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ALTERAÇÃO DE FACTOS
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
RECUSA DE TESTE DE ALCOOLEMIA
Sumário
I – Na situação em que os factos são invocados pelo arguido, não se justifica a comunicação a que se reporta o n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a qual se destina, precisamente, à salvaguarda dos seus direitos de defesa. II - O facto de o arguido se predispor a efetuar um teste de alcoolemia por meio de recolha e análise do sangue não afasta a prática do crime de desobediência se ele se tiver recusado a efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado. III – Não cabe ao arguido escolher o teste que está disposto a realizar; a ordem pelos quais os testes estão prescritos na lei não é aleatória, pois visa poupar o emprego desnecessário de meios, designadamente se o teste de despistagem for negativo; a sujeição do teste por análise ao sangue, por ser intrusiva e lesiva da integridade física do visado só é admissível quando não seja possível a realização de teste por método de ar expirado, ou em sede de contraprova de teste de despistagem positivo e, neste caso, a solicitação do próprio visado; essa análise implica a mobilização de meios, sempre escassos, das autoridades policiais (que têm de conduzir o arguido a estabelecimento de saúde) e do próprio sistema de saúde; a ordem para realização de teste qualitativo para pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado é, por si só, uma ordem legítima a que é legalmente devida obediência.
Texto Integral
Pr. 481/23.4PAESP.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – AA veiointerpor recurso da douta sentença do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Espinho do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, a), e 69.º, n.º 1, c), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 1, a), do Código da Estrada, na pena de setenta e cinco dias de multa, à taxa diária de oito euros, e na pena acessória de seis meses de proibição de condução de veículos automóveis.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. Aqui chegados importa concluir, portanto, se a acusação é considerada o objecto do processo penal, é dela que temos de partir, por efeito, na mesma lê-se que: “1º No dia 14 de Julho de 2023, pelas 23H50, na Rua ..., Espinho, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NV tendo sido interceptado por uma patrulha da PSP de Espinho.”;
2. E na sentença lê-se que foram dados como provados os seguintes factos: “No dia 14 de julho de 2023, pelas 23h50m, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NV pela Rua ..., assim acedendo à rampa de acesso ao parque de estacionamento da Associação ..., ali ficando a aguardar que vagasse um lugar para estacionar o veículo que conduzia.
1.2. Todavia, instado pelo responsável do aludido parque de estacionamento a dali retirar a viatura, recusou-se a fazê-lo, razão pela qual aquele foi chamar o agente da PSP BB, que se encontrava em serviço junto ao A....
1.3. Entretanto, o arguido conduziu a viatura para o interior do parque de estacionamento, parando-o ao lado de veículos estacionados, ainda aguardando que vagasse um lugar.
1.4. Alguns minutos volvidos, compareceu naquele local, devidamente uniformizado, identificado e em exercício de funções, o agente da PSP BB, o qual abordou o arguido no sentido de retirar dali a viatura, ao que este também se recusou.”;
3. Ora, de acordo com GERMANO MARQUES DA SILVA[1] - “o Tribunal há de julgar se os factos alegados na acusação foram ou não praticados pelo acusado (…)” O objecto do processo penal é, pois, constituído pelos factos alegados na acusação e a pretensão nela também formulada.”;
4. Por efeito, a acusação nos termos do artigo 283.º, n.º 3, al. b) narrou os factos acima ditos, no entanto, os factos que foram dados como provados foram diferentes daqueles outros naquela peça narrados;
5. O que olhando a jurisprudência[2] nós entendemos que não tendo sido dados como provados os factos que foram descritos na acusação, não poderia a mesma proceder;
6. Na verdade, nem podia o Tribunal ad quo deixar-se levar por uma acusação tão dicotómica, porquanto, ora deixando em aberto uma ou outra recusa, ou pelo método de ar expirado ou pelo método de colheita de sangue;
