pagamentos das mercadorias entre: B... / D... e D... /F.../E.../C....
Por fim, DD constitui a sociedade "A..." em 11/02/2010, sendo nomeado seu gerente e, no dia 12/02/2010 foi nomeado gerente da "D..." após ter adquirido as quotas desta sociedade em 20/05/2009.
As empresas "B..." e "D..." não dispunham de estrutura adequada para o exercício da atividade (quer relativa a instalações, a pessoal, ou a equipamento), tudo apontando para que as aquisições efetuadas pela "D..." apenas tiveram como objetivo a obtenção dos reembolsos de IVA. Por outro lado, tudo indica que as faturas emitidas pela "D..." e pela "B..." foram emitidas pela mesma pessoa, pelo facto de terem formato, numeração e série iguais.
É assim de concluir que o circuito documental não acompanhou o circuito físico das mercadorias e, que a "A..." não as poderia ter adquirido à "B..." e esta, por sua vez, à "D...".
Os valores constantes das declarações periódicas do IVA da empresa "D...", designadamente os valores de IVA deduzido que foram objeto de pedido de reembolso, resultam de operações simulada, uma vez que o circuito físico das mercadorias em questão não coincide com o circuito documental das mesmas. O circuito documental teve como objetivo a obtenção de reembolsos de IVA em duplicado, pela “D...” e pela “A...”. A obtenção em duplicado de reembolsos de IVA foi conseguida através da introdução no circuito documental de faturas emitidas da “D..." para a "B..." e desta para a “A...”, sem que a "D..." tenha procedido à declaração e entrega do imposto liquidado, mesmo que indevidamente por se tratar de negócio simulado.
A análise da prova documental, sustentada no Parecer elaborado e nos depoimentos prestados em audiência pelos inspetores tributários são esclarecedores quanto à existência deste esquema fraudulento com recurso à utilização de faturas falsas, facto que permitiu aos arguidos criar circuitos fictícios que visavam obter vantagens patrimoniais, mormente em sede de IVA através da obtenção de reembolsos indevidos.
Acresce que, tal factualidade pressupõe, em sede de julgamento, lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários.
Reforçando ainda estas conclusões foram importantes, na sua medida, os depoimentos das testemunhas TT (diretor comercial da F...) e UU (gerente da F...) que nos descreveram como foram contactados por uma agente (D. RR) para procederem a uma venda à sociedade X..., que por sua vez iria vender a uns clientes espanhóis, e que forneceram tal mercadoria, tendo faturado à X.... Mais disseram que tal mercadoria nunca foi paga, ficando em dívida €95.000, perdendo totalmente o contacto com a dita sociedade e com a aludida D. RR. Também as testemunhas VV (sócio da E...) e WW (administrador da E...) nos relataram o modo como foram contactados pela empresa X..., numas circunstâncias muito idênticas, em que a faturação foi feita diretamente à X... e não ao cliente final, mais referindo que como estava em dívida um montante elevado até colocaram uma providência cautelar para que o cliente final (no caso seria o V...) lhes pagasse diretamente, uma vez que a X... não estava a cumprir com os pagamentos. Por fim, referiram que o V... pagou diretamente à X... e que esta sociedade nunca chegou a pagar à E..., ficando esta última sem o montante total de €250.000.
Por outro lado, dos demais depoimentos produzidos, não se extrai qualquer elemento relevante, quer num quer noutro sentido, ou que acrescentem algo de novo ao já mencionado, sendo que algumas testemunhas nada sabiam quanto aos factos em apreço ou “nada queriam dizer” (como sejam as testemunhas FF, EE, JJ, XX e YY).
Por sua vez, os arguidos que estiveram presentes na audiência de julgamento fizeram uso da prerrogativa que lhes é conferida por lei, remetendo-se ao silêncio, situação que não os pode prejudicar, mas perdendo a oportunidade de apresentar a sua versão sobre os factos, apresentando uma explicação que contrariasse as conclusões apresentadas pelos Srs. Inspetores.
