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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
PROCESSO DE JUSTIFICAÇÃO
DOAÇÃO VERBAL
USUCAPIÃO
Sumário
I) Constituindo pretensão da autora a declaração judicial de que se considere impugnado o facto justificado no processo de justificação registal instaurado com fundamento no disposto no artigo 116.º e ss. do Código do Registo Predial, requerido pela ré, “por tais factos serem falsos”, verifica-se que a questão da falsidade do declarado no mencionado processo constitui, precisamente, o cerne do objeto do litígio dos autos, pelo que, a demonstração do mesmo, não poderá ser fundada num mero juízo conclusivo e que, nessa medida, não poderá resultar assente por via da não impugnação factual por banda da contraparte. II) A admissão por acordo, decorrente da não impugnação do réu, a que se reporta o n.º 2 do artigo 574.º do CPC, reporta-se a factos, não podendo, por isso, ser admitida por acordo, matéria conclusiva ou de direito, ainda que, sobre ela, o réu não se tenha pronunciado. III) O caso julgado formal reporta-se, como decorre da alínea a) do n.º 1, conjugado com o n.º 3, ambos do artigo 595.º do CPC, à concreta questão apreciada, ou seja, no caso, à verificação de que não existe incompatibilidade entre a dedução cumulada de duas pretensões. IV) Na decorrência de uma tal apreciação em sede de despacho saneador e do correspondente caso julgado formal assim formado, não advém qualquer limitação sobre o conhecimento substantivo ou de direito material sobre a questão da propriedade do acesso pedonal por escadas independentes e sobre se deve ser reconhecido à autora que faz uso exclusivo desse acesso. V) A enunciação sobre os temas da prova não constitui senão a “baliza” nos limites da qual se movem as questões essenciais de facto a apreciar em sede de instrução e julgamento da causa, não formando tal enunciação caso julgado formal. VI) Tendo-se provado que a doação de imóvel à ré foi meramente verbal, não foi observada a forma legal para a doação de um bem dessa natureza, pelo que a doação é nula (cfr. artigos 947.º, n.º 1 e 220.º do CC). VII) Respeitando o facto objeto da justificação ao reconhecimento da aquisição pela ré de prédio rústico (situado na Região Autónoma da Madeira), na sequência de doação verbal conferida em 1996, pelo pai da ré a esta, as limitações decorrentes da definição da área de cultura não têm aplicação à situação dos autos, quer pela retroação dos efeitos da posse invocada pela justificante – cujo início corresponde a momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto -, quer pelo facto de o prédio em questão se situar na Região Autónoma da Madeira e não ter aplicação, dado a situação material em questão se reportar a período temporal anterior à vigência do Decreto Legislativo Regional n.º 27/2017/M, de 23 de agosto, a limitação de unidade de cultura aí consignada. VIII) A invalidade do ato de doação não comporta ou determina má fé da ré na investidura possessória, nem afasta a existência de título bastante para a aquisição por usucapião.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
* 1. Relatório:
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1. BS, identificada nos autos, instaurou contra MF, MS, AR e FS, também identificadas nos autos, a presente ação declarativa, de simples apreciação, sob a forma de processo comum, pedindo, na sua procedência: “a) Declarar-se impugnado para todos os efeitos legais o facto justificado no Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/…. que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz, por tais factos serem falsos; b) Declarar-se ineficaz e de nenhum efeito o processo de justificação por a R. MF no que concerne a aquisição por usucapião do prédio como foi ali identificado e descrito e que se reproduz no articulado 1º da p.i., ordenando-se o cancelamento de inscrição de aquisição e todo e qualquer registo lavrado com base no mencionado processo de justificação e, bem assim, as inscrições posteriores a esta que venham a ser registadas; c) Reconhecer-se a existência e constituição da servidão de passagem identificada e descrita no articulado n.º 31º da p.i., declarando-se a sua constituição exclusivamente sobre o prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …; d) Reconhecer-se que o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada identificado e descrito no articulado n.º 22º da p.i. é de uso exclusivo do prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …, dele fazendo parte; (…)”.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- No dia 27 de Junho de 2018 foi instaurado junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz o processo de justificação para estabelecimento/reatamento do trato sucessivo, que deu origem ao Processo de Justificação n.º …/… (Ap. …/…), em que a Ré MF declara ser dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respetiva sob parte do artigo …/… da Secção "…” e que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/… da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos;
- A Ré MF afirmou que o imóvel veio à sua posse "ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, dos pais dela, MF e MGS, primeiro cultivando bananeiras e vinha e posteriormente, no ano de 1998, já no estado de casada, ali edificou umas benfeitorias urbanas;
- Essas afirmações prestadas pela Ré são falsas e uma parcela que consta da escritura de justificação pertence à Autora, tendo-se constituído uma faixa de aproximadamente 48m2 exclusivamente sobre o prédio urbano de JF e da Autora para beneficiação da parcela de terreno doada à R. MF, no ano de 1996;
- É absolutamente falso que a Ré MF tenha recebido por doação verbal o prédio rústico tal como é descrito e identificado e com os fundamentos expostos no pedido de justificação; e
- O prédio justificado projeta-se sobre parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, concretamente sobre a faixa de terreno onde se constituiu a servidão e também sobre o acesso pedonal independente e de uso exclusivo à parte afeta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais.
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2. Citadas as rés, apenas a ré MF contestou, por exceção - invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade passiva – e por impugnação, alegando, em síntese, que:
- O prédio objeto do processo de justificação pela Ré encontra-se perfeitamente delimitado nas suas estremas por muros, muretes, escadas, degraus, vedações, acessos e passagens em cimento que não deixam dúvidas sobre a sua configuração material e física e que dele faz parte a faixa de terreno que dá acesso à estrada pública;
- Existe, efetivamente, uma faixa de terreno, com cerca de 32 m2, para passagem de pessoas e veículos, de ligação ao Caminho EC, que é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré, mas tal faixa de terreno não foi objeto do processo de justificação, nem é propriedade da Autora e de seus filhos;
- A aludida faixa de terreno continua a fazer parte do acervo da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de MF e mulher MGS, sendo parte sobrante do prédio rústico com o artigo …/… da Secção "…” da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos.
Concluiu pela procedência das exceções invocadas e, se se entender que a questão é de fundo, pela improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos.
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3. A autora exerceu o contraditório relativamente às exceções invocadas pela ré contestante (cfr. requerimento de 26-10-2022).
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4. Teve lugar audiência prévia e, em 18-01-2023 foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, julgadas improcedentes as exceções invocadas, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova e foram admitidos, nos termos de despacho então proferido, os meios probatórios.
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5. A autora reclamou do objeto do litígio identificado e dos temas da prova enunciados (cfr. req. de 30-01-2023), reclamação que foi deferida por despacho de 19-04-2023.
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6. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, tendo sido realizada inspeção ao local.
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7. Em 01-08-2023 foi proferida sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor: “A) Absolvo as Rés MF, MS, AR e FS da totalidade dos pedidos deduzidas pela Autora BS. B) Julgo improcedente o pedido de impugnação do facto justificado no Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/… que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz. C) Julgo improcedente o pedido de ineficácia do Processo de Justificação n.º …/… requerido pela Ap. …/… que correu termos na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz. D) Julgo improcedente o pedido de reconhecimento da existência e constituição da servidão de passagem sobre o prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …. E) Julgo improcedente o pedido de reconhecimento de que o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada, situado entre as duas moradias, é de uso exclusivo do prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo … e faz parte do mesmo. F) Condeno a Autora BS no pagamento da totalidade das custas processuais (…)”.
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8. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação e sua substituição por decisão que condene as rés nos pedidos, tendo formulado as seguintes conclusões: “A) A Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que pôs termo à causa e julgou a acção interposta totalmente improcedente, porquanto a mesma assenta, salvo o devido respeito, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito e em erro na apreciação do mérito. B) O presente recurso que abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença recorrida é desfavorável à Recorrente, o que implica a reavaliação e reponderação da matéria de facto e de direito que suportam a decisão proferida pelo Tribunal a quo e que se pretendem ver analisadas e decididas de forma diversa por este Venerando Tribunal, determinando-se no final a revogação da douta sentença, com substituição por decisão que determine a procedência dos pedidos deduzidos nos autos pela Autora com a propositura da acção. Da impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo relativa à matéria de facto C) A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação de parte da matéria de facto dada como provada, existindo desconformidade entre os factos alegados, os elementos de prova produzidos e a decisão sobre os mesmos, seguindo impugnados nos termos do artigo 640º do C.P.C. os restantes factos dados por provados e também sobre a matéria de facto não provada (com excepção dos factos c), d) e k) por se apresentarem incorrectamente julgados face à prova reunida nos autos, havendo, portanto, desconformidade entre os elementos de prova e a sentença recorrida, o que impõe uma decisão diversa. D) A reapreciação da prova que nos ocupa este recurso, sem prescindir do reexame de todos os elementos probatórios documentais admitidos nos autos e também das ilações obtidas pela inspecção ao local (cfr. ata de inspecção ao local datada de 02.05.2023 com a ref. 53506236), incide maioritariamente sobre a prova testemunhal produzida e importa a sua análise critica ao tratamento e motivação seguida pelo Tribunal a quo. E) A valoração da prova testemunhal deve ser orientada por critérios de racionalidade, lógica e objectividade, conjugando-se, entre outros, a razão de ciência, as relações familiares, o modo de articulação e produção da prova e as regras da experiência, que julgamos não terem sido adoptados na douta sentença. F) Dos concretos meios de prova documental que são identificados e de prova testemunhal transcrita com indicação das passagens da gravação e atenta a reapreciação dos fundamentos da decisão sobre as questões de facto, entende a Apelante que deverá daí conduzir à alteração e ao aditamento do elenco da matéria de facto provada, resultando no seguinte: 7 - O prédio da Autora confronta ao Caminho EC e sempre teve comunicação pedonal independente e directa com a via pública, enquanto a entrada de veículos foi feita, mais tarde, através da constituição de uma faixa de passagem em novembro de 1996. 13 - Uma parte do prédio rústico justificado de cerca de 200m2 integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGS e não integra a parcela de terreno doada à Ré MF. 15 - A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2. 17 - A Ré MF pediu ao irmão JF e à Autora autorização para sobre o prédio urbano destes ser criada uma faixa de passagem de veículos, que permitisse a ligação direta da parcela que lhe havia sido atribuída à estrada. 17A - A faixa de terreno da passagem de veículos não integra a parcela doada no ano de 1996, nem o prédio justificado e não pertence à Ré MF. 17B - A faixa de terreno que permite a passagem de pessoas e veículos foi constituída numa parcela de terreno que pertence ao prédio da Autora (prédio serviente) para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré MF (prédio dominante). 19- O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública foi construído por JF antes do ano de 1996 numa área que pertence ao prédio da Autora e do seu marido JF. 20- Os custos da construção da faixa de passagem de veículos foram suportados pela Ré MF e o seu então marido e também no que respeita às obras de adaptação do existente naquela parcela pela Autora e o marido JF. 24- O acesso pedonal independente, constituído por escadas, que se situa entre as moradias é de uso exclusivo da Autora para aceder a uma parcela afecta à cultura da vinha, à agricultura e à criação de animais, com passagem de águas de rega pela levada com origem no poço/reservatório/tanque de água. 25- A Autora e JF sempre afectaram parte do seu imóvel ao cultivo de horta, árvores de fruto e vinha, bem como à criação de animais. 29A - A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis. 30A - As Rés MS, AR e FS prestaram declarações falsas no processo de justificação sobre o prédio justificado. 36 - A Autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território. G) A alteração da decisão sobre a questão de facto 7 é necessária atendendo à complexidade da matéria em discussão e à densidade da prova produzidas nos autos e aqui reapreciada, concorrendo, na reavaliação outros elementos de prova documental admitidos nos autos - os documentos 15 e 20 juntos com a petição inicial - e a prova testemunhal produzida, concretamente, o depoimento gravado da testemunha FMS devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:00:19 e termo aos 00:00:32, com início aos 00:04:33 e termo aos 00:04:58 e com início aos 00:07:38 e termo aos 00:08:15, o depoimento gravado da testemunha RF devidamente transcrito sobre as passagens com inicio aos 00:07:25 e termo aos 00:07:30, com início aos 00:16:54 e termo aos 00:17:48 e com início aos 00:19:00 e termo aos 00:19:30, o depoimento gravado da testemunha JFF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:09:19 e termo aos 00:09:41 e início aos 00:10:23 e termo aos 00:11:47 e o depoimento gravado da testemunha MAF devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:07:56 e termo aos 00:08:12. H) Os meios probatórios concretizados e constantes do processo permitem clarificar que o prédio da Autora, apesar de confrontar a leste com a via pública, não dispõe, nem nunca dispôs, de outra entrada de veículos alternativa à discutida nos autos, o que, subsequentemente, permitiu o Tribunal a quo dar por provado que “a faixa de terreno construída em meados de novembro de 1996 é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré ” (cfr. pontos 16 e 21 dos factos provados pela sentença recorrida). I) Na alteração da decisão sobre o facto 13 concorre a prova testemunhal produzida nos autos, concretamente, o depoimento gravado da testemunha JASF devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:12:01 e termo aos 00:12:48, o depoimento gravado da testemunha RF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:12:35 e termo aos 00:13:28 e com início aos 00:14:08 e termo aos 00:14:25, o depoimento gravado da testemunha MAF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:10:22 e termo aos 00:11:09, com início aos 00:11:29 e termo aos 00:11:55 e com início aos 00:13:12 e termo aos 00:14:46, o depoimento gravado da testemunha MAS devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:19:25 e termo aos 00:20:55 e com início aos 00:21:10 e termo aos 00:21:43, o depoimento gravado da testemunha MATF devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:10:06 e termo aos 00:13:27. J) Também a interpretação dos documentos 10, 11, 12 e 13 juntos com a petição inicial e também do documento 2 da contestação impõe decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnada diversa da recorrida. K) A Ré MF não poderia ignorar que esta parcela não lhe pertence, nunca tomando posse, pois tinha conhecimento directo que os seus pais, em nome próprio, de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé, possuíram e suportaram os respetivos encargos, cuidando da terra, plantando, regando, fertilizando e cultivando vinhas e delas tirando as suas utilidades, e que, mais tarde, veio a integrar as heranças por óbito dos seus pais. L) Da reapreciação deste facto resulta que sobre esta parcela não exerceu a Ré MF uma posse composta por corpus e animus, tratando-se, antes, de ocupação de um bem de herança - declarado na relação de bens que consta do doc. 11 da p.i. - desprovida de animus, exercendo a Ré, a simples detenção como decorre do artigo 1253º do Código Civil, nem nunca poderá ser admitida em caso de detenção a sua aquisição por usucapião, desde logo, por não manifestado no enquadramento fáctico e fundamentos do processo de justificação impugnado. M) A alteração parcial da decisão sobre o facto 15 diz unicamente respeito à questão da área de 543m2 por erro notório na apreciação e julgamento, aceitando-se como matéria de facto provada a exclusão do solo onde foi constituída a faixa de passagem da parcela doada e justificada pela Ré MF. N) O facto justificado pela Ré MF no processo de justificação na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e impugnado na presente acção corresponde ao "prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que se confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com o Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respectiva sob parte do artigo …/… da Secção “…”, o