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CRIME DE INSOLVÊNCIA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ATENUAÇÃO ESPECIAL
CONTAGEM DO PRAZO
Sumário
I- No crime de insolvência dolosa o prazo de prescrição do procedimento criminal inicia-se para todos os arguidos com o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência. II – No crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo art.º 227.º, nº2, do Código Penal, a atenuação especial expressamente prevista para quem, sendo terceiro, praticar algum dos factos descritos no nº 1 do artigo 227º, opera automaticamente, por força da lei, pelo que a moldura penal do crime, para efeitos de prescrição, é de prisão de um mês a 3 anos e quatro meses (artigo 73º do CP), sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães. I – Relatório Decisão recorrida
No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 714/17...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ..., foi proferido no dia 2 de fevereiro de 2022[1], o seguinte despacho que se reproduz, na parte relevante:
“Por legais e tempestivas, admite-se as contestações e os róis de testemunhos apresentados pelos arguidos, a fls. 920 e ss., nos termos do art. 315º, nº1, do CPP.
Solicite as informações/documentos por eles solicitados em sede de contestação
Notifique e d.n”.
*
No âmbito do mesmo processo, foi proferido no dia 15 de fevereiro de 2022[2] o seguinte despacho, cujo teor também se reproduz:
“Os arguidos AA, BB, CC e DD vieram em sede de contestação invocar a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de insolvência dolosa de que vêm acusados.
O Digno Procurador pronunciou-se quanto à invocada prescrição a refª ...79, promovendo que se declare a prescrição do procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa de que se encontram pronunciados os arguidos AA e BB.
Cumpre apreciar e decidir.
Realizado o debate instrutório, foi proferida decisão instrutória, a qual decidiu (cfr. ata de debate instrutório de refª...73): “- Pronunciar os arguidos CC, DD e AA imputando-lhes a prática, em coautoria material, com dolo direto, de um crime insolvência dolosa previsto e punido pelo art.º 227.º do Código Penal. Tudo pelos factos constantes da acusação pública deduzida a fls. 671 e ss, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do disposto no art.º 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. e - Pronunciar a arguida BB, imputando-lhe a prática, em coautoria material, com dolo direto, de um crime insolvência dolosa previsto e punido pelo art.º 227.º n.º 2 do Código Penal, pelos factos constantes nos R.A.I apresentados pelos assistentes deduzidos a fls. 748 a 755 e 790 a 793.”
Como salienta, o Digno Procurador, apesar de o despacho de pronúncia não detalhar com pormenor qual o respectivo número e alínea do art. 227.º que imputa aos arguidos CC, DD e AA, da descrição factual que consta da acusação pública é inequívoco que a CC e DD praticaram o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. (por serem os devedores e insolventes) e que AA praticou o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 2 do C.P., por referência ao art. 227.º, n.º 1, al. b), (por ter invocado créditos fictícios sobre os devedores em benefício destes, com o intuito de prejudicar os credores, no caso os assistentes).
Aliás, esta alusão ao n.º 2 do art. 227.º do C.P. constava já da acusação pública deduzida.
De acordo com o disposto no art. 118.º, n.º 1, als. b) e c ) do C.P. o procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. prescreve no prazo de 10 anos decorridos sobre a sua prática e o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo art. 227.º, n.º 2 do C.P. prescreve no prazo de 5 anos decorridos sobre a sua prática.
O tipo legal do crime de insolvência dolosa prevê uma condição objectiva de punibilidade – a declaração de insolvência do devedor. Assim, independentemente do momento em que foram praticados os actos que levaram à diminuição do património dos devedores, o procedimento criminal e o correspondente prazo prescricional, apenas se iniciam com a sentença de declaração de insolvência.
Neste sentido veja-se, designadamente o Ac. TRC 2/10/2013, Processo253/05.8TAPMS.C11: “I - Tanto na actual como na antiga redacção do DL 48/95, de 15 de Março, sem reconhecimento judicial de insolvência o agente não pode ser perseguido pelo crime de insolvência dolosa. II - Assim, independentemente da data em que tenham sido praticados os actos integradores daquele ilícito penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal não pode começar a correr antes da declaração de insolvência, por a tal obstar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.”
1 Disponível em www.dgsi.pt
Em conformidade, terá de se considerar que, relativamente a todos os arguidos, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de insolvência dolosa iniciou-se no dia 11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD, proferida a 21/1/2013.