Ou seja, da conjugação de tudo quanto vem de se dizer resulta que existe prova firme e segura para que o Tribunal considere como provado o que vem alegado na acusação, ficando assim claro que os arguidos com a sua conduta lograram obter uma vantagem indevida.
É óbvio que os arguidos rodearam-se de cautelas, no sentido de não serem descobertos pela Autoridade Tributária, porém, na formação da convicção, não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos.
Ensina Vaz Serra que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência». Mas, «a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável».
«Há de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitraria ou dominada por impressões».
No âmbito da criminalidade organizada, económica e financeira, a prova indiciária, circunstancial ou indireta, por vezes, é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto ilícito e à descoberta dos seus autores.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal retirou as suas ilações por via da concatenação de vários elementos (os enunciados supra) e esclarecimentos dos Srs. Inspetores que prestaram depoimentos, aos nossos olhos, isentos e seguros e forneceram a indicação de um conjunto de factos de onde se extrai as conclusões vertidas, espelhando o percurso efetuado pelos arguidos e por estas sociedades, explicando devida e detalhadamente em audiência as razões pelas quais chegaram às conclusões vertidas no Parecer e nessa âmbito foi cabalmente exercido o contraditório, tendo as diversas testemunhas respondido a todas as instâncias.
Pois bem, in casu, os referidos factos probandi depreendem-se da compaginação das circunstâncias acima apontadas. Por conseguinte, todos os descritos factos e circunstâncias avaliados à luz das regras da experiência de vida e segundo um juízo de normalidade, permitem concluir, sem que subsista qualquer dúvida, de que os arguidos praticaram os factos de que vêm acusados e nos moldes supra descritos.
Está em causa a emissão de faturas falsas, tema sobre o qual assim se sintetizou a pronúncia do Acórdão da Relação do Porto de 09/04/2014 (Proc. n.º 31/06.7IDVRL.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo):
«Através da emissão de facturas falsas o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, ou porque pura e simplesmente não existem, ou pelo menos não existem nos exactos termos que aparentam. Assim, o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com importantes consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).
Na trilogia proposta por Nuno Sá Gomes (in Relevância Jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua eventual destruição pelos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, nº 377, DGI, Jan-Mar.1995, pág. 9), tipificam-se três modalidades de facturas falsas: a) facturas falsas stricto sensu – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas inexistentes; b) facturas forjadas – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas existentes mas sem conhecimento destas últimas e c) facturas de favor – emitidas por um terceiro em resultado de acordo com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal, existindo pagamento de uma quantia ao emitente ou mediante faturas emitidas gratuitamente.
Nos dois primeiros casos a emissão de faturas falsas ocorre através de um ato unilateral do infrator e não há qualquer operação/relação económica.
Na última situação, a emissão de faturas falsas pode ocorrer mediante acordo entre duas pessoas para prejudicar o Estado Fiscal.».
«(…) Apurada a utilização de documento falso, para efeitos de determinação da matéria coletável ou de obtenção de reembolso fiscal, acompanhado da consciência e vontade da realização do tipo de ilícito, tanto basta para responsabilizar o utilizador pelo crime de fraude fiscal, verificados que se mostrem todos os restantes elementos objetivos do tipo.”
A prova do elemento subjetivo é sempre indireta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum, o que sucedeu no caso em análise. Na realidade, o processo psíquico em que assenta a verificação do dolo, porque nasce e se desenvolve no pensamento íntimo mais profundo do ser humano, excetuando uma manifestação espontânea do agente, só se manifesta através de um acertado juízo de inferência, colhido de elementos objetivos conhecidos.
Na realidade, os comportamentos desencadeados pelos mencionados arguidos, espelhados na factualidade descrita supra, denunciam, de modo inequívoco, a vontade em obter benefícios económicos que sabiam ser ilegítimos, o que conseguiram, causando, dessa forma, prejuízo ao Estado.
