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PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Sumário
I–A imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo.
II–Ao Tribunal de recurso cabe apenas sindicar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fê-lo no respeito do princípio da livre apreciação da prova, num raciocínio lógico que se comunica aos demais, e em cumprimento do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
III–Não é qualquer omissão que consubstancia uma omissão de pronúncia, antes a mesma tem de ser relevante na economia da peça processual em que se insere.
IV–Desde a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21.2, é dever do tribunal de recurso suprir a nulidade da sentença recorrida caso o tribunal de recurso tenha todos os elementos que o permitam, não implicando a mesma qualquer processo de reconstrução da sentença e respetiva motivação que só ao Tribunal recorrido esteja reservado, redundando na eliminação de um grau de jurisdição.
(Sumário da responsabilidade do relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
1.–O ACÓRDÃO RECORRIDO
Por Acórdão proferido em 21.07.2023, no Processo Comum por Tribunal Coletivo n.º 30/22.1PEAMD do Juízo Central Criminal de Sintra– Juiz 5, foi decidido:
• Condenar o arguido AA:
– pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 22.º e 23.º todos do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, a pena de 4 (quatro) anos de prisão;
– pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 Fevereiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
– Em cúmulo jurídico das duas penas parcelares ora aplicadas ao arguido AA, condena-o na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.
• Condenar o arguido BB:
– pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
– Suspende a execução da pena de prisão em que o arguido BB é condenado pelo mesmo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses.
• Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por ... e, em consequência, condena o arguido/demandado AA no pagamento ao demandante da quantia de € 585,76 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros, vencidos a contar da notificação do pedido e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento
• Declarar perdidas a favor do Estado a arma e munições apreendidas nos autos, sendo o respectivo destino final cumprido através da PSP - artigo 78.º da Lei nº 5/2006 de 23/2.
• Determinar a restituição do cartão de cidadão, cartão escolar e blusão ao assistente CC (art. 186.º, n.º 3, do CPP).
• Condenar os arguidos no pagamento de 3 UC de taxa de justiça individual e nas custas processuais (art.ºs 513.º, 514.º do Código Processo Penal, e 8.º, n.º 9, por referência à Tabela III, do Regulamento Custas Processuais).
• Condenar o arguido/demandado AA nas custas relativas ao pedido de indemnização civil deduzido pelo ... (artigo 523º do Código de Processo Penal, artigo 527º, do Código de Processo Civil
*
2.–O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu do Acórdão condenatório, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões: 1.–O acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme resulta do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do CPP. 2.–Com efeito, o Recorrente foi condenado a pagar ao ..., uma indemnização no valor de € 585,76 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescido de juros moratórios. 3.–Contudo, não resulta da factualidade provada no acórdão recorrido quaisquer factos confirmativos de que o ... praticou serviços médicos à vítima e que teve um qualquer prejuízo. 4.–Assim, sendo a matéria de facto provada no aresto condenatório insuficiente para a decisão, deverá o Recorrente ser absolvido do pedido cível formulado pelo ... ou, caso assim se não entenda, ordenar-se o reenvio do processo ao Tribunal de 1.ª Instância, a fim de corrigir o referido vício. 5.–O acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP. 6.–Com efeito, se o Tribunal a quo considerou que, atenta a diferença de compleição física e força existente entre o Recorrente e o Assistente, não era verosímil que aquele tivesse a capacidade de virar a arma na direcção deste, também não é crível que este, após se aperceber da existência de uma arma no bolso do casaco do Recorrente e estando a agarrar os braços deste, permitisse que o mesmo fizesse o movimento de colocar a mão no bolso, tirasse a arma e a apontasse na sua direcção, uma vez que tal versão contraria flagrantemente as regras da experiência comum. 7.–Com efeito, é esta dualidade de critérios na apreciação da prova que não se compreende e que leva à conclusão que a decisão recorrida “não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.”, conforme referem supra M. Simas Santos e M. Leal-Henriques. 8.–Assim e uma vez que a apreciação desta questão encontra suporte, única e exclusivamente, na decisão sob censura, dúvidas não restam que estamos perante uma contradição insanável da fundamentação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e, consequentemente, deverá o presente processo ser reenviado para novo julgamento, nos termos do disposto no art.º 426.º, n.º 1 do aludido diploma legal. 9.–O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto provada.
10.–Entende o Recorrente que foi incorrectamente dada como provada a seguinte factualidade, por absoluta inexistência de qualquer prova bastante que o confirme:
“2.- Seguidamente o arguido AA e CC agarraram na roupa um do outro, puxando com força, e ambos caíram no chão.
3.- Quando estavam no chão o arguido AA agarrou numa pistola, calibre 7,65mm, que trazia consigo e, munido da mesma, a uma distância de cerca de 30 cm de CC, disparou a pistola que trazia consigo, tendo atingido CC na região do peito, abaixo do mamilo esquerdo, causando ferimentos e levando a que o mesmo fosse assistido com urgência e conduzido ao hospital.”
… …
“6.- O arguido AA representou e quis atentar contra a vida de CC, fazendo uso de uma arma de fogo - pistola-, apontando à zona do peito daquele, bem sabendo que ao atingi-lo naquele local causava a sua morte, apenas não o tendo conseguido, devido à rápida assistência médica, bem como ao facto de a munição desferida ter saído em direcção do local onde CC tinha guardado dois cartões de plástico, os quais ofereceram particular resistência e influenciaram a entrada do projéctil e a sua trajectória no interior do seu corpo.
7.- Sabia ainda o arguido AA que não se encontrava autorizado a deter e a usar a arma, e mesmo assim, quis deter e utilizou-a para atingir CC.”
… …
“9.- Agiram os arguidos, em todos os actos supramencionados, de maneira livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais actos eram proibidos e punidos por Lei.”
11.-Compulsada a fundamentação da decisão recorrida, facilmente se conclui que o Tribunal a quo sustentou a sua convicção para dar como provada a autoria do disparo, imputando-a ao Recorrente, única e exclusivamente, no depoimento do Assistente.
12.- Para o efeito, desvalorizou por completo a versão do Arguido, por entender que a mesma não era crível, por contrária às regras da experiência comum.
13.- Ou seja, considerando que o Recorrente é de estatura inferior à do Assistente e menos forte que este, nunca seria possível que o mesmo conseguisse alterar a direcção da arma e, desta forma, que o disparo da pistola pudesse atingir este último.
14.- O que, salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo em consideração as circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas pelo Recorrente, nomeadamente, que foi chamado pelo Assistente, o qual lhe deu, de imediato, uma cabeçada no ombro; que logo de seguida, o Assistente “saca” de uma pistola que se encontrava na sua cintura e, também de imediato, o Recorrente se impulsiona na sua direcção, agarrando-lhe no pulso e na mão que a empunhava; que as mãos de ambos e a pistola baloiçou em várias direcções, disparou e atingiu o Assistente, tal versão em nada é contrariada pelas regras da experiência comum, pelo que, sem mais, não se pode considerar que a mesma versão padece de credibilidade, tal como foi considerado pelo Tribunal a quo. Cfr. Depoimento do Arguido AA Registos de gravação:
- 20230626142729_4667686 2871285 do início até aos 9 minutos;
- 20230626142729_4667686 2871285 - entre os 15’:18’’ e os 17’:55’’
15.- Por outro lado, o Tribunal recorrido confere erradamente credibilidade à versão dos factos apresentada pelo Assistente, quando o mesmo refere, em suma, que quando se deslocou a um café do seu bairro (bairro do ...), este contiguo ao bairro da ..., deparou-se com o Recorrente na lateral exterior do referido estabelecimento. Ambos apresentaram um olhar desafiante e o Assistente dirigiu-se ao Recorrente e deu-lhe, de imediato, um pontapé na perna. Acto contínuo, ambos se agarraram pelos braços e caíram ao chão, ficando cada um com um joelho no chão, mas o Assistente numa posição mais elevada que o Recorrente. Quando ambos estavam a cair ao chão e agarrados pelos braços, o Assistente apercebeu-se da existência de algo rígido no bolso do casaco do Recorrente, o que, de imediato, julgou ser uma faca ou uma pistola. Entretanto, o Recorrente tira uma pistola do bolso, aponta na direcção do Assistente, tendo-o atingido em zona muito próxima do coração.Cfr. Depoimento de CC
– Registos de gravação:
- 20230626150000_4667686_2871285 – entre os 05’:08’’ e os 18’:29’’;
- 20230626150000_4667686_2871285 – entre os 25’:53’’ e os 28’:45’’;
- 20230626150000_4667686_2871285 – entre os 36’:55’’ e os 49’:18’’
16.- Ora, se o Assistente se apercebe previamente ao movimento do Recorrente – no qual alegadamente retira a pistola do bolso, aponta e dispara –, que este poderia ter uma faca ou uma pistola no referido bolso, atenta a mesma diferença de compleição física e força invocada pelo Tribunal a quo para afastar a credibilidade da versão apresentada pelo Recorrente e, ainda mais, quando ambos se estavam a agarrar nos braços, não é verosímil e contraria flagrantemente as regras da experiência comum, que o Assistente deixasse o Recorrente colocar a mão no bolso do casaco, retirar a arma, apontar e disparar.
17.- Por outro lado, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve na devida conta outras circunstâncias probatórias que, numa apreciação concatenada com o depoimento do Assistente, não podia deixar de fortalecer as muitas dúvidas que já deveriam existir quanto à versão dos acontecimentos por si apresentada.
18.- Em primeiro lugar, a circunstância do Assistente não ter informado, desde logo, as autoridades policiais, quanto à identificação do alegado autor do disparo, dizendo antes que desconhecia a identidade dos seus autores.
19.- Por outro lado, o surgimento de uma nova testemunha na audiência de discussão e julgamento, Senhor DD, primo do Assistente e por este arrolada, que trouxe aos autos uma terceira versão dos acontecimentos, o qual colocou o Recorrente e o Assistente a lutar no chão, este deitado em cima daquele e que o Recorrente havia disparado a arma dentro do bolso do casaco. Cfr. Depoimento de DD – Registos de gravação:
- 20230626172809_4667686_2871285 – entre os 01’:08’’ e os 02’:05’’;
- 20230626172809_4667686_2871285 – entre os 02’:27’’ e os 06’:25’’;
- 20230626172809_4667686_2871285 – entre os 06’:40’’ e os 07’:39’’; - 20230626172809_4667686_2871285 – entre os 07’:50’’ e os 19’:55’’.
20.- Não é que seja ilegal arrolar testemunhas para a fase de julgamento, agora não podemos deixar de considerar estranho, no mínimo, que uma testemunha, que alegadamente tem conhecimento direto dos factos e que, ainda mais, é primo do Assistente, nunca tenha sido indicada nos presentes autos a não ser na fase de julgamento.
21.-Na verdade, dúvidas não podem subsistir que a referida testemunha apenas podia aproveitar à versão trazida aos autos pelo Assistente, nomeadamente, quanto ao disparo, uma vez que a restante factualidade, nomeadamente, que o Recorrente se ausentou do local a correr e que vieram algumas pessoas atrás de si, já havia sido pelo mesmo confirmada, quer em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quer em sede de audiência de discussão e julgamento.
22.-E em face das regras da experiência comum, apenas se pode concluir que esta testemunha trazia uma lição estudada (ou mal estudada), com o propósito de provar que havia sido o Recorrente quem havia dado o tiro ao Assistente, tentando ludibriar assim o Tribunal na formação da sua convicção.
23.-Pese embora o enorme respeito pelo Tribunal a quo, parece-nos que, no caso sub júdice, este usou de manifesta ligeireza na formação da sua convicção, violando, assim, as regras da livre apreciação da prova e dos princípios da imediação, da presunção da inocência e do in dubio pro reo. (art.os 32.º, n.º 1, da C.R.P. e 127.º e 340.º do C.P.P.).
24.- Assim e por tudo o que se deixa dito, entende o Recorrente que, na ausência de qualquer outro meio de prova que permita ao Tribunal a quo, com o grau de certeza que se exige, confirmar a veracidade de qualquer uma das versões apresentadas pelos intervenientes (Recorrente e Assistente), deverá ser considerada como não provada a matéria de facto que se faz referência nos pontos 2., 3., 6., 7. e 9. dos factos provados da decisão recorrida.
25.- Na verdade, perante a prova produzida na audiência de discussão em julgamento e efectuada uma correcta apreciação da mesma, deveria concluir-se, como pensamos que devia ter acontecido nos presentes autos, por um non liquet da prova, devendo este ser sempre valorado em favor do arguido, tal como manda o art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
26.- Por tal motivo, não podemos deixar de concluir que a forma como o Tribunal recorrido entendeu e exerceu os poderes que lhe são conferidos no art.º 127.º do Código de Processo Penal, nomeadamente, quando faz uso das regras da experiência comum para descredibilizar uma versão dos acontecimentos trazida aos autos e não usa as mesmas regras da experiência comum para descredibilizar a outra versão que tem vencimento na matéria de facto provada, quando o raciocínio deveria ser o mesmo e deveria usar a mesma lógica de pensamento, como sucedeu in casu, viola flagrantemente o direito à presunção da inocência e do princípio do in dúbio pro reo, constitucionalmente previstos no art.º 32.º, n.º 2 da CRP, o que se requer seja reconhecido e declarado.
27.- Por último e caso se entenda que o Recorrente deve ser condenado nos presentes autos, o que apenas se admite por mera questão de raciocínio, sempre se dirá que o Tribunal recorrido andou mal ao considerar não estarem preenchidos os pressupostos da suspensão da sua execução.
28.- Pois o Recorrente é primário, sem qualquer passado criminal e/ou penitenciário, é um jovem de 19 anos de idade e à data dos factos tinha 17, encontrando-se familiar, social e profissionalmente integrado.
29.- Por tal motivo, caso se entende que o Recorrente não deve ser absolvido e, ao invés, condenado em pena de prisão, esta deverá ser suspensa na sua execução, conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 40.º e 50.º do Código Penal.
30.- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2, e 50.ºdo Código Penal, 127.º e 340.º do Código do Processo Penal e art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
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O Assistente CC respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1.-O Recorrente por não se ter conformado com a pena única que lhe foi aplicada veio recorrer do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo;
2.-O Assistente, para integral análise da sua Resposta, dá aqui por reproduzido tudo o que alegou supra;
3.-O Recurso versa sobre Matéria de Facto e Matéria de Direito, concretamente, sobre Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; sobre Contradição insanável da fundamentação; sobre Erro na Apreciação da Prova e Erro de julgamento; e sobre a Não Suspensão da Execução da Pena de Prisão;
4.-O Tribunal a quo decidiu o 4.º Ponto de Facto como Provado porque a matéria de facto trazida ao seu conhecimento é suficiente para sustentar facticamente a Decisão por esse Tribunal proferida quanto ao Pedido de Indemnização do Hospital, concretamente através da prova testemunhal e da prova documental, que demonstram clara e objectivamente que “A zona do corpo atingida do assistente CC e as consequências das respectivas lesões, além das declarações do próprio, decorrem da fotografia de fls. 4 e documentação clínica e pericial junta aos autos: elementos clínicos, a fls. 23, 48 a 82, 322 a 333, 394 a 402; exames periciais, juntos a fls. 140 a 142 e 167 a 169, 467 e 469” e que foram conjugados com as regras de experiência comum;
5.-Não existe Insuficiência da Matéria de Facto para ter sido decidido o 4.º Ponto de Facto como provado;
6.-O Recorrente entende que se o Assistente e o Recorrente têm os braços agarrados entre si, tal impedia que o Recorrente de ir com a sua mão ao bolso do seu casaco e que tivesse disparado contra o Assistente;
7.-O Assistente entre os 52m13s e os 52m43s do depoimento que prestou no dia 26/06/2023 questionado, na parte final do seu depoimento disse que o Recorrente não estava impossibilitado de fazer o movimento de ir ao bolso e tirar a arma porque tinha o braço livre para fazer esse movimento e disparar como fez;
8.-Não existe qualquer Contradição Insanável da Fundamentação, como não existe entre a Fundamentação e a Decisão, pelo que também neste considerando deve IMPROCEDER O RECURSO.;
9.-O Recorrente ao longo do seu Recurso, repetidamente, refere que as versões dele próprio e do Assistente são contraditórias quanto aos acontecimentos;
10.-A versão do Recorrente está longe de ser uma versão conciliadora com a versão do Assistente, caso esse que levaria à verificação de uma confissão integral e sem reservas da sua conduta agressora e atentatória da vida do Assistente;
11.-A versão do Recorrente é a forma como o mesmo entendeu defender-se e minorar o mais possível uma possível condenação, pois bem sabia que iria ser condenado;
12.-A versão do Assistente é a versão que resulta da situação que vivenciou e em que temeu pela vida, por força da conduta agressora do Recorrente e que, só por sorte manifesta, não teve o resultado morte;
13.-Após constatar a compleição física do Recorrente e do Assistente, pelo Tribunal foi constatada a diferença existente entre eles, o que levou esse Tribunal a fundamentar no Douto Acórdão, no 1.º parágrafo da página 10, que “O assistente era e é jogador federado de futebol do ..., a sua compleição física aparenta ser superior à do arguido - aliás, o próprio arguido admitiu que o assistente “é um pouco mais alto e tem mais corpo””, ou seja, a diferença de altura e compleição física do Assistente era pouco superior à do Recorrente, não era evidente;
14.-Um Homem Comum que tivesse sido vítima de atentado contra a sua vida, não identificaria o seu Agressor enquanto não se sentisse em situação de total protecção e segurança, com a garantia de que não iria sofrer novo ataque contra a vida, até pelo medo e por esse receio, sendo que o Assistente não é excepção, razão por que só após ter-se sentido protegido e em segurança é que contou todos os contornos correctos e identificou o Recorrente à Sra. Inspectora da PJ, EE como sendo o seu Agressor;
15.-No entanto, o Recorrente afirmou que houve Erro de Julgamento;
16.-A propósito da existência de Erro de Julgamento, importa indicar que no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 02/04/2016, no Processo n.º 23/14.2PCOER.L1-9, cujo Relator foi o Juiz Desembargador Antero Luís, consultável in www.dgis.pt, se explica convenientemente esse conceito jurídico e quando ele se verifica;
17.-O Tribunal a quo acolheu como certos e credíveis os depoimentos das testemunhas e valorou o depoimento do Assistente, além da prova documental, tendo entendido que as declarações do ora Recorrente não mereciam credibilidade;
18.-Os factos dados como provados tiveram prova produzida que os demonstre, não senso prova proibida e as decisões sobre a matéria de facto proferidas pelo Tribunal a quo foram proferidas correctamente em função dessa prova produzida;
19.-Não existe qualquer inconstitucionalidade resultante da interpretação do artigo 127.º do CPP, à luz dos Princípios da Presunção da Inocência e do in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, n.º 2 da CRP;
20.-O Tribunal a quo entendeu que não estavam preenchidos os pressupostos de prognose favorável a uma futura conduta do Recorrente, porque concluiu que o mesmo tão pouco tinha interiorizado o desvalor da sua conduta delitiva, muito menos está próximo de consolidar uma conduta conforme ao Direito, assumindo sempre uma postura de não admissão dos factos, não mostrando qualquer arrependimento nem compaixão pelo sucedido ao Assistente, desresponsabilizando-se constantemente do resultado da Agressão com arma de fogo ao peito, por debaixo do mamilo esquerdo do Assistente;
21.-Deverão V.as Ex.as Venerandos Desembargadores manter o decidido no Douto Acórdão recorrido porque são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral e especial, só conseguidas com a manutenção da execução efectiva da pena de prisão aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo, ou seja, manter o cúmulo na Pena de Prisão de 4 (quatro) anos e 3 (três).
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O Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando a sua motivação, extraindo as seguintes conclusões:
1.- No caso concreto, o recurso interposto pelo arguido visa matéria de facto e de direito, sendo as questões suscitadas pelo arguido, em sede de recurso, essencialmente relativas a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro de julgamento e determinação da medida da pena e aplicação de pena de substituição.
2.- O arguido veio invocar que a decisão recorrida alegadamente padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, fundamentando que: “O acórdão recorrido padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme resulta do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal. Com efeito, o Recorrente foi condenado a pagar ao ..., uma indemnização no valor de € 585,76 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescido de juros moratórios.
3.- Contudo, não resulta da factualidade provada no acórdão recorrido quaisquer factos confirmativos de que o ... praticou serviços médicos à vítima e que teve um qualquer prejuízo. 4. Assim, sendo a matéria de facto provada no aresto condenatório insuficiente para a decisão, deverá o Recorrente ser absolvido do pedido cível formulado pelo ... ou, caso assim se não entenda, ordenar-se o reenvio do processo ao Tribunal de 1.ª Instância, a fim de corrigir o referido vício”
3.- Verifica-se que o Tribunal a quo fundamentou depois a sua convicção sobre a matéria de facto e de direito, de forma exaustiva, esclarecendo que “A zona do corpo atingida do assistente CC e as consequências das respectivas lesões, além das declarações do próprio, decorrem da fotografia de fls. 4 e documentação clínica e pericial junta aos autos: elementos clínicos, a fls. 23, 48 a 82, 322 a 333, 394 a 402; exames periciais, juntos a fls. 140 a 142 e 167 a 169, 467 e 469.”
4.- Perante isto, verifica-se assim que não corresponde à verdade que não se tenha feito prova suficiente que suporte a matéria de facto provada subjacente aos factos impugnados pelo arguido e que vieram a contribuir para a condenação do recorrente, estando tais factos provados com base em vários meios de prova conjugados com as regras da experiência comum, e que foram depois amplamente suficientes para terem fundamentado a condenação no pedido de indemnização civil e a comprovação da prática dos crimes em causa por parte do arguido.
5.- Entende ainda o recorrente que “O acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP. Com efeito, se o Tribunal a quo considerou que, atenta a diferença de compleição física e força existente entre o Recorrente e o Assistente, não era verosímil que aquele tivesse a capacidade de virar a arma na direcção deste, também não é crível que este, após se aperceber da existência de uma arma no bolso do casaco do Recorrente e estando a agarrar os braços deste, permitisse que o mesmo fizesse o movimento de colocar a mão no bolso, tirasse a arma e a apontasse na sua direcção, uma vez que tal versão contraria flagrantemente as regras da experiência comum. 7. Com efeito, é esta dualidade de critérios na apreciação da prova que não se compreende e que leva à conclusão que a decisão recorrida “não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.”, conforme referem supra M. Simas Santos e M. Leal Henriques. 8. Assim e uma vez que a apreciação desta questão encontra suporte, única e exclusivamente, na decisão sob censura, dúvidas não restam que estamos perante uma contradição insanável da fundamentação prevista na al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e, consequentemente, deverá o presente processo ser reenviado para novo julgamento, nos termos do disposto no art.º 426.º, n.º 1 do aludido diploma legal. “
6.- Sucede, contudo, que da decisão recorrida, não se vislumbra qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, conforme o recorrente leva a crer, pelo que, neste sentido, também não assiste razão ao recorrente quanto à existência da alegada contradição insanável.
7.- Na verdade, para além das declarações do assistente, o Tribunal contou com os depoimentos de outras testemunhas, designadamente as testemunhas FF, GG, HH e II cujo depoimento foi de encontro à versão do assistente e tais depoimentos, concatenados com as declarações do assistente e a demais prova, não encerram qualquer contradição.
8.- O arguido veio igualmente invocar que a decisão recorrida alegadamente padece de erro de julgamento, referindo que “O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto provada. 10. Entende o Recorrente que foi incorrectamente dada como provada a seguinte factualidade, por absoluta inexistência de qualquer prova bastante que o confirme: “2. Seguidamente o arguido AA e CC agarraram na roupa um do outro, puxando com força, e ambos caíram no chão. 3. Quando estavam no chão o arguido AA agarrou numa pistola, calibre 7,65mm, que trazia consigo e, munido da mesma, a uma distância de cerca de 30 cm de CC, disparou a pistola que trazia consigo, tendo atingido CC na região do peito, abaixo do mamilo esquerdo, causando ferimentos e levando a que o mesmo fosse assistido com urgência e conduzido ao hospital. (...) “6. O arguido AA representou e quis atentar contra a vida de CC, fazendo uso de uma arma de fogo - pistola-, apontando à zona do peito daquele, bem sabendo que ao atingi-lo naquele local causava a sua morte, apenas não o tendo conseguido, devido à rápida assistência médica, bem como ao facto de a munição desferida ter saído em direcção do local onde CC tinha guardado dois cartões de plástico, os quais ofereceram particular resistência e influenciaram a entrada do projéctil e a sua trajectória no interior do seu corpo. 7. Sabia ainda o arguido AA que não se encontrava autorizado a deter e a usar a arma, e mesmo assim, quis deter e utilizou-a para atingir CC. (...) “9. Agiram os arguidos, em todos os actos supramencionados, de maneira livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais actos eram proibidos e punidos por Lei. Compulsada a fundamentação da decisão recorrida, facilmente se conclui que o Tribunal a quo sustentou a sua convicção para dar como provada a autoria do disparo, imputando-a ao Recorrente, única e exclusivamente, no depoimento do Assistente. 12. Para o efeito, desvalorizou por completo a versão do Arguido, (...)o Tribunal recorrido confere erradamente credibilidade à versão dos factos apresentada pelo Assistente, (...)Pese embora o enorme respeito pelo Tribunal a quo, parece-nos que, no caso sub júdice, este usou de manifesta ligeireza na formação da sua convicção, violando, assim, as regras da livre apreciação da prova e dos princípios da imediação, da presunção da inocência e do in dubio pro reo. (art.os 32.º, n.º 1, da C.R.P. e 127.º e 340.º do C.P.P.). 24. Assim e por tudo o que se deixa dito, entende o Recorrente que, na ausência de qualquer outro meio de prova que permita ao Tribunal a quo, com o grau de certeza que se exige, confirmar a veracidade de qualquer uma das versões apresentadas pelos intervenientes (Recorrente e Assistente), deverá ser considerada como não provada a matéria de facto que se faz referência nos pontos 2., 3., 6., 7. e 9. dos factos provados da decisão recorrida.”
9.- Porém, resulta do teor da fundamentação da decisão recorrida que inexiste qualquer situação subsumível ao conceito de erro de julgamento: não foi dado como provado facto sem qualquer prova, nem com base em prova insuficiente ou proibida, nem o Tribunal tirou qualquer ilação inexistência de vício de erro de julgamento ou inconstitucionalidade por violação do artigo 127.º do notoriamente errada acerca da matéria de facto, pelo que se conclui assim aqui também pela Código de Processo Penal.
10.- Conclui-se assim que a matéria de facto provada, foi assim considerada com base em vários meios de prova, suficientes para fundamentar a comprovação dos factos considerados provados no que ao ora recorrente diz respeito.
11.- O recorrente também não se conformou com o decidido pelo Tribunal a quo quando se decidiu pela não suspensão da pena de prisão em que foi condenado, referindo que “o Tribunal recorrido andou mal ao considerar não estarem preenchidos os pressupostos da suspensão da sua execução. Pois o Recorrente é primário, sem qualquer passado criminal e/ou penitenciário, é um jovem de 19 anos de idade e à data dos factos tinha 17, encontrando-se familiar, social e profissionalmente integrado.”
12.- No caso concreto, mostram-se preenchidos os pressupostos materiais da pena de substituição, ̶ por se estar perante uma pena não superior a 5 anos de prisão, mas não se mostram preenchidos os pressupostos respeitantes ao prognóstico favorável relativo à futura conduta do arguido, pois, verifica-se que o arguido não admitiu os factos, nem demonstrou arrependimento pelos mesmos, demonstrando total incapacidade de interiorização do desvalor da sua conduta.
13.- Assim sendo, são elevadas as necessidades de prevenção geral e especial, reclamando estas ̶ uma punição efetiva e não só uma ameaça da mesma, pelo que não se encontram reunidos todos os pressupostos necessários, nem se afigura adequada, nem suficiente, às finalidades da pena, a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, pelo que o Tribunal a quo fez uma adequada ponderação das necessidades preventivas e da culpa do arguido ao fixar a pena de prisão e determinar a sua efetividade.
14.- Assim, à luz do que se acaba de expor, somos de parecer que o douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos, negando-se total provimento ao recurso interposto pelo arguido.
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Admitido o recurso nos termos legais, neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo a total improcedência do recurso, nos termos propostos na resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não reagiu.
Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foi liminarmente indeferido o pedido de realização da audiência a que alude o art.º 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
O recorrente reagiu alegando a nulidade do despacho de indeferimento da audiência e a sua inconstitucionalidade.
Foram os autos remetidos à conferência para decisão do recurso, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal.
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Veio o recorrente arguir a nulidade do despacho que indeferiu a realização da audiência e a sua inconstitucionalidade, alegando, em síntese que o por si alegado preenchia os requisitos legais para o deferimento do seu pedido
Entendemos manifestamente que não, pelas razões constantes do despacho que indeferiu tal pedido, uma vez que entendimento diverso levaria a desvirtuar a audiência no Tribunal Superior, passando a mesma a permitir a discussão de todo o recurso e não questões concretas, conforme resulta da lei.
Conforme resulta manifesto do requerimento do recorrente, o mesmo sustenta o seu pedido numa afirmação vaga, remetendo para os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, a fixação da matéria de facto dada como provada e a existência das circunstâncias de facto e direito que deviam conduzir à suspensão da execução da pena de prisão fixada, sem nunca concretizar uma questão em concreto a discutir em audiência.
Nestes termos, e pelas razões já constantes do despacho que indeferiu a realização da audiência, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido por manifesta economia processual, o recorrente não cumpriu com o ónus que a lei lhe impunha e, nessa medida, ao indeferir tal realização, nenhuma nulidade foi cometida por este Tribunal, nem o mesmo é violador do disposto no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, mantém-se, na íntegra, o despacho de indeferimento da realização da audiência.