7. Contudo, o que importa em nossa modesta opinião é ter presente que a sentença deu como provados factos completamente diferentes dos factos que foram alegados na acusação, por efeito, entendemos que existe falta de fundamentação nos termos do artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou seja, os factos que constam na acusação não foram os factos que foram dados como provados;
8. Ora, por isso, consideramos que a sentença padece de nulidade no que toca a esta parte, por efeito, apelamos a que seja declarada nula a sentença nesta parte;
CONCLUSÕES DOS PONTOS 18 A 28:
9. Portanto, se a acusação diz que foi o arguido informado que teria de se submeter a teste de álcool no sangue quantitativo, logo a acusação está a admitir que o teste a efetuar teria de ter sido o teste quantitativo, ou seja, aquele a seguir ao teste qualitativo;
10. Portanto, se no ponto 3.º da acusação se diz aquilo, ora daqui esta retirou que o arguido teria de se submeter a este teste ou ao de sangue e assim ali verteu tal facto;
11. E não só o verteu neste ponto como o verteu no ponto 5.º, ora e se virmos a sentença retiramos claramente que os factos que são dados como provados são completamente diferentes dos vertidos na acusação;
12. Mais, ainda importa dizer que a acusação verteu que o arguido se recusou a fazer a recolha de sangue;
13. Mas, o certo é que o arguido, e isso constou como provado, não se recusou a fazer a recolha de sangue (1.8 da sentença);
14. Portanto, a acusação, objecto deste processo, abriu-se em dois tipos de recusa, aliás temos de ser rigorosos e apelar às regras da experiência comum – e daí vemos claramente que esta acusação não foi escrita para discutir os factos dos autos, mas sim outros quaisquer, nomeadamente, outros, que impuseram uma recusa de segundo teste por método de ar expirado e por recusa de recolha de sangue;
15. Logo a acusação não poderia proceder em nada;
16. Mas, o certo é que procedeu como se retira da sentença, no entanto, indo ler a acusação em que diz que o arguido se recusou a fazer o teste de recolha de sangue, na verdade o certo é que o arguido sempre se predispôs a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue, logo olhando a acusação – o arguido não praticou qualquer crime de desobediência;
17. Na verdade, como acima já dissemos, as alterações substanciais, para lá de terem sido produzidas como um aparente remédio da acusação, é certo e seguro que não se retiraram da mesma os pontos 3.º e 5, e certo, também é que esses pontos dão como provado que o arguido não se recusou a fazer o teste por recolha de sangue e é por isto que a sentença deveria ter considerado absolver o arguido, porque ao dar como provado o ponto - “1.8 – O arguido, apesar de se recusar a submeter ao teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue por ar expirado, predispôs-se a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue.” – teria de se considerar como provado que o arguido não se recusou a recolha de sangue e, portanto, não aconteceu a concretização do crime de desobediência;
18. Assim nós não pugnamos apenas pelo princípio basilar de direito criminal - de que na dúvida absolve-se o arguido, mas pugnamos também que o Ministério Público tem o dever de provar a acusação e ainda o dever de colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, o que visto todo o processado não nos parece haja havido cumprimento destas regras de direito criminal instituídas;
19. Posto isto, olhando a acusação e a sentença e confrontando uma com a outra vemos que por um lado temos factos que foram dados como provados que não estão sequer elencados na acusação e, por outro lado, vemos que factos que estão elencados na acusação estão provados e que retiram a responsabilidade penal ao arguido, portanto, por aquilo e por isto aqui pedimos a revogação da sentença, ora sendo esta trocada por outra que absolva o arguido»
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes.
Por um lado, saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por dela constarem factos diferentes dos da acusação.
Por outro lado, saber se o arguido deverá ser absolvido da prática do crime desobediência por que foi condenado.
III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:
«(…) FUNDAMENTAÇÃO A - Fundamentação de facto 1. Factos provados:
Dos factos constantes da acusação:
1.1. No dia 14 de julho de 2023, pelas 23h50m, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NV pela Rua ..., assim acedendo à rampa de acesso ao parque de estacionamento da Associação ..., ali ficando a aguardar que vagasse um lugar para estacionar o veículo que conduzia.