De facto, a vontade de realização dos factos queda como provada atento o manifesto e óbvio: quem se propõe emitir e registar na contabilidade faturas que sabe serem forjadas, criando, na Administração Tributária, a convicção de que tais dados são verdadeiros é porque quer obter benefícios a que sabia não ter direito e, bem assim, causar prejuízo ao Estado, já que sabe que os bens / serviços discriminados nas faturas em questão não correspondiam a quaisquer prestações de serviços ou transações levadas a cabo entre aquelas sociedades.
No que respeita à voluntariedade dessas condutas e à sua consciência da ilicitude das condutas dos arguidos dadas como provadas e da sua postura em audiência de julgamento, concluímos, sem margem para qualquer dúvida, que estes têm e, tinham à data dos factos, capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de se determinar de acordo com essa avaliação.
A consciência da ilicitude resulta do facto de se tratar de uma conduta axiologicamente relevante, ou seja, qualquer pessoa sabe que não pode declarar fiscalmente falsos custos, criando, para o efeito, um estratagema com vista a obter benefícios económicos indevidos, prejudicando o erário público.
Não há, assim, nenhuma dúvida que os arguidos atuaram com vontade intencionalmente direcionada, de forma consciente e com pleno conhecimento da ilicitude penal dos seus comportamentos.
Por fim se diga que, os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas também pelos arguidos não lograram convencer da verificação de uma realidade contrária, sendo certo que, e como já se disse, remetendo-se os arguidos ao silêncio na audiência, abstiveram-se de fornecer um contributo eventualmente relevante para a formação da convicção diversa da gerada no espírito do Tribunal, designadamente contraditando as indicações factuais facultadas pelos aludidos elementos probatórios, em que assentaram as conclusões extraídas e, aliás, também expressas no já mencionado Parecer.
Ficou assim patente que os arguidos combinaram entre si este estratagema, visando assim locupletar-se de verbas a que não tinham direito. Consistia tal estratagema, desenhado em conjunto pelos arguidos, em incorporar na contabilidade daquelas sociedades, de forma sistemática e reiterada, faturas fictícias, que não titulavam qualquer operação efetivamente realizada entre essas empresas, registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração em sede de IVA. Todos os arguidos agiram de forma deliberada, em ação conjunta e concertada, com a consciência de que ludibriavam os serviços da Administração Fiscal, bem como com a intenção de obterem vantagem patrimonial indevida.
Para prova das condições familiares, pessoais, profissionais e socioeconómicas dos arguidos teve o Tribunal em consideração o teor dos relatórios sociais junto aos autos e o que resulta do compulso dos autos e do que os arguidos referiram aquando da sua identificação.
O Tribunal teve ainda em conta os CRC’S juntos aos autos e as certidões do registo das sociedades arguidas.»
*
Vejamos.
Erro de julgamento em sede de matéria de facto, com violação do princípio in dubio pro reo
Entende o recorrente que foram indevidamente dados como provados os factos 4), 27), 28), 29), 32), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 54), 55), 56), 57) e 58), devendo ser levados ao elenco dos factos não provados já que assentam exclusivamente no que consta do parecer/relatório elaborado pela AT, sendo certo que o mesmo mostra-se construído e alicerçado em suposições sem qualquer tipo de suporte factual no que concerne ao arguido recorrente, o que, acrescenta, foi notório dos depoimentos dos inspectores tributários.
Considera que não foi dado como provado que a “A...” e o alegado gerente, o aqui recorrente, sabiam que os bens que a “B...” vendeu àquela sociedade eram na verdade da “D...”, nem tinha a obrigação de saber.
Mais, entende que não ficou provado que tipo de vantagem patrimonial a “A...” ou o recorrente obtiveram com tal actuação, pelo contrário, o que se provou foi o oposto, isto é, que do pedido de reembolso de IVA no valor de € 97 455 efectuado pela “A...”, de IVA que efectivamente pagou, apenas foi devolvida pela AT a quantia de € 20.000, como resultam dos factos provados 55 e 56.