Dispõe o art. 120.º do C.P., a propósito da suspensão da prescrição: “1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo; c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado; f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos. 3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição. 4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo. 5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional. 6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”
Por sua vez, refere o art. 121.º do C.P. a propósito da interrupção da prescrição, que:
“1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se: a) Com a constituição de arguido; b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) Com a declaração de contumácia; d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.” No caso vertente, a primeira causa de interrupção da prescrição verificou-se com a constituição dos denunciados como arguidos, em concreto: - o arguido de CC em 20/5/2019 (fls. 387); - a arguida DD em 21/5/2019 (fls. 394); - o arguido AA em 20/11/2020 (fls. 667) e - a arguida BB em 13/5/2021 (fls. 827).
Entre a verificação da condição objectiva de punibilidade e a primeira causa de interrupção da prescrição não se verificou qualquer causa de suspensão da prescrição.
Contudo, entre a data da verificação da condição objectiva de punibilidade (11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD) e a data em que foram constituídos como arguidos AA (20/11/2020) e BB (13/5/2021) decorreram mais de 5 anos. Nesta decorrência, no momento em que os arguidos AA e BB foram constituídos arguidos o procedimento criminal contra os mesmos, pelo identificado ilícito criminal, já se encontrava prescrito, ao abrigo dos normativos identificados.
No que toca aos arguidos CC e DD, atendendo à moldura penal do crime que lhes é imputado (pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias) o procedimento criminal prescreve no prazo de 10 anos decorridos sobre a sua prática (no caso a contar sobre a verificação da condição objectiva de punibilidade), o que ainda não se verificou. Pelo exposto, declara-se a prescrição do procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art.º 227.º, nº2, do Código Penal de que se encontram pronunciados os arguidos AA e BB, a qual ocorreu a 11/2/2018”.
***
Recurso apresentado
Inconformado com esses despachos, o assistente EMP01... veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:
“1.
O tribunal a quo mediante despacho com a Ref.ª ...78 ordenou que a secção solicitasse as informações/documentos solicitados pelos Arguidos em sede de contestação, sendo que, são respeitantes a informação/documentação bancária, fiscal e tributária dos Assistentes.
2.
Informações e documentação que apenas podem ser apresentadas em juízo pelo titular das próprias, ou mediante autorização expressa do titular das informações, ou em última ratio, e caso haja oposição legítima do visado, mediante despacho devidamente fundamentado e com base em pedido que se revele efetivamente necessário à boa descoberta da verdade material em discussão nos autos.
3.
Ora desde logo os Arguidos fundamentam o seu pedido quanto ao pedido de informação fiscal e tributária na suposta necessidade de “com o intuito de se apurar a eventual prática de um crime pelos assistentes”.
4.
E o tribunal a quo defere apenas dizendo “Solicite as informações/documentos por eles solicitados em sede de contestação”.
5.
O Tribunal não aquilatou primeiro da necessidade das informações.
6.
Segundo não aferiu se há ou não prévia autorização dos titulares da informação, os Assistentes. Antes pelo contrário em requerimento apresentado nos autos expressamente opuseram-se os Assistentes a que fosse prestada a informação em causa.
7.
E por último, mediante a oposição dos Assistentes o Tribunal a quo não apresentou qualquer fundamento, razão ou justificação para o deferimento do pedido.
8.
Tenha-se em atenção que o despacho em análise que ordena a prestação das informações bancárias, tributárias e fiscais, não tem qualquer fundamentação defeituosa, deficiente ou escassa. É antes absolutamente inexistente.
9.
Há por isso, na verdade, uma total e absoluta falta de fundamentação que consequentemente determina também a nulidade do despacho em apreço, porquanto, não se pronunciando o tribunal sobre qualquer necessidade ou justificação para o deferimento nele decidido, é nulo o despacho e por isso mostra-se violado o disposto no art.º 374.º, n.º2 do CPP, e, consequentemente, verifica -se a nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, a), do CPP, consagrada na obrigatoriedade de todas as decisões deverem ser devidamente fundamentadas.
Até porque, sem prescindir e por mero dever de patrocínio,
10.
Atente-se ainda que o acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, como sejam o sigilo bancário, fiscal e tributário depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
11.
E em caso de oposição legítima do contribuinte, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em despacho e pedido devidamente fundamentado, sob pena de violação das garantias constitucionais de processo criminal conferidas a qualquer cidadão em território nacional e previstas e consagradas no n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
12.
Neste pressuposto, é claramente inconstitucional a leitura do artigo 340.º do CPP no sentido de que pode ser admitida a junção ou a notificação para apresentação de qualquer prova em juízo, mediante a ingerência na vida privada dos sujeitos processuais sem o seu prévio consentimento ou em violação de segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, sem que tenha havido previamente derrogação legitima mediante despacho judicial devidamente fundamentado.
13.