qual é parte a desanexar do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/….”, conforme declarado no pedido reproduzido no documento 1 junto com a petição inicial. O) Se o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação do facto tal como justificado pela Rés, não se compreende ou aceita que na douta sentença seja dado por provado que aquela parcela tem uma área superior à justificada pela Ré MF, ou seja, a área de 543m2! P) A alteração da decisão sobre o facto 17 e aditamento dos factos 17A e 17B decorre de manifesto erro da apreciação da matéria pela douta sentença, devendo prevalecer, antes, o entendimento que a solução dada à circulação de veículos para a moradia da Ré MF pela criação de uma faixa de passagem ficou dependente da autorização do casal JF e BS, sendo que a intervenção da Autora e do seu marido no domínio de facto e de direito não se resumiu à mera “colaboração” com os interesses da Ré MF e importou a constituição de uma servidão de passagem aparente no prédio da Autora e de JF (prédio serviente) para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré (prédio dominante). Q) Sobre a necessidade e motivo da autorização da Autora e de JF para a constituição da passagem de veículos, além da prova testemunhal produzida nos autos e com as passagens gravadas e anteriormente transcrita sobre o facto 7, concorrem concretamente, o depoimento gravado da testemunha LF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:04:27 e termo aos 00:07:09, com início aos 00:26:01 e termo aos 00:26:54 e com início aos 00:28:00 e termo aos 00:28:55, o depoimento gravado da testemunha JASF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:02:04 e termo aos 00:02:59, com início aos 00:06:48 e termo aos 00:08:28, com início aos 00:09:28 e termo aos 00:10:12, com início aos 00:10:18 e termo aos 00:11:30 e com início aos 00:14:57 e termo aos 00:15:13, o depoimento gravado da testemunha JS devidamente transcrito sobre as passagens com início aos_00:03:32 e termo aos 00:04:03, com início aos 00:08:39 e termo aos 00:09:15 e com início aos 00:13:10 e termo aos 00:13:17, o depoimento gravado da testemunha AG devidamente transcrito sobre as passagens com início 00:02:28 e termo aos 00:02:50, com início aos 00:02:53 e termo aos 00:03:22, com início aos 00:04:32 e 00:05:46 e com início aos 00:06:19 e termo aos 00:07:14, o depoimento gravado da testemunha MA devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:03:58 e termo aos 00:04:10, com início aos 00:04:34 e termo aos 00:05:47, com início aos 00:06:02 e termo aos 00:06:36, com início aos 00:10:17 e termo aos 00:10:50 e com início aos 00:12:26 e termo aos 00:14:42. R) A parcela que a Ré MF recebeu de doação não disponha à data de acesso de veículos à via pública (cfr., facto 11 dado por provado), pelo que a viabilidade desse acesso para passagem de viaturas estaria, portanto, sempre dependente da cedência de terreno dos prédios confinantes que disponham de acesso livre e desimpedido ao hoje Caminho EC, sendo que a solução passaria ou pelo prédio dos vizinhos SA e JP, localizado a Norte da parcela doada à Ré, ou, como veio a ser prosseguido, pelas traseiras do prédio do irmão JF e da Autora. S) Sem a autorização da Autora e JF não havia sido construída aquela passagem voluntariamente nas traseiras da sua moradia e que implicou a necessidade de adaptação de utilidades já lá existentes e implementadas pelo casal BS e JF há mais de 20 anos sobre a data da obra da constituição da passagem no ano de 1996. T) A servidão foi constituída voluntariamente e por acordo sobre o prédio da Autora e do seu marido e sem a qual a moradia da Ré MF apenas beneficiaria do acesso à via pública que lá existia por uma vereda pedonal de pouca largura. U) A Autora e JAF foram os primeiros a receber por doação do casal MF e MGS uma parcela de terreno e ali construir a sua moradia, que remota o ano de 1975 (cfr. factos 4 a 6 provados na douta sentença). V) Foi consensual em todos os depoimentos recolhidos que a Autora e JF, como primeiros, beneficiaram de escolher a parcela numa das “pontas do prédio- mãe” - a parcela de terreno identificada pelo número 2 do levantamento topográfico do doc. 22 junto com a petição inicial - e que, enquanto nada foi construído no terreno onde, por último, a Ré MF veio a implementar benfeitorias urbanas, o JF, marido da Autora, com autorização do pai MF, explorou aquela parcela para fins pecuniários, nela construindo um palheiro/curral, uns galinheiros e uma retrete. Anos depois, quando o pai MF autorizou a construção da moradia pela Ré relembraram estas testemunhas que o marido da Autora de imediato desocupou-a e retirou tudo o que havia implementado temporariamente naquela parcela, que veio a ser confirmado nas declarações de parte da Ré MF na passagem gravada e transcrita com início aos 00:20:50 e termo aos 00:21:06. W) Pela mesma “ordem de ideias” o JF, marido da Autora, haveria aceite desocupar de pessoas e bens tudo o solo alheio que viesse a ser afecto à construção das benfeitorias urbanas pela Ré MF e se não o fez deve prevalecer a tese: o solo onde existe o poço e onde foi criada a passagem integra o prédio do casal JF e BS. X) A Ré MF é titular de um direito de servidão de passagem, que possibilita o acesso ao seu prédio (prédio dominante) através das traseiras do prédio da Autora, sendo que o solo onde se situa a servidão pertence ao prédio da Autora (prédio serviente), reconhecendo ambas as partes esse encargo sem estorvo e que que impede a separação da servidão. Y) O direito de passagem nunca foi questionado pela Autora e pelo seu marido, destacando ainda os sinais que existem no local, particularmente a instalação metálica sobre a passagem soldada à moradia da Autora para cultivo próprio de vinha no doc. 20 da p.i., primeira e segunda fotografia, o número de polícia/ porta da moradia da Ré no doc. 21 da p.i. primeira fotografia com uma sinalização a apontar para baixo, a pré-instalação abaixo de cabos de electricidade para iluminação exterior e colocação de portão automatizado na moradia da Ré no doc. 19 da p.i. primeira fotografia. Z) O prédio justificado que veio à posse da justificante ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1996, por doação verbal e não titulada à Ré MF (cfr. facto 10 provado pela douta sentença) não abrange a parcela referente à faixa de terreno da passagem de veículos constituída em meados de Novembro de 1996. AA) Da motivação de Direito da sentença recorrida “A questão de reconhecer a propriedade dessa faixa de terreno à Ré MF não se coloca, uma vez que a mesma refere expressamente em sede de contestação que essa faixa de terreno, com cerca de 32m2, para passagem de pessoas e veículos, de ligação ao Caminho EC, que é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré, não foi objeto do processo de justificação (...)” , remetendo-se para o confessado pela Ré nos art.ºs 27º a 32º da contestação apresentada. BB) O princípio da concentração da defesa implica que todos os meios de defesa contra a pretensão devem ser deduzidos na contestação, obstaculizando que a Ré venha alegar, depois da contestação, factos não alegados ou modificar a versão dos mesmos, nomeadamente nas transcritas declarações de parte em audiência de julgamento na passagem gravada com início aos 00:02:42 e termo aos 00:03:00 CC) A subscrever o entendimento de que o terreno da Ré MF não tinha acesso à via pública, corroboram o depoimento gravado da testemunha MAS devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:04:53 e termo aos 00:06:16 e com início aos 00:17:26 e termo aos 00:19:20. DD) Quando se refere não tem acesso (cfr. facto 11 da douta decisão), seja por via cimentada, seja por terra batida, intui-se, no fundo, que o prédio doado não disponha na sua configuração material de extensão própria e autónoma que permitisse a ligação de veículos da moradia a ser construída pela Ré ao Caminho EC. EE) A destruição da vereda de pouca largura para o acesso onde é feita a passagem de viaturas que hoje vemos no local - cfr. registo fotográfico dos docs. 20 e 21 juntos com a p.i.- implicou um alargamento para uma parcela de terreno alheio, neste caso, que coincide com as traseiras do prédio da Autora e de JF, onde já existia o poço de rega e outras benfeitorias. FF) A decisão recorrida sobre esta questão não ponderou com crítica toda a prova testemunhal produzida e respectiva articulação com a demais matéria de facto provada com suporte nos depoimentos das testemunhas apresentadas pela Autora, bem como por outras testemunhas apresentadas pela Ré MF, nomeadamente, FMS, RF, JFF e MAV com os antecedentes depoimentos registados e transcritos sobre o facto 7. GG) O solo onde veio a ser construída a passagem de veículos integra o prédio da Autora e JF, como prédio serviente, contendo vinhas e um corredor de ferro, um poço de rega, um tanque de água potável e um muro a confrontar com a via pública, tudo implementado pelo JF e integrando usos e utilidades do respectivo prédio afecto por este casal desde 1975. HH) A faixa de passagem constituída em meados de Novembro de 1996, portanto, há mais de vinte e cinco anos (quer sobre a data da justificação, quer sobre a data da propositura da presente acção), por acordo da Autora e do seu marido JF e da Ré MF e do seu então marido, e que se revela por sinais visíveis e permanentes, conforme é identificada no registo fotográfico dos docs. 20 e 21 da p.i., corresponde a uma servidão aparente. II) A eficácia das servidões aparentes não depende do seu registo, produzindo efeitos entre as partes e também contra terceiros, conforme respectivamente resulta do n.º 1 do artigo 4º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º ambos do Código do Registo Predial. JJ) O prédio da Autora como prédio serviente aufere também das utilidades da servidão (cfr., n.º 3 do artigo 1567º do Código Civil), reconhecendo-se nos autos “essa faixa de terreno é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré” (ponto 21 dos factos provados na douta sentença). KK) Justificando-se, assim, que as obras da construção da rampa tenham sido feitas à custa da Ré MF e do seu então marido, com adaptação do construído naquele solo pela Autora e pelo marido JF. LL) A alteração da decisão sobre o facto 19 impõe-se por não ser reconhecido, por erro de julgamento da douta decisão, que o solo onde foi construída a estrutura de retenção de águas em momento anterior à criação da faixa de passagem no ano de 1996 integra o terreno da Autora e do seu marido. MM) O poço é uma necessidade para o agricultor madeirense, permitindo o armazenamento de águas destinadas à rega e de afectação agrícola para uso frequente e necessário ao cultivo dos seus terrenos. NN) A afirmação da Ré MF nas declarações de parte devidamente transcritas nas passagens com início 00:22:50 e termo aos 00:23:20 e com início aos 00:23:33 e termo aos 00:24:10 sobre a autoria da construção do poço não tem correspondência com o apurado pela prova testemunhal produzida nos autos. OO) Encontra-se reunida prova testemunhal suficiente a atestar a construção do poço/reservatório/tanque de água pela Autora e o marido JF em terreno próprio localizado nas traseiras da moradia destes, remetendo-se para os antecedentes depoimentos das testemunhas devidamente transcritos sobre a factualidade analisada anteriormente e que se reiteram, concretamente, as declarações das testemunhas LF (início aos 00:04:27 e termo aos 00:07:09, início aos 00:26:01 e termo aos 00:26:54 e início aos 00:28:00 e termo aos 00:28:55), JASF (início aos 00:06:48 e termo aos 00:08:28 e início aos 00:10:18 e termo aos 00:11:30), JS (início aos 00:03:32 e termo aos 00:04:03, início aos 00:08:39 e termo aos 00:09:15 e início aos 00:13:10 e termo aos 00:13:17), AG (início aos 00:02:53 e termo aos 00:03:22, início aos 00:04:32 e termo aos 00:05:46 e início aos 00:06:19 e termo aos 00:07:14) e MA (início aos 00:04:34 e termo aos 00:05:47, início aos 00:02 e termo aos 00:06:36, início aos 00:10:17 e termo aos 00:10:50 e início aos 00:12:26 e termo aos 00:14:42), acrescendo, o depoimento gravado da testemunha LF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:02:27 e termo aos 00:03:00 e com início aos 00:08:09 e termo aos 00:08:36, o depoimento gravado da testemunha JASF devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:13:01 e termo aos 00:13:41, o depoimento gravado da testemunha JS, devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:04:05 e termo aos 00:04:59, com início aos 00:06:08 e termo aos 00:08:39, com início aos 00:09:00 e termo aos 00:10:02, com início aos 00:10:48 e termo aos 00:12:00, com início aos 00:13:59 e termo aos 00:14:31 e início aos 00:15:45 e termo aos 00:16:26, o depoimento gravado da testemunha AG, devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:07:18 e termo aos 00:07:44, com início aos 00:12:18 e termo aos 00:12:36, com início aos 00:15:18 e termo aos 00:15:38 e com início aos 00:16:07 e termo aos 00:16:42, o depoimento gravado da testemunha MA, devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:23:04 e termo aos 00:23:15, o depoimento gravado da testemunha RF, devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:15:03 e termo aos 00:16:04. PP) As testemunhas mencionadas relataram os factos de forma convicta, articulada e com razão de ciência e demonstraram conhecer a realidade histórica do prédio que inicialmente pertencia ao casal MF e MG e a sua evolução até à actualidade, descrevendo, quando confrontadas pelos docs. 18 a 21 da p.i., onde começa e termina o prédio de BS e JF, extensão e respectivas utilidades, integrando o poço, construído muito antes da passagem de veículos em meados de Novembro de 1996, no prédio da Autora. QQ) Da alteração da decisão sobre o facto 20 impõe-se por o Tribunal a quo erradamente assumir um entendimento redutor de tão-só os custos terem sido suportados pela Ré e pelo seu então marido, ignorando na sua plenitude a adequada ponderação e avaliação da sustentada “colaboração” da intervenção de JF e da Autora na realização da constituição de passagem de veículos, que se manifestou pela combinação material de “esforços” entre a Ré MF e o seu então marido e a Autora e o seu marido JF. RR) Apesar de se admitir que a rampa em si foi construída pela Ré MF e pelo seu então marido, afasta-se, todavia, todo e qualquer entendimento que reúna na pessoa da Ré a titularidade do solo onde foi construída a passagem de veículos pelo simples facto de ter suportado os custos dessa obra, como é reproduzido por algumas das testemunhas arroladas pela Ré, sendo incompatível com o regime jurídico que regula as servidões prediais, especificamente «as obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante» (cfr., n.º 1 do artigo 1567º e n.º 1 do artigo 1566º ambos do Código Civil). SS) Não pode, assim, ser ignorado na reapreciação desta questão que a constituição da servidão de passagem dependeu do “contributo” pela autorização da Autora e o seu marido através da cedência de terreno nas traseiras da habitação destes e que “obrigou a realização de obras de adaptação, nomeadamente a destruição de um muro de vedação e à redução de área de um reservatório/tanque de água localização na extrema- leste do prédio junto à via pública, construído pela Autora e marido juntamente com a habitação, procedendo também à colocação de vedação metálica protectora”, cfr. ponto 18 dos factos provados na douta sentença, seguindo-se melhoramentos e acabamentos naquele acesso. TT) Nesta matéria de facto, concorrem todos os meios probatórios ora mencionados, particularmente as declarações obtidas pela produção da prova testemunhal identificada, citada e devidamente transcrita na impugnação dos pontos 7, 13, 17 e 19 dos factos dados por provados pela sentença recorrida, os quais se reiteram para os devidos efeitos legais, acrescendo os depoimentos gravados da testemunha JS devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:14:00 e termo aos 00:14:28, o depoimento gravado da testemunha MA, devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:07:22 e termo aos 00:08:17 e com início aos 00:25:14 e termo aos 00:25:52. UU) A alteração da decisão sobre o facto 24 e sobre o facto 25 é suportado na interpretação da prova documental do doc. 8 junto com a p.i. e do doc. 2 da contestação em articulado com as declarações de parte da Ré MF gravadas e devidamente transcritas sobre as passagens com início aos 00:04:37 e termo aos 00:04:47 e com início aos 00:10:20 e termo aos 00:11:46, manifestando o interesse de integração do acesso pedonal por escadas independentes e com passagem de águas pela levada aquando da legalização da construção da sua moradia após o ano de 1998 pela exigência de afastamentos pela câmara municipal. VV) Sobre os usos e utilidades deste acesso pedonal por escadas independentes e com passagem de águas pela levada encostada ao prédio da Autora, melhor identificado nos registos fotográficos dos docs. 18 e 19 da p.i., remete-se para os esclarecimentos presentes no depoimento gravado da testemunha LF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:29:01 e termo aos 00:30:12 e com início aos 00:32:06 e termo aos 00:33:09, no depoimento gravado da testemunha JASF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:03:12 e termo aos 00:06:07, com início aos 00:12:01 e termo aos 00:12:48, com início aos 00:29:46 e termo aos 00:30:37 e com início aos 00:36:14 e termo aos 00:36:44, no depoimento gravado da testemunha JS devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:04:24 e termo aos 00:04:34, com início aos 00:06:09 e termo aos 00:07:10 e com início aos 00:07:23 e termo aos 00:08:12, no depoimento gravado da testemunha AG devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:09:16 e termo aos 00:09:30, com início aos 00:10:32 e termo aos 00:11:05 e com início aos 00:17:31 e termo aos 00:18:09, no depoimento gravado da testemunha MA devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:15:24 e termo aos 00:15:55. WW) A terra e vinha são cultivadas e são retirados os frutos e criados animais pela Autora e filhos, e, ainda, por trabalhadores agrícolas contratados por estes, tudo através daquele acesso. XX) A passagem de água pela levada situa-se no acesso pedonal à esquerda junto ao prédio da Autora - cfr. docs. 18 e 19 da p.i, pois as águas partem do poço construído nas traseiras da moradia pelo casal JF e BS, os quais procedem ao seu uso exclusivo, manutenção e custeamento da água de rega. YY) Este acesso pedonal integra-se no prédio da Autora e de JF. ZZ) Não foram provados ou concretizados em actos materiais os eventuais usos que a Ré MF retira daquele acesso, firmando-se de forma genérica e