É jurisprudência pacífica que resulta do texto do art. 412.º, n.º 3, do CPPenal que não é uma qualquer divergência que pode levar o Tribunal ad quem a decidir pela alteração do julgado em sede de matéria de facto.
As provas que o recorrente invoque e a apreciação que sobre as mesmas faça recair, em confronto com a valoração que for efectuada pelo Tribunal a quo, devem revelar que os factos foram incorrectamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida em sede do elenco dos factos provados e não provados.
Ou seja, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo Tribunal a quo. E na verdade, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos (arguido/assistente ou arguido/Ministério Público ou mesmo arguido/arguido), qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, seja com fundamento em prova testemunhal, seja alicerçada em outros elementos probatórios.
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
É necessário que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal.
E na análise da prova que apresenta na sua impugnação da matéria de facto (alargada) tem o recorrente de argumentar fazendo uso do mesmo raciocínio lógico e exame crítico que se impõe ao Tribunal na fundamentação das suas decisões, com respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.

Esta ideia sobressai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2017, onde se afirmou[2]:
«I - Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma «valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum».
II - Percorrido este caminho na fundamentação, a impugnação dos factos há-de ser feita com a indicação das concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida sob pena de tal impugnação redundar em mera discordância acerca da apreciação da prova desses mesmos factos, respeitável decerto, mas sem consequências de índole processual.»

E esta posição está igualmente associada à ideia – que é preciso não perder de vista – de que o reexame da matéria de facto não se destina a realizar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, mas tão-somente a corrigir erros de julgamento em que possa ter incorrido a 1.ª Instância.
Neste sentido, que é pacífico, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2017[3]:
«I - O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova, uma nova ou uma suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
II - O recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida.»

Contextualizado, de forma sumária, o quadro legal e jurisprudencial em que assenta o reexame da matéria de facto pelos Tribunais da Relação, passemos à análise em concreto da impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente.
Antes de mais, importa salientar que o recorrente formulou a sua pretensão de recurso de forma muito deficiente, já que não concretiza ponto por ponto, os factos provados que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que relativamente a cada um daqueles factos impõem decisão diversa da recorrida, com referência às concretas passagens em que se funda a impugnação, conforme determina o art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPPenal.
Na verdade, o recorrente, apesar de pôr em causa vinte e nove pontos de facto provados, requerendo quanto aos mesmos alteração do decidido, apenas concretiza dois excertos de depoimentos prestados por inspectores tributários, um com cerca de três minutos e meio (num total de uma hora e dezanove minutos), relativo à testemunha NN, e outro de meio minuto aproximadamente (num total de uma hora e treze minutos), respeitante à testemunha QQ, sem indicação de qualquer facto concreto que se propôs impugnar.
Mesmo aceitando, num exercício jurídico pouco razoável, face aos enunciados requisitos de formalização dos recursos, que aqueles dois segmentos de depoimentos de prova permitiam concluir pela verificação dos pressupostos da impugnação ampla da matéria de facto apresentada por conformidade com o prescrito no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPPenal, nada dali se retira que possa colidir com a valoração da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo e, consequentemente, com a matéria de facto provada.
Nesses segmentos, truncados, sem relevar a orientação global dos depoimentos, antes e apenas uma parcela da instância da defesa, apenas sobressai, grosso modo, a informação de que a “A...” vendeu a mercadoria adquirida a fornecedores e que saiu dinheiro das suas contas em nome dessa aquisição.
Mas essas menções, mesmo esquecendo o que demais foi declarado pelas testemunhas, de modo algum infirmam a matéria de facto provada, designadamente os pontos de facto provados impugnados, e concretamente o conhecimento pelo recorrente dos contornos dos negócios.