Pelo que, tendo já ficado demonstrado que não houve qualquer despacho fundamento a ordenar a prestação das informações já juntas aos autos ou a juntar, cumpre concluir que qualquer informação ou documento assim obtidos foram-no por meio de prova obtida em violação da intimidade de vida privada do Assistente e em violação de segredo profissional por isso nulo e, por conseguinte, não podem ser utilizadas em juízo.
14.
Nulidade que, igualmente e expressamente se invoca, nos termos do disposto no artigo 122.º do CPP para todos os efeitos legais, devendo assim ser ordenado o desentranhamento dos autos de qualquer informação já junta nos autos em violação da constituição portuguesa e dos direitos e garantias do Assistente e ordenada a notificação das entidades entretanto oficiadas para que desconsiderem a notificação recebida e não juntem qualquer informação aos autos.
Acresce,
15.
Os arguidos, EE e DD, AA e BB, são acusados em coautoria material e com dolo direto, do crime de insolvência dolosa previsto e punido pelo artigo 227.º n.º1 alínea b) e 227.º n.º2 do C.P.
16.
A CC e DD é imputada a insolvência dolosa nos termos do n. º1 alínea b) do artigo 227.º. A BB e AA, o crime de insolvência dolosa, nos termos dos n.sº 1 e 2 do artigo 227.º CP.
17.
Tendo por base o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 2/10/2013, no âmbito do Processo 253/05...., a Meritíssima Desembargadora estabelece que a prática do crime de insolvência dolosa se consubstancia na data de trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência dos arguidos, que nos presentes autos foi proferida quanto aos Arguidos CC e DD a 11/2/2013, tendo então se iniciado o prazo de prescrição.
18.
O tribunal a quo, após ter apontado como início da contagem do prazo para a prescrição do procedimento criminal o dia 11/2/2013, vem no referido despacho (...47) decidir da sua prescrição em relação aos arguidos BB e AA.
19.
Este tribunal, de que se recorre, infere que, os crimes a que se menciona o 227.º n. º2, tem uma pena inferior a cinco anos, e por esse motivo de acordo com o 118.º do CP, tem também um prazo de prescrição de cinco anos, já tendo tal prazo decorrido aquando da constituição dos visados arguidos.
20.
Nestes termos, declara a Meritíssima Juíza, que os procedimentos criminais relativos aos arguidos AA e BB estão prescritos, por prescrição ocorrida a 11/2/2018.
21.
Considera o Assistente, com a devida reverência, que o tribunal a quo ao aplicar a prescrição aos procedimentos criminais em causa, não interpretou a lei como deveria. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque o prazo para a prescrição do procedimento criminal conta-se em função da medida abstrata da pena aplicável e não em função daquela que o MP considere aplicável.
22.
Porquanto, para aplicação da prescrição, não teve em consideração a moldura penal máxima aplicável ao crime em causa, mas a moldura aplicável após ponderação das circunstâncias atenuantes do caso,
23.
Como refere o 227.º n. º2 do CP: “O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada.”
22.
Independentemente de eventuais atenuações que possam vir a ser aplicadas relativamente à moldura final, “consoante os casos”, a moldura abstrata é de cinco anos.
23.
É que, no n.º 2 do artigo supra referido a expressão “conforme os casos”, confere uma possibilidade de atenuação da pena, mas não necessariamente uma atenuação automática, que possa produzir efeitos sobre o prazo de prescrição do procedimento criminal.
24.
No decorrer do mesmo pensamento, o n.º 3 do mesmo artigo refere que, “é punível nos termos do n.º 1 e 2 deste artigo”.
25.
Como é possível constatar a normativa refere que é punível nos termos do n.º 1 e n.º 2 e não nos temos do n.º 1 ou n.º 2. Tal evidencia uma unicidade no que toca ao nº 1 e 2 do 227.º, que não são aplicados em alternativa, mas em dependência. O que pronuncia que não há lugar à previsão de um novo crime, apenas se prevê a possibilidade de atenuação na aplicação da medida da pena em sede de sentença.
26.
Apesar do 227.º n.º 2 do CP prever a punição de terceiros, a moldura é mesma e culmina no mesmo crime. É que não existe crime de insolvência dolosa praticado por terceiro, existe apenas uma possibilidade de atenuação no caso de os intervenientes não terem tido proveito direto na insolvência, mas se o tiverem tido já a pena máxima de cinco anos é defensavelmente aplicável.
27.
Particularmente, no caso que se aprecia, os atos dos arguidos com os procedimentos prescritos foram diretamente essenciais para que a insolvência dos primeiros arguidos fosse declarada. Se não fosse o Sr. AA, a “fabricar as dívidas inexistentes” e a Sra. BB a “participar numa escritura fraudulenta”, não teriam os primeiros réus sido declarados insolventes, e nenhum deles incorreria em qualquer crime.