sem enquadramento fáctico a uma eventual necessidade de limpar ou pintar a parede da moradia da Ré. AAA) O interesse real e efectivo da Ré em integrar no prédio justificado aquele acesso reside tão-só na questão de afastamento entre prédios que não respeitou aquando da construção da moradia, conforme foi percetível nas suas declarações, admitindo que, mais tarde, anos depois de ter construído, “quando legalizou a casa a Câmara exigiu que houvesse um espaço à volta da casa”, precisando daquele acesso pedonal. Reconhecendo várias testemunhas que aquele acesso construído pelo JF e pela Autora sofreu alterações na sua configuração e também na sua largura aquando da construção da moradia pela Ré no ano de 1998, pelo que se concluiu tratar de uma construção pré-existente às benfeitorias implementadas pela Ré MF com correspondência numa moradia unifamiliar. BBB) O processo de justificação impugnado também atinge o direito de propriedade da Autora no que respeita à sua habitação própria, acessos e terreno que formam uma unidade económica, colocando em perigo o uso, fruição e devidas utilidades, nos termos legalmente estatuídos, resulta provado nos autos que o facto justificado projecta-se sobre parte do prédio da Autora, concretamente sobre o acesso pedonal independente, com passagem de águas pela levada e de uso exclusivo à parte afecta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais e que se confirma pelo subsequente cadastro e Março de 2022 (cfr. doc. 23 da p.i.) face à reclamação cadastral de 27.06.2018 (cfr. doc. 2 da p.i.). CCC) Não poderia a Ré MF ignorar que o prédio justificado não lhe pertence e não corresponde à parcela de terreno que efectivamente foi doada de forma verbal e não titulada pelos seus pais, indo além das benfeitorias urbanas implementadas no ano de 1998. DDD) Sobre o aditamento do facto 30A, importa ter subjacente que a questão fulcral que se coloca numa acção de impugnação de justificação consiste precisamente em saber se as declarantes, admitidas nos presentes autos como Rés, fizeram declarações verdadeiras e, portanto, se o direto em disputa é titulado pela justificante ou se, pelo contrário, há falsidade das declarações prestadas. EEE) Não beneficiando da presunção do registo, cabe às demandadas a prova em juízo dos factos constitutivos do direito invocado, bem como o ónus de prova da veracidade das declarações que prestaram sobre o facto justificado preservadas no doc. 4 junto com a petição inicial. FFF) Sobre a imputada falsidade das declarações prestadas, as Rés MS, AR e FS, pessoal e regularmente citadas, nada disseram ou requereram, não deduzindo contestação, não impugnando os factos que constam da petição inicial. GGG) Após a produção da prova tornou-se evidente a falsidade das declarações prestadas pelas Rés sobre o prédio justificado por manifesta incompatibilidade do teor das suas declarações com o que se veio a apurar em sede de produção de prova. HHH) O teor das declarações prestadas pelas Rés MS, AR e FS revela desconhecimento sobre o facto a ser justificado no ano de 2018. III) A incompatibilidade destas declarações manifesta-se quando na descrição do prédio justificado refere-se que confronta a Leste com o Caminho EC, enquanto que as Rés MS, AR e FS aludem à existência de uma vereda e que o prédio não tem ligação à via pública por veículos. JJJ) À data em que estas declarações foram prestadas - Janeiro de 2019 - o acesso às benfeitorias urbanas implementadas pela Ré MA é feito pela faixa de passagem que veio a ser constituída antes da construção da moradia e que remontam a meados de Novembro de 1996! Sendo a moradia da Ré construída no ano de 1998! KKK) A moradia da Ré MF já implementada (cfr. doc. 19 da p.i.) nunca beneficiou verdadeiramente da vereda, porque à data da sua construção essa vereda pedonal já não existia. O que lá existia e existe hoje, desde meados de Novembro de 1996, é a passagem de veículos! LLL) Ao mesmo tempo as declarações sobre o cultivo pela Ré MF revelam falsidade perante a reapreciação dos pontos 13 e 25 da douta decisão e dos depoimentos manifestados e transcritos anteriormente a este respeito das testemunhas LF, JASF, JS, AG, MA, RF e MAF, particularmente sobre a posse e o cultivo de parte da parcela justificada por MF e sobre a sua integração nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGA.. MMM) A falsidade das declarações prestadas pelas Rés MS, AR e FS perante a Sra. Conservadora do Registo Predial de Santa Cruz prejudica a validade do processo de justificação e facto justificado. NNN) O aditamento do facto 29A à matéria de facto provada por erro notório de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo tem suporte na prova documental junta pela Autora, não impugnada e admitida nos autos e, também, nas declarações de parte gravadas referente à passagem já transcrita com início aos 00:10:20 e termo aos 00:11:07. OOO) À data da instauração do processo de justificação - aos 27.06.2018 – posterior face ao falecimento dos proprietários MF e MS respectivamente aos 30.03.2004 e 06.04.2009, conforme assentam os factos dados por provados nos pontos 2 e 26 na douta sentença -, era do conhecimento pessoal e directo da Ré MF que uma parcela do prédio a justificar integrava as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais e que se encontrava relacionado no Processo de Imposto Sucessório com o número de participação … sob a verba 7, conforme docs. 11, 12 e 13 da petição inicial. PPP) A omissão pela justificante do falecimento dos seus pais e o chamamento dos sucessíveis no direito se revelou intencional, determinando a não notificação a que se refere o artigo 117º-G do Código do Registo Predial dos restantes dez herdeiros certos e conhecidos, nomeadamente da Autora e seus filhos em representação de JF, conforme se obtém pelo documento 3 junto com a petição inicial, com efeitos sobre a preclusão de meios de recção e tramitação sucessiva do próprio processo que levou à procedência da justificação. QQQ) Agiu a Ré MF de forma premeditada e deliberada pela omissão perante oficial público do falecimento dos proprietários do prédio submetido ao pedido de justificação, os seus pais MF e MGS, seus pais, pretendendo evitar o chamamento de todos os herdeiros e seus representantes que impedisse a procedência do pedido de justificação e até um eventual processo de inventário. RRR) O aditamento do facto 36 também decorre de erro notório de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo concorrendo o depoimento gravado da testemunha LF, devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:30:17 e termo aos 00:31:50, não contrariado pela única contestação apresentada pela Ré MF, nem por nenhuma da demais prova testemunhal produzida. SSS) Dos elementos de prova documental juntos pela Autora com a propositura da acção devem ser considerados e valorados neste aspecto, desde logo por não impugnados pela Ré, particularmente a certidão que consta do documento 8 da p.i. datada de 28.03.2022 e que corresponde à Reclamação Administrativa n.º …/…/…, bem como o documento 23 da p.i. emitido aos 29.03.2022 e correspondente ao cadastro predial, ambos emitidos pela Direcção Regional do Ordenamento do Território. TTT) Com a alteração da matéria de facto nos termos e fundamentos acima sustentados entende a Apelante que deve ser proferida decisão final diversa por este Venerando Tribunal que determine a procedência da acção. Da matéria de Direito aplicada pelo Tribunal a quo sobre as questões jurídicas discutidas nos autos. UUU) As declarações prestadas no processo de justificação pelas Rés MS, AR e FS recolhidas no doc. 4 da petição inicial são manifestamente incompatíveis com a realidade do prédio justificado em Janeiro de 2018, padecendo de falsidade, como melhor resulta da impugnação da matéria de facto a este respeito. VVV) Por outra via, a interpretação que a douta sentença faz para aplicação da alínea a) do artigo 568º do C.P.C. no que respeita à revelia absoluta por falta de contestação das Rés MS, AR e FS é incorrecta e não se aplica no caso sub judice, pelo que a sentença recorrida violou por erro de interpretação o disposto no n.º 1 do artigo 353º do Código Civil. WWW) Com a citação todas as Rés ficam constituídas no ónus de contestar ou de responder e apesar de pessoal e regularmente citadas as RR. MS, AR e FS nada disseram ou requereram, não deduzindo contestação, não impugnando os factos que constam da petição inicial com que a Autora/Recorrente propôs a acção, nem intervieram na tramitação do processo. XXX) Tratando-se de factos pessoais, como também de factos sobre os quais não podem razoavelmente alegar ignorância dada a sua intervenção directa, é admissível confissão judicial por não impugnação. YYY) A contestação apresentada pela Ré MF não pode aproveitar as restantes Rés que regularmente citadas não contestaram a acção, no que respeita à intervenção pessoal no processo de justificação e materializada nas declarações prestadas pelas Rés não contestantes sobre o facto justificado. ZZZ) A Ré contestante não alegou ou impugnou especifica e respectivamente a veracidade ou falsidade das declarações das Rés MS, AR e FS sobre o facto justificado, recolhidas em autos de inquirição (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial). AAAA) Em rigor não poderia fazê-lo sobre factos pessoais praticados e da intervenção pessoal de outrem, das outras Rés, os quais não integram o domínio da disponibilidade e responsabilidade da Ré contestante. BBBB) À luz do n.º 1 do artigo 353º do Código Civil deverá prevalecer o entendimento que, o efeito contrário à confissão, ou seja, neste caso, a impugnação por negação de factos pessoais só produziria como efeito directo de não confissão pela apresentação da contestação que caberia individualmente a cada uma das Demandadas face às declarações prestadas por cada uma delas no processo de justificação, devendo, perante a não impugnação pelas Rés pessoalmente responsáveis pelas declarações, assumir-se o reconhecimento da falsidade imputada. CCCC) Não deve, assim, ser aplicada ao caso sub judice a norma excepcional da alínea a) do artigo 568º do C.P.C., prevalecendo o efeito da revelia apontado pelo n.º 1 do artigo 567º do C.P.C., com consequências de índole processual que determinam a alteração da decisão proferida pela douta sentença a respeito da procedência da impugnação da justificação. DDDD) Sobre a aquisição do prédio justificado por doação, a validade da transmissão e subsequente aquisição da propriedade da coisa imóvel está condicionada pela falta de forma, tratando-se de uma doação verbal e não titulada, conforme ponto 10 dos factos provados pela sentença recorrida, o que é manifestamente reconhecido pela Ré MF pela instauração do processo de justificação ao declarar-se “dona e legitima possuidora”. EEEE) Inexistindo escritura pública ou documento particular autenticado, como título da doação, não se pode afirmar que a Ré MF adquiriu de forma derivada o direito de propriedade sobre o prédio rústico. FFFF) A interpretação elaborada pelo Tribunal a quo da alínea a) do artigo 954º do Código Civil é errada, por violar a norma jurídica do artigo 1316º do C.C., uma vez que, não sendo válida a doação à luz do disposto no n.º 1 do artigo 974º do Código Civil, não poderá, naturalmente, produzir como efeito essencial a aquisição e transmissão da titularidade do direito de propriedade de imóvel, nem nunca ser entendido que a Ré MF adquiriu o direito de propriedade pela doação verbal não titulada. GGGG) Sobre a aquisição do prédio justificado por usucapião como modo de aquisição originária do direito a cujo exercício corresponde a actuação, a usucapião, exige que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo se prolongue pelo período de tempo legalmente bastante e com certas características. HHHH) A posse, em si, é integrada por dois elementos cumulativos: o corpus - como elemento material - que consiste na relação material com a coisa e que se traduz no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela; e o animus - como elemento intelectual - que se traduz na intenção de actuar com a convicção de ser titular do direito real correspondente aos actos praticados sobre a coisa. IIII) A prova reunida e mencionada pela Recorrente na impugnação da decisão relativa à matéria de facto evidencia de forma clara que o facto justificado como é descrito no processo de justificação vai para além do solo onde a Ré MF implementou as benfeitorias urbanas no ano de 1998, afectando uma parte das heranças ilíquidas e indivisas de MF e MS e, ainda, o acesso pedonal independente por escadas com passagem de águas pela levada. JJJJ) A justificação absorveu ilegitimamente uma parcela de terreno pertencente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MF e MGS. KKKK) A sentença recorrida ao integrar esta parcela no facto justificado defendendo que “sempre teria adquirido a propriedade por usucapião, uma vez que a posse em causa é de boa fé e se exerce há mais de 15 anos” viola a norma jurídica do artigo 1290º do Código Civil. LLLL) A ocupação de um bem da herança por um herdeiro antes da partilha é uma mera detenção desprovida de animus, conforme decorre do artigo 1253º do C.C., exercendo a Ré a simples detenção, nunca alegando a Ré MF sequer a eventual inversão do título da posse. MMMM) O facto justificado conflitua e prejudica o direito de propriedade plena da Autora sobre o seu prédio e sobre a liberdade de usar, usufruir e aceder, projectando-se sobre o acesso pedonal independente, com passagem de águas pela levada e de uso exclusivo à parte afecta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais. NNNN) Uma posse composta por corpus e animus tal como prevê o artigo 1251º do C.C. e como veio a ser declarado no processo de justificação nunca se verificou na esfera jurídica da Ré MF sobre o solo onde se situa o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas próprias da Autora pela levada, cuja construção é bem anterior à construção das benfeitorias urbanas pela Ré no ano de 1998. OOOO) Sobre este acesso também não há uma verdadeira posse da Ré MF, já que isso implicaria a perda de posse pelos antigos possuidores, a Autora e JF, o que nunca foi invocado pela Ré, porque nunca ocorreu. PPPP) A prática reiterada pela Autora e pelo falecido marido JF, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada nunca foi perturbada ou interrompida por outrem e é conservada há mais de 45 anos. QQQQ) Neste domínio nem é admissível que o entendimento do Tribunal a quo de que “a posse em causa é de boa fé e se exerce há mais de 15 anos” por violação da norma jurídica dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1260º do Código Civil. RRRR) Nunca poderia legitimamente ignorar a Ré MF que ao adquiri-la não lesava ninguém que tinha algum direito sobre a coisa. A posse seria de má fé também por não titulada, conforme é declarado pela Ré MF no processo de justificação. SSSS) A eventual posse não titulada da Ré MF teria sempre de ser de má fé e teria de ser exercida há mais de 20 anos, conforme decorre da aplicação das normas do artigo 1259º e da parte final do artigo 1296º do Código Civil. TTTT) É este o sentido que defendemos que deve ser interpretado e valorado o peticionado pela Autora, que, perante a reapreciação da matéria de facto, deve ser julgado totalmente procedente, admitindo-se, por hipótese, a ineficácia parcial do processo de justificação à luz do invocado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.03.2022, Proc. n.º 348/19.0T8PCV.C1, disponível em www.dgsi.pt UUUU) Sobre o reconhecimento da propriedade do acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada e a sua compatibilidade com a acção de impugnação judicial de justificação, refira-se que são interessados não são só aqueles que têm um direito ou interesse incompatível com o do justificante, mas também os que podem ser afectados em qualquer interesse relevante com o acto de justificação. VVVV) A área ou superfície de um imóvel é elemento essencial na definição da propriedade através dos seus limites materiais, com ressonância elementar, por conseguinte, na determinação do conteúdo jurídico-económico do direito, em suas faculdades plenas e exclusivas de uso, fruição e disposição. WWWW) Na acção judicial em que se peticione o reconhecimento de que determinada área de solo pertence ao seu prédio, que identifica, e não ao prédio confinante, não é uma acção de demarcação, nem mesmo de reivindicação, mas uma acção declarativa de simples apreciação e processo comum. XXXX) Na aplicação do Direito sobre esta questão jurídica a douta decisão viola a primeira parte do n.º 3 do artigo 595º do C.P.C., porquanto, em despacho saneador proferido nos autos aos 18.01.2023 com a Ref. 52937594 o Tribunal a quo reconheceu a compatibilidade do pedido deduzido pela Autora referente ao acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada “procedendo do mesmo facto jurídico e estando numa relação de dependência entre si”. YYYY) Também na identificação do objecto do litígio, após sugestão da Autora em requerimento datado de 30.01.2023 com a Ref. 44539223, foi ampliado por despacho de 19.04.2023 com a Ref. 53444131, passando a constar: “Aferir da existência do acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada, com identificação do prédio a que pertence e respectivos direitos de uso, fruição e disposição.” ZZZZ) Ambos os despachos transitaram em julgado e constituem, nesta matéria, caso julgado formal com reconhecida força obrigatória dentro do processo que impede que a decisão possa vir a ser revertida ou modificada pelo Tribunal que a proferiu ou por qualquer outro, nem podendo admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório. AAAAA) Na apreciação desta questão jurídica assiste-se a duas decisões contraditórias emitidas pelo Tribunal a quo sobre a análise desta pretensão da Autora, devendo ser aplicada a norma jurídica do artigo 625º do C.P.C., importando a ineficácia da sentença recorrida na parte em que contraria as decisões proferidas em momento anterior e transitadas em julgado. BBBBB) Sem prejuízo, não se compreendendo que o Tribunal a quo haja se pronunciado sobre o direito de propriedade subjacente ao pedido da alínea c) da petição inicial no sentido de que não ser reconhecido à Ré MF nem à Autora, recusando, contudo, a douta sentença a apreciação do pedido da alínea d) da petição inicial na questão da discussão da propriedade deste acesso pedonal entre as partes. CCCCC) Assim é este o sentido que defendemos que deve ser interpretado e valorado o pedido da alínea d) da petição inicial, o qual, perante a reapreciação da matéria de facto, deve ser julgado procedente.”.