O Tribunal a quo realiza entre fls. 26 e 37 o exame crítico da prova de onde sobressaem as várias falhas no esquema que permitiram sustentar a matéria de facto provada.
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido sintetiza com clareza as ideias chave da fundamentação e das razões da respectiva validade, que aqui se acolhem:
«● a sociedade B... não tinha qualquer existência efectiva, muito menos as condições estruturais e pessoais para fornecer a mercadoria faturada em benefício da sociedade gerida pelo arguido, tal como resulta dos 10 factos instrumentais elencados no ponto 42 dos factos provados;
● a sociedade D... só emitiu as facturas de fornecimento das mercadorias à sociedade B... (que justificavam os negócios desta sociedade para com a sociedade gerida pelo arguido, enquanto intermediária) em consequência da inspeção tributária realizada à sociedade gerida pelo arguido, tal como resulta dos 6 factos instrumentais elencados no ponto 45 dos factos provados;
● e os meios de pagamento relativos às supostas despesas que a sociedade gerida pelo arguido suportou pelas compras à sociedade B... não correspondem manifestamente a custos efetivamente suportados, como resulta dos 4 factos instrumentais elencados no ponto 48 dos factos provados (nomeadamente, o arguido e pessoas das suas relações é que foram os efetivos beneficiários dos pagamentos, nunca tendo a sociedade B... sido directamente creditada com os mesmos).»
E questiona, com toda a pertinência:
«● Que empresário ou comerciante desconhece a identidade das pessoas com quem faz negócio? Terá tido alguma incapacidade acidental que o impossibilitou de perceber que a sociedade a quem estava a comprar as mercadorias é diferente da sociedade que emitia as respectivas facturas?
● O arguido não percebeu dessa pequena diferença de identidade, quando foi essa diferença que lhe permitiu pedir mais de 97.000 € em reembolso de IVA que não lhe eram devidos (ponto 55 dos factos provados)?
● É suposto tomarmos como credível que o arguido tenha voluntariamente usado facturas relativas a negócios inexistentes, sem colaborar com os arguidos que tinham de emitir essas facturas, e sem as quais o arguido não poderia beneficiar daquele enorme reembolso de IVA?
● O arguido não fazia ideia da inexistência efectiva da sociedade B..., mesmo quando os pagamentos que lhe fazia não eram creditados nessa sociedade, mas aproveitados por si ou por pessoas das suas relações pessoais (4 factos instrumentais elencados no ponto 48 dos factos provados)?
● Terá sido por telepatia que a sociedade D... começou a emitir facturas após a inspecção à sociedade de que o arguido geria (ponto 45 dos factos provados), ou por causa da tal colaboração entre arguidos?»

O recorrente, ao invés de demonstrar através da prova produzida que o Tribunal a quo tinha errado na avaliação da prova, ou porque a testemunha não disse o que se afirmou ter dito, ou porque as regras da experiência comum não permitiam acolher determinada versão, entre outras razões possíveis, limitou-se, basicamente, a apresentar uma diferente leitura da prova produzida, desvalorizando totalmente a prova indirecta que foi legitimamente ponderada para formar a convicção do Tribunal.
Ora, a convicção judicial pode formar-se a partir de prova indiciária. Aliás, o Tribunal Constitucional já proferiu juízo de não inconstitucionalidade do art. 125.º do CPPenal na interpretação segundo a qual a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal[4].

Em suma, analisados os argumentos do recorrente e avaliada a prova invocada não encontramos aí quaisquer fundamentos para alterar a decisão do Tribunal a quo, constituindo o exercício levado a cabo pelo recorrente apenas uma diferente leitura da prova, com a qual pretende substituir a convicção do Tribunal do julgamento, sem que verdadeiramente sejam apontados erros de julgamento que imponham a solução apresentada de julgar não provados os factos impugnados.

Tão-pouco o argumento do recorrente de que o Tribunal a quo devia ter feito operar o princípio in dubio pro reo tem algum fundamento.