28.
Para que a consideração da especial atenuação representasse uma alteração ao tipo de crime, teria de se associar ao crime simples, uma nova moldura. Na insolvência dolosa como já se disse, não há lugar a nova moldura, a moldura é de cinco anos, podendo ser atenuada, de acordo com os casos.
29.
Diz-nos Fernanda Palma, em aspetos penais da insolvência e da Falência (Revista da FDU- 1995) que o terceiro se configura como alguém para quem não é transferível juridicamente a caraterização objetiva do autor e que não possuiu o elemento subjetivo especial da ilicitude.
30.
Na insolvência dolosa, o terceiro seria um sujeito sem intenção de prejudicar os credores, adequando-se a sua responsabilidade atenuada ao seu menor desvalor da ação. A questão é que os arguidos tinham aqui intenção de prejudicar os credores, bem sabendo que o faziam.
31.
Ainda que as suas penas possam resultar atenuadas, pelas circunstâncias do caso, por de facto se considerar que existe um menor desvalor da ação, tendo em conta por exemplo que os arguidos são familiares dos devedores, tal não é líquido e não tem de ser certo, cabe ao julgador decidir.
32.
Mesmo, na hipótese de se considerar que por prever a afetação de terceiro se trata de um novo crime, tal não altera a moldura penal máxima prevista pela norma, que continua a ser de cinco anos, como está expressamente previsto: “é punido com a pena prevista nos números anteriores”.
33.
O 118.º n.º 2 do CPP refere que para efeitos de prescrição do procedimento criminal, deve ser tido em consideração não a pena que deva ser efetivamente aplicada pelo juiz, mas o limite máximo da mesma prevista para o tipo de crime em causa. Tal significa que para efeitos de prescrição do procedimento, importam apenas os elementos que fazem parte do tipo de crime, e não as circunstâncias atenuantes e agravantes.
34.
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, tem-se por circunstância, o conjunto de pressupostos que não dizendo respeito diretamente ao tipo de ilícito, ao tipo de culpa ou à punibilidade em sentido próprio, contendem com a maior ou menor gravidade do crime e por isso revelam para a determinação da pena.
35.
Refere o acórdão STJ, de 25/5/2006, no processo 06P476, relatado pelo Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa que: “Quando a lei manda atender ao máximo de pena aplicável sem contar com as circunstâncias agravantes e atenuantes está a referir-se a um conceito restrito de circunstâncias, que não engloba os elementos do tipo de crime (fundamental, agravado ou privilegiado), contidos na parte especial do código, quer referentes à ilicitude, quer à culpa, quer à punibilidade e muitas vezes erradamente designadas de circunstâncias do crime.”
36.
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 21/11/2009, processo 3063/03.TDLSB.L1.5, relatado por Margarida Blasco menciona que para efeitos da prescrição, “Na determinação do máximo de pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que dizem respeito ao tipo de crime, mas não as agravantes e atenuantes comuns.”
37.
Nestes moldes, a especial atenuação, trata-se de uma atenuação prevista na parte geral do código penal, e que prevê, tendo por base as circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas do crime, a diminuição da pena aplicável. Esta dedução acontece para as circunstâncias que reduzem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, e que não estão diretamente relacionadas com as mesmas, apesar de revelarem para a determinação da pena concreta.
38.
Como resulta do 72.º do CP, a especial atenuação depende sempre das circunstâncias do caso, já que as circunstâncias que diminuem a culpa, ilicitude ou necessidade tendem a ser diferentes de acordo com as situações, sendo o elenco apresentado no n.º 2 do artigo mencionado meramente exemplificativo.
39.
Nestes termos, ainda que se considere que no 227.º n.º 2 está plasmado um novo tipo de crime, não pertencem ao tipo de crime as circunstâncias atenuantes. Insiste-se que, como resulta da própria norma, a moldura penal abstrata é de cinco anos, devendo ser alterada em consequência das circunstâncias modificativas que em cada contexto podem ser tidas em consideração, e que baixam a moldura.
Nestes termos e nos que V. Exas. Doutamente suprirão deve o presente recurso ser considerado procedente e em consequência os doutos despachos de que ora se recorre serem revogados e substituídos por despachos que:
1º - indefira por falta de fundamento legal, e por falta de fundamento que permita a derrogação de sigilo profissional e legalmente estabelecido, o requerimento de prova requerido pelos Arguidos em sede de contestação e
2º - declare que não se consideram prescritos os procedimentos criminais quantos aos crimes de que são pronunciados, AA e BB, ordenando por conseguinte o prosseguimento dos autos também quanto a estes, com as inerentes consequências legais.
