PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
PRAZO
PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS
Sumário

I - O prazo de 10 dias previsto no art. 487.º, nº 1 do CPC, para requerer a segunda perícia, quando tenha sido apresentado pedido de esclarecimentos, deve contar-se da notificação da resposta do senhor perito aos esclarecimentos suscitados, uma vez que só perante as respostas dadas pelo perito é que a perícia fica concluída e as partes ficam na posse da totalidade dos elementos que lhes permitem fundamentar a sua discordância e o motivo para requerer a segunda perícia.
II - Apresentado requerimento com identificação do motivo da discordância em relação ao relatório pericial e com a identificação dos pontos que se entende necessitarem de correção ou melhor apreciação, o juiz deve deferir a realização da segunda perícia, apenas o carácter impertinente ou dilatório ou a total ausência de fundamentação constituindo causa de indeferimento de tal requerimento.

Texto Integral

Apelação n.º 1066/20.2T8PVZ-A.P1

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto

No âmbito do processo de Inventário (Competência Facultativa) 1066/20.2T8PVZ, em que é cabeça de casal AA, na sequência do relatório de avaliação dos bens, pedido de esclarecimentos por parte do cabeça de casal e novo relatório de avaliação, veio o cabeça de casal apresentar requerimento em que, para além de insistir em novos esclarecimentos, requerer segunda perícia, ao abrigo do disposto nos arts. 487.º e seguintes do CPC, alegando, no essencial, que o relatório pericial continua a padecer das mesmas obscuridades, imprecisões e lacunas de que padecia o primeiro.
O despacho que recaiu sobre tal requerimento, no que para a decisão do recurso interposto interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
Por último, no que respeita à avaliação dos imóveis relacionados e especificamente quanto a alguns imóveis relacionados nas verbas que especifica, o cabeça de casal, vem pedir novos esclarecimentos, deduzir nova reclamação e até pedir segunda peritagem, por entender que, está incorretamente feita a avaliação do Senhor Perito, que não explicou o método que usou, que não usou o método que o cabeça de casal entende devia ter usado e não teve em consideração determinadas circunstâncias, elementos ou fatores que devia que especifica.
De referir que na reclamação deduzida a 20.12.2023, o cabeça de casal apenas reclamou o relatório de avaliação estava incompleto porque não instruído com as consultas devidas ao Plano Diretor Municipal, extrato das condicionantes do Plano Diretor Municipal, Ortofotomapas dos prédios em avaliação e envolventes, que entendia serem de extrema importância para o cabal conhecimento e tipificação das valências potenciais construtivas ou rústicas, para além das eventuais inserções em RAN ou REN.
No relatório complementar agora em análise veio o Senhor Perito complementar no sentido reclamado, ou seja, deu cumprimento ao que foi reclamado, na medida em que, completou a sua avaliação por consulta e referência aos elementos de ordenamento de território mencionados pelo cabeça de casal.
Importa adiantar que, se em princípio, pode admitir-se um segundo pedido de esclarecimentos ou reclamação dirigido aos peritos sobre a sua perícia caso, tal deve admitir-se apenas nos casos em que o Senhor Perito não tenha dado cabal cumprimento ao que foi reclamado ou os seus esclarecimentos continuem a padecer de ambiguidades, obscuridades ou deficiências, o que não é o caso, pois na verdade completa-o em conformidade com a reclamação do cabeça de casal.
Não pode é admitir-se, nem é legalmente admissível, uma nova reclamação ou novo pedido de esclarecimentos ao relatório de avaliação de 3.12.2021, ou mesmo uma segunda perícia (sendo certo que o cabeça de casal, pede indiferenciadamente os três), com esses mesmos fundamentos - não objeto de reclamação ou pedido de no prazo da reclamação a que se refere o artigo 485º do CPC.
Pelo exposto, se indefere por legalmente inadmissíveis e extemporâneos. (…)”.