Nem a decisão recorrida revela que o Tribunal a quo em algum momento ficou em dúvida quanto ao reflexo da prova produzida no sentido a atribuir à factualidade provada impugnada, concretamente que ficou na dúvida se devia ter dado como provados ou como não provados os pontos de facto impugnados, nem se reconhece que a prova produzida só podia ter conduzido a tal estado de dúvida.
Pelo contrário, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, mostra-se correcta porque fundamentada nas razões indicadas na sentença recorrido, por sua vez coerentes com as regras da experiência comum.

Em face do exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida não revela a ocorrência de qualquer erro de julgamento e não violou qualquer norma legal ou constitucional que devesse ter acolhido, designadamente referentes ao princípio do in dubio pro reo, sendo de manter os pontos de facto impugnados como provados.
Improcede, pois, o segmento do recurso em análise.
*
Erro de julgamento em sede de direito, quanto à autonomização de um segundo crime de fraude fiscal
A segunda questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso respeita à autonomização de um segundo crime de fraude fiscal com base nas facturas emitidas pela “I...” à “A...” e cujo valor de IVA é, alega, de € 4068,58, o qual não atinge o patamar de € 15 000 para que a vantagem patrimonial possa dar lugar à responsabilização criminal.
Compulsada a matéria de facto provada, distinguimos aí dois comportamentos do recorrente - e, consequentemente, da arguida “A...” – penalmente relevantes:
i) a contabilização de facturas da “B...” quando não adquiriu mercadorias a esta empresa, antes à “D...”, relativamente à qual não efectou qualquer declaração, revelando as facturas descritas no ponto 39) da matéria de facto provada, respeitantes aos meses de Março de 2010, Abril de 2010 e Maio de 2010, os valores totais de IVA, respectivamente, de € 20.283,71, € 26.406,58 e € 25.327,13; e
ii) a contabilização de facturas da “I..., Lda” que não tinham subjacente qualquer relação comercial, conforme se descreve no ponto 51) da matéria de facto provada, facturas respeitantes aos meses de Junho e Julho de 2010 e cujo valor global de IVA é de € 4068,58.

A “A...” é uma sociedade por quotas unipessoal, sendo sujeito passivo de IVA enquadrado no regime normal de periodicidade mensal (pontos 1) e 2) da matéria de facto provada).
Esta informação releva para efeitos de concretização do que se dispõe nos n.ºs 2 e 3 do art. 103.º do RGIT, ou seja:
«2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.»

Resulta do exposto que a “A...” está fiscalmente sujeita à obrigação de apresentar declarações mensais de IVA e que a sua conduta só assume relevância criminal quando em cada mês do ano a vantagem patrimonial obtida através da prática de factos integradores de fraude fiscal for superior a € 15.000.
E este entendimento vale mesmo para os casos em que se conclui pela verificação de crime único de fraude fiscal, não no sentido de continuado na acepção que consta do n.º 2 do art. 30.º do CPenal, antes de ocorrência de uma única resolução criminosa[5], sendo também nestes casos de desconsiderar as parcelas respeitantes à periodicidade em causa que comportem uma vantagem patrimonial inferior a € 15.000.