Fazendo-se JUSTIÇA!”.
*
Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.
Na primeira instância, a Magistrada do Ministério Público, notificada da admissão do recurso, apresentou resposta considerando ser de proceder o recurso na parte relativa ao despacho que ordenou a junção das informações e documentos requeridos pelos arguidos em sede de contestação e ser de considerar improcedente o recurso na parte que considerou prescrito o procedimento criminal relativo aos arguidos AA e BB.
Apresentou as seguintes conclusões que também se reproduzem:
“1) Apesar de o despacho de pronúncia não detalhar com pormenor qual o respectivo número e alínea do artigo 227.º que imputa aos arguidos CC, DD e AA, da descrição factual que consta da acusação pública parece inequívoco que a CC e DD praticaram o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. (por serem os devedores e insolventes) e que AA praticou o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2 do C.P., por referência ao artigo 227.º, n.º 1, al. b), (por ter invocado créditos fictícios sobre os devedores em benefício destes, com o
intuito de prejudicar os credores, no caso os assistentes).
2) Esta alusão ao n.º 2 do artigo 227.º do C.P. constava já da acusação pública deduzida.
3) De acordo com o disposto no artigo 118.º, n.º 1, als. b) e c) do C.P. o procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 1, al. b) do C.P. prescreve no prazo de 10 anos, decorridos sobre a sua prática e o crime de insolvência dolosa p. e p. pelo artigo 227.º, n.º 2 do C.P. prescreve no prazo de 5 anos, decorridos sobre a sua prática.
4) A moldura penal para o crime tipificado no artigo 227º., n.º 1 é de pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias, sendo que a moldura penal para o crime previsto no artigo 227.º, n.º 2 é a prevista no número anterior, especialmente atenuada, ou seja prisão até 3 anos e 4 meses, ou multa até 400 dias.
5) Ao contrário do defendido pelo recorrente, neste caso especifico, a atenuação especial não é uma faculdade a que o julgador poderá lançar mão, mas sim uma imposição legal, pelo que, no caso de condenação pelo crime previsto no artigo 227.º, n.º 2, a moldura da pena não poderá ultrapassar o limite máximo dos 3 anos e 4 meses de prisão.
6) O tipo legal do crime de insolvência dolosa prevê uma condição objectiva de punibilidade – a declaração de insolvência do devedor.
Assim, independentemente do momento em que foram praticados os actos que levaram à diminuição do património dos devedores, o procedimento criminal e o correspondente prazo prescricional, apenas se iniciam com a sentença de declaração de insolvência.
7) Do teor da acusação e pronúncia proferidas terá de se considerar que,
relativamente a todos os arguidos, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de insolvência dolosa iniciou-se no dia 11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD, proferida a 21/1/2013.
8) A primeira causa de interrupção da prescrição verificou-se com a constituição dos denunciados como arguidos.
9) Entre a verificação da condição objectiva de punibilidade e a primeira causa de interrupção da prescrição não se verificou qualquer causa de suspensão da prescrição.
10) Entre a data da verificação da condição objectiva de punibilidade e a data em que foram constituídos como arguidos AA e BB decorreram mais de 5 anos.
11) No momento em que os mesmos foram constituídos arguidos o procedimento criminal contra os mesmos, pelo identificado ilícito criminal, já se encontrava prescrito, ao abrigo dos normativos identificados.
12) Atendendo ao objecto dos autos, balizado pela pronúncia, não se vislumbra em que medida os documentos e informações solicitados pelos arguidos em sede de contestação, poderão contribuir para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, sendo certo que, considerando existir qualquer ilícito criminal cometido por parte dos assistentes, deverá ser apresentada a respectiva queixa e
solicitadas as informações no âmbito do processo de inquérito aberto nessa sequência”.
***
Tramitação subsequente
Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Sr. Procurador-Geral Adjunto, emitido douto parecer, no sentido de ser negado total provimento ao recurso apresentado pelo assistente.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, tendo os arguidos apresentado resposta “fazendo suas, as sempre com a devida vénia e permissão, as palavras do Digníssimo Procurador Geral”.
*
Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.
Cumpre apreciar o objeto do recurso.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
As questões que se colocam são as seguintes:
- nulidade por falta de fundamentação do despacho proferido no dia 2 de fevereiro de 2022, que ordenou que fosse solicitada as informações/documentos requeridas pelos arguidos em sede de contestação, nos termos dos artigos 374.º, n.º2 e 379º, nº 1, a), ambos do Código de Processo Penal.
- prescrição dos procedimentos criminais relativo aos arguidos AA e BB.