1.2. Todavia, instado pelo responsável do aludido parque de estacionamento a dali retirar a viatura, recusou-se a fazê-lo, razão pela qual aquele foi chamar o agente da PSP BB, que se encontrava em serviço junto ao A....
1.3. Entretanto, o arguido conduziu a viatura para o interior do parque de estacionamento, parando-o ao lado de veículos estacionados, ainda aguardando que vagasse um lugar.
1.4. Alguns minutos volvidos, compareceu naquele local, devidamente uniformizado, identificado e em exercício de funções, o agente da PSP BB, o qual abordou o arguido no sentido de retirar dali a viatura, ao que este também se recusou.
1.5. Porquanto o arguido exalava um cheiro a álcool, o dito agente da PSP – de modo a evitar que o arguido conduzisse sob a influência do álcool – informou o arguido que deveria submeter-se ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, mas como não dispunha do respetivo aparelho solicitou que outros agentes da PSP ali o trouxessem.
1.6. Nesse meio tempo, o arguido conduziu a viatura acima mencionada e estacionou-o num lugar que entretanto vagara no interior do aludido parque de estacionamento.
1.7. Todavia, quando logo de seguida o aparelho mencionado foi trazido, o arguido recusou-se a fazer o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado, no que se manteve irredutível, apesar de várias vezes ter sido advertido de que tal comportamento o faria incorrer na prática do crime de desobediência.
1.8. O arguido, apesar de se recusar a submeter ao teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue por ar expirado, predispôs-se a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue.
1.9. O arguido bem sabia que a ordem dada, aquando da solicitação para efetuar o teste de pesquisa de álcool qualitativo, era legítima e provinha de autoridade com competência para a proferir, sabendo perfeitamente que se deveria submeter às provas estabelecidas para deteção do estado de influenciado pelo álcool – designadamente ao teste solicitado - e que, não se submetendo às mesmas, incorreria na prática de um crime.
1.10. Apesar disso, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente. Situação socioeconómica e antecedentes criminais do arguido:
1.11. AA é condutor de veículos pesados e de máquinas, exercendo em França a sua atividade profissional há quase 8 anos.
1.12. Aufere cerca de €1.600,00 por mês e de despesas fixas despende mensalmente cerca de €800.
1.13. É casado e não tem filhos a cargo.
1.14. O arguido não tem antecedentes criminais atendíveis.
2. Factos não provados:
Não se provou qualquer facto para além ou em contradição com os que acima se referiram, designadamente:
2.1. Que o arguido, ante a recusa de se submeter ao teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue por método de ar expirado, tenha sido advertido que teria de se submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue quantitativo ou de recolha de sangue a fim de averiguar a real TAS do mesmo;
2.2. Que o arguido se tenha recusado a efetuar o teste quantitativo ou de recolha e análise de sangue. 3. A convicção do tribunal:
A decisão da matéria de facto tem por base a convicção criada através da análise livre e crítica da prova produzida (cfr. artº 127.º do CPP).
Como é consabido, o princípio da livre convicção do julgador, em matéria de valoração da prova, para além de limitado pelo princípio da legalidade da prova, nos termos do qual «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei» (cfr. artgs. 125.º e 126.º, ambos do CPP), traduz naturalmente valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e do conhecimento científico, da qual resulta a objetivação da apreciação dos factos submetidos a julgamento.
Para que um facto se dê como provado, com o benefício da oralidade e imediação, necessário é que o julgador se convença da sua veracidade para além de toda a dúvida razoável (cfr. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, polic., págs. 135 a 143).
Isto posto, desde logo, a matéria de facto dada como provada coaduna-se no essencial com o posicionamento do arguido na audiência de julgamento, sendo certo que a maior parte da novel matéria resulta do que declarou, razão pela qual não há necessidade de a comunicar (cfr. o artº 358º, nº 2, do CPP).
Assim, o tribunal apenas comunicou matéria nova que o arguido não referiu, mas que resultou da prova produzida (declarações da testemunha BB em conjugação com o auto de notícia).