No caso dos autos, os factos respeitantes à actuação do recorrente que envolveu as sociedades “A...”, “B...” e “D...” iniciaram-se com uma única resolução criminosa, conforme resulta do disposto dos pontos 27) (Sabendo que, para obter o reembolso de IVA, a sociedade “D...” tinha que declarar perante a Administração Tributária (A.T.) que não tinha procedido à venda dos referidos bens, o seu representante acordou com os arguidos AA e BB que a mercadoria vendida pela sociedade “D...” à sociedade “A...” seria faturada pela sociedade “B...” como se fosse ela a vendedora), 28) (Acordaram, ainda, que, nem a sociedade “A...”, nem a sociedade “B...”, declarariam junto da AT aquisições à sociedade “D...”, sendo que seria criado um circuito bancário e documental que suportasse a versão em que a mercadoria era vendida diretamente à sociedade “A...” pela sociedade “B...” para que, deste modo, quer a sociedade “D...”, quer a sociedade “A...” pudessem pedir o reembolso do IVA liquidado nessas faturas), 38) (Em data não apurada, mas anterior a 01/03/2010, o arguido AA, em representação e no interesse da sociedade “A...”, com o intuito de aumentar o valor de IVA suportado por esta sociedade de modo a que o IVA liquidado por ela nas faturas de venda fosse inferior ao que suportou nas faturas de aquisição de bens e serviços e, consequentemente, esta sociedade recebesse reembolsos de IVA, decidiu que iria integrar na contabilidade desta sociedade faturas de aquisição de mercadorias emitidas por outras sociedades, em que era liquidado IVA, como se correspondessem a vendas efetuadas à “A...” mas que, na realidade, não tinham qualquer relação comercial subjacente ou correspondiam a vendas em que não eram intervenientes as sociedades identificadas nas faturas) e 39) (Na execução deste plano e também conforme havia sido acordado entre os arguidos AA, o representante da D... e BB nos moldes acima descritos no ponto I, o arguido BB, em nome da sociedade “B...”, emitiu a favor da sociedade “A...” as seguintes faturas onde declarou que a sociedade “B...” tinha procedido à venda à sociedade “A...” de mercadoria: (…)) da matéria de facto provada, ainda que respeitem a três períodos declarativos autonomizáveis, Março, Abril e Maio de 2010, com valor de vantagem patrimonial apurada em cada um deles superior a € 15.000, permitindo objectivamente, à luz dos n.ºs 2 e 3 do art. 103.º do RGIT, a autonomização de três ilícitos penais, um por cada um dos períodos declarativos em causa.
O Tribunal a quo não autonomizou, e bem, três crimes, dada a resolução criminosa única subjacente, pelo que teremos de depreender e concluir que está em causa nesta situação um crime único de fraude fiscal qualificada, como efectivamente entendemos.
De acordo com este entendimento, o segundo crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido só poderia radicar nos factos que envolveram o recorrente e as sociedades “A...” e “I..., Lda.”.
Porém, também aqui nos encontramos ainda perante a mesma resolução criminosa que esteve subjacente às condutas respeitantes à primeira situação, conforme resulta do ponto 50) (Ainda na execução do plano que havia traçado, em data não apurada mas anterior a 18/06/2010, o arguido AA acordou com JJ e KK a emissão por estes, em nome da sociedade “I..., Lda.”, de faturas a favor da sociedade “A...” que não tinham subjacente qualquer relação comercial entre ambas, liquidando nas mesmas o respetivo IVA em valores que permitissem à sociedade “A...” receber reembolsos) da matéria de facto provada.
Ou seja, o crime único de fraude fiscal cometido pelo recorrente abarcou ainda os factos respeitantes às sociedades “A...” e “I..., Lda.”, posto que ainda na execução do plano que havia traçado.
Acontece que os valores relativos à vantagem patrimonial obtida através da prática de crime de fraude fiscal nesta segunda situação, mesmo somando os valores relativos aos dois meses em causa (Junho e Julho), não atingem os € 15 000, como bem alega o recorrente, devendo ser desconsiderados para efeitos do valor global da responsabilidade criminal, sendo inequívoco que estão excluídos por força do disposto no art. 103.º, n.ºs 2 e 3, do RGIT.
Se a ideia subjacente à imputação ao recorrente de dois crimes de fraude fiscal qualificada, questão que não está minimamente explicada na sentença recorrida, assentava na autonomização desta segunda situação, os factos nunca poderiam permitir o referido enquadramento, pela simples razão de não estar respeitado o limite a que alude o art. 103.º, n.º 3, do RGIT, não sendo penalmente puníveis como crime.