*
Não se conformando com tal decisão, o cabeça de casal interpôs o presente recurso, que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e em separado e com efeito meramente devolutivo.
O apelante apresentou as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal a quo, por douto despacho de 21/06/2023, com a Ref.ª citius 449669608, indeferiu o pedido de segunda peritagem apresentado pelo Recorrente, por entender que o mesmo é extemporâneo e legalmente inadmissível.
2. Sucede, porém, que não pode o recorrente se compadecer com tal decisão de indeferimento, porquanto, a mesma incorre numa incorrecta apreciação e aplicação do direito.
3. Desde logo, porque, nos casos em que são pedidos esclarecimentos à perícia realizada, o prazo de 10 dias facultado às partes para requerer segunda perícia, ao abrigo do artigo 487.º n.º 1 do CPC, inicia-se com a notificação das respostas dadas pelos peritos.
4. Uma vez que só com respostas dadas pelos peritos é que a perícia fica concluída, pelo que só com estas as partes ficam na posse da totalidade dos elementos que lhes permite fundamentar a sua discordância, como bem perfilha o Tribunal da Relação de Lisboa, nos acórdãos de 26-09-2019 e de 02-11-2017.
5. Ora, no caso concreto, a segunda perícia foi requerida dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação da resposta do senhor perito aos esclarecimentos suscitados pelo cabeça de casal, aqui recorrente.
6. Por tudo o supra exposto, se verifica que o pedido de segunda perícia apresentado pelo cabeça de casal foi tempestivo.
7. Por outro lado, importa notar que, ao contrário do entendimento do Meritíssimo Senhor Juiz a quo, o requerimento para realização da segunda perícia individualiza as razões da divergência do recorrente, relativamente ao resultado da primeira perícia, não se tendo limitado a uma inconsequente e imotivada falta de resignação relativamente ao resultado da primeira, tendo antes indicado logo os motivos da divergência, conforme estipula o artigo 487.º
8. Ora, apresentando requerimento com identificação clara das inexatidões a corrigir, o juiz deve deferir a realização da segunda perícia, independentemente do seu entendimento quanto ao bem, ou mal, fundado das razões de discordância que fundamentam o requerimento, como bem perfilha o Tribunal da Relação de Évora de 10-11 -2022, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2022, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-11-2017, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-01-2016, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-11-2021.
9. Por tudo o supra exposto, conclui-se que cabe ao juiz verificar se a parte que requereu a segunda perícia explicita as razões da sua discordância relativamente ao relatório da primeira perícia, mas não fazer uma apreciação de mérito da argumentação apresentada, devendo determinar a realização da segunda perícia caso a diligência não seja impertinente nem dilatória.
10. Mas, mesmo que fosse exacto o fundamento para justificar o indeferimento do requerimento de realização de uma segunda perícia, ainda assim existem também razões para considerar que esse fundamento não justificava logo o indeferimento imediato, devendo, ao invés, convidar o cabeça de casal a aperfeiçoar o pedido de segunda perícia.
11. Assim sendo, a decisão impugnada, ao recusar-lhe, por um fundamento que não se tem por exacto, a realização da segunda perícia, vulnerou o direito da recorrente à prova - direito que é habitualmente deduzido para os processos jurisdicionais do art. 6.º, n.º 3, d) do CEDH, mas que sem dificuldade se constrói como uma dimensão ineliminável do direito fundamental a um processo equitativo, cfr. artigos 2.° e 20,°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
12. E a violação cometida é relevante, dado que vulnerou o direito do cabeça de casal e aqui recorrente à prova, uma vez que, no fundo, o impediu de exercer uma actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre os factos controvertidos - designadamente sobre o valor dos imóveis relacionados em causa nos autos - de cumprir o ónus de prova que o vincula e, eventualmente, de obter uma decisão mais favorável, conforme artigos 341.º, 342.º e 346.º, 2.ª parte, do Código Civil.
13. Ora este indeferimento do pedido da segunda perícia corresponde a uma restrição ilegal do implícito direito à prova.
14. Pelo que, sempre o tribunal a quo devia ter determinado a segunda perícia.
15. Ao não o ter feito, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 487.º, n.º 1, do CPC, artigo 6.º n.º 3, d) do CEDH, artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 341.º, 342.º e 346.º, 2.ª parte, do Código Civil.
16. Pelo que, o douto despacho recorrido deverá ser revogado na parte que indeferiu a segunda perícia, ordenando a realização da mesma, nos termos propugnados.
NESTES TERMOS, julgando o presente recurso procedente, revogando o douto despacho recorrido quanto ao indeferimento da segunda perícia, em consequência, ordenando-se a realização da mesma nos termos propugnados, farão V. Exas. a habitual JUSTIÇA!”.
*
Decidindo:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a única questão a decidir é saber se deve, ou não, ser admitida a realização de uma segunda peritagem de avaliação dos bens a partilhar no processo de inventário.

Sobre a realização de uma segunda perícia dispõe o Código de Processo Civil (CPC) o seguinte:
Artigo 487.º
Realização de segunda perícia
1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.
3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
Artigo 488.º
Regime da segunda perícia
A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as ressalvas seguintes:
a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira;
b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela.
Artigo 489.º
Valor da segunda perícia
A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
*
Posto isto, cabe, antes de mais, pronunciarmo-nos sobre a tempestividade do pedido de realização de segunda perícia, já que a decisão recorrida refere que o pedido é extemporâneo.
Discordamos dessa decisão, desde logo, porque a segunda perícia foi requerida, logo aquando da primeira reclamação.
Acresce que, tal como o recorrente refere, se entende que o prazo de 10 dias previsto no art. 487.º, nº 1 do CPC, nos casos em que são pedidos esclarecimentos à perícia realizada, se inicia com a notificação das respostas dadas pelos peritos, uma vez que só perante as respostas dadas pelos peritos é que a perícia fica concluída e as partes ficam na posse da totalidade dos elementos que lhes permitem fundamentar a sua discordância e o motivo para requerer a segunda perícia.
Neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 2091/16.3T8TVD.L1-8, de 26-09-2019, onde se decidiu: “I - Nos casos em que são pedidos esclarecimentos a perícia realizada, o prazo de 10 dias facultado às partes, no artigo 487º nº 1 do CPC, para requerer segunda perícia, inicia-se com a notificação das respostas dadas pelos peritos, independentemente de a parte que requer a segunda perícia ser ou não a parte que reclamou.
II - Só com tais respostas é que a perícia fica concluída pelo que só com estas as partes ficam na posse da totalidade dos elementos que lhes permite fundamentar a sua discordância.”.
No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 34964/15.5T8LSB-A.L1-2, de 02-11-2017 (ambos disponíveis em dgsi.pt).
Sendo assim, no caso concreto, a segunda perícia foi requerida dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação da resposta do senhor perito aos esclarecimentos suscitados pelo cabeça de casal, pelo que o pedido formulado foi tempestivo.
*
Vejamos, então, se deve, ou não, ser admitida a segunda perícia requerida pelo recorrente.
Resulta dos autos que ordenada uma primeira perícia com vista à avaliação dos bens a partilhar, o cabeça de casal AA, na sequência do relatório de avaliação dos bens, apresentou pedido de esclarecimentos. Prestados os esclarecimentos com novo relatório de avaliação, veio o cabeça de casal apresentar novamente requerimento em que, para além de insistir em novos esclarecimentos, requerer segunda perícia, ao abrigo do disposto nos arts. 487.º e seguintes do CPC, alegando, no essencial, que o relatório pericial continua a padecer das mesmas obscuridades, imprecisões e lacunas de que padecia o primeiro.
No seu requerimento, o cabeça de casal refere que discorda da peritagem, no essencial, porque se verifica que alguns dos prédios não foram avaliados com referência à data do óbito/data de abertura de sucessão da inventariada; o Senhor Perito faz constar do relatório pericial valores com data da avaliação anterior para os bens doados, os quais não refletem a realidade do mercado de compra e venda à data da do óbito da Inventariada; o Senhor Perito na elaboração do Relatório de Avaliação não utilizou, nem explicou, determinados aspetos, que especifica, como o nível de espaço urbano em que se inserem os imóveis objeto de avaliação, que elementos de base à avaliação teve em consideração, quais foram os pressupostos de base considerados, não efetuou a prospeção do mercado imobiliário da Póvoa de Varzim, que metodologia adotou na indicação dos valores por metro quadrado, custos de construção diretos e indiretos; metros quadrados de área bruta dependente e de área bruta privativa, entre outros, pelo que conclui que o relatório pericial padece de ambiguidades e contradições que denotam falta de fundamentação e que se mostra deficiente e incompleto, razão pela qual, discorda do mesmo.
Mais se pronuncia, em concreto quanto a verbas específicas, referindo os motivos da discordância e apontando contradições.
Acresce que, ao contrário do que é referido na decisão recorrida, na primeira reclamação deduzida pelo cabeça de casal, o mesmo não se limitou a reclamar que o relatório de avaliação estava incompleto porque não instruído com as consultas devidas ao Plano Diretor Municipal, extrato das condicionantes do Plano Diretor Municipal, Ortofotomapas dos prédios em avaliação e envolventes, que entendia serem de extrema importância para o cabal conhecimento e tipificação das valências potenciais construtivas ou rústicas, para além das eventuais inserções em RAN ou REN.
O cabeça de casal, já na primeira reclamação, invoca falta de fundamentação nas conclusões do Relatório Pericial, não aceitando os valores atribuídos à globalidade das verbas, que impugna, concretizando com algumas das verbas em causa, e referindo os motivos da discordância, para além de invocar a falta de fundamentação quanto ao valor atribuído às benfeitorias e a falta de consideração de que alguns dos bens se mostram onerados.
E se é certo que no relatório complementar, o Senhor Perito veio esclarecer algumas das questões suscitadas, na medida em que, completou a sua avaliação por consulta e referência aos elementos de ordenamento de território mencionados pelo cabeça de casal, certo é que o cabeça de casal entende que o Senhor Perito não deu cabal cumprimento ao que foi reclamado e considera que os esclarecimentos continuam a padecer de ambiguidades, obscuridades ou deficiências, que identifica em concreto.
Ora, tendo em conta o teor dos preceitos citados supra, tem-se entendido que quem pretender a realização de uma segunda perícia, terá que apresentar requerimento onde identifique de forma clara os motivos da sua discordância, devendo o juiz deferir a realização da segunda perícia, independentemente do seu entendimento quanto ao bem, ou mal, fundado das razões de discordância que fundamentam o requerimento, apenas o carácter impertinente ou dilatório ou a total ausência de fundamentação constituindo causa de indeferimento de tal requerimento.
Neste sentido tem vindo a ser decidido pela maioria da Jurisprudência, citando-se, a título de exemplo, alguns acórdãos, todos disponíveis no site da dgsi:
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo 909/19.8T8PTG-B.E1, de 10-11-2022, onde se decidiu no sentido mencionado, aí se referindo que “I- Apresentando a parte requerimento com identificação clara das inexatidões a corrigir o juiz deve deferir a realização da segunda perícia, independentemente do seu entendimento quanto ao bem, ou mal, fundado das razões de discordância que fundamentam o requerimento.
II- Só o carácter impertinente ou dilatório ou a total ausência de fundamentação constitui causa de indeferimento do requerimento para realização de segunda perícia.”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 2811/18.1T8VIS-C.C1, de 08-07-2021, no qual se refere que: “3.1. A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil).
3.2. Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (n.º 1 do art. 589.°. do CPC - 487º NCPC).
3.3. A expressão adverbial "fundadamente" significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.
3.4. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
4. 4.1. A segunda perícia referida nos arts. 487.º e ss .. NCPC pressupõe que sejam alegadas fundadamente razões de discordância quanto ao relatório, tem por objecto os mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir eventual inexactidão.
4.2. Tal alegação consiste na invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por nele e no relatório em que assenta existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respetivos termos, maxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptivel de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa.
4.3. A segunda perícia coexiste validamente com a primeira, devendo ser-lhe fixada livremente a força probatória do respetivo resultado. Embora o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova seja essencialmente o da própria parte, pode vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do oferecido ou requerido.
5. No caso em apreço, embora a conclusão do relatório pericial aparente ser objectiva e implicitamente, porventura, afastar qualquer outra hipótese explicativa de qualquer das causas alegadas pelas partes, é na consideração, explicação ou justificação cabal e clara das razões por que rejeita estas que também poderá radicar a confiança, credibilidade, capacidade de convencer e exactidão do relatório e até o próprio tribunal encontrar pontos de referência que ajudem à formação de mais sólida convicção (livre) em ordem ao apuramento da verdade, pois sem as despistar e refugiando-se na “secura” da resposta dada, deixa-se em aberto um espaço de dúvida, sempre de evitar e esclarecer até onde seja possível, nesta tarefa se devendo dar prevalência aos objectivos de contraditório.
6. Admitindo-se que a perícia requeira mais consistente e detalhada explicação sobre os respetivos aspectos que vêm invocados em recurso - no sentido de consolidar o resultado, garantir que todos esses aspectos foram examinados e avaliados e que nenhuma das demais hipóteses justificadamente se coloca - é de admitir a segunda perícia.
7. Tanto assim que, não obstante, as razões presentes e como tal evidenciadas nas alegações/conclusões apresentadas levam a que a justificação dessa divergência não seja impertinente, desnecessária ou irrelevante. Uma tal justificação integra o conceito de “fundadas razões de discordância” (art.º 487º, nº1 NCPC) para a realização da segunda perícia.”.
Também no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 293/14.6TBAVV-A.G1, de 27 de setembro 2018, se decidiu que “I – O juiz só poderá indeferir a realização da segunda perícia por considerar a fundamentação insuficiente quando se mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica.
II – Saber se os fundamentos e razões invocados têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar”.
Perante o exposto, entendemos que o recorrente alegou devidamente as razões da sua discordância em relação ao relatório pericial, sendo que, ao contrário do que foi decidido na 1ª Instância, se entende que o requerimento não se afigura impertinente ou dilatório, antes versando sobre factualidade que interessa à boa decisão da causa, tendo em conta os concretos aspetos que o cabeça de casal invoca, pelo que não se afigura que o pedido de segunda perícia seja legalmente inadmissível, como foi decidido no despacho recorrido.
Aliás, sendo certo que devem ser evitados os atos inúteis, certo é também que incumbe ao juiz realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio - cf. art. 411.º do Código de Processo Civil.
Acresce que, como o recorrente refere, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Considera-se, assim, que a segunda perícia requerida pode apresentar uma avaliação mais detalhada sobre os aspetos que vêm invocados no recurso, mostrando que os mesmos foram tidos em conta e devidamente avaliados.
Assim sendo, entende-se que merece provimento o recurso, devendo ser admitida a realização da segunda perícia requerida atempadamente pelo recorrente.
*
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revoga-se o despacho recorrido e, em consequência, determina-se que seja substituído por outro que ordene a realização da segunda perícia.
Sem custas.

Porto, 2023-12-07
Manuela Machado
Paulo Dias da Silva
António Carneiro da Silva