O arguido referiu não se recordar ter sido advertido pelo agente da PSP de que cometeria um crime de desobediência se se recusasse a efetuar o teste de despistagem de álcool no sangue por método de ar expirado. Ora, essa cominação não seria sequer necessária, dado que existe norma expressa a cominá-la e o arguido estava bem ciente de que estava a desobedecer a uma ordem emanada pelo OPC. Seria tanto quanto basta para se afirmar o dolo.
De todo o modo, este posicionamento do arguido é manifestamente inverosímil, tanto mais que a testemunha BB – o agente da PSP – referiu que efetuou essa advertência repetidamente e em diversos momentos, pelo que o arguido estava necessariamente ciente da advertência feita.
O depoimento do agente da PSP autuante, por outro lado, pareceu-nos manifestamente credível, confirmando o auto de notícia de fls 2 e 3.
Tal auto, na medida em que relata factos diretamente percecionados pela OPC, constitui meio de prova documental que, pelo menos, pode ser livremente valorado pelo tribunal nos termos do artº 127º do CPP, caso se considere que não se trata de documento autêntico valorável nos termos do artº 169º do mesmo diploma legal, por ser documento intraprocessual (documentos elaborados no processo ou tendo em vista o processo).
Não consta do auto de notícia nem das declarações do agente autuante que o arguido tenha sido advertido de que deveria efetuar o teste quantitativo ou através de recolha de sangue e que o arguido se tenha recusado a efetuar estes últimos testes. Aliás, consta do auto de notícia – e assim foi confirmado pelo arguido e pela testemunha BB – que o arguido estava disposto a efetuar o teste através de recolha e análise do sangue, daí a matéria de facto não provada.
A intenção que presidiu à atuação do arguido – tal como dado como provado - deduz-se, sem grande esforço argumentativo e em face das regras da experiência comum, dos factos de natureza objetiva apurados.
Quanto à condição socioeconómica do arguido, valorou-se o teor das declarações do próprio.
Por fim, no que respeita aos antecedentes criminais, o tribunal valorou o CRC de fls 9 e ss., de onde resulta que não podemos tomar em consideração as condenações ali expressas, pois já deveriam ter sido canceladas do registo, atento o disposto no artº 11º, nº 1, als. a) e b), da Lei nº 37/2015, de 05.05. B - Fundamentação de direito 1. Qualificação jurídica dos factos dados como provados:
(…) 1.1. Do crime de desobediência:
O arguido veio acusado da prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos atgs 152º, nºs 1, al. a), e 3, do CE, 348º, nº 1, al. a), e 69º, nº 1, al. c), ambos do Código Penal
Dispõe o artº 348º, no segmento aqui em apreço, que:
1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados da autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) (…).
Com a incriminação deste tipo de condutas tutela-se a legalidade administrativa ou autonomia intencional do Estado e simultaneamente a autonomia intencional do funcionário.
Trata-se de um crime de dano e de atividade, a coberto de uma norma penal em branco, pois a conduta não está descrita na própria norma legal incriminadora, mas através de disposição para que esta remete.
São assim elementos objetivos do tipo a existência de uma determinação ou comando da autoridade ou funcionário, sob a forma de ordem ou mandado, impondo uma determinada conduta, formal e materialmente regular (legalidade material), emanada por quem é funcionalmente competente para o efeito (legalidade orgânica), regularmente comunicada ao destinatário (legalidade formal) e a violação (por ação ou omissão) do dever concretamente emergente desse comando.
Já o tipo subjetivo compatibiliza-se com qualquer forma de dolo (neste sentido M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, in Código Penal – Parte geral e especial, pág. 1175, Almedina, 2014).
Por seu turno, dispõe o artº 152º do Código da Estrada, na parte que para aqui interessa, o seguinte:
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
(…)
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
Por seu turno, dispõe o artº 153º do Código da Estrada o seguinte:
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
a) Do resultado do exame;
b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7 - Quando se suspeite da utilização de meios suscetíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode a autoridade ou o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
O n.º 1 do artº 158.º do Código da Estrada remete para regulamentação autónoma a definição dos meios e métodos a utilizar para a deteção e determinação da quantidade de álcool (a taxa de alcoolemia), regulamentação que, atualmente, consta da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, que aprovou o “Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas” (substituindo o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de outubro).
Ora, o artº 1.º deste Regulamento estabelece o seguinte:
1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo.
2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efetuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3 – A análise de sangue é efetuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.
Por seu turno, dispõe o artº 2º, nº 1, do mesmo Regulamento, que [q]uando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.
Por fim, o n.º 1 do art.º 4.º que dispõe que [q]uando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições em que se encontra não lhe permitirem a realização daquele teste, é realizada análise de sangue.
Temos, assim, três tipos de testes: i) o teste qualitativo, destinado a detetar a presença de álcool no sangue, que é efetuado com analisador qualitativo por meio de ar expirado; ii) o teste quantitativo, destinado a quantificá-la (a determinar a taxa de alcoolemia), que é efetuado com analisador quantitativo por meio de ar expirado; iii) a análise de sangue, também destinada a quantificar a presença de álcool no sangue, efetuada através da recolha e exame de amostra de sangue do examinando.
Assim, quer das citadas normas do Código da Estrada, quer das normas do Regulamento de Fiscalização, resulta que a regra é que a deteção de álcool no sangue seja efetuada através de teste ao ar expirado e que, excecionalmente, a fiscalização da condução sob influência do álcool faz-se através de análise de sangue, de que é recolhida uma amostra em estabelecimento público de saúde. Assim tal sucederá nas seguintes situações: i) em caso de impossibilidade de efetuar o teste em analisador quantitativo; ii) no caso de contraprova, quando o examinando a requeira e opte pelo método da análise de sangue.
Destarte, para o que nos interessa, o arguido estava sujeito à obrigação de se sujeitar aos testes de despiste de álcool no sangue, designadamente o qualitativo, e a ordem que lhe foi dada nesse sentido considera-se legítima e por quem tinha competência para o efeito.
De facto, no que para aqui interessa, os procedimentos de fiscalização, nesse âmbito, dever-se-ão iniciar com o teste de despistagem qualitativo (deteção da presença de álcool no sangue) e, caso o teste se revele positivo, seguir-se-á sujeição a teste quantitativo (para detetar a quantidade dessa substância – TAS) e, só em sede de contraprova, é que o arguido poderia solicitar a análise ao sangue.
No caso dos autos o arguido recusou-se à sujeição ao teste qualitativo de despistagem, mas predispôs-se logo a submeter-se ao teste de análise ao sangue. Quid Iuris?
Ora, entendemos que, ainda assim, o arguido comete o crime de desobediência, pois trata-se da desobediência a uma ordem legítima dada pela OPC para a sujeição a teste de despistagem qualitativo.
A ordem pelos quais os testes estão prescritos na lei não é aleatória, visando, designadamente, poupar o emprego desnecessário de meios, mormente se o teste de despistagem for negativo.
A sujeição do teste por análise ao sangue, por ser intrusiva e lesiva da integridade física do visado só é admissível quando não seja possível a realização de teste por método de ar expirado ou em sede de contraprova de teste de despistagem positivo e, neste caso, a solicitação do próprio visado.
Implica a mobilização de meios, sempre escassos, designadamente das autoridades policiais (que têm de conduzir o arguido a estabelecimento de saúde) e do próprio sistema de saúde.
Ora, não cabe ao arguido escolher o teste que está disposto a realizar, quando é certo que recebeu uma ordem legítima, emanada por quem de direito, para se submeter a teste de despistagem por ar expirado.
Acresce que o arguido, pelo menos, exerceu a condução na Rua ... para aceder ao parque de estacionamento e depois neste último, logrando estacionar a viatura em que se fazia transportar (no parque de estacionamento aberto ao trânsito público – como é o caso - aplicam-se as regras do Código da Estrada – cfr. o artº 2º, nº 2, daquele diploma legal).
Em suma, o condutor que recusa submeter-se ao exame de pesquisa do álcool pelo método de ar expirado, comete o crime de desobediência, mesmo que se disponibilize para realizar exame para pesquisa do álcool através da colheita de sangue.
Para além disso, o arguido agiu com dolo direto, isto é, com a representação do facto e com a intenção de o realizar (cfr. o artº 14º, nº 1, do Código Penal).
Constata-se que estão assim preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, presentes na norma incriminadora, daí que AA deva ser punido pela prática do crime de desobediência que lhe é imputado.
(…)»
IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que a sentença recorrida enferma de nulidade por conter factos diferentes dos que constam da acusação. Ao contrário do que ele alega, não estará em causa uma nulidade por falta de fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 1, b), e 379.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal, mas antes (uma vez que não foi cumprido, quanto a esses factos, o disposto nos artigos 358.º e 359.º do mesmo Código) a nulidade a que se reporta a alínea b) do n.º 1 desse artigo 379.º
Vejamos:
Da acusação consta o seguinte:
«1ºNo dia 14 de Julho de 2023, pelas 23H50, na Rua ..., Espinho, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NV tendo sido interceptado por uma patrulha da PSP de Espinho.
2º Nessa mesma ocasião, o agente da PSP BB, que se encontrava devidamente uniformizado, identificado e em exercício de funções, solicitou ao arguido que efectuasse o teste de pesquisa de álcool no sangue, o que este não acedeu.
3.º Perante o exposto, o referido agente informou o arguido que teria, que se submeter a teste de pesquisa de álcool no sangue quantitativo ou de recolha ao sangue a fim de averiguar a real TAS do mesmo.
4.º Não obstante, o arguido recusou-se a efectuar o teste, mesmo após ter sido advertido pelo agente que tal comportamento o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.»
No final da audiência de julgamento, antes da leitura da sentença, procedeu-se á comunicação dos seguintes factos, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:
«1º) O agente da PSP BB decidiu submeter o arguido ao teste quantitativo por método de ar expirado porquanto este exalava um cheiro a álcool;
2) O arguido foi advertido repetidamente que incorreria na prática de um crime de desobediência caso se recusasse a submeter-se ao teste quantitativo por método de ar expirado.»
Do elenco dos factos provados da sentença recorrida consta o seguinte:
«1.1. No dia 14 de julho de 2023, pelas 23h50m, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-NV pela Rua ..., assim acedendo à rampa de acesso ao parque de estacionamento da Associação ..., ali ficando a aguardar que vagasse um lugar para estacionar o veículo que conduzia.
1.2. Todavia, instado pelo responsável do aludido parque de estacionamento a dali retirar a viatura, recusou-se a fazê-lo, razão pela qual aquele foi chamar o agente da PSP BB, que se encontrava em serviço junto ao A....
1.3. Entretanto, o arguido conduziu a viatura para o interior do parque de estacionamento, parando-o ao lado de veículos estacionados, ainda aguardando que vagasse um lugar.
1.4. Alguns minutos volvidos, compareceu naquele local, devidamente uniformizado, identificado e em exercício de funções, o agente da PSP BB, o qual abordou o arguido no sentido de retirar dali a viatura, ao que este também se recusou.
1.4. Alguns minutos volvidos, compareceu naquele local, devidamente uniformizado, identificado e em exercício de funções, o agente da PSP BB, o qual abordou o arguido no sentido de retirar dali a viatura, ao que este também se recusou.
1.5. Porquanto o arguido exalava um cheiro a álcool, o dito agente da PSP – de modo a evitar que o arguido conduzisse sob a influência do álcool – informou o arguido que deveria submeter-se ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, mas como não dispunha do respetivo aparelho solicitou que outros agentes da PSP ali o trouxessem.
1.6. Nesse meio tempo, o arguido conduziu a viatura acima mencionada e estacionou-o num lugar que entretanto vagara no interior do aludido parque de estacionamento.
1.7. Todavia, quando logo de seguida o aparelho mencionado foi trazido, o arguido recusou-se a fazer o teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado, no que se manteve irredutível, apesar de várias vezes ter sido advertido de que tal comportamento o faria incorrer na prática do crime de desobediência.
1.8. O arguido, apesar de se recusar a submeter ao teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue por ar expirado, predispôs-se a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue.»
Verificam-se, na verdade diferenças entre os factos constantes da acusação e os que constam do elenco dos factos provados da sentença recorrida. A eventualidade de algumas dessas diferenças foi previamente comunicada nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Consta da fundamentação da sentença recorrida, como acima se transcreve, que as outras diferenças correspondem à versão dos factos apresentada pelo arguido na audiência, pelo que não haveria que proceder a essa comunicação, por força do disposto no n.º 2 desse mesmo artigo 358.º. Isso mesmo é confirmado pela audição das declarações do arguido.
Na verdade, nessa situação, em que os factos são invocados pelo arguido, não se justifica a comunicação a que se reporta o n.º 1 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a qual se destina, precisamente, à salvaguarda dos seus direitos de defesa.
É evidente que considerar que o arguido, apesar de se ter recusado a efetuar o teste, qualitativo ou quantitativo, de pesquisa de álcool no sangue por ar aspirado (facto que consta dos acima transcritos artigos 2.º e 3.º da acusação), declarou estar disposto a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue (facto que consta do ponto 1.8 do elenco dos factos provados da sentença recorrida) é um facto que só o pode beneficiar e não se vislumbra em que é que a sua inclusão nesse elenco dos factos provados da sentença recorrida possa prejudicar a sua defesa.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.
IV 2. –
Vem o arguido e recorrente alegar que deverá ser absolvido da prática do crime de desobediência por que foi condenado. A redação algo confusa da motivação do recurso não nos permite discernir com clareza a sua argumentação.
Por um lado, parece que o arguido alega que não constava da acusação o facto que levou à sua condenação, ou seja, a sua recusa de efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue por ar aspirado (como se o que daí constasse fosse apenas a sua recusa a efetuar o teste por meio de recolha e análise de sangue). Mas já vimos que não é assim: esse facto consta dos artigos 2.º e 3.º da acusação.
Por outro lado, parece que a o arguido alega que o facto de se predispor a efetuar o teste por meio de recolha e análise do sangue afasta a prática do crime de desobediência, ainda que se tenha recusado a efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado.
Sobre esta questão já se pronunciou de forma elucidativa a sentença recorrida e a motivação do recurso nada traz de novo a este respeito.
Na verdade, como se afirma na sentença recorrida, não cabe ao arguido escolher o teste que está disposto a realizar. A ordem pelos quais os testes estão prescritos na lei não é aleatória, pois visa poupar o emprego desnecessário de meios, designadamente se o teste de despistagem for negativo. A sujeição do teste por análise ao sangue, por ser intrusiva e lesiva da integridade física do visado só é admissível quando não seja possível a realização de teste por método de ar expirado, ou em sede de contraprova de teste de despistagem positivo e, neste caso, a solicitação do próprio visado. Essa análise implica a mobilização de meios, sempre escassos, das autoridades policiais (que têm de conduzir o arguido a estabelecimento de saúde) e do próprio sistema de saúde. A ordem para realização de teste qualitativo para pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado é, por si só, uma ordem legítima a que é legalmente devida obediência.
Não merece, pois, reparo a condenação do arguido pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, a), e 69.º, n.º 1, c), do Código Penal, com referência ao artigo 152.º, n.º 1, a), do Código da Estrada.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso.
O arguido e recorrente deverá ser condenada em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.
Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça
Notifique
Porto, 19 de dezembro de 2023
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Maria Luísa Arantes
José Quaresma
__________________ [1] Direito Processual Penal Português, Germano Marques da Silva, U. Católica, 2.ª ed. P. 368. [2] “Os factos provados e não provados, são constituídos por concretos factos alegados e contidos quer na acusação, pronúncia, contestações, e pedidos cíveis, que o Tribunal tem expressamente de enumerar, e não por omissão, exclusão de parte, ou por remissão, não cumprindo o disposto no artigo 374 nº 2 do CPP. Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais, que não sejam de mero expediente; “Acórdão do TRL Processo n.º 508/14.0GHVFX.L1-9, relator: Filipa Costa Lourenço.”