Em suma, no exercício de subsunção dos factos ao direito deparamo-nos apenas com a prática pelo recorrente de um crime único de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts 103.º e 104.º, n.º 2, al. a), do RGIT, respeitante à situação que envolveu as sociedades “A...”, “B...” e “D...”, devendo a condenação do recorrente reflectir uma tal solução jurídica.
Uma vez que a pena aplicada aos dois crimes pelos quais vinha o arguido condenado têm a mesma medida concreta, importa apenas suprimir uma dessas penas, condenando-se o arguido aqui recorrente numa pena de 2 (dois) anos de prisão.
Embora a nova medida concreta da pena o permita, não se mostra adequado substituir a pena de prisão fixada por prestação de trabalho a favor da comunidade trabalho, ao abrigo do art. 58.º do CPenal, não só atentas as elevadas exigências de prevenção geral que o crime dos autos suscita, dada a elevada danosidade social que gera, a exigir uma reacção punitiva de natureza mais contundente, mas também porque o recorrente tem ocupação profissional, não tendo, por isso, o perfil social adequado a tal medida.
Deve, assim, manter-se a decisão de suspensão de execução da pena de prisão aplicada na sentença recorrida, agora pelo período de 2 (dois) anos de prisão, sem qualquer condição, por não ter sido aplicada e não ter existido recurso dessa parcela da sentença.
Considerando que o recorrente actuou em representação da arguida “A...” e no interesse desta, e que a factualidade respeitante a esta arguida se mostra balizada pela conduta imputada ao recorrente, impõe-se, ao abrigo do disposto no art. 403.º, n.º 3, do CPPenal, retirar quanto à mesma sociedade iguais consequências quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito, ou seja, condená-la, simplesmente, pela prática de um crime único de fraude fiscal qualificada.
Uma vez que, também aqui, as penas de multa assumiram a mesma medida concreta, resta limitar a condenação da “A...” a uma pena de 750 (setecentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze euros).
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) - julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelo recorrente AA e, em consequência:
a1) - Absolvê-lo da prática, como co-autor material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, n.º 2, al. a), do RGIT;
a2) - Condená-lo pela prática, como co-autor material, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º e 104.º, n.º 2, al. a), do RGIT na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, improcedendo o demais pedido;
b) - Ao abrigo do disposto no art. 403.º, n.º 3.º, do CPPenal, alterar o decidido em relação à arguida “A... Unipessoal, Lda.” e, em consequência:
b1) - Absolvê-la da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1, 103.º e 104.º, n.º 2, al. a), do RGIT;
b2) - Condená-la pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 7.º, n.º 1, 103.º e 104.º, n.º 2, al. a), do RGIT, numa pena de 750 (setecentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze euros), num total de € 11.250 (onze mil duzentos e cinquenta euros).
Sem custas do recurso.
Notifique.

Porto, 19 de Dezembro de 2023
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[3] Proc. n.º 772/10.4PCLRS.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Cf. acórdão n.º 521/2018, de 17-10-2018, relatado por Gonçalo Almeida Ribeiro e acessível in www.tribunalconstitucional.pt., aí se fazendo ainda referência ao acórdão n.º 391/2015 do mesmo Tribunal.
[5] Cf. Carlos Teixeira e Sofia Gaspar in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume II, Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco (Org.), Universidade Católica Editora, 2011, págs. 458 a 460. Na jurisprudência, podem consultar-se, entre outros, os acórdãos do TRP de 11-04-2012, Proc. n.º 43/07.3IDPRT.P1, de 21-05-2014, Proc. n.º 57722/04.4TDLSB.P1, e de 27-01-2016, Proc. n.º 221/14.9TAVFR.P1, do TRE de 20-12-2012, Proc. n.º 288/11.1TASTR.E1, e do TRC de 27-11-2019, Proc. n.º 41/16.6IDCTB.C1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.