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II–FUNDAMENTAÇÃO
QUESTÕES A DECIDIR:
Dos poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Conforme jurisprudência fixada, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ de 19/10/1995, in D.R., série I-A, de 28/12/1995).
Atentas as conclusões de recurso, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1.-Do vício de contradição insanável da fundamentação, relativamente à dinâmica anterior ao disparo; e do erro na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto provada, designadamente quantos aos factos constantes dos pontos 2, 3, 6, 7 e 9;1
2.-Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente;
3.-Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelo ...
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FACTOS PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO
Ficou a constar do Acórdão, como factos provados, o seguinte [transcrição parcial]:
1.– No dia 13-01-2022, cerca das 18h20m, na ..., junto ao n.º 3, em ..., na ..., o arguido AA, também conhecido por ... e CC, disseram um ao outro “o que é que se passa?”, tendo de seguida CC desferido um pontapé na perna de AA.
2.– Seguidamente o arguido AA e CC agarraram na roupa um do outro, puxando com força, e ambos caíram no chão.
3.– Quando estavam no chão o arguido AA agarrou numa pistola, calibre 7,65mm, que trazia consigo e, munido da mesma, a uma distância de cerca de 30 cm de CC, disparou a pistola que trazia consigo, tendo atingido CC na região do peito, abaixo do mamilo esquerdo, causando ferimentos e levando a que o mesmo fosse assistido com urgência e conduzido ao hospital.
4.– Em consequência de ser atingido pelo disparo CC teve de ser submetido a intervenção cirúrgica, resultando para o mesmo as lesões, no tórax, de cicatriz com sinais de pontos de sutura na união dos quadrantes inferiores da região peitoral à esquerda, oblíqua ínferolateralmente, de formato oval, com zonas hipocrómicas e outras acastanhadas e orla hipercrómica na região inferior, medindo 4 cm de maior eixo por 1,5 cm de menor eixo, dolorosa à palpação; no abdómen, duas cicatrizes com sinais de pontos de sutura no flanco esquerdo, transversais, a maior medindo 2 cm de comprimento e a menor medindo 1,5 cm de comprimento e palpação dolorosa nos quadrantes abdominais esquerdos, as quais determinaram um período de 30 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.
5.–No dia 05-04-2022, cerca das 16:30, no interior da sua residência, o arguido BB detinha guardada uma pistola, da marca FN BROWNING, calibre 7,65mm, bem como o respectivo carregador e 7 munições inseridas no mesmo.
6.– O arguido AA representou e quis atentar contra a vida de CC, fazendo uso de uma arma de fogo - pistola-, apontando à zona do peito daquele, bem sabendo que ao atingi-lo naquele local causava a sua morte, apenas não o tendo conseguido, devido à rápida assistência médica, bem como ao facto de a munição desferida ter saído em direcção do local onde CC tinha guardado dois cartões de plástico, os quais ofereceram particular resistência e influenciaram a entrada do projéctil e a sua trajectória no interior do seu corpo.
7.– Sabia ainda o arguido AA que não se encontrava autorizado a deter e a usar a arma, e mesmo assim, quis deter e utilizou-a para atingir CC.
8.– Sabia ainda o arguido BB que não se encontrava autorizado a deter e a usar a arma.
9.– Agiram os arguidos, em todos os actos supramencionados, de maneira livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais actos eram proibidos e punidos por Lei.
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10.– O certificado do registo criminal do arguido AA não averba qualquer condenação.
11.– À data dos factos o arguido AA tinha 17 anos de idade.
12.–AA é filho único do relacionamento de namoro estabelecido pelos pais que, devido à idade (16 e 18 anos), não conseguiram assumir as responsabilidades parentais e não mantiveram vivência conjugal.
13.– O seu processo desenvolvimento decorreu no bairro social da ... -caracterizado pela existência de diversas problemáticas sociais -, em Lisboa, junto do pai e avós paternos, na habitação destes últimos.
14.– As remunerações resultantes das atividades profissionais dos avós e do pai (o avô canalizador, a avó funcionária na ... e o pai camionista) permitiram assegurar a satisfação das principais necessidades do arguido.
15.– A mãe do arguido, igualmente residente no mesmo bairro, conviveu regularmente com o filho.
16.–O arguido tem três irmãos, com quem mantém relacionamento próximo (dois uterinos, com 10 e 8 anos de idade e um consanguíneo, com 2 anos de idade), fruto dos novos relacionamentos dos progenitores.
17.– Os membros familiares sempre mantiveram entre si fortes laços de coesão (que se mantêm na atualidade), surgindo os avós como as figuras que assumiram ao longo do tempo o seu acompanhamento educativo e que privilegiaram a adesão do arguido a valores sociais ajustados, designadamente validando o esforço e honestidade pessoais.
18.–Todavia, as intervenções parentais aparentam ter sido divergentes, assumindo o avô uma atitude mais autoritária e firme e a avó uma postura permissiva/desculpabilizante e de sobre proteção.
19.– Aos 17 anos de idade do arguido, os avós (já reformados) decidiram fixar residência num prédio (herança familiar) situado no ..., ficando o arguido a residir com o pai, a madrasta e a irmã, na habitação familiar.
20.– A rede social de AA centrou-se no contexto do grupo de pares da sua zona residencial, alguns dos elementos conotados com comportamentos desviantes, manifestando o núcleo familiar um certo desconhecimento sobre as redes de sociabilidade do arguido.
21.–A partir de 2019, o arguido começou a apresentar indicadores de desajustamento relacional em contexto escolar, sendo referenciado como suspeito em dois NUIPS, por crimes contra a integridade física.
22.–A progressão escolar do arguido foi comprometida por desmotivação face às tarefas letivas, aparentemente associada a dificuldades de aprendizagem (défice de atenção e dislexia), que só foram detetadas após ter reprovado três vezes consecutivas no 2º ano do primeiro ciclo.
23.–Neste contexto, em 2013 foi sinalizado e encaminhado para os serviços de educação especial, tendo concluído o 1º ciclo aos 13 anos de idade.
24.– No 2º ciclo deixou de beneficiar do referido apoio, tendo sido encaminhado aos 16 anos de idade (após duas retenções no 6º ano) para um curso profissional, ministrado na ....
25.–Acabou por abandonar o contexto formativo ainda antes de completar dos 18 anos de idade, sem concluir a escolaridade obrigatória.
26.–Aos 10 anos de idade, iniciou atividade desportiva (futebol), no ..., atividade que viria a abandonar aos 13 anos de idade, alegadamente por não se identificar com a mesma.
27.–Após a saída do contexto escolar/formativo, trabalhou na área da construção civil de forma precária (como ajudante de ...), até completar os 18 anos de idade, altura em que passou a trabalhar como ... (em regime contratual) no ..., trabalho que abandonou em consequência da instauração do presente processo.
28.–No período em que ocorreram os factos que originaram o presente processo judicial, AA mantinha o mesmo enquadramento familiar e profissional e ocupava os tempos livres em atividades lúdicas com o grupo de pares da sua zona residencial, alguns dos quais com comportamentos desviantes.
29.– Em termos das suas características pessoais, AA revela ser um jovem imaturo, com alguma tendência para a desresponsabilização pessoal e atribuição causal externa, apresentando ainda limitações em termos do pensamento consequencial e de resolução de problemas de natureza conflitual e dificuldades de gestão das emoções, características que poderão facilitar a utilização de estratégias de comunicação não assertivas.
30.– AA encontra-se sujeito, à medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), tendo reintegrado o agregado familiar dos avós paternos, onde também reside uma tia avó do arguido.
31.–A subsistência do arguido é assegurada pelas pensões de reforma dos elementos do agregado, coadjuvada pelo vencimento da atividade informal da avó do arguido (limpezas) e por rendimentos prediais. Os pais do arguido continuam a visitá-lo, embora a mãe com menos regularidade por razões económicas.
32.–Durante a execução da OPHVE, o arguido AA tem manifestado um comportamento cumpridor e de respeito pelas condições e regras da medida, bem como uma atitude cordial com os técnicos desta equipa.
33.–O arguido AA coloca como objetivos prioritários a sua integração profissional e a permanência no agregado familiar dos avós paternos, que tem por base o afastamento do seu meio residencial anterior, de forma a evitar represálias.
34.–Os avós continuam a manter uma postura de apoio e ajuda relativamente ao neto.
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FACTOS NÃO PROVADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO
Ficou a constar do Acórdão, como factos não provados, o seguinte:
a.-Foi para que o arguido AA se afastasse que o assistente CC desferiu um pontapé na perna do arguido.
b.-Que quando caíram ao chão o arguido AA e o assistente CC tivessem chegado a ficar deitados no solo.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO NO ACÓRDÃO RECORRIDO
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na inteligibilidade e análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente e no essencial nas declarações dos arguidos, nos depoimentos testemunhais e na prova documental e pericial nos termos adrede expostos.
Que no dia 05-04-2022, cerca das 16:30, no interior da sua residência, o arguido BB detinha (guardava) uma pistola, da marca FN BROWNING, calibre 7,65mm, bem como o respectivo carregador e 7 munições inseridas no mesmo, resultou da própria admissão efectuada por aquele arguido, referindo que a arma e o carregador eram seus e que há cerca de 13 anos herdou tais objectos de um familiar almirante, sabendo que não podia deter a arma, que escondeu em sua casa, sem conhecimento das demais pessoas que residiam consigo. Mais referiu, este arguido, que a arma “não estava carregada”, no entanto, conforme resulta do auto de busca e apreensão e respectivas fotografias, juntas a fls. 195 a 199, foi apreendida não só a pistola, da marca FN BROWNING, calibre 7,65mm, bem como o respectivo “carregador e 7 munições de calibre 7,65, inseridas no mesmo”. Do “Exame comparativo de armas e munições”, junto a fls. 430 a 441, resulta que a arma encontra-se em boas condições de funcionamento, as munições encontravam-se em boas condições de utilização e que o projéctil da munição que atingiu CC não foi deflagrado na pistola apreendida ao arguido BB.
Quanto aos factos ocorridos no dia 13-01-2022, o local, dia e hora em que os factos ocorreram resultam das declarações do arguido AA e do assistente CC, conjugados com o auto de notícia, constante de fls. 96 e 97. Ambos referiram terem-se envolvido num confronto físico e a existência de um disparo de uma arma, que atingiu o assistente, sendo esta matéria pacífica, pois não foi infirmada por mais nenhum meio de prova. Relativamente à arma utilizada mais se valorou as declarações do arguido AA e assistente CC, que a descreveram como sendo uma pistola, o que foi conjugado com auto de apreensão do projéctil, de fls. 24 e o exame pericial, junto a fls. 430 a 441.
O arguido AA afirmou que antes dos factos já conhecia CC e à data namorava uma ex-namorada daquele. CC ao vê-lo abordou-o e desferiu-lhe uma cabeçada. Era o assistente CC quem trazia a pistola, na zona da cintura e a empunhou na sua (arguido) direcção, pelo que reagiu agarrando o pulso do assistente CC, fazendo com que a arma balançasse para a direita e para a esquerda, até que conseguiu virar o pulso do assistente, cuja mão empunhava a arma, ficando esta direcionada para o assistente e, nessa altura, deu-se o disparo que atingiu o assistente, pelo que de imediato fugiu pois ficou assustado, visto encontrar-se no bairro onde o assistente reside.
Por sua vez o assistente CC, referiu que ao deparar-se com o arguido AA, que conhece por “Ninja”, houve uma troca de olhares desafiantes, o arguido perguntou-lhe “o que se passa” e este também, aproximaram-se e CC desferiu-lhe um pontapé na perna, agarraram-se pelos braços, caíram, “mas não totalmente” ao chão, ou melhor, conforme exemplificou em julgamento, ambos ficaram com um joelho pousado no solo. Referiu o assistente que “estava por cima” e o arguido “por baixo”, no entanto, tendo exemplificado em julgamento, o assistente estaria num plano ligeiramente mais elevado com referência ao arguido, que se encontrava à sua frente, estando ambos com um joelho pousado no solo. Nisto o arguido do bolso uma pistola (que descreveu) e desferiu-lhe um tiro que o atingiu na zona do peito. Ao cair ao solo e agarrar o arguido sentira que ele tinha uma coisa rígida no bolso, pelo que de imediato pensou tratar-se de uma faca ou pistola. Após desferir o tiro (cujo projécil encontra-se apreendido a fls. 24, tendo sido retirado na cirurgia a que CC foi sujeito, cf. relatório clínico de fls. 23, o arguido correndo, fugiu do local. Cerca de uma semana antes já tinha havido um “atrito” entre os dois, daí a troca de olhares no dia em causa. Trazia uns cartões no bolso do casaco, na zona do peito e a bala perfurou os cartões e desceu, tendo os médicos referido que nesse ponto teve muita sorte, cartões esses juntos aos autos a fls. 7 e 8 – cartão de estudante e cartão de cidadão, que se encontram destruídos/perfurados, sendo visível que os danos foram causados pelo projéctil, tendo necessariamente actuado como um obstáculo, oferendo resistência, influenciando o ângulo de entrada do projéctil. O assistente era e é jogador federado de futebol do ..., a sua compleição física aparenta ser superior à do arguido - aliás, o próprio arguido admitiu que o assistente “é um pouco mais alto e tem mais corpo” -, não sendo crível que o arguido agarrasse o pulso de CC e efectuasse força suficiente para lograr virar a mão de CC, de forma a que a pistola passasse a estar apontada à zona do peito do assistente e este, necessariamente apercebendo-se disso, premisse o gatilho de forma a que a pistola disparasse na sua direcção, conforme o arguido quis fazer crer em tribunal, versão na qual não se acreditou.
A zona do corpo atingida do assistente CC e as consequências das respectivas lesões, além das declarações do próprio, decorrem da fotografia de fls. 4 e documentação clínica e pericial junta aos autos: elementos clínicos, a fls. 23, 48 a 82, 322 a 333, 394 a 402; exames periciais, juntos a fls. 140 a 142 e 167 a 169, 467 e 469.
Documentalmente mais se valorou a auto de notícia, a fls. 96 e 97; o auto de Apreensão, a fls. 98; auto de Exame e avaliação, a fls. 99; auto de Diligência, a fls. 183-184; auto de Busca e apreensão, a fls. 195-199; auto de Reconhecimento Pessoal, a fls. 205-206.
Mais se valorou os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento: a testemunha FF, estava à porta do estabelecimento de café, escutou o som do que pensou ser um petardo e entretanto surgiu o assistente pedindo auxilio e ficou junto dele até surgir a ambulância, tendo entretanto surgido a policia; a testemunha GG estava à porta do estabelecimento do café, surge o assistente, seu conhecido. que permaneceu cerca de 5 minutos, entretanto disse-lhe “vou ali” e afastou-se, tendo entretanto regressado ferido e prestou-lhe auxílio. HH, mãe do assistente, referiu que conhecia a família do arguido e após os factos o pai do arguido telefonou-lhe pedindo desculpas “a falar do erro do filho”, telefonema que o arguido BBadmitiu ter efectuado, mas não para pedir desculpas pelo comportamento do filho. As testemunhas JJ, Inspetor Chefe e EE, Inspetora da PJ, relataram algumas diligencias efectuadas e a trajectória do disparo, tendo os cartões oferecido particular resistência e influenciaram a entrada do projéctil e a sua trajectória no interior do seu corpo, não tendo sido apreendida a pistola que efectuou tal disparo. As testemunhas KK, coordenadora do posto médico do ..., LL, encarregada geral de limpezas do aeroporto de Lisboa, depuseram quanto ao pedido de indemnização civil, remetido para os meios civis.
Por sua vez a testemunha II, de 27 anos de idade, ... do Pingo Doce, afirmou ter presenciado os factos, referindo que estava no estabelecimento de café, viu o arguido Daniel e o assistente a lutar, o arguido a colocar a mão no bolso e disparar um tiro sobre o assistente (estando a pistola no interior do bolso) e após fugir a correr empunhando a pistola, tendo esta testemunha corrido em perseguição do arguido. Afirmou ter visto o “MM em cima dele”, ou seja, o assistente estava em cima do arguido que estava deitado no chão, de barriga para cima, e o assistente deitado por cima do arguido, “barriga com barriga”. Que esta testemunha tenha vista o arguido ausentar-se daquele local a correr e que tenha ido em sua perseguição, não se questiona, pois até o próprio arguido referiu ter sido perseguido por indivíduos, no entanto, quanto à posição em que o assistente e o arguido se encontravam, nem estes o referiram, pelo que não se acreditou que esta testemunha tivesse presenciado o momento do disparo, desvalorizando-se o seu depoimento.
Face à região do corpo para o qual foi efectuado o disparo (zona do peito) que o arguido efectuou contra CC, arma utilizada (pistola), por referência ao calibre, estando os dois muito próximos (exame ao casaco que o assistente usava aquando dos factos, a fls. 467 a 469, do qual resulta que o projéctil causador do dano foi disparado a uma distância negligenciável, vulgo encostado), não nos deixam quaisquer dúvidas quanto à concreta intenção do arguido: produzir o resultado morte.
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Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude, o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum aplicadas à análise da prova efectuada e valorada. Na verdade, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo dos sujeitos, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada.
No que se reporta à situação pessoal, familiar e social de cada um dos arguidos actualmente e à data dos factos, bem como no que respeita às suas condições de vida, atendeu-se ao conteúdo dos respectivos relatórios sociais juntos aos autos. Quanto à ausência de antecedentes criminais, teve o Tribunal em consideração o teor dos CRC´s dos arguidos, juntos aos autos.
No que tange ao pedido de indemnização civil, o custo da assistência hospitalar prestada a CC encontra-se documentado a fls. 531 a 533.
Os factos não provados são a consequência lógica a retirar do supra explanado.
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III–APRECIAÇÃO DO RECURSO
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1.–Do vício de contradição insanável da fundamentação, relativamente à dinâmica anterior ao disparo e do erro na apreciação da prova e fixação da matéria de facto provada, designadamente quantos aos factos constantes dos pontos 2, 3, 6, 7 e 9.
O recorrente alega que “a decisão recorrida considerou que, atenta a diferença de compleição física e força existente entre o recorrente e o assistente, não era verosímil que aquele tivesse a capacidade de virar a arma na direção deste, ao mesmo tempo que considerou crível que o assistente, após se aperceber da existência de uma arma no bolso do casaco do recorrente e estando a agarrar os braços deste, permitisse que o mesmo fizesse o movimento de colocar a mão no bolso, tirasse a arma e a apontasse na sua direção. Estes dois factos são contraditórios, atentas as regras da experiência comum, representando uma dualidade de critérios na apreciação da prova”. Esta alegação é renovada, aquando da afirmação de que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, ainda que, nesta parte, tenha alargado o seu âmbito discursivo, referindo que:
- sustentou a sua convicção para dar como provada a autoria do disparo, imputando-a ao recorrente, única e exclusivamente, no depoimento do assistente, desvalorizando por completo a versão do arguido, por entender que a mesma não era crível, por contrária às regras da experiência comum, designadamente, considerando que o Recorrente é de estatura inferior à do Assistente e menos forte que este, nunca seria possível que o mesmo conseguisse alterar a direcção da arma e, desta forma, que o disparo da pistola pudesse atingir este último. Por sua vez, assentou a sua convicção nas declarações do assistente, não obstante do mesmo se retire que este, previamente ao movimento do recorrente – no qual alegadamente retira a pistola do bolso, aponta e dispara –, se apercebe que o recorrente poderia ter uma faca ou uma pistola no referido bolso, e, desse modo, não conclua que o mesmo não é crível, atenta a mesma diferença de compleição física e força invocada pelo Tribunal a quo para afastar a credibilidade da versão apresentada pelo recorrente.
- o Tribunal a quo não teve na devida conta outras circunstâncias probatórias que, numa apreciação concatenada com o depoimento do Assistente, não podia deixar de fortalecer as muitas dúvidas que já deveriam existir quanto à versão dos acontecimentos por si apresentada. Em primeiro lugar, o facto do assistente não ter informado, desde logo, as autoridades policiais, quanto à identificação do alegado autor do disparo, dizendo antes que desconhecia a identidade dos seus autores. Em segundo lugar, o depoimento da testemunha DD, que trouxe uma terceira versão dos factos, declarando que o recorrente e o assistente estavam a lutar no chão, este deitado em cima daquele e que o recorrente havia disparado a arma dentro do bolso do casaco.
Conclui o recorrente que “na falta na ausência de qualquer outro meio de prova que permita ao Tribunal a quo, com o grau de certeza que se exige, confirmar a veracidade de qualquer uma das versões apresentadas pelos intervenientes (recorrente e assistente), deverá tal dúvida ser valorada a favor do arguido, e, em consequência, ser considerada como não provada a matéria de facto que se faz referência nos pontos 2., 3., 6., 7. e 9. dos factos provados da decisão recorrida. Ao não ter feito, o Tribunal a quo viola flagrantemente o direito à presunção da inocência e do princípio do in dúbio pro reo, constitucionalmente previstos no art.º 32.º, n.º 2 da CRP.”
Relativamente ao vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do C.P.Penal, o mesmo traduz-se na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
No que diz respeito à impugnação da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, relativamente aos factos constantes dos pontos 2, 3, 6, 7 e 9, atentos os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis, estamos perante uma questão de facto quando se visa “apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”, isto é, quando se visa “determinar o que aconteceu”, e estamos perante uma questão de direito, quando se visa “a interpretação e aplicação da lei”, isto é, quando se visa “determinar o que a lei quer, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei de processo”.2
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, a mesma pode apresentar-se na sua forma restrita, situação em que o vício alegado resulta do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum mas sem recurso a quaisquer elementos exteriores, e seja um dos que a lei enumera no artigo 410, n.º 2 do Código de Processo Penal), ou de forma alargada ou irrestrita, remetendo-nos para a prova documentada na primeira instância, exigindo-se ao Tribunal da Relação que proceda à audição ou visualização das passagens da documentação indicadas pelo recorrente e recorrido e outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, socorrendo-se, para o efeito, do princípio da livre apreciação da prova, podendo, se for o caso, modificar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto (cf. artigos 127.º, 412 e 431.º, todos do Código de Processo Penal).3
Por outro lado, nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui apenas um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, sempre em relação aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Para esse efeito, deve o Tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente, em cumprimento do disposto no artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e que este considera imporem decisão diversa (neste sentido, cf. Ac. STJ de 14.03.2007 (Processo nº 07P21, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Cabral), de 23.05.2007 (Processo n.º 07P1498, relatado pelo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar), de 03.07.2008 (Processo nº 08P1312, relatado pelo Juiz Conselheiro Simas Santos), de 29.10.2008 (Processo nº 07P1016, relatado pelo Juiz Conselheiro Souto de Moura) e de 20.11.2008 (Processo nº 08P3269, relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Carvalho), todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Neste plano, ao recorrente exige-se a especificação dos «concretos pontos de facto», isto é, a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, bem como a especificação das «concretas provas», isto é, a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Acresce, que havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao que tiver sido consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens das gravações em que fundamenta a impugnação, não bastando a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, pois são essas passagens concretas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo Tribunal de recurso, como é exigido pelo artigo 412º, nºs 4 e 6 do Código de Processo Penal.4
Nesta matéria, é necessário ter sempre presente que havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova apresentada, se a decisão recorrida se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos art.ºs 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal (cf., Ac. TRL de 02.11.2021, no processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.).
Só quando das provas indicadas apenas for possível uma decisão diversa da decidida é que a decisão recorrida deverá ser alterada pelo Tribunal de recurso.
Conforme refere o Juiz Conselheiro Pires da Graça, no Acórdão do STJ de 13.02.2008 (ECLI:PT:STJ:2008:07P4729.2B), «O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.» (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/)
Esta imediação é absolutamente fundamental para avaliar a prova produzida, designadamente para aferir da credibilidade de um depoimento, uma vez que este não ocorre no vazio, numa realidade assética, antes desenvolve-se num contexto captado pelo julgador, em audiência de julgamento, na observação da respetiva posição corporal, gestos, olhares e hesitações, tom de voz, embaraços e desembaraços evidenciados ao longo do mesmo.
Ao Tribunal de recurso cabe apenas sindicar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fê-lo no respeito do princípio da livre apreciação da prova, num raciocínio lógico que se comunica aos demais, e em cumprimento do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Tendo presente tais considerações e analisada a decisão recorrida e a prova produzida e gravada nos suportes áudio respetivos, não pode este Tribunal deixar de concluir que o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da primeira instância se fundou dentro dos juízos de razoabilidade e lógica que lhe eram impostos, segundo os padrões da experiência comum, aplicáveis em situações similares.
A discordância do recorrente respeita à diferente valoração que o Tribunal a quo fez dos diversos depoimentos, designadamente das declarações do arguido e do assistente, assentando a sua convicção predominantemente nas declarações do assistente.
Cotejada a motivação expressa na decisão recorrida, resulta que a mesma assentou nos seguintes elementos:
“Quanto aos factos ocorridos no dia 13-01-2022, o local, dia e hora em que os factos ocorreram resultam das declarações do arguido AA e do assistente CC, conjugados com o auto de notícia, constante de fls. 96 e 97. Ambos referiram terem-se envolvido num confronto físico e a existência de um disparo de uma arma, que atingiu o assistente, sendo esta matéria pacífica, pois não foi infirmada por mais nenhum meio de prova. Relativamente à arma utilizada mais se valorou as declarações do arguido AA e assistente CC, que a descreveram como sendo uma pistola, o que foi conjugado com auto de apreensão do projéctil, de fls. 24 e o exame pericial, junto a fls. 430 a 441.
O arguido AA afirmou que antes dos factos já conhecia CC e à data namorava uma ex-namorada daquele. CC ao vê-lo abordou-o e desferiu-lhe uma cabeçada. Era o assistente CC quem trazia a pistola, na zona da cintura e a empunhou na sua (arguido) direcção, pelo que reagiu agarrando o pulso do assistente CC, fazendo com que a arma balançasse para a direita e para a esquerda, até que conseguiu virar o pulso do assistente, cuja mão empunhava a arma, ficando esta direcionada para o assistente e, nessa altura, deu-se o disparo que atingiu o assistente, pelo que de imediato fugiu pois ficou assustado, visto encontrar-se no bairro onde o assistente reside.
Por sua vez o assistente CC, referiu que ao deparar-se com o arguido AA, que conhece por “Ninja”, houve uma troca de olhares desafiantes, o arguido perguntou-lhe “o que se passa” e este também, aproximaram-se e CC desferiu-lhe um pontapé na perna, agarraram-se pelos braços, caíram, “mas não totalmente” ao chão, ou melhor, conforme exemplificou em julgamento, ambos ficaram com um joelho pousado no solo. Referiu o assistente que “estava por cima” e o arguido “por baixo”, no entanto, tendo exemplificado em julgamento, o assistente estaria num plano ligeiramente mais elevado com referência ao arguido, que se encontrava à sua frente, estando ambos com um joelho pousado no solo. Nisto o arguido do bolso uma pistola (que descreveu) e desferiu-lhe um tiro que o atingiu na zona do peito. Ao cair ao solo e agarrar o arguido sentira que ele tinha uma coisa rígida no bolso, pelo que de imediato pensou tratar-se de uma faca ou pistola. Após desferir o tiro (cujo projécil encontra-se apreendido a fls. 24, tendo sido retirado na cirurgia a que CC foi sujeito, cf. relatório clínico de fls. 23, o arguido correndo, fugiu do local. Cerca de uma semana antes já tinha havido um “atrito” entre os dois, daí a troca de olhares no dia em causa. Trazia uns cartões no bolso do casaco, na zona do peito e a bala perfurou os cartões e desceu, tendo os médicos referido que nesse ponto teve muita sorte, cartões esses juntos aos autos a fls. 7 e 8 – cartão de estudante e cartão de cidadão, que se encontram destruídos/perfurados, sendo visível que os danos foram causados pelo projéctil, tendo necessariamente actuado como um obstáculo, oferendo resistência, influenciando o ângulo de entrada do projéctil. O assistente era e é jogador federado de futebol do ..., a sua compleição física aparenta ser superior à do arguido - aliás, o próprio arguido admitiu que o assistente “é um pouco mais alto e tem mais corpo” -, não sendo crível que o arguido agarrasse o pulso de CC e efectuasse força suficiente para lograr virar a mão de CC, de forma a que a pistola passasse a estar apontada à zona do peito do assistente e este, necessariamente apercebendo-se disso, premisse o gatilho de forma a que a pistola disparasse na sua direcção, conforme o arguido quis fazer crer em tribunal, versão na qual não se acreditou.(…)
Mais se valorou os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento: a testemunha FF, estava à porta do estabelecimento de café, escutou o som do que pensou ser um petardo e entretanto surgiu o assistente pedindo auxilio e ficou junto dele até surgir a ambulância, tendo entretanto surgido a policia; a testemunha GG estava à porta do estabelecimento do café, surge o assistente, seu conhecido. que permaneceu cerca de 5 minutos, entretanto disse-lhe “vou ali” e afastou-se, tendo entretanto regressado ferido e prestou-lhe auxílio. HH, mãe do assistente, referiu que conhecia a família do arguido e após os factos o pai do arguido telefonou-lhe pedindo desculpas “a falar do erro do filho”, telefonema que o arguido BB admitiu ter efectuado, mas não para pedir desculpas pelo comportamento do filho. As testemunhas JJ, Inspetor Chefe e EE, Inspetora da PJ, relataram algumas diligencias efectuadas e a trajectória do disparo, tendo os cartões oferecido particular resistência e influenciaram a entrada do projéctil e a sua trajectória no interior do seu corpo, não tendo sido apreendida a pistola que efectuou tal disparo.”
Desta motivação ressalta, desde logo, a importância da mediação na produção da prova, uma vez que o assistente recriou perante o Coletivo de Juízes como as coisas ocorreram naquele dia, o que reforça a capacidade de convencimento do Tribunal a quo em dar, no essencial, como provada a versão do assistente. Por outro lado, a lógica da argumentação expressa na motivação do Tribunal é não só razoável e clara, como é, em nosso entender, a mais consentânea com o normal devir dos acontecimentos em situações similares.
Desde logo, não podemos deixar de atender ao facto de estarmos perante duas pessoas com compleições físicas distintas, sendo o assistente de compleição física superior à do arguido. Ora este facto, torna inverosímil que o arguido conseguisse agarrar o pulso do assistente, que empunhava uma arma, e conseguisse lograr virar a mão deste. Não só este movimento é de difícil execução, mesmo em situações de igual compleição física dos envolvidos, como numa situação de confronto físico, a capacidade de reação do arguido era demasiado reduzida para atingir tal objetivo. Deste modo, a versão mais plausível, e aquela em que assenta a convicção do Tribunal a quo, é que a arma de fogo estava na posse do arguido e foi este que a utilizou disparando em direção ao assistente. E nesta afirmação não radica qualquer contradição insanável, como referido pelo recorrente, uma vez que o facto de o assistente se ter apercebido que o arguido recorrente era portador de algo rígido no bolso, podendo ser uma faca ou pistola, não afasta a possibilidade do arguido AA ter conseguido retirar do bolso a pistola e efetuado o disparo. Estamos a falar sempre de um ato rápido e não controlável pelo seu opositor, independentemente da sua maior compleição física. Aliás, esta conduta do arguido recorrente é, pelas regras de experiência aplicáveis em situações similares, a mais consentânea com a sua perceção de estar em desvantagem física em relação ao assistente, sendo o uso da arma de fogo, o instrumento por si utilizado para ultrapassar tal desvantagem. Por outro lado, estando em causa duas pessoas que já antes se conheciam, em face da gravidade da situação ocorrida, é perfeitamente natural que inicialmente o assistente não tivesse indicado o arguido AA como o autor dos factos, quer pelo abalo físico e emocional que estava a viver, quer pelo facto de entender que a situação podia agravar-se no futuro, sem que com isso haja qualquer diminuição da credibilidade das suas declarações.
Por fim, não se percebe a relevância do invocado depoimento da testemunha DD, alegadamente trazendo uma terceira versão dos factos, uma vez que da decisão recorrida resulta evidente a sua irrelevância probatória, designadamente para colocar em causa as declarações do assistente e sua razoabilidade lógica.
Cotejada tal motivação com as reproduções áudio das passagens dos depoimentos invocados no recurso, verifica-se efetivamente que a mesma expressa fielmente o desenrolar dos acontecimentos, num processo lógico que impõe as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo.
Verifica-se, assim, que o Tribunal a quo analisou criticamente todos os meios de prova produzidos, relacionou-os entre si e não teve dúvidas no apuramento dos factos, pelo que a decisão em apreço se mostra efectivamente suportada pela prova produzida em julgamento.
Aliás, a lei não considera relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal, até porque, se assim fosse, não seria possível existir qualquer decisão final.
Para este efeito, como se escreveu no Ac. deste TRL datado de 11/03/2021 (Processo nº 179/19.8JDLSB.L1-9, em que foi relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt.): «O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».
De todo o exposto resulta evidente que o Tribunal a quo não teve qualquer dúvida quanto à valoração da prova e fixação dos factos dados como provados e não provados, pelo que em nenhum momento se justificaria o recurso ao princípio in dúbio pro reo.
Com efeito, este princípio decorre do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, p. 519), “Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa”.
Este princípio consubstancia uma verdadeira regra de decisão, nas situações que produzida a prova e efetuada a sua valoração, subsistindo no espírito do Julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, deve este decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Ora, no caso em apreço, como resulta evidente da motivação da decisão de facto, em nenhum momento o Tribunal a quo ficou com qualquer dúvida sobre a prova, a sua valoração e relevância na afirmação dos factos dados como provados, pelo que não pode pôr-se a questão de violação do princípio in dubio pro reo. Como se refere no sumário do Ac. do STJ de 27.05.2010, no Proc. 18/07.2GAAMT.P1.S1, “a eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida…quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida ‘patentemente insuperável’ e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido”. (disponível em www.dgsi.pt).
Daqui decorre que não existe qualquer violação do direito à presunção da inocência e do princípio do in dúbio pro reo, constitucionalmente previstos no art.º 32.º, n.º 2 da CRP, improcedendo a invocada inconstitucionalidade.
Por fim, como decorre do supra exposto, não só não houve por parte do Tribunal a quo qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova5, consagrado no artigo 127.º do C.P.Penal, como todo o trabalho valorativo e discursivo do Tribunal a quo é um corolário direto do uso de tal princípio, segundo os ditames da lei.
Nestes termos, improcede, nesta parte, o recurso interposto.
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2.–Da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente:
Por fim, alega o recorrente que o Tribunal a quo devia ter considerado preenchidos os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, uma vez que o recorrente é primário, sem qualquer passado criminal e/ou penitenciário, é um jovem de 19 anos de idade e à data dos factos tinha 17, encontrando-se familiar, social e profissionalmente integrado.
O Tribunal a quo fundamentou a sua posição de não suspender a execução da pena de prisão, nos seguintes termos: “No caso em apreço, relativamente ao arguido AA não obstante não ter antecedentes criminais registados, este arguido não revelou qualquer consciência critica ou arrependimento relativamente ao seu comportamento delitivo, o que aliado à gravidade dos factos criminosos perpetrados – crime de homicídio tentado, agravado e crime de detenção de arma “de fogo” -, cujas necessidades de prevenção são prementes, não obstante a sua juventude afasta a opção pela suspensão da execução da pena, pois fazem-nos crer que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não são, de todo, suficientes para a prevenção da reincidência, impondo-se, sim, o seu efectivo cumprimento num estabelecimento prisional.”
Para a análise dos argumentos invocados, torna-se necessário, desde logo, fazer uma apreciação mais global de toda a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, por forma a determinar se em face da mesma, deveria o mesmo ter suspendido a pena de prisão de 4 anos e 3 meses aplicada ao arguido NN.
Dispõe o artigo 50º, do Código Penal, que “ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às consequências deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Sendo esta uma verdadeira pena de substituição, a sua aplicação pressupõe não só a verificação do pressuposto formal – a imposição de uma pena de prisão não superior a cinco anos -, mas também o pressuposto material - a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, donde resulte que, atenta a sua personalidade, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal).
Como refere o Acórdão do STJ de 1.3.2007 (Processo n.º 254/07), relatado pelo Conselheiro Sima Santos, «I- A suspensão da execução da pena é uma medida não institucional que, não determinando a perda da liberdade física, importa sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que não pode ser vista como forma de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos. II- Só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. III- Exercerá então um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, e terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. IV- O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido.» (in www.dgsi.pt).
A suspensão da execução da pena de prisão assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, efetivado no momento da decisão. Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme à lei.
Como salienta o Professor Jorge de Figueiredo Dias, ”A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»”6
Sempre que tal juízo de prognose seja favorável ao delinquente não deverá, em princípio, decretar-se a execução da pena.
Mas devem ter-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém.
No caso em apreço há que ter em atenção, desde logo, a natureza dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, as circunstâncias que envolveu a sua prática e a postura posterior do recorrente, uma vez que tais elementos influenciam decisivamente nas exigências de prevenção geral positiva e especial de ressocialização, a ter em consideração, no caso em apreço.
Desde logo, é necessário referir que a idade do arguido e a ausência de antecedentes criminais foram devidamente atendidas pelo Tribunal a quo, justificando a aplicação de uma pena única de prisão inferior a 5 anos, nos termos supra descritos. Só estes dois elementos justificam a aplicação de uma tal pena única, atenta a gravidade dos factos e suas consequências para o assistente.
Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, entendemos que o Tribunal a quo não só justificou devidamente a sua posição, como a mesma é a mais consentânea com as exigências de prevenção geral positiva e especial de ressocialização que no caso em apreço se fazem sentir.
Em primeiro lugar, estamos perante um arguido que transporta consigo uma arma de fogo suscetível de ser utilizada, como o foi, em situações que manifestamente não teriam tal desfecho se o mesmo não fosse portador de tal arma. Se é certo estarmos perante um arguido que à data dos factos tinha 18 anos, a verdade é que a sua personalidade refletida nos factos, demonstra estarmos perante um indivíduo com reduzida capacidade de controlo dos seus impulsos, que facilmente aceita como natural ter na sua posse uma arma de fogo potencialmente letal e utilizá-la em uma situação de confronto físico. Estes dois elementos conjugados, tornam-no num perigo acrescido para os demais, como o caso em apreciação é bem ilustrativo. Em face deste quadro, e estando em causa uma tentativa de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são de tal modo intensas que só muito excecionalmente admitem a suspensão da execução da pena de prisão. Ora, esta excecionalidade não ocorre no caso em apreço. Desde logo, porque estamos perante uma atuação injustificada, cujas consequências foram exponenciadas pela predisposição do arguido ter na sua posse uma arma de fogo letal, sem que houvesse a mínima justificação racional para a sua posse, resultando apenas de uma personalidade do recorrente avessa ao cumprimento das mais elementares regras elementares – não atentar contra a vida de outrem e não transportar consigo arma de fogo que potencie a sua utilização contra terceiros.
Quanto às exigências de prevenção especial de ressocialização, se é certo que a idade do recorrente e ausência de antecedentes criminais poderiam justificar a opção pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, a verdade é que a postura do mesmo durante a audiência de julgamento, bem expressa nas suas declarações em audiência de julgamento, de desculpabilização e não assunção de qualquer responsabilidade pelos factos ocorridos e pelas consequências daí decorrentes para o assistente, demonstram estarmos perante um arguido que teria sérias dificuldades em alterar no futuro a sua postura caso a pena de prisão fosse suspensa na sua execução, uma vez que haveria uma forte possibilidade de entender a mesma como um reforço da sua postura de desresponsabilização pelos factos por si praticados, potenciando o risco de, no futuro, repetir comportamentos ilícitos e danosos idênticos. O cumprimento de uma pena de prisão nesta sua fase de desenvolvimento da personalidade é um sinal inequívoco dado pela sociedade que tais comportamentos são inadmissíveis, tanto mais que as situações de violência juvenil associadas ao uso de armas de fogo tem vindo a aumentar no nosso país, com nefastas consequências sobre o sentimento de segurança dos cidadãos, exigindo de todas as autoridades públicas competentes um esforço adicional de combate e prevenção de tais comportamentos. A este esforço não podem os tribunais estar desonerados, devendo a resposta do sistema judicial ser inequívoca.
Nestes termos, concordando, nesta parte, com a decisão recorrida, entendemos que as exigências de prevenção especial de ressocialização, e, principalmente, de prevenção geral positiva obstam à aplicação, no caso em apreço, da pena de suspensão da execução da pena de prisão.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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3.–Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelo ...
Alega o recorrente que o Acórdão condenatório padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que não resulta da factualidade provada no acórdão recorrido quaisquer factos confirmativos de que o ... praticou serviços médicos à vítima e que teve um qualquer prejuízo. Assim, sendo a matéria de facto provada no arresto condenatório é insuficiente para a decisão de condenar o recorrente a pagar ao ..., uma indemnização no valor de € 585,76 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), acrescido de juros moratórios, devendo este ser absolvido do pedido cível formulado pelo ... ou, caso assim se não entenda, ordenar-se o reenvio do processo ao Tribunal de 1.ª Instância, a fim de corrigir o referido vício.
No pedido de reembolso formulado, o demandante ..., alegou no seu artigo 3.º os seguintes factos:
Em consequência destes factos, prestou, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar ao ofendido CC: Cuidados de saúde em episódio de Consulta de Urgência no dia 13/01/2022 e realização de MCDT'S (no Serviço de Imagiologia no dia 13/01/2022, no Serviço de Patologia Clinica nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022 e no Serviço de Imuno-Hemoterapia nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022) no valor total de € 585,76, conforme factura n.° 20221/7850 emitida em 18/10/2022, que se junta como doc. n.° 1 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Compulsada a matéria de facto provada na decisão recorrida, resulta assente os seguintes factos: 3.–Quando estavam no chão o arguido AA agarrou numa pistola, calibre 7,65mm, que trazia consigo e, munido da mesma, a uma distância de cerca de 30 cm de CC, disparou a pistola que trazia consigo, tendo atingido CC na região do peito, abaixo do mamilo esquerdo, causando ferimentos e levando a que o mesmo fosse assistido com urgência e conduzido ao hospital. 4.–Em consequência de ser atingido pelo disparo CC teve de ser submetido a intervenção cirúrgica, resultando para o mesmo as lesões, no tórax, de cicatriz com sinais de pontos de sutura na união dos quadrantes inferiores da região peitoral à esquerda, oblíqua ínfero-lateralmente, de formato oval, com zonas hipocrómicas e outras acastanhadas e orla hipercrómica na região inferior, medindo 4 cm de maior eixo por 1,5 cm de menor eixo, dolorosa à palpação; no abdómen, duas cicatrizes com sinais de pontos de sutura no flanco esquerdo, transversais, a maior medindo 2 cm de comprimento e a menor medindo 1,5 cm de comprimento e palpação dolorosa nos quadrantes abdominais esquerdos, as quais determinaram um período de 30 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.
Resulta assim evidente que a factualidade alegada pelo demandante Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte EPE no referido artigo 3.º, não consta da decisão recorrida, quer na parte relativa aos factos provados, quer na parte relativa aos factos não provados. Não obstante esta omissão, a verdade é que o Tribunal a quo, pronunciou-se expressamente sobre esta matéria, dando a mesma como assente, uma vez que fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “No que tange ao pedido de indemnização civil, o custo da assistência hospitalar prestada a CC encontra-se documentado a fls. 531 a 533.”
Por outro lado, aquando da apreciação do mérito do referido pedido de reembolso, o Tribunal a quo expressamente refere que, “Em consequência das lesões que o arguido causou no corpo de CC o demandante ... prestou assistência àquele, cujo respectivo preço importou na quantia total de € 585,76 (quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos). Assiste a este estabelecimento hospitalar demandante o direito a ser indemnizado pelas despesas que teve com a respectiva assistência, recaindo a responsabilidade desse ressarcimento no causador das lesões no assistido, conforme o disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código Civil, ou seja, no arguido/demandado.”
Daqui resulta, que estamos apenas perante a omissão da factualidade alegada no artigo 3.º do pedido de reembolso efetuado pelo demandante ... nos factos provados, situação esta prevista no artigo 379.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal – omissão de pronúncia – que implica, nesta parte, a nulidade da decisão recorrida.
Nesta matéria, dispõe o artigo 379.º do Código de Processo Penal que “1 - É nula a sentença (…): c) Quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).
Como refere o Acórdão do STJ de 5.5.2021, Proc. n.º 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gonçalves, “I- A sentença ou acórdão devem ser esgotantes e autossuficientes, no sentido de conhecer da totalidade das pretensões e de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. II- Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do Tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva. III- Ocorre quando o Tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.” (in www.dgsi.pt).
Abrange, deste modo, a situação de o Tribunal não dar como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação (neste sentido, vide Acórdão do TRL de 10/01/2013, Relator Abrunhosa de Carvalho, Proc. n.º 905/05.2JFLSB.L1-9, disponível em www.dgsi.pt).
Não é qualquer omissão que consubstancia uma omissão de pronúncia, antes a mesma tem de ser relevante na economia da peça processual em que se insere.
No caso do pedido de reembolso formulado pelo ..., tal omissão é relevante, uma vez que a procedência do referido pedido pressupõe a prova do valor da assistência prestada por aquela instituição hospital ao assistente.
Nestes termos, carece de ser suprida tal omissão.
Neste âmbito, o próprio artigo 379.º do Código de Processo Penal, nos seus números 2 e 3 indica os modos de suprimento de tal nulidade: “2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.”
Desde a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21.2, é dever do tribunal de recurso suprir a nulidade da sentença recorrida caso o tribunal de recurso tenha todos os elementos que o permitam, não implicando a mesma qualquer processo de reconstrução da sentença e respetiva motivação que só ao Tribunal recorrido esteja reservado, redundando na eliminação de um grau de jurisdição.
No caso em apreço, é manifesto que estamos perante um simples caso de omissão de uma factualidade nos factos provados, a que o próprio Tribunal recorrido expressamente se refere, quer na motivação, quer no conhecimento do mérito do pedido de reembolso das despesas tidas pelo demandante com a assistência hospitalar ao assistente. Nesta situação, o aditamento da factualidade alegado no artigo 3.º do referido pedido de reembolso em nada afeta os direitos de defesa do arguido, porquanto a mesma é pressuposta em toda a decisão recorrida.
Nestes termos, suprindo a verificada nulidade, determina-se o aditamento ao Acórdão recorrido, nos factos provados, do ponto 48, com o seguinte teor: “Em consequência destes factos, prestou o ..., no exercício da sua atividade, a seguinte assistência hospitalar ao ofendido CC: Cuidados de saúde em episódio de Consulta de Urgência no dia 13/01/2022 e realização de MCDT'S (no Serviço de Imagiologia no dia 13/01/2022, no Serviço de Patologia Clinica nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022 e no Serviço de Imuno-Hemoterapia nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022) no valor total de € 585,76”
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Do teor do ponto 11) dos factos provados consta que o arguido AA tinha à data dos factos – 13.01.2022 – a idade de 17 anos.
Todavia, na medida em que o recorrente nasceu em 16.09.2003, à data dos factos o mesmo já tinha 18 anos.
Sendo este um mero lapso de cálculo, sem qualquer influência na decisão recorrida e no presente recurso, determina-se, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, a sua correção, passando a constar do ponto 11) dos factos provados a idade de 18 anos.
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IV–DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação: 1.–Julgar procedente a invocada nulidade por omissão de pronúncia em relação ao pedido de reembolso formulado pelo ...., e, em consequência, determina-se o seu suprimento com o aditamento aos factos provado do ponto 48, com o seguinte teor: “Em consequência destes factos, prestou o ..., no exercício da sua atividade, a seguinte assistência hospitalar ao ofendido CC: Cuidados de saúde em episódio de Consulta de Urgência no dia 13/01/2022 e realização de MCDT'S (no Serviço de Imagiologia no dia 13/01/2022, no Serviço de Patologia Clinica nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022 e no Serviço de Imuno-Hemoterapia nos dias 13/01/2022 e 14/01/2022) no valor total de € 585,76” 2.–Quanto aos demais pedidos formulados, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida. 3.–Determinar a correção do erro de cálculo constante do ponto 11) dos factos provados, passando a constar do mesmo a menção à idade de 18 anos.
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Sem custas (art.º 513.º do Código de Processo Penal a contrário)
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Lisboa, 14.11.2023
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP-,com assinatura seletrónicasapostasna 1.ªpágina,nostermosdoart.º19.ºdaPortarian.º280/2013,de26-08,revistapelaPortarian.º267/2018,de20/09)
João António Filipe Ferreira
(Juiz Desembargador Relator) Carla Francisco
(Juíza Desembargadora Adjunta) Sandra Ferreira
(Juiz Desembargadora Adjunto)
1.-Far-se-á a análise em conjunto destas duas alegações uma vez que as mesmas comungam, parcialialmente, da mesma matriz fáctica e valorativa feita pelo Tribunal a quo.
2.-Cf. Reis, Alberto dos (1985) “Código de Processo Civil Anotado”. Coimbra Editora, Vol. III, p. 206 e 207.
3.-Cf. Santos, Manuel Simas, Leal-Henriques, Manuel & Santos, João Simas (2023). “Noções de Processo Penal”. Letras e Conceitos, Lda., 4.ª edição, p. 653.
4.-A este respeito, o Acórdão do STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 77, de 18.04.2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações”.
5.-Quanto a este princípio, é importante salientar que a convicção do julgador terá sempre de ser uma convicção possível e explicável pelas regras da lógica e da experiência comum.
6.-Dias, Jorge de Figueiredo (1993). “Direito Penal: As consequências Jurídicas do Crime”. Aequitas, Editorial Notícias, § 519, p. 343.