*
Comecemos então com a primeira dessas questões.
Compulsados os autos verifica-se que na contestação apresentada foi requerido que se oficiasse o Banco 1... a fim de informar em que conta bancária e quem é o seu titular, foi depositado o cheque, cujo beneficiário era a assistente “EMP02..., Unipessoal, Ldª” e também que fosse oficiado a Autoridade Tributária Aduaneira e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a fim de informarem o destino do valor inscrito nesse cheque, com o intuito de se apurar eventual prática de um crime por parte dos assistentes.
Em resposta a tal requerimento probatório, foi proferido o primeiro dos despachos recorridos.
Entende o recorrente que este despacho não se encontra fundamentado, o que acarreta a nulidade do mesmo, face ao disposto no artigo 379º nº 1, al a) do CPP.
Face ao disposto no artigo 97º, nºs 1, alínea b), e nº 5, do CPP, os despachos judiciais decisórios, que, não sendo despachos de mero expediente, conheçam de qualquer questão interlocutória, devem ser sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Trata-se do corolário do disposto no artigo 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra expressamente o dever de fundamentação dos atos decisórios dos tribunais.
Esse dever de fundamentação impõe que se explicite, ainda que não de uma forma exaustiva, os motivos factuais e jurídicos que levaram à tomada dessa decisão.
O regime previsto nos artigos 379 nº 1, al. a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, do mesmo Código aplica-se apenas ao caso das sentenças/acórdão, não sendo previsto para a situação dos despachos, como é o caso.
No caso em apreço, o despacho exarado não é um despacho de mero expediente, e não existe qualquer fundamento de facto ou de direito, enunciado pela Mmª Srª Juíza “a quo” que permita sindicar da bondade do mesmo.
É sabido, porém que de acordo com o princípio da legalidade que vigora no regime geral das nulidades em processo penal, só são nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo 118º, nº 1 do CPP), sendo que, nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (nº 2 do mesmo preceito legal).
Como esclarece João Conde Correia [3] “O princípio da taxatividade das nulidades abrange apenas os vícios que o legislador submete a esse tratamento; excluindo aqueles que, embora substancialmente sejam causa de nulidade, são, por ele, rotulados irregularidades” adiantando também que pelo menos algumas “irregularidades” determinam a invalidade do acto a que se referem e dos termos subsequentes que aquele possa afetar, produzindo os mesmos efeitos das nulidades”.
No caso em apreço a ilegalidade do despacho por falta de fundamentação, não leva a que deva ser ordenada a sua reparação oficiosa, nos termos do disposto no artigo 123º nº 2 do CPP, pois que esta não se destina, ou não se destina em primeira linha, a proteger um direito de um sujeito ou participante processual.[4]
A regra geral em matéria de conhecimento de irregularidades é pois o da necessidade da sua arguição pelo interessado, ou seja, pelo titular do direito protegido pela norma violada, nos estritos prazos legais, ficando a irregularidade sanada caso não seja tempestivamente arguida, nos termos previstos no artigo 123º, nº1, do CPP.
Assim, e porque o despacho foi proferido no dia 2 de fevereiro de 2022, tendo o assistente sido dele notificado no dia 17 de fevereiro de 2022 [5] mostra-se largamente ultrapassado o prazo de três dias contido no nº 1 do artigo 123º do CPP, ficando assim desse modo sanada a irregularidade existente.
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Passemos então à segunda questão que é relativa à decisão proferida pela Mmª Juíza “a quo” que declarou a prescrição do procedimento criminal pelo crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo art.º 227.º, nº2, do Código Penal de que se encontram pronunciados os arguidos AA e BB, a qual teria ocorrido no dia 11/2/2018.
Para tanto há a considerar a seguinte matéria:
- Por sentença datada de 21 de janeiro de 2013, transitada em julgado no dia 11 de fevereiro de 2013, foi declarada a insolvência dos arguidos CC e DD.
- Os arguidos CC e DD, foram pronunciados pela prática de factos que enquadram a prática de um crime de insolvência dolosa, p. e p. no artigo 227º nº 1 al. b) do Código Penal, sendo os arguidos AA e BB, pronunciados pela prática de factos que enquadram a prática de um crime de insolvência dolosa, p. e p. no artigo 227º nº 2 do Código Penal.
- O AA, foi constituído arguido em 20/11/2020 e a BB foi constituída arguida em 13/5/2021.
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O crime de insolvência dolosa concretiza-se em qualquer das ações típicas descritas nas várias alíneas do nº, 1 do art.º 227.º, do Código Penal, tratando-se de um crime de execução vinculada, pois o respetivo processo executivo tem que revestir uma dessas modalidades. Cfr. Ac. desta Relação de 12/04/2021, processo 366/11.7TAPTL.G1.
Como referem Miguez Garcia e Castela Rio [6] “Perspetivada do lado do autor, a incriminação da insolvência visa punir a ação do devedor e a de terceiro que age com o acordo do devedor ou em benefício deste”.
Salientam que o bem jurídico protegido é o património dos credores e que a intenção de prejudicar os credores não exige um prejuízo patrimonial efetivo para o devedor, bastando a intenção.
No que respeita à intervenção de terceiro prevista no nº 2 do artigo 227º, relativa aos arguidos AA e BB, esclarece-se no Ac. da Relação ... de 19/12/2019, processo 572/16...., que “incorrem na prática de um crime de insolvência dolosa, p. e p. nos termos do n.º 2 do artigo 227.º do Código Penal, terceiros que, pelos seu atos, através de negócios simulados e em conluio com o devedor e em benefício deste, contribuíram para fazer desaparecer o seu património, com intenção de causar prejuízo aos credores”.
Referindo-se aos agentes do crime, ensina Paulo Pinto de Albuquerque [7] que “são a pessoa humana que pode ser declarada insolvente (“o devedor”), a pessoa humana que aja como titular dos órgãos ou representante de uma pessoa coletiva, sociedade ou associação de facto devedora (artigo 12º nº 1 al. a), o terceiro (não representante do devedor) que praticar os atos típicos com conhecimento do devedor ou em benefício deste, mesmo que não se prove o acordo com o devedor (artigo 227º nº 2) e o administrador de facto da pessoa coletiva, sociedade ou associação de facto, mesmo quando os titulares dos órgãos da pessoa coletiva desconheçam a gestão do administrador de facto (artigo 227º nº 3).
A situação em que se enquadra a conduta destes arguidos AA e BB é pois a de um terceiro, relativamente aos devedores insolventes, os arguidos CC e DD, respondendo estes nos termos do número 1, do citado artigo 227º, enquanto o AA e a BB respondem na qualidade de terceiro prevista no número 2º.
Este crime apresenta uma condição objetiva de punibilidade: a situação de insolvência com reconhecimento judicial (não bastando uma situação de mera falência técnica), o que significa que sem esse reconhecimento não pode iniciar-se o prazo do procedimento criminal[8].
Temos deste modo que o prazo do procedimento criminal se iniciou para todos os arguidos, incluindo o AA e a BB, no dia 11/2/2013, data em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência dos arguidos CC e DD.
A moldura penal para o crime previsto no nº 1 do artigo 227º do Código Penal é de pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias.
Dispõe o nº 2 desse artigo que “O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada”. [9]
Entende o assistente EMP01... no seu douto recurso que a expressão “conforme os casos”, prevista nesse número 2º apenas confere uma possibilidade de atenuação da pena, mas não necessariamente uma atenuação automática, que possa produzir efeitos sobre o prazo de prescrição do procedimento criminal apenas se prevendo a possibilidade de atenuação na aplicação da medida da pena em sede de sentença, cabendo ao julgador decidir da aplicação ou não da atenuação especial da pena.
Não assiste porém razão ao recorrente.
Como bem se elucida no acórdão da Relação de Coimbra 2946/15.2T9VIS-A, de 30 de junho de 2020, relatado pela Exmª juíza desembargadora Elisa Sales, num processo com contornos similares à situação em apreço: “Relativamente ao crime por que os arguidos foram acusados, estatui o n.º 2 do artigo 227º que o terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada.
Consideram os recorrentes que a expressão, “conforme os casos, especialmente atenuada”, confere uma possibilidade de atenuação da pena e não uma atenuação automática da pena, que produza efeitos sobre o prazo de prescrição do procedimento criminal. Pelo que, ao considerar que esta atenuação não é automática, o prazo de prescrição para o terceiro, é de 10 anos – o do tipo base ou fundamental.
Ora, na anterior redacção do artigo 227º resultante da revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15.3, o n.º 1 apenas divergia da actual redacção quanto à medida da pena: pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Porém, havia um n.º 2 que dispunha «Se a falência vier a ser declarada em consequência da prática de qualquer dos factos descritos no número anterior, o devedor é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.»; sendo esta a pena cominada para o actual n.º 1.
Acontece que este n.º 2 veio a ser eliminado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3., diploma que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e, que para os tipos criminais eliminou todas as referências a “falência”, que foram substituídas por “insolvência” e introduziu uma agravação para alguns dos crimes (227º, 227º-A, 228º e 229º), entre eles a insolvência dolosa.
Ou seja, na vigência da revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15.3, estavam previstas diferentes penas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 227º do CP (respectivamente, prisão até 3 anos ou com pena de multa e, prisão até 5 anos ou pena de multa até 600 dias se a falência viesse a ser decreta em consequência de qualquer dos factos descritos no número anterior).
Porém, com a alteração introduzida pelo citado DL n.º 53/2004 tendo sido eliminado o n.º 2, que passou a ter a redacção do anterior n.º 3, não foram retirados do preceito, certamente por lapso, a referência à pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, posto que agora apenas está prevista a pena do n.º 1.
Contrariamente ao que entendem os recorrentes, a decisão recorrida considerou que: “Na situação concreta não estamos perante o tipo do artigo 227º, n.º 1 do CP, mas perante um novo tipo, previsto no n.º 2, que prevê a punição de terceiro.
De facto, os pressupostos do tipo do n.º 1, são distintos do n.º 2, não restando dúvidas que estamos perante um tipo legal novo.
Logo, a moldura penal do crime, para efeitos de prescrição é de prisão de um mês a 3 anos e quatro meses (artigo 73º do CP), sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos”.
Efetivamente, a atenuação especial expressamente prevista para quem, sendo terceiro, praticar algum dos factos descritos no nº 1 do artigo 227º, opera automaticamente, por força da lei, não estando dependente da apreciação por parte do julgador do apuramento de circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, tal como previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 72º do Código Penal.
No caso de terceiros, a aferição do grau de ilicitude e da culpa, das exigências de prevenção geral ou especial, repercute-se na concretização da pena dentro da medida legal abstrata, especialmente atenuada.
Trata-se assim de uma situação de atenuação especial da pena expressamente prevista na lei, como prevê a primeira parte do nº 1 do artigo 72º do Código Penal.
O legislador consagrou no nº 2 do artigo 227º uma situação de atenuação especial da pena, sendo que as razões que determinaram esse privilegiamento, são razões derivadas da ausência da qualidade de devedor [10].
Temos deste modo que, atento o disposto no artigo 73º nº 1 al. a) e c) do Código Penal, a moldura legal abstrata para o crime previsto no artigo 227.º, n.º 2 passa a ser de prisão até 3 anos e 4 meses, ou multa até 400 dias.
Assim, e por força do preceituado no artigo 118º nº 1, al. c) do Código Penal, o prazo de prescrição é de 5 anos, dado que o crime pelo qual os arguidos AA e BB foram pronunciados é punível com pena de prisão, cujo limite máximo é inferior a 5 anos.
Iniciando-se tal prazo à data da verificação da condição objetiva de punibilidade, no dia 11 de fevereiro de 2013, data em que transitou em julgado a sentença que declarou a insolvência do CC e da DD, e inexistindo qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal previstas respetivamente nos artigos 120º e 121º do Código Penal, o referido prazo de cinco anos esgotou-se em 11 de fevereiro de 2018.
Deste modo, tendo o denunciado AA sido constituído arguido apenas em 20 de novembro de 2020 e a BB apenas em 13 de maio de 2021, a essas datas já o procedimento criminal movido contra os mesmos se encontrava prescrito desde o dia .../.../2018, como bem se decidiu no despacho proferido pelo tribunal “a quo”.
Improcede assim na totalidade o recurso interposto pelo assistente.
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III – Decisão.
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se assim as decisões recorridas.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no montante de 4 UC - artigo 515.º, n.º. 1, al. b) do C.P.P. e 8.º, n.º 9, do R.C.P. e Tabela III anexa.
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Notifique.
Guimarães, 9 de janeiro de 2024.
(Decisão elaborada pelo relator com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).
Os Juízes Desembargadores,
Pedro Freitas Pinto (Relator)
Anabela Varizo Martins (1ª Adjunta)
Júlio Pinto (2º Adjunto)
[1] Refª Citius ...78 [2] Refª .... [3] In “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA 44, Coimbra Editora, pág. 146. [4] Cfr. Ac. desta Relação de Guimarães de 9 de janeiro de 2023, procº 1239/18.8T9BRG.G1 [5] Cfr Refª .... [6] “Código Penal. Parte geral e especial”. Almedina, ed. 2014, pág. 958/959, [7] “Comentário do Código Penal, U.C.E., 4ª edição, pág. 948. [8] Neste sentido o ac. da Relação de Guimarães de 15 de dezembro de 2022, procº 60/18.8T9BRG.G1 [9] Sublinhado nosso. [10] Cfr. Fernanda Palma in “Aspectos Penais da Insolvência e da Falência: Reformulação dos Tipos Incriminadores e Reforma Penal - Revista da F.D.U.L., Vol. XXXVI, 1995, pág. 413.