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9. Dos autos não consta a apresentação de contra-alegações.
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10. Nos termos do despacho proferido em 22-11-2023 foi admitido o requerimento recursório e deferida a retificação dos lapsos da sentença nos seguintes termos: “Assim, na sentença proferida: - Na análise da questão prévia onde se lê “Por seu turno, dispõe o artigo 538.º do mesmo diploma legal” deverá passar a ler-se “Por seu turno, dispõe o artigo 568.º do mesmo diploma legal”. - A respeito da motivação da matéria de facto provada e sobre os factos 12 a 14, onde se lê “A Ré BS prestou as suas declarações de modo claro e afirmou que aquele pequeno terreno faz parte do prédio que lhe foi doado”, deverá passar a ler-se “A Ré MF prestou as suas declarações de modo claro e afirmou que aquele pequeno terreno faz parte do prédio que lhe foi doado”. - Na descrição do facto 31 dado por provado onde se lê “dando origem à inscrição do prédio rústico localizado no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho do Funchal”, deverá ler-se “dando origem à inscrição do prédio rústico localizado no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos”. - Na subsunção jurídica e na abordagem da questão jurídica da aquisição do prédio justificado por doação onde se lê “que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …” deverá ler-se “que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …” (…)”.
*
11. Remetidos os autos a este Tribunal de recurso, foram colhidos os vistos legais e inscritos os autos em tabela para julgamento.
* 2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
* I) Impugnação da matéria de facto:
A) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
B) Se deve ser alterada a redação do ponto 7) dos factos provados para a seguinte: “7 - O prédio da Autora confronta ao Caminho EC e sempre teve comunicação pedonal independente e directa com a via pública, enquanto a entrada de veículos foi feita, mais tarde, através da constituição de uma faixa de passagem em novembro de 1996”?
C) Se deve ser alterada a redação do ponto 13) dos factos provados para a seguinte: “13 - Uma parte do prédio rústico justificado de cerca de 200m2 integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGS e não integra a parcela de terreno doada à Ré MF”?
D) Se deve ser alterada a redação do ponto 15) dos factos provados para a seguinte: “15 - A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2”?
E) Se deve ser alterada a redação do ponto 17) dos factos provados para a seguinte: “17 - A Ré MF pediu ao irmão JF e à Autora autorização para sobre o prédio urbano destes ser criada uma faixa de passagem de veículos, que permitisse a ligação direta da parcela que lhe havia sido atribuída à estrada” e se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “17A - A faixa de terreno da passagem de veículos não integra a parcela doada no ano de 1996, nem o prédio justificado e não pertence à Ré MF”, “17B - A faixa de terreno que permite a passagem de pessoas e veículos foi constituída numa parcela de terreno que pertence ao prédio da Autora (prédio serviente) para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré MF (prédio dominante)”?
F) Se deve ser alterada a redação do ponto 19) dos factos provados para a seguinte: “19 - O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública foi construído por JF antes do ano de 1996 numa área que pertence ao prédio da Autora e do seu marido JF”?
G) Se deve ser alterada a redação do ponto 20) dos factos provados para a seguinte: “20 - Os custos da construção da faixa de passagem de veículos foram suportados pela Ré MF e o seu então marido e também no que respeita às obras de adaptação do existente naquela parcela pela Autora e o marido JF”?
H) Se deve ser alterada a redação dos pontos 24) e 25) dos factos provados para a seguinte: “24 - O acesso pedonal independente, constituído por escadas, que se situa entre as moradias é de uso exclusivo da Autora para aceder a uma parcela afecta à cultura da vinha, à agricultura e à criação de animais, com passagem de águas de rega pela levada com origem no poço/reservatório/tanque de água” e “25- A Autora e JF sempre afectaram parte do seu imóvel ao cultivo de horta, árvores de fruto e vinha, bem como à criação de animais”?
I) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “29A - A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis”?
J) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “30A - As Rés MS, AR e FS prestaram declarações falsas no processo de justificação sobre o prédio justificado”?
K) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “36 - A Autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território”?
* II) Impugnação da decisão de direito:
L) Se ocorreu erro de interpretação do disposto n.º 1 do artigo 353.º do CC, relativamente à revelia absoluta por falta de contestação das Rés MS, AR e FS, não devendo ser aplicada a norma da al. a) do artigo 568.º do CPC, prevalecendo o efeito da revelia apontado pelo n.º 1 do artigo 567.º do CPC, devendo, perante a não impugnação pelas Rés pessoalmente responsáveis pelas declarações, assumir-se o reconhecimento da falsidade das declarações prestadas no processo de justificação pelas Rés MS, AR e FS?
M) Se a sentença recorrida violou o artigo 595.º, n.º 3, primeira parte, do CPC, sendo ineficaz face aos despachos de 18-01-2023 e 19-04-2023, que constituem caso julgado formal?
N) Se deve ser revogada a decisão recorrida e julgada procedente a ação?
* 3. Fundamentação de facto:
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1 - A Autora contraiu casamento aos 06 de Dezembro de 1976 sob o regime da comunhão geral de bens com JF, irmão da Ré, falecido no estado de casado aos 02 de Maio de 2018.
2 - JF era filho de MF e MGS, estes casados também no regime da comunhão geral de bens, falecidos respetivamente em 30 de Março 2004 e 06 de Abril de 2009.
3 - MF e MGS eram donos e legítimos proprietários do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz sob o artigo …/… da secção "…” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º …/…
4 - No ano de 1975 MF e MGS doaram de forma verbal e não titulada ao filho JF e à Autora com vista ao casamento de ambos uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico com o artigo …/… da secção "…”, onde implementaram uma moradia destinada à sua habitação própria e permanente composta por dois pisos e que deu origem ao prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, com a licença camarária n.º … datada de 27 de Fevereiro de 1976 e inscrito na matriz no ano de 1978 sob o artigo ….
5 - Esse prédio doado constitui casa de morada de família da Autora há mais de 45 anos em conjunto com o seu entretanto falecido marido e filhos, integrando em parte a herança de JF em que é cabeça-de-casal a Autora.
6 - Desde o ano de 1975 tomaram posse imediata do prédio onde está implementado o prédio urbano, tendo adquirido e mantido a posse sem oposição de quem quer que fosse e com conhecimento e à vista de toda a gente, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e com a convicção de serem legítimos proprietários, tendo por isso urna posse pública, pacífica, contínua e de boa fé, que dura há mais de vinte anos.
7 - Esse prédio sempre teve acesso ao Caminho EC.
8 - O casal MF e MGS além do falecido JF teve mais dez filhos, entre os quais a Ré MF.
9 - Sobre o solo do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz sob o artigo …/… da secção "…” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º …/…, MF e MGS doaram verbalmente mais três parcelas de terreno a outros filhos para construção das respetivas habitações, todas elas também a confrontar com a via pública.
10 - No ano de 1996 MF e MGS doaram de forma verbal e não titulada à Ré MF no estado de solteira uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …/…, que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….
11 - A parcela em causa não dispunha à data de acesso de veículos à via pública.
12 - A parcela veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1996, por doação verbal, não titulada, de seus pais, MF e MGS.
13 - Dessa parcela faz parte um prédio rústico que atualmente se situa nas traseiras das benfeitorias, cuja área também foi justificada.
14 - A posse dessa parcela nunca foi perturbada e manifestou-se à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém desde o seu início, exercida continuamente desde, pelo menos, o ano de 1996, sempre com a convicção de que a ninguém prejudica, ignorando lesar direito alheio, com animo de que o prédio lhe pertence e de que exercita um direito próprio.
15 - Essa parcela, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área 543 m2.
16 - A meados de novembro de 1996 constituiu-se uma faixa de aproximadamente 32m2 que liga a moradia da Ré ao Caminho EC.
17 - Para construção dessa faixa a Ré solicitou a colaboração do seu irmão JF e da Autora.
18 - A construção dessa faixa obrigou a realização de obras de adaptação, nomeadamente a destruição de um muro de vedação e à redução de área de um reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública, construído pela Autora e marido juntamente com a habitação, procedendo também à colocação de vedação metálica protetora.
19 - O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública encontrava-se construído numa área que não pertencia ao terreno da Autora e do seu marido.
20 - A Ré MF e o seu então marido suportaram os custos da construção dessa faixa.
21 - Essa faixa de terreno é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré.
22 - No ano de 1998 a Ré MF já no estado de casada deu início à construção de moradia que seria destinada à sua habitação própria e permanente, corresponde ao prédio urbano localizado hoje no Caminho EC, n.º …, sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos.
23 - Entre a moradia da Autora e da Ré existe um acesso pedonal independente, constituído por escadas.
24 - Quer a Autora quer a Ré retiram benefícios desse acesso.
25 - A Autora e os seus filhos utilizam esse acesso para aceder a um terreno que não foi doado à Autora, mas onde pratica agricultura.
26 - No dia 27 de Junho de 2018 foi instaurado junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz processo de justificação para estabelecimento/reatamento do trato sucessivo, que deu origem ao Processo de Justificação n.º …/… (Ap. …/…), em que a Ré MF declarou ser dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem do prédio rustico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respetiva sob parte do artigo …/… da Secção "…” e é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/… da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos.
27 - A Ré MF declarou no processo de justificação que o prédio estava inscrito a favor de MF, casado com MGS no regime da comunhão geral, residentes no sítio da Casa Caída, Estreito de Câmara de Lobos, pela Ap. 2, de 1973/10/11.
28 - A Ré MF declarou no processo de justificação que o imóvel veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, dos pais dela, MF e MGS, primeiro cultivando bananeiras e vinha e posteriormente, no ano de 1998, já no estado de casada, edificando benfeitorias urbanas.
29 - A Ré MF declarou no processo de justificação que a posse do prédio rústico nunca foi perturbada, que é uma posse que se manifestou à vista de todos, continuamente, durante mais de vinte anos e sempre com a convicção de que a ninguém prejudica e de que o prédio lhe pertence, possuindo o prédio rústico em apreço em nome próprio, pública, pacífica e de boa fé, pelo que o adquiriu a título originário, por usucapião.
30 - As Rés MS, AR e FS confirmaram as declarações prestadas pela Ré MF no pedido de justificação.
31 - No dia 30 de Janeiro de 2019, a Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz proferiu decisão a julgar procedente o processo de justificação do prédio rústico, dando origem à inscrição do prédio rústico localizado no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho do Funchal na matriz sob o artigo … da Secção "…” a favor da R. MF.
32 - Foi efetuado o consequente registo de aquisição por usucapião na Conservatória de Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/… da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos.
33 - A Ré MF invocando a qualidade de proprietária do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo … da secção "…” da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, requereu junto do Serviço de Finanças do Concelho de Câmara de Lobos o averbamento ao prédio rústico da parcela urbana, correspondendo ao prédio urbano localizado ao Caminho EC, n.º …, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, inscrito na matriz predial no ano de 2003 a favor da Ré MF sob o artigo ….
34 - Tal requerimento motivou o processo de Reclamação Administrativa n.º …/…/… - freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, instruído em nome da Ré MF, que se encontra no estado de pendente.
35 - Por escrito datado de 18 de janeiro de 2000, os pais da Ré declararam que autorizavam sua filha MFB e seu marido, AS, a legalizarem perante as Repartições competentes, uma moradia unifamiliar no terreno que possuem ao sítio dos Barreiros, freguesia do Estreito concelho de Camara de Lobos, inscrito na matriz cadastral sob o n.º …/…, da Secção-…, da freguesia do Estreito, concelho de Câmara de Lobos.
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
A) A Autora e JF sempre afetaram parte do seu imóvel ao cultivo de horta, árvores de fruto e vinha, bem como à criação de animais, construindo um acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada em toda a extrema norte e de uso exclusivo do seu prédio com cerca de 28m2.
B) O acesso pedonal independente, constituído por escadas, que se situa entre as moradias da Autora e da Ré MF é de uso exclusivo à parte afeta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais, fazendo parte do prédio da Autora.
C) A parte do prédio justificado onde a Ré MF construiu as benfeitorias veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, de seus pais, MF e MGS.
D) A parcela doada à Ré MF, à data da doação, não disponha de acesso pedonal à via pública.
E) A Ré MF pediu ao irmão JF e à Autora autorização para sobre o prédio urbano destes ser criada uma faixa para passagem de pessoas e veículos, que permitisse a ligação direta da parcela que lhe havia sido atribuída à estrada.
F) A faixa de terreno que permite a passagem de pessoas e veículos foi constituída numa parcela de terreno que pertence à Autora.
G) A meados de novembro de 1996 constituiu-se uma faixa de aproximadamente 48m2 exclusivamente sobre o prédio urbano de JF e da Autora para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré MF.
H) A parte do prédio rústico justificado de cerca de 200m2, nas traseiras do prédio que foi doado à Ré, foi possuída, desde 1996 pelos pais da Ré, em nome próprio, de forma pública, pacífica, continua e de boa fé, suportando os mesmos os respetivos encargos, cuidando da terra, plantando, regando, fertilizando e cultivando vinhas e delas tirando as suas utilidades.
I) A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis.
J) A Autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território.
K) O prédio justificado projeta-se sobre parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, concretamente sobre a faixa de terreno onde se constituiu a faixa de acesso á estrada.
Todos os restantes factos foram considerados conclusivos ou contento matéria de direito.
* 4. Fundamentação de Direito:
* I) Impugnação da matéria de facto:
* A) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Na sequência da alegação que desenvolve, conclui a recorrente que deve ser alterada a redação dos pontos de facto que identifica e aditada aos factos provados a matéria que preconiza.
Esta alegação encontra-se desenvolvida na motivação das alegações, onde a recorrente convoca os meios de prova que, em seu entender, determinam tal conclusão probatória.
Com tal invocação, a recorrente visa colocar em crise a matéria de facto selecionada pelo Tribunal recorrido.
Vejamos:
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO, em www.dgsi.pt, respeitando a esta base de dados todos os acórdãos infra citados, salvo indicação diversa).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, rel. MÁRIO BELO MORGADO).
Contudo, firmou-se jurisprudência no sentido de que “nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa” (assim, o Acórdão do STJ n.º 12/2023, D.R, 1.ª Série, n.º 220, p. 44 e ss.).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Pº 6095/15T8BRG.G1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Pº 6871/14.6T8CBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
No caso dos autos, a recorrente visa impugnar os factos selecionados pelo Tribunal recorrido, nos termos sobreditos, pugnando pela inclusão no rol dos factos provados, daqueles que enuncia.
Conforme se evidenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021 (Pº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, rel. FÁTIMA GOMES), “[a]inda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento”.
Ora, no presente caso, constam das alegações da apelante – a respeito das alterações que preconiza quanto à matéria de facto dos pontos 7), 13), 15), 17), 19), 20), 24) e 25) e quanto ao aditamento de matéria que sugere quanto aos pontos 17-A, 17-B, 29-A e 30-A e 36 que formula - , quer os concretos pontos de facto a que se dirige a sua impugnação, com indicação da decisão que, em concreto, deveria ser proferida, bem como, mostram-se indicados os meios de prova que, em seu entender, justificam uma tal decisão, pelo que, se mostram observados os ónus impugnatórios contidos no artigo 640.º do CPC.
Já quanto ao mais – sendo que, nas conclusões recursórias C) e D), a recorrente pugna por uma “impugnação” dos “dos restantes factos dados por provados e também sobre a matéria de facto não provada (com excepção dos factos c), d) e k) por se apresentarem incorrectamente julgados face à prova reunida nos autos, havendo, portanto, desconformidade entre os elementos de prova e a sentença recorrida, o que impõe uma decisão diversa” e que “A reapreciação da prova (…), sem prescindir do reexame de todos os elementos probatórios documentais admitidos nos autos e também das ilações obtidas pela inspecção ao local (cfr. ata de inspecção ao local datada de 02.05.2023 com a ref. 53506236), incide maioritariamente sobre a prova testemunhal produzida e importa a sua análise critica ao tratamento e motivação seguida pelo Tribunal a quo” – a ausência de concretização dos ónus impugnatórios a que se reportam o artigo 640.º do CPC, determina a rejeição da impugnação deduzida com alusão a esse âmbito.
Assim, de acordo com o exposto, cumpre admitir e apreciar a impugnação de facto deduzida quanto à matéria de facto dos pontos 7), 13), 15), 17), 19), 20), 24) e 25) da decisão recorrida e quanto ao aditamento de matéria preconizado quanto aos sugeridos pontos 17-A, 17-B, 29-A, 30-A e 36, elaborados pela apelante.
No mais, por inobservância dos ónus de impugnação a que se refere o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a impugnação de facto deduzida pela apelante deve ser rejeitada.
* B) Se deve ser alterada a redação do ponto 7) dos factos provados para a seguinte: “7 - O prédio da Autora confronta ao Caminho EC e sempre teve comunicação pedonal independente e directa com a via pública, enquanto a entrada de veículos foi feita, mais tarde, através da constituição de uma faixa de passagem em novembro de 1996”?
Visa, desde logo, a apelante a alteração da redação do ponto 7 dos factos provados.
Convoca a apelante, no sentido de propõe, a apreciação dos documentos n.ºs. 15 e 20 juntos com a petição inicial e os depoimentos, nos termos que concretizou, prestados por FMS, RF, JFF e MAF.
Vejamos:
Especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que “o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art.º 640º do C.P.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” “A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315) refere, a este respeito, que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art.º 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art.º 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. art.ºs 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.
Conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto – sujeito a livre apreciação do julgador - se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
Assim, conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018 (Pº 3831/15.3T8LRA.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES), “[n]a decisão sobre a matéria de facto, o juiz deve reconstituir toda a realidade passada (realidade histórica), alegada no processo e controvertida, através da análise ou exame crítico, quer da prova documental carreada para o processo, quer da prova representativa, como é o caso do testemunho de quem percepcionou os factos, e sempre que possível deverá conjugar os factos apurados com regras de experiência, estas operando a partir de relações de causalidade ou finalísticas, de modo a poder concluir, por ilação, que os factos controvertidos desconhecidos existiram (artigos 607º, n.º 4, do Código de Processo Civil e 349º do Código Civil)”.
Entende a autora, ao longo da extensa motivação constante das alegações de apelação, que deve ser alterada a redação do ponto 7 dos factos provados, identificando como meios de prova que o determinam a prova documental (documentos n.ºs. 15 e 20 juntos com a petição inicial) e testemunhal (FMS, RF, JFF e MAF), que mencionou - cfr. conclusões recursórias G) e H)).
Vejamos:
O ponto 7 dos factos provados tem a seguinte redação: “7 – Esse prédio [o referido nos pontos 4, 5 e 6, inscrito na matriz no ano de 1978, sob o artigo …] sempre teve acesso ao Caminho EC”.
Ora, se é certo que o documento n.º 15 junto com a petição inicial confirma esta realidade – o que, aliás, é asseverado, noutros moldes, na motivação expendida pelo Tribunal recorrido a respeito da convicção tida sobre o facto provado n.º 7: “(…) quer do documento n.º 22 junto com a petição inicial, quer da inspecção ao local levada a cabo pelo Tribunal, foi claramente percetível que o prédio onde reside a Autora tem ligação com o Caminho EC”- , já, contudo, o mesmo não permite demonstrar a realidade quanto à construção da faixa de passagem para veículos, nem a data em que tal caminho foi constituído e, muito menos, que o mesmo se reporte ao prédio da autora.
Por seu turno, o documento n.º 20, junto aos autos com o requerimento da autora de 25-05-2022, se bem que retrata o caminho de passagem de veículos existente no prédio da ré, não permite formar positiva convicção sobre a data da sua construção, nem, claro está, sobre a pertença de tal caminho ao prédio da autora.
Ouvidos, na integra, por este Tribunal de recurso, todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, conclui-se que os elementos de prova produzidos não permitem, em boa verdade, confirmar o alegado pela apelante.
Com efeito, desde logo, o extrato dos depoimentos de FMS, RF e JFF, referindo-se ao “justo acordo” ou ao “acordo” ou ao “acordo de boca” (entre a ré e seu marido e a autora e o marido desta) para facilitar a entrada de carros também para a autora e JF, não inculca no sentido de que a dita constituição ocorresse ou tenha ocorrido em solo pertencente à autora.
Também o depoimento de MAF não inculca que a realização da “rampa” para a passagem de veículos tenha sido constituída no prédio da autora, nem que a ré tenha solicitado autorização à autora para o efeito, pelo que, foi devidamente vertida nos factos não provados constantes das alíneas E) e F), a correspondente ausência de demonstração de uma tal factualidade.
Ao invés, apurou-se, singelamente, nos termos concretizados pelo Tribunal recorrido, que a ré MF e o seu então marido suportaram os custos de construção dessa faixa e que a mesma é de uso comum ao prédio da autora e ao prédio da ré, tal como vertido nos factos provados 20 e 21.
Ora, para além do referido, cumpre salientar que, encontrando-se igualmente já demonstrado o que ficou vertido no facto provado n.º 16 – de que, a meados de novembro de 1996, se constituiu uma faixa de aproximadamente 32 m2, que liga a moradia da ré ao Caminho EC – sem outra demonstração referente a alguma concretização dos termos em que se faz o acesso do prédio da autora à via pública, ao dito Caminho, não se alcança alguma pertinência na alteração da redação pugnada pela apelante.
Assim, a impugnação deduzida quanto ao mencionado ponto 7) dos factos provados, improcede.
* C) Se deve ser alterada a redação do ponto 13) dos factos provados para a seguinte: “13 - Uma parte do prédio rústico justificado de cerca de 200m2 integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGS e não integra a parcela de terreno doada à Ré MF”?
No ponto 13) dos factos provados foi enunciado na decisão recorrida o seguinte: “13 – Dessa parcela faz parte um prédio rústico que atualmente se situa nas traseiras das benfeitorias, cuja área também foi justificada”.
Considera a apelante que, por um lado, “na contestação (…) nada é invocado na defesa no domínio de facto e de direito desta parcela como dona e legítima proprietária, o mesmo ocorrendo em sede de declarações de parte” e, por outro lado, que, “não houve prova convincente do declarado pela justificante no processo de justificação, ou seja, que desde o ano de 1993 actua como proprietária exercendo desde aquela data uma posse pacífica, pública e de boa fé sobre toda a extensão da parcela de terreno”.
Mais invocou a apelante que “várias das testemunhas ouvidas manifestaram incertezas, e mesmo afirmações conflituantes, sobre a titularidade desta parcela de terreno que consideram ainda integrar as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGS”. Convoca, nesse sentido, os depoimentos, nos termos que extratou, de JASF, RF, MAF, MAS, MATF e, ainda, a interpretação – por que pugna - dos documentos 10, 11, 12 e 13 juntos com a petição inicial e 2 da contestação.
Sobre esta matéria, cumpre salientar os termos em que o Tribunal recorrido explicitou a motivação da convicção probatória. Fê-lo a respeito de tal ponto 13) dos factos provados, em conjunto, com a convicção expressa quanto aos pontos 12) e 14), nos seguintes termos (tendo-se em conta já a redação corrigida, conforme resulta do despacho proferido em 22-11-2023): “(…) Quanto aos factos 12 a 14, cumprem tecer algumas considerações. As partes estão de acordo que foi doada uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …/…, que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …. Estão as partes, igualmente, de acordo que a posse dessa parcela em específico começou a ser exercida, pelo menos desde 1996, de forma pacífica, pública e sem que ninguém a perturbasse. Coloca-se, porém, a questão de aferir se a doação abrangeu a área de um terreno rústico, situada nas traseiras da benfeitoria (casa) construída. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou provado que esse terreno também foi doado à Ré MF. A Ré MF prestou as suas declarações de modo claro e afirmou que aquele pequeno terreno faz parte do prédio que lhe foi doado. No mesmo sentido, a testemunha JF (irmão da Ré MF e ex cunhado da Autora), afirmou de esclareceu, de forma clara, reiterando essa afirmação por várias vezes ao longo do seu depoimento, que o seu falecido irmão JF, que era casado com a Autora foi o primeiro a escolher a parcela que lhe seria doada e que só posteriormente é que a sua irmã MF escolheu a sua parcela, explicando que a doação abrangeu a área total, quer aquela em que se encontra a casa, quer a que se encontra o pequeno terreno. Explicou que o seu pai deixou muito claro que a doação abrangia quer o terreno quer o acesso ao Caminho EC e que toda a gente na família sabia perfeitamente de que essa área foi doada à sua irmã MF. A sinceridade do depoimento da testemunha não passou despercebida ao Tribunal, motivo pelo qual o seu depoimento é especialmente valorado, manifestando a testemunha surpresa pelo facto de estar a ser colocada em causa a propriedade daquele terreno, afirmando por diversas vezes que o terreno é propriedade da sua irmã MF. A testemunha acrescentou, ainda, que desde a data da doação a sua irmã se comportou como verdadeira proprietária da totalidade dessa área, à vista e com o conhecimento de todos e que todos na família sabem que ela é dona desse terreno. Em sentido convergente, a testemunha JAF (irmão da Ré MF e ex cunhado da Autora), referiu que da casa da Autora para baixo, ou seja, da casa da Autora em direção à casa da Ré MF, foi tudo doado à sua irmã MF e que a sua irmã sempre e comportou como proprietária da área onde se encontra a moradia e do pequeno terreno nas traseiras da mesma. A esse propósito, refira-se que o Tribunal não tem qualquer dificuldade em interpretar o sentido do depoimento da testemunha, uma vez que a inspeção ao local permitiu verificar que a moradia da Ré se situa "a baixo” da moradia da Autora, uma vez que ambas as moradias estão implementadas num caminho com inclinação descendente, conforme também é percetível da análise do documento 22, junto com a petição inicial. A testemunha esclareceu, ainda, que a doação também abrangeu a entrada para a moradia, ou seja, a morada de acesso ao caminho EC, uma vez que essa era a única maneira de aceder ao prédio e que o seu pai sempre deixou claro que aquele acesso seria doado a quem fosse doado o terreno que não tinha acesso ao caminho EC. No mesmo sentido a testemunha MAS (irmã da Ré MF e ex cunhada da Autora) referiu, de modo claro, que toda a área onde se encontra a moradia e o pequeno terreno foi doada pelo seu pai à sua irmã MF e que desde essa data a Ré MF comportou-se como proprietária dessa área. Explicou que o seu pai tinha um grande terreno e que foi doando o mesmo aos seus filhos à medida que foram casando e necessitando de construir casa, esclarecendo que a Autora e o seu ex marido (falecido irmão da testemunha), foram os primeiros a escolher o terreno e que, por isso, escolheram um com acesso ao Caminho EC. Acrescentou que a sua irmã MF foi a última a escolher um terreno e que, por isso, o seu terreno não tinha acesso ao Caminho EC, explicando que também o acesso à entrada é propriedade da sua irmã MF, porque essa área também foi doada pelo seu pai à sua irmã, uma vez que o seu prédio não tinha acesso ao Caminho, explicando que toda a gente na família sabe disso e que foi a sua irmã MF a custear as obras de alargamento da entrada do Caminho para a sua casa. A esse propósito esclareceu que a Autora também usa essa faixa e que aquando da sua construção foi necessário remodelar um poço que o seu falecido irmão havia construído; porém, essa remodelação/reconstrução só foi necessária porque o seu irmão construiu um poço numa área que não lhe pertencia nem havia sido doada, tendo o seu pai sido sempre bastante claro relativamente à necessidade de retirar aquele poço daquele local quando fosse doada aquela parcela de terreno, acrescentando a testemunha que o seu falecido irmão sempre soube disso e sempre esteve ciente que o poço estava construído numa área que não lhe pertencia. Ainda no mesmo sentido, a testemunha AF (irmão da Ré MF e ex cunhado da Autora), referiu que quer o terreno, quer a entrada de acesso foram objeto da doação efetuada pelo seu pai, acrescentando que foi a sua irmã que custeou as obras para a construção da entrada que permite o acesso por veículo à sua propriedade. Explicou que o seu pai sempre foi bastante claro e que toda a família tinha conhecimento do objeto da doação. Por fim, também a testemunha MATF (irmã da Ré e ex cunhada da Autora) referiu, de modo claro, que quer a entrada quer o terreno pertencem à sua irmã MF, tendo sido doados pelo seu pai, e que toda a gente na família sabe que assim é. Confrontada com o documento 22 junto com a petição inicial, de onde consta, com o nº1, o terreno justificado, a testemunha referiu que está tudo certo e que o prédio é da irmã, tendo a mesma sempre se comportado como dona desse prédio e demonstrado isso mesmo. Aqui chegados, cumpre salientar que o Tribunal não olvida que a testemunha MAF (cunhada da Ré MF) referiu que o pequeno terreno na traseira da casa da Ré MF não foi doado, sendo de herdeiros; porém, esse depoimento além de ter sido prestado de modo hesitante, é manifestamente insuficiente para contrariar os depoimentos claros, seguros e sem hesitações prestados pelos irmãos da Ré MF, que mereceram elevada dose de credibilidade por parte do Tribunal. Acresce que não retira qualquer credibilidade o facto de essas testemunhas serem irmãs da Ré. Antes pelo contrário. Estão em causa doações efetuadas pelos pais de todas essas pessoas (testemunhas e Ré MF), sendo os familiares as pessoas ideais para terem conhecimento cabal das áreas efetivamente objeto da doação. Por tudo o exposto, o Tribunal considerou como provados os factos 12 a 14.”
Ora, nenhum dos segmentos extratados pela apelante sobre os depoimentos de JASF (incerto e dubitativo, nessa matéria), de RF (referindo-se, este, ao cultivo dos terrenos, mas não à titularidade de tal parcela), de MAS e MATF (referindo, estas últimas, que, em seu entender, o terreno da parcela justificada pertence à ré) permite formar positiva convicção no sentido de que haja uma parte do prédio rústico justificado, de cerca de 200 m2, que integre as heranças de MF e MGS e que não tenha sido doada à ré MF.
No mais, o Tribunal recorrido explicitou os termos que mereceu a convicção que formou sobre os depoimentos que valorou e, nomeadamente, a razão pela qual não valorizou o afirmado pela testemunha MAF, a este respeito.
Importa referir que, a dificuldade inerente ao julgamento de facto, assenta na conjugação de fragmentos de factos probatórios, de índole diversa, por vezes, contraditória, uns apontando num sentido, outros noutro, fragmentos esses que o julgador terá de compatibilizar, apreciando criticamente as provas.
Como dá nota Marta João Dias (“A fundamentação do juízo probatório – breves considerações”, in Julgar, n.º 13, 2011, p. 176): “Julgar de facto é a complexa operação de interpretação da realidade trazida ao processo pelas partes, isto é, permitindo às partes fazer prova dos factos alegados nos articulados, com o respeito pelo princípio do contraditório, tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova e fazendo uso dos poderes de investigação que a lei lhe confere, o julgador afere a verdade dos factos, julgando-os provados ou não provados, e assim demarcando a realidade objecto do litígio (o thema decidendum)”.
Conforme decorre do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, o critério de julgamento – relativamente aos meios de prova não tarifados - assenta na livre apreciação das provas, segundo a prudente convicção do julgador.
A convicção é o estado de certeza ou incerteza na verdade de um facto. “No que toca à valoração da prova no âmbito de um processo judicial, este estado não pode ser um estado de fé, impõe-se que seja um estado crítico, formado de acordo com critérios de prudência. Assim, poderemos dizer que o julgador é livre na valoração da prova (na apreciação e na formação da convicção), na justa medida em que os meios de prova sujeitos à sua apreciação não têm um valor legal predeterminado, mas a decisão não o é, ou seja, a convicção exteriorizável pela decisão não pode ser uma “íntima convicção” compreendida como um feeling. Por outro lado, também não é uma “pura objectividade” lógico-racional, que se possa demonstrar. O estado de certeza da verdade, que há-de corresponder sempre a uma probabilidade, manifesta-se num juízo de certeza prático-emocional que, não obstante a inapagável nota pessoal, não cai num subjectivismo arbitrário, mas é antes marcada pela “objectividade da vida”, isto é, no decidir, o julgador convoca a sua experiência ou vivência pessoal, o que mais não é do que o patrimóniode saberes e experiências comum ou da comunidade em que se insere e que viabiliza o nosso conviver, pelo que a verdade a emergir há-de ser a intersubjectivamente partilhada e experimentada” (cfr. Marta João Dias; “A fundamentação do juízo probatório – breves considerações”, in Julgar, n.º 13, 2011, pp. 178-179).
A prudente convicção traduzirá, assim, a verificação dos seguintes postulados mínimos, para o controlo racional da decisão (cfr. Michele Taruffo; La prova dei fatti giuridici, Giuffrè Editore, Milão, 1992, p. 395 e ss.):
— A decisão sobre os factos não pode assentar em critérios irracionais (v.g. intuições, palpites ou crenças);
— A decisão tem de assentar na prova produzida no processo;
— A decisão não pode importar uma violação das regras probatórias;
— Os raciocínios ou inferências derivadas da relação dos meios de prova entre si e destes com os factos devem ser lógicos e coerentes;
— Os raciocínios devem apelar a um consenso, a máximas comummente aceites, por forma a que possam ser considerados verdadeiros fundamentos;
— O julgador deverá fazer uma valoração conjunta ou ponderação dos diferentes meios de prova, confrontando-os, por forma a que, ainda que de sentido contrário, daí resulte uma decisão linear e unívoca.
Na sindicância do julgamento operado em 1.ª instância, o Tribunal de 2ª instância “não deve subverter o principio da livre apreciação da prova devendo, apreciar os elementos de prova produzida e apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal gravada e em outros elementos objetivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique, os fundamentos suficientes para que, através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado. Na verdade, só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que se deverá considerar a existência de erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve, em princípio, prevalecer a resposta dada pelo tribunal “a quo”, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal “ad quem “ sindicar (art.º 607º, nº 5, do CPC)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-11-2019, Processo 1642/15.5T8PTG.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA).
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar que, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”, o que significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (assim, Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 22).
Nessa apreciação, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão, ou que conflituem ou interfiram, sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime legal que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais (assim, Abrantes Geraldes; Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, 3.ª Ed., 2000, p. 272).
Cumpre ainda considerar, a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos pessoais, que, neste âmbito, vigora o princípio da livre apreciação, salvo se ocorrer confissão das partes, conforme decorre do disposto nos artigos 358.º, 389.º e 396.º do CC e, 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5, do CPC.
E, “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol IV, p. 569).
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto, quer sobre os factos provados, quer sobre os factos não provados (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão, pois, é através da fundamentação de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que são intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, P.º 4303/05.0TBTVD.S1, rel. SANTOS BERNARDINO).
Por outro lado, porque se mantêm vigentes no Tribunal da Relação os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deverá restringir-se aos casos em que, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, determine decisão diversa da do tribunal recorrido e patenteiem um erro de julgamento ou de apreciação do julgador, que deva ser corrigido.
Sobre os termos de reapreciação da matéria de facto pela 2.ª instância, sintetizou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2017 (Processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES) o seguinte: “1. É hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. 2. No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida. 3. Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal. 4. Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida. 5. O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
Conforme se mencionou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-05-2004 (Processo 1861/04-1, rel. RICARDO SILVA), “a motivação de facto não tem de ser ou tentar ser uma recriação do julgamento, devendo antes de assegurar que o processo de decisão seja inteligível, de forma sucinta, ainda que tão completa quanto possível, o que importará maiores e melhores informações e explicações sempre que a complexidade do “thema decidendum“ e da prova que sobre ele tenha versado tal imponham, sendo certo que não se deve complicar o que é simples sob pena de se obscurecer o que já está claro”.
Ou seja: “O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade adequada daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1998, p. 348).
Ora, reapreciados os elementos de prova produzidos, conclui-se que o juízo probatório alcançado pelo Tribunal recorrido se mostra formulado em plena compatibilidade com o que se afere do exame crítico dos meios de prova em questão, pelo que, o mesmo, não merece alguma censura.
Em particular, não afasta a convicção alcançada pelo Tribunal recorrido a respeito da apreciação crítica que efetuou sobre o depoimento de JF, nenhuma das considerações expendidas pela recorrente, não se denotando no depoimento prestado por esta testemunha alguma contradição ou falta de espontaneidade nas afirmações que produziu.
Por outro lado, o que se lê dos documentos n.ºs. 10, 11, 12 e 13 (participação fiscal em sede de imposto de selo em razão do óbito de MF e de MGS e caderneta predial rústica modelo B, do prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial n.º …, secção “…”, com origem no artigo … da secção “…” e certidão predial do prédio rústico com a área total de 1762m2 sito em Barreiros, inscrito na matriz …/…, com a descrição n.º …/…) juntos com a petição inicial e no documento n.º 2 junto com a contestação (intitulado “declaração de autorização” de 18-01-2000, emitida a rogo de MF e de MGS), não permite concluir que haja algum segmento do prédio objeto da justificação promovida pela ré – e, designadamente, uma parcela de 200 m2 – que integre as heranças de MF e MGS e que não tenha sido objeto de doação à ré.
Inexiste, pois, motivo algum para a alteração da redação do facto provado n.º 13), nos moldes preconizados pela recorrente.
A impugnação deduzida quanto ao facto provado n.º 13) é, pois, improcedente.
* D) Se deve ser alterada a redação do ponto 15) dos factos provados para a seguinte: “15 - A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2”?
Conclui a apelante nas conclusões M), N) e O) da apelação que: “M) A alteração parcial da decisão sobre o facto 15 diz unicamente respeito à questão da área de 543m2 por erro notório na apreciação e julgamento, aceitando-se como matéria de facto provada a exclusão do solo onde foi constituída a faixa de passagem da parcela doada e justificada pela Ré MF. N) O facto justificado pela Ré MF no processo de justificação na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e impugnado na presente acção corresponde ao “prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que se confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com o Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respectiva sob parte do artigo …/… da Secção “…”, o qual é parte a desanexar do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/….”, conforme declarado no pedido reproduzido no documento 1 junto com a petição inicial. O) Se o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação do facto tal como justificado pela Rés, não se compreende ou aceita que na douta sentença seja dado por provado que aquela parcela tem uma área superior à justificada pela Ré MF, ou seja, a área de 543m2”.
Ora, se bem se atentar no documento n.º 2 junto com a petição inicial, a reclamação cadastral apresentada junto do Chefe do Serviço de Finanças do concelho de Câmara de Lobos pela ré reporta que: “No ano de 1993 os pais da reclamante doaram-lhe verbalmente a seguinte parte do identificado prédio: parcela de terreno com a área de 530 m2 (…)”.
E, na decisão final do processo de justificação, lavrada pela Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, em 30-01-2019, julgou-se, nomeadamente, procedente o processo de justificação judicial e “consequentemente justificado o direito de propriedade da requerente, sobre o seguinte prédio: Prédio Rústico, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, com a área de 530 m2 (…)”.
Por outro lado, o “levantamento topográfico” que constitui o documento n.º 22 junto com a petição inicial, se é certo que menciona para o prédio aí identificado como n.º 1 – que, segundo o indicado por todas as testemunhas inquiridas a esse respeito, corresponde ao prédio da ré – a área de 543,00m2, todavia não se explicita, nem isso é passível de ser aferido pela leitura do documento, em que termos foi efetuado tal levantamento de área e qual a sua função, pelo que, resultando do próprio processo de justificação que a área da parcela justificada corresponde à de 530m2 e, não, à de 543m2, mostrando-se insubsistente a referência deste último valor com a realidade, em detrimento do primeiro, procederá a impugnação deduzida pela apelante.
De facto, a parcela que foi objeto de justificação foi-o com a área de 530m2.
E, muito embora, noutros documentos juntos aos autos, a zona do prédio que é identificado como pertencente à ré apresente outra área (assim sucede, por exemplo, nos documentos n.ºs. 6 e 23, juntos com a petição inicial, onde é referida a área de 570m2), a sua relação com o processo de justificação não se mostra evidenciada, pelo que, deverá ser tida em conta a área sobre a qual, concretamente, tramitou o processo de justificação.
Em conformidade com o exposto, deverá alterar-se a redação do ponto 15) dos factos provados, que passará a ser a seguinte: “15 - A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2”.
* E) Se deve ser alterada a redação do ponto 17) dos factos provados para a seguinte: “17 - A Ré MF pediu ao irmão JF e à Autora autorização para sobre o prédio urbano destes ser criada uma faixa de passagem de veículos, que permitisse a ligação direta da parcela que lhe havia sido atribuída à estrada” e se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “17A - A faixa de terreno da passagem de veículos não integra a parcela doada no ano de 1996, nem o prédio justificado e não pertence à Ré MF”, “17B - A faixa de terreno que permite a passagem de pessoas e veículos foi constituída numa parcela de terreno que pertence ao prédio da Autora (prédio serviente) para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré MF (prédio dominante)”?
No ponto n.º 17 dos factos provados, enunciou-se na decisão recorrida o seguinte: “17 – Para construção dessa faixa a Ré solicitou a colaboração do seu irmão JF e da Autora”.
Nas conclusões recursórias constantes das alíneas P) a KK), a recorrente alinhou, todavia, o seguinte: “P) A alteração da decisão sobre o facto 17 e aditamento dos factos 17A e 17B decorre de manifesto erro da apreciação da matéria pela douta sentença, devendo prevalecer, antes, o entendimento que a solução dada à circulação de veículos para a moradia da Ré MF pela criação de uma faixa de passagem ficou dependente da autorização do casal JAF e BS, sendo que a intervenção da Autora e do seu marido no domínio de facto e de direito não se resumiu à mera “colaboração” com os interesses da Ré MF e importou a constituição de uma servidão de passagem aparente no prédio da Autora e de JAF (prédio serviente) para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré (prédio dominante). Q) Sobre a necessidade e motivo da autorização da Autora e de JF para a constituição da passagem de veículos, além da prova testemunhal produzida nos autos e com as passagens gravadas e anteriormente transcrita sobre o facto 7, concorrem concretamente, o depoimento gravado da testemunha LF, JASF, JS, AG, MA. R) A parcela que a Ré MF recebeu de doação não disponha à data de acesso de veículos à via pública (cfr., facto 11 dado por provado), pelo que a viabilidade desse acesso para passagem de viaturas estaria, portanto, sempre dependente da cedência de terreno dos prédios confinantes que disponham de acesso livre e desimpedido ao hoje Caminho EC, sendo que a solução passaria ou pelo prédio dos vizinhos MA e JP, localizado a Norte da parcela doada à Ré, ou, como veio a ser prosseguido, pelas traseiras do prédio do irmão JF e da Autora. S) Sem a autorização da Autora e JF não havia sido construída aquela passagem voluntariamente nas traseiras da sua moradia e que implicou a necessidade de adaptação de utilidades já lá existentes e implementadas pelo casal BS e JF há mais de 20 anos sobre a data da obra da constituição da passagem no ano de 1996. T) A servidão foi constituída voluntariamente e por acordo sobre o prédio da Autora e do seu marido e sem a qual a moradia da Ré MF apenas beneficiaria do acesso à via pública que lá existia por uma vereda pedonal de pouca largura. U) A Autora e JF foram os primeiros a receber por doação do casal MF e MGS uma parcela de terreno e ali construir a sua moradia, que remota o ano de 1975 (cfr. factos 4 a 6 provados na douta sentença). V) Foi consensual em todos os depoimentos recolhidos que a Autora e JF, como primeiros, beneficiaram de escolher a parcela numa das “pontas do prédio- mãe” - a parcela de terreno identificada pelo número 2 do levantamento topográfico do doc. 22 junto com a petição inicial - e que, enquanto nada foi construído no terreno onde, por último, a Ré MF veio a implementar benfeitorias urbanas, o JF, marido da Autora, com autorização do pai MF, explorou aquela parcela para fins pecuniários, nela construindo um palheiro/curral, uns galinheiros e uma retrete. Anos depois, quando o pai MF autorizou a construção da moradia pela Ré relembraram estas testemunhas que o marido da Autora de imediato desocupou-a e retirou tudo o que havia implementado temporariamente naquela parcela, que veio a ser confirmado nas declarações de parte da Ré MF na passagem gravada e transcrita com início aos 00:20:50 e termo aos 00:21:06. W) Pela mesma “ordem de ideias” o JF, marido da Autora, haveria aceite desocupar de pessoas e bens tudo o solo alheio que viesse a ser afecto à construção das benfeitorias urbanas pela Ré MF e se não o fez deve prevalecer a tese: o solo onde existe o poço e onde foi criada a passagem integra o prédio do casal JF e BS. X) A Ré MF é titular de um direito de servidão de passagem, que possibilita o acesso ao seu prédio (prédio dominante) através das traseiras do prédio da Autora, sendo que o solo onde se situa a servidão pertence ao prédio da Autora (prédio serviente), reconhecendo ambas as partes esse encargo sem estorvo e que impede a separação da servidão. Y) O direito de passagem nunca foi questionado pela Autora e pelo seu marido, destacando ainda os sinais que existem no local, particularmente a instalação metálica sobre a passagem soldada à moradia da Autora para cultivo próprio de vinha no doc. 20 da p.i., primeira e segunda fotografia, o número de polícia/ porta da moradia da Ré no doc. 21 da p.i. primeira fotografia com uma sinalização a apontar para baixo, a pré-instalação abaixo de cabos de electricidade para iluminação exterior e colocação de portão automatizado na moradia da Ré no doc. 19 da p.i. primeira fotografia. Z) O prédio justificado que veio à posse da justificante ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1996, por doação verbal e não titulada à Ré MF (cfr. facto 10 provado pela douta sentença) não abrange a parcela referente à faixa de terreno da passagem de veículos constituída em meados de Novembro de 1996. AA) Da motivação de Direito da sentença recorrida “A questão de reconhecer a propriedade dessa faixa de terreno à Ré MF não se coloca, uma vez que a mesma refere expressamente em sede de contestação que essa faixa de terreno, com cerca de 32m2, para passagem de pessoas e veículos, de ligação ao Caminho EC, que é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré, não foi objeto do processo de justificação (...)” , remetendo-se para o confessado pela Ré nos art.ºs 27º a 32º da contestação apresentada. BB) O princípio da concentração da defesa implica que todos os meios de defesa contra a pretensão devem ser deduzidos na contestação, obstaculizando que a Ré venha alegar, depois da contestação, factos não alegados ou modificar a versão dos mesmos, nomeadamente nas transcritas declarações de parte em audiência de julgamento na passagem gravada com início aos 00:02:42 e termo aos 00:03:00 CC) A subscrever o entendimento de que o terreno da Ré MF não tinha acesso à via pública, corroboram o depoimento gravado da testemunha MAF devidamente transcrito sobre as passagens com início aos 00:04:53 e termo aos 00:06:16 e com início aos 00:17:26 e termo aos 00:19:20. DD) Quando se refere não tem acesso (cfr. facto 11 da douta decisão), seja por via cimentada, seja por terra batida, intui-se, no fundo, que o prédio doado não disponha na sua configuração material de extensão própria e autónoma que permitisse a ligação de veículos da moradia a ser construída pela Ré ao Caminho EC. EE) A destruição da vereda de pouca largura para o acesso onde é feita a passagem de viaturas que hoje vemos no local - cfr. registo fotográfico dos docs. 20 e 21 juntos com a p.i.- implicou um alargamento para uma parcela de terreno alheio, neste caso, que coincide com as traseiras do prédio da Autora e de JF, onde já existia o poço de rega e outras benfeitorias. FF) A decisão recorrida sobre esta questão não ponderou com crítica toda a prova testemunhal produzida e respectiva articulação com a demais matéria de facto provada com suporte nos depoimentos das testemunhas apresentadas pela Autora, bem como por outras testemunhas apresentadas pela Ré MF, nomeadamente, FMS, RF, JFF e MAF com os antecedentes depoimentos registados e transcritos sobre o facto 7. GG) O solo onde veio a ser construída a passagem de veículos integra o prédio da Autora e JF, como prédio serviente, contendo vinhas e um corredor de ferro, um poço de rega, um tanque de água potável e um muro a confrontar com a via pública, tudo implementado pelo JF e integrando usos e utilidades do respectivo prédio afecto por este casal desde 1975. HH) A faixa de passagem constituída em meados de Novembro de 1996, portanto, há mais de vinte e cinco anos (quer sobre a data da justificação, quer sobre a data da propositura da presente acção), por acordo da Autora e do seu marido JF e da Ré MF e do seu então marido, e que se revela por sinais visíveis e permanentes, conforme é identificada no registo fotográfico dos docs. 20 e 21 da p.i., corresponde a uma servidão aparente. II) A eficácia das servidões aparentes não depende do seu registo, produzindo efeitos entre as partes e também contra terceiros, conforme respectivamente resulta do n.º 1 do artigo 4º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 5º ambos do Código do Registo Predial. JJ) O prédio da Autora como prédio serviente aufere também das utilidades da servidão (cfr., n.º 3 do artigo 1567º do Código Civil), reconhecendo-se nos autos “essa faixa de terreno é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré” (ponto 21 dos factos provados na douta sentença). KK) Justificando-se, assim, que as obras da construção da rampa tenham sido feitas à custa da Ré MF e do seu então marido, com adaptação do construído naquele solo pela Autora e pelo marido JF”.
Ora, a respeito da convicção do Tribunal recorrido sobre os factos que deu como provados nos pontos 17 a 20, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte: “É ponto assente que em 1996 constituiu-se uma faixa de aproximadamente 32m2 que liga a moradia da Ré MF ao Caminho EC e que essa construção implicou conversações entre a Ré e o seu falecido irmão JF, uma vez que essa construção implicou a realização de obras de adaptação, nomeadamente a destruição de um muro de vedação e à redução de área de um reservatório/tanque de água localização na extrema-leste do prédio junto à via pública, construído pela Autora e marido juntamente com a habitação. A testemunha LF (filha da Autora e sobrinha da Ré MF) referiu que a moradia da Autora sempre teve acesso à estrada e que para que a moradia acedesse à estrada foi necessário alargar a faixa de acesso e diminuir a largura do poço, transformando-o num reservatório mais pequeno. Acrescentou que foi solicitada autorização pela Ré MF para o alargamento de tal faixa. Por seu turno, a testemunha JASF (filho da Autora e sobrinho da Ré MF), referiu que o seu pai já havia construído um poço há muitos anos naquela faixa de terreno e que aquela faixa é propriedade dos seus pais, tendo o alargamento sido autorizado pelos seus pais. O depoimento da testemunha JS foi prestado, essencialmente, no mesmo sentido, acrescentando que os seus pais custearam aquelas obras de constituição da faixa. No mesmo sentido, embora revelando falta de conhecimento quanto à propriedade do terreno, a testemunha MA (vizinha da Autora e da Ré MF) referiu que foi o Sr. JF que custeou as outras e que ajudou em tudo o que pude, pese embora tenha, depois, referido que nunca viu dinheiro e que não sabe como foi paga aquela construção. Acrescentou que o Sr. JF teve de destruir o poço que havia lá construído e reconstruí-lo noutro local próximo, para que a faixa pudesse ser alargada. Todavia, esses depoimentos prestados no sentido de ter sido solicitada autorização para a construção/alargamento da faixa à Autora e ao seu falecido marido, devido ao facto de aquela faixa ser constituída sobre o terreno que era propriedade desses, foram contrariados por outros depoimentos e declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento. Primeiramente, a Ré MF prestou as suas declarações de modo claro, afirmando que conversou com o seu irmão no sentido de alargar a entrada e construir a faixa de acesso, que seria benéfico para os dois e que implicaria efetuar alterações ao poço que se encontrava á construído. Explicou que nunca se tratou de um pedido de autorização, uma vez que o poço estava construído numa zona que não era propriedade do seu irmão e que o seu falecido irmão sempre concordou com a constituição da faixa. Acrescentou que as obras foram integralmente custeadas por si e pelo seu ex marido, explicando que ambas as famílias (da Autora e da Ré MF) fazem uso e retiram utilidade daquela faixa de terreno (o que foi perfeitamente percetível pelo Tribunal quando efetuou a inspeção ao local). No mesmo sentido, a testemunha JF (irmão da Ré MF e ex cunhado da Autora) explicou ao Tribunal que o poço foi construído pelo seu falecido irmão num terreno que não era dele e que toda a gente na família, incluindo a Autora, sabe perfeitamente disso. Acrescentou que a intenção do seu pai foi doar aquele terreno, onde hoje se encontra construída a faixa, à sua irmã MF, afirmando que não tem dúvidas que o poço está colocado no terreno da sua irmã. Referiu, ainda, que foi a sua irmã MF que fez aquela entrada e não a Autora e o seu marido e que não tem a mínima dúvida de que aquele terreno é da sua irmã MF e que lhe foi doado. Em sentido convergente, a testemunha JAF (irmã da Ré MF e ex cunhado da Autora) explicou ao Tribunal que a intenção do seu pai era doar o terreno onde se encontra a faixa a quem ficasse com a casa sem acesso à estrada, ou seja, que foi intenção do seu pai que a doação abrangesse a entrada que foi alargada. Por seu turno a testemunha MAS (irmã da Ré MF e ex cunhada da Autora) afirmou que foi a sua irmã MF que fez a entrada que não pediu autorização a ninguém porque aquela parte do terreno era dela. Esclareceu que o seu pai sempre foi mito claro com o seu falecido irmão JF relativamente ao poço, sendo ponto assente e do conhecimento de toda a família que o poço teria de ser destruído ou removido quando o terreno sobre o qual se situava fosse doado, uma vez que o seu irmão JF não era dono daquele terreno onde e situava o poço. Acrescentou que não tem qualquer dúvida que a intenção do seu pai foi doar à sua irmã MF o terreno que permite, hoje em dia, a ligação da sua moradia à estrada através de veículo e que tudo isso foi objeto da doação. A testemunha JFF (sobrinho da Ré MF e da Autora), referiu que o terreno doado à sua tia MF inclui o acesso à estrada e que não tem dúvidas que o custo da construção da "faixa de acesso” à estrada foi suportado pela sua tia e que a sua tia é que fez aquela rampa. Também a testemunha AF (irmão da Ré MF e ex cunhado da Autora) referiu que foi a sua irmã MF que construiu a rampa de acesso, aca[r]tando com as despesas de tal construção, explicando ao Tribunal que o seu falecido irmão JF havia construído lá um poço, mas sem licença do seu pai, tendo perfeito conhecimento que estava a construir sobre um terreno que não era dele. No mesmo sentido, a testemunha MATF esclareceu o Tribunal que todos na família sabem que o terreno onde se encontra a faixa de acesso é da Ré MF e que lhe foi doado pelo seu pai, acrescentando que o poço foi construído pelo seu irmão JF contra a vontade do dono do terreno, que era o seu pai, tendo ficado claro que aquele poço teria de ser removido quando aquela parcela de terreno fosse doada. Por fim, também a testemunha MAF referiu que foi a Ré MF que fez as obras da construção/alargamento da entrada. Perante todos esses depoimentos, o Tribunal não tem dúvidas em considerar os factos 17 a 20 como provados.”.
Ora, conforme já se considerou, a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efetuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada.
Os meios probatórios visam precisamente a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade, bastando-se a realização da justiça com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
A apreciação das provas resolve-se, assim, na formulação de juízos, que assentam na elaboração de raciocínios que surgem no espírito do julgador segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica.
A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE).
Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objetiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjetiva da sua realidade.
Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo atuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA).
Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS).
É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”.
Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que a prova pessoal produzida se pronuncie sobre factos, afirmando-os, num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida.
Aplicando estas considerações à impugnação de facto em questão, reapreciados os meios de prova produzidos, não merece qualquer censura o juízo probatório alcançado pelo Tribunal recorrido, o qual se encontra em perfeita sintonia com o que resulta dos aludidos meios de prova, não permitindo conferir consistência à “tese” da apelante (no sentido da autorização pela autora e seu marido para a construção da faixa de terreno que hoje liga a moradia da ré ao Caminho EC).
O Tribunal assinalou, com todo o detalhe, o iter decisório que levou a consolidar a convicção no sentido de que, para a construção da faixa que liga a moradia da ré ao caminho público (edificação suportada pela ré e seu marido – cfr. facto n.º 20), concorreu a colaboração de JF e da autora (que até envolveu as obras de adaptação referidas no facto provado n.º 18).
Aliás, conforme, com toda a clareza e demonstrando concludência e sinceridade afirmou MAS, foi a ré que fez a entrada e não pediu autorização a ninguém porque aquela parte do terreno era dela.
E, conforme resulta da conjugação dos factos n.ºs. 18 e 19 do rol dos factos provados, para a construção da faixa de terreno que liga a moradia da ré ao caminho público, foram realizadas obras de adaptação que determinaram, nomeadamente, a destruição do muro de vedação que existia e à redução da área de um reservatório/tanque de água que estava localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública, que tinha sido construído pela autora e por seu marido, sendo os testemunhos uniformes e concordantes no sentido de que a autora e seu marido sabiam que o dito tanque estava construído em terreno “alheio” e que teriam que remover – como veio a suceder – tal construção, quando o terreno respetivo fosse destinado a um dos filhos, sendo inequívoco que, um tal conhecimento e a inerente efetivação das obras de adaptação, não determinaria a obtenção de alguma autorização da autora ou de seu marido, precisamente por o terreno onde a construção do tanque existia edificado ser alheio à autora e seu marido, não fazendo qualquer sentido autorização para destruição ou realização de obras de adaptação num terreno que não lhes pertencia. E, nessa medida, bem se compreende a inclusão no rol dos factos não provados do que ficou vertido nas alíneas E), F) e G) de tal rol.
Note-se que não inculca em sentido diverso a existência no local contíguo ao prédio da autora de degraus provenientes da via pública.
Estes “sinais visíveis” não demonstram, sem outros elementos – que não tiveram lugar - que tenha sido constituída uma servidão a favor do prédio da ré, com encargo para o prédio da autora.
Com efeito, se é certo que, conforme asseveraram, de forma concordante, diversas das testemunhas inquiridas – como FMS, MAS, JFF, AF, MATF e MAF – em zona que hoje confina com o prédio da autora, existiam degraus que, provindo da via pública davam acesso ao terreno (fazenda), não é menos certo que, todos esses depoimentos foram concordantes no sentido de que tais degraus tinham existência anterior à construção das moradias de autora e ré (atribuindo algumas testemunhas - como MAF e MAS - a construção desses degraus, ao pai da autora MF para tal finalidade e referindo AF que tal edificação seria mesmo anterior à aquisição do terreno pelo pai da autora).
Ora, sendo assim, a função desses degraus não se destinava a servir o prédio da autora (tanto mais que a mesma já dispõe de outro local de acesso direto ao dito caminho público), mas sim, a permitir o acesso ao terreno agrícola que tinha existência anterior à edificação e delimitação do terreno onde a autora construiu a moradia que edificou, não inculcando qualquer elemento demonstrativo no sentido de que, o terreno onde foi realizada a obra de construção da faixa que liga a moradia da ré ao caminho público, fosse pertença da autora e de seu marido.
As demais considerações expendidas pela recorrente, não logram desembocar em diversa conclusão.
Inexiste, pois, qualquer fundamento para a alteração preconizada pela apelante, quer quanto ao facto provado n.º 17, quer para o aditamento da matéria pugnada aditar pela apelante (e que integrou nos pontos “17A” e “17B” cujo aditamento sugeriu), improcedendo a correspondente impugnação de facto.
* F) Se deve ser alterada a redação do ponto 19) dos factos provados para a seguinte: “19 - O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública foi construído por JF antes do ano de 1996 numa área que pertence ao prédio da Autora e do seu marido JF”?
No ponto 19) dos factos provados ficou a constar da decisão recorrida que: “19- O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública encontrava-se construído numa área que não pertencia ao terreno da Autora e do seu marido”.
Ora, conforme resulta da apreciação efetuada na questão precedente, se é certo que, foi efetuada convincente demonstração de que o reservatório/tanque de água que existia antes da realização da obra de ligação da moradia da ré à via pública tinha sido construído pela autora e seu marido, aquando da edificação da moradia desta (cfr. parte final do facto provado n.º 18) ), certo é que, também, se apurou, como se evidenciou, que a autora e seu marido sabiam que tal edificação ocorria sobre terreno alheio, pertencente a seu pai, então ainda vivo e que teria de remover tal construção, quando o terreno correspondente tivesse um destino. Foram concludentes, nesse sentido, entre outros, os depoimentos de MA, JF, AF e MAF, salientando, inequivocamente, a precariedade da construção edificada pela autora e pelo marido no terreno de MF.
Os depoimentos invocados pela apelante não se mostraram convincentes, não tendo merecido - sem que ocorra alguma mácula nesse juízo – a convicção do Tribunal sobre as afirmações produzidas.
Os demais elementos documentais carreados para os autos não inculcam diversa realidade da apurada.
Não se verifica, pois, patenteado algum erro de julgamento na decisão tomada sobre a matéria que ficou vertida no facto provado n.º 19), a qual tem, aliás, plena correspondência com a realidade apurada em sede de julgamento.
Em conformidade com o exposto, a impugnação de facto deduzida a respeito do aludido facto provado n.º 19), soçobra.
* G) Se deve ser alterada a redação do ponto 20) dos factos provados para a seguinte: “20 - Os custos da construção da faixa de passagem de veículos foram suportados pela Ré MF e o seu então marido e também no que respeita às obras de adaptação do existente naquela parcela pela Autora e o marido JF”?
A respeito do ponto 20) dos factos provados, entende a autora que não se provou apenas que os custos da construção da faixa de ligação da moradia edificada pela ré e seu marido à via pública tenham sido, em exclusivo, suportados por estes, considerando que se provou que também o foram pela autora e seu marido, concluindo, nesse sentido, do modo vertido nas conclusões QQ) a TT) da apelação: “QQ) Da alteração da decisão sobre o facto 20 impõe-se por o Tribunal a quo erradamente assumir um entendimento redutor de tão-só os custos terem sido suportados pela Ré e pelo seu então marido, ignorando na sua plenitude a adequada ponderação e avaliação da sustentada “colaboração” da intervenção de JF e da Autora na realização da constituição de passagem de veículos, que se manifestou pela combinação material de “esforços” entre a Ré MF e o seu então marido e a Autora e o seu marido JF. RR) Apesar de se admitir que a rampa em si foi construída pela Ré MF e pelo seu então marido, afasta-se, todavia, todo e qualquer entendimento que reúna na pessoa da Ré a titularidade do solo onde foi construída a passagem de veículos pelo simples facto de ter suportado os custos dessa obra, como é reproduzido por algumas das testemunhas arroladas pela Ré, sendo incompatível com o regime jurídico que regula as servidões prediais, especificamente «as obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante» (cfr., n.º 1 do artigo 1567º e n.º 1 do artigo 1566º ambos do Código Civil). SS) Não pode, assim, ser ignorado na reapreciação desta questão que a constituição da servidão de passagem dependeu do “contributo” pela autorização da Autora e o seu marido através da cedência de terreno nas traseiras da habitação destes e que “obrigou a realização de obras de adaptação, nomeadamente a destruição de um muro de vedação e à redução de área de um reservatório/tanque de água localização na extrema- leste do prédio junto à via pública, construído pela Autora e marido juntamente com a habitação, procedendo também à colocação de vedação metálica protectora”, cfr. ponto 18 dos factos provados na douta sentença, seguindo-se melhoramentos e acabamentos naquele acesso. TT) Nesta matéria de facto, concorrem todos os meios probatórios mencionados, particularmente na impugnação dos pontos 7, 13, 17 e 19, os quais se reiteram para os devidos efeitos legais, acrescendo JS, MA”.
Ora, não obstante as laboriosas considerações expendidas pela autora, certo é que, a prova produzida não inculcou no sentido por si gizado.
Nenhuma demonstração concludente, fosse documental ou outra, existiu no sentido de ter sido suportado pela autora e seu marido algum custo com a realização das obras de adaptação do terreno onde o tanque, o muro e a vedação se encontravam, nem sobre os trabalhos inerentes para ligação da moradia da ré ao caminho público. Os depoimentos invocados pela recorrente – diga-se, por remissão para impugnação anteriormente deduzida – não o demonstram minimamente, não aportando qualquer elemento factual que, com a necessária e suficiente consistência, o comprovasse.
A impugnação deduzida a respeito do aludido facto provado n.º 20) é, pois, improcedente.
* H) Se deve ser alterada a redação dos pontos 24 e 25 dos factos provados para a seguinte: “24 - O acesso pedonal independente, constituído por escadas, que se situa entre as moradias é de uso exclusivo da Autora para aceder a uma parcela afecta à cultura da vinha, à agricultura e à criação de animais, com passagem de águas de rega pela levada com origem no poço/reservatório/tanque de água” e “25- A Autora e JF sempre afectaram parte do seu imóvel ao cultivo de horta, árvores de fruto e vinha, bem como à criação de animais”?
A decisão recorrida considerou como provada, nos pontos 24) e 25) dos factos provados, a seguinte factualidade: “24-Quer a Autora quer a Ré retiram benefícios desse acesso [o acesso pedonal independente, constituído por escadas, referido no facto provado n.º 23]. 25-A Autora e os seus filhos utilizam esse acesso para aceder a um terreno que não foi doado à Autora, mas onde pratica agricultura.”.
O Tribunal a quo evidenciou a fonte da convicção que formou sobre uma tal factualidade, nos seguintes termos: “Os factos 24 e 25, pese embora os mesmos não tenham sido expressamente alegados nas peças processuais, constituem factos instrumentais e concretizadores dos factos alegados pelas partes, tendo sida produzida prova relativamente aos mesmos, motivo pelo qual serão considerados pelo Tribunal (cfr. artigo 5.º do C.P.C.). A inspeção ao local realizada pelo Tribunal foi suficiente para concluir que o acesso pedonal independente, constituído por escadas, existente entre a moradia da Autora e a moradia da Ré MF é útil a ambas as partes. A Autora utiliza esse acesso para cultivar um terreno que se encontra localizado nas traseiras da sua moradia. Por seu turno, a Ré MF prestou declarações no sentido de que utiliza esse acesso para poder limpar e pintar a parede e janelas (pelo lado de fora) da sua casa, sendo percetível, através da inspeção judicial realizada pelo Tribunal, que a Ré terá necessariamente de aceder aquele local para poder limpar ou pintar a parede da sua moradia, sendo indiscutível a utilidade daquele acesso. No mais, resultou provado do depoimento das testemunhas LF (filha da Autora e sobrinha da Ré MF), JASF (filho da Autora e sobrinho da Ré MF) e JS (filho da Autora e sobrinho da Ré MF) que a Autora utiliza aquele acesso para cultivar o terreno rústico que se situa nas traseiras da sua moradia, pese embora tenham acrescentado que existe acesso a esse terreno pelo interior da moradia. Também nesse sentido, a testemunha AG referiu que trabalhou no terreno que se situa nas traseiras da moradia da Autora e que sempre acedeu ao mesmo através daquele acesso situado entre as moradias. Porém, apesar de ter resultado provado que a Autora utiliza aquele acesso situado entre as moradias para aceder ao terreno rústico que se situa nas traseiras da sua moradia, cultivando o mesmo, também resultou provado de diversos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento que aquele terreno onde a Autora pratica agricultura não é propriedade da mesma e nunca foi doado a nenhum dos herdeiros. A testemunha JF explicou que aquele terreno nunca foi doado e que a Autora sabe que não é proprietária do mesmo, não aceitando os herdeiros do seu pai que a mesma se intitule de proprietária daquele terreno. Também a testemunha FMS referiu que a Autora usa aquele acesso para aceder a um terreno que nem é dela e que ela sabe perfeitamente que não é dela, acrescentando que aquele terreno nunca foi doado nem partilhado. No mesmo sentido a testemunha MAS, declarou que o seu irmão e a Autora praticamente expulsaram o seu pai daquele terreno, procurando apropriar-se do mesmo, mas que o terreno nunca foi doado ou partilhado, não sendo propriedade da Autora. Por fim, também as testemunhas AF, MATF e MAF afirmaram que aquele terreno rústico que a Autora cultiva não é dela, nunca tendo sido doado ou partilhado pelos herdeiros. À luz de tudo o referido, demonstraram-se provados os factos 24 e 25.”.
Ora, estas considerações têm pleno apoio e aderência nos aludidos depoimentos, quer da autora (referenciando a utilização dada a tal acesso), quer das identificadas testemunhas.
O referenciado pela apelante em sede recursória – e os extratos dos depoimentos que convoca -não abalam o sentido probatório alcançado pelo Tribunal recorrido, limitando-se a evidenciar o uso e utilidades retiradas pela autora e pela ré de tal acesso.
E, quanto ao mais, nenhuma demonstração convincente existiu no sentido de que a autora efetue algum uso exclusivo de tal acesso pedonal, nem que o terreno que se situe nas traseiras do prédio da autora tenha sido doado à autora.
Conforme evidenciado por MAF e também referenciado por MATF, terá existido até um diferendo entre MF, pai de JF, e este, a respeito da utilização que, este último, efetuava de tal terreno, assinalando as testemunhas – do modo descrito concludentemente na motivação da decisão recorrida – que tal parcela de terreno não foi doada à autora.
Finalmente, ao invés do invocado pela autora, certo é que, nada se retira do documento n.º. 8 (documentação respeitante ao processo de reclamação administrativa n.º …/…) junto com a petição inicial, dos documentos n.ºs. 18 e 19 (registos fotográficos) juntos aos autos com o requerimento de 25-05-2022, nem do documento n.º 2 (referente à “declaração de autorização” elaborada a rogo de MF e de MGS) junto com a contestação, algum elemento que suporte, com a necessária e suficiente concludência, o desiderato impugnatório da apelante.
Não existe, pois, fundamento que justifique a alteração de redação preconizada pela apelante a respeito dos aludidos factos provados n.ºs. 24) e 25).
Em consequência, improcede a impugnação de facto correspondente.
* I) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “29A - A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis”?
Visa, ainda, a apelante o aditamento aos factos provados da matéria acima referenciada, sugerindo aditar um novo ponto “29A”.
Concluiu, nesse sentido, que: “(…) NNN) O aditamento do facto 29A à matéria de facto provada por erro notório de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo tem suporte na prova documental junta pela Autora, não impugnada e admitida nos autos e, também, nas declarações de parte gravadas referente à passagem já transcrita com início aos 00:10:20 e termo aos 00:11:07. OOO) À data da instauração do processo de justificação - aos 27.06.2018 – posterior face ao falecimento dos proprietários MF e MGS respectivamente aos 30.03.2004 e 06.04.2009, conforme assentam os factos dados por provados nos pontos 2 e 26 na douta sentença -, era do conhecimento pessoal e directo da Ré MF que uma parcela do prédio a justificar integrava as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais e que se encontrava relacionado no Processo de Imposto Sucessório com o número de participação … sob a verba 7, conforme docs. 11, 12 e 13 da petição inicial. PPP) A omissão pela justificante do falecimento dos seus pais e o chamamento dos sucessíveis no direito se revelou intencional, determinando a não notificação a que se refere o artigo 117º-G do Código do Registo Predial dos restantes dez herdeiros certos e conhecidos, nomeadamente da Autora e seus filhos em representação de JF, conforme se obtém pelo documento 3 junto com a petição inicial, com efeitos sobre a preclusão de meios de recção e tramitação sucessiva do próprio processo que levou à procedência da justificação. QQQ) Agiu a Ré MF de forma premeditada e deliberada pela omissão perante oficial público do falecimento dos proprietários do prédio submetido ao pedido de justificação, os seus pais MF e MGS, seus pais, pretendendo evitar o chamamento de todos os herdeiros e seus representantes que impedisse a procedência do pedido de justificação e até um eventual processo de inventário”.
Conforme resulta da decisão recorrida, o Tribunal considerou como matéria não provada, na alínea I) dos factos não provados, a seguinte: “I) A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis”.
E, em sede de motivação da decisão de facto assim alcançada, o Tribunal recorrido expressou que: “Relativamente aos factos I) e J), nenhuma prova foi efetuada relativamente aos mesmos, motivo pelo qual resultam como não provados, revelando esses factos pouca relevância para a decisão a proferir”.
Entende, contudo, a apelante que se deverá aditar aos factos assentes a matéria que indica para o proposto ponto “29A”, dizendo que tal matéria “tem suporte na prova documental junta pela Autora (…) e, também, nas declarações de parte gravadas referente à passagem já transcrita com início aos 00:10:20 e termo aos 00:11:07”.
Ora, sucede que, ao invés do pugnado pela recorrente, as declarações prestadas pela ré em sede de audiência de discussão e julgamento não adquiriram conteúdo confessório relativamente à mencionada matéria pretendida aditar, dado que, não representam a admissão de omissão no processo de justificação sobre o falecimento dos proprietários MF e MGS e seus sucessíveis. No trecho extratado pela recorrente, a ré reporta, inclusivamente, que, quando necessitou de legalizar a sua moradia, em período e relativamente a procedimento que não concretizou, o pai ainda era vivo.
E, em face dos documentos juntos aos autos, não se retira alguma intencionalidade na omissão de referência no pedido de justificação sobre o falecimento dos proprietários do prédio justificando, nem ela deriva, quer da relacionação da verba n.º 7 na declaração efetuada em sede de imposto de selo, na participação n.º 752599, quer do modo como se acha elaborada a caderneta predial rústica que constitui o documento n.º 12 da petição inicial, mencionando a inscrição do prédio na matriz já no ano de 2020 e, quer do que resulta da certidão predial que constitui o documento n. 13 junto com a petição inicial.
Aliás, no pedido de justificação – doc. n.º 1 junto com a petição inicial – a ré identifica claramente o prédio cuja justificação pretendia como inscrito a favor dos titulares mencionados no artigo 2.º de tal requerimento: MF, casado com MGS. A subsistência no registo predial da menção a tal inscrição já não se mostrava conforme com a realidade, uma vez que, entretanto, desde a inscrição registral – operada em 1973 – os mencionados MF e MGS já tinham falecido. A ré, requerente do processo de justificação, limitou-se a deduzir, no mencionado requerimento para justificação, factos de onde derivaria a posse e os elementos em que, em seu entender, a justificação se fundava, com vista ao reconhecimento da aquisição originária a seu favor (da ré), por usucapião.
Com tal requerimento a requerente (ora ré) juntou “Caderneta predial, reclamação cadastral e procuração forense”.
No mencionado documento “reclamação cadastral” pode ler-se, com toda a objetividade e transparência, a referência expressa ao falecimento de MF e de MGS: “MF (…) vem apresentar reclamação cadastral, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1 – Os pais da reclamante MF e MGS, já falecidos, eram donos e legítimos proprietários do prédio…”.
Ora, conforme resulta do n.º 2 do artigo 117.º-G do Código do Registo Predial, “caso a justificação se destine ao reatamento ao estabelecimento de novo trato sucessivo, é notificado o titular da última inscrição, quando se verifique falta de título em que ele tenha intervindo, procedendo-se à sua notificação edital ou à dos seus herdeiros, independentemente de habilitação, quando, respectivamente, aquele esteja ausente em parte incerta ou tenha falecido”.
Todavia, no caso em apreço, referenciando claramente a requerente do processo de justificação a ocorrência do falecimento do titular inscrito e de sua mulher, a circunstância de, no desenrolar ulterior do processo de justificação, se ter procedido à notificação por éditos como consta do documento n.º 3 junto com a petição inicial, em vez de se ter operado a notificação pessoal dos sucessores de MF já falecido não releva, para demonstrar que tenha existido alguma intencionalidade da ora ré no sentido de que os sucessores do titular inscrito não fossem notificados de tal processo de justificação.
Assim, a pretensão de aditamento factual da recorrente soçobrará.
* J) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “30A - As Rés MS, AR e FS prestaram declarações falsas no processo de justificação sobre o prédio justificado”?
A respeito do processo de justificação judicial sobre o prédio justificado consignou-se, nomeadamente, na decisão recorrida, a seguinte factualidade: “26- No dia 27 de Junho de 2018 foi instaurado junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz processo de justificação para estabelecimento/reatamento do trato sucessivo, que deu origem ao Processo de Justificação n.º …/… (Ap. …/…), em que a Ré MF declarou ser dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem do prédio rustico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respetiva sob parte do artigo …/… da Secção "…” e é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/…. da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos. 27-A Ré MF declarou no processo de justificação que o prédio estava inscrito a favor de MF, casado com MGS no regime da comunhão geral, residentes no sítio da Casa Caída, Estreito de Câmara de Lobos, pela Ap. 2, de 1973/10/11. 28-A Ré MF declarou no processo de justificação que o imóvel veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, dos pais dela, MF e MGS, primeiro cultivando bananeiras e vinha e posteriormente, no ano de 1998, já no estado de casada, edificando benfeitorias urbanas. 29-A Ré MF declarou no processo de justificação que a posse do prédio rústico nunca foi perturbada, que é uma posse que se manifestou à vista de todos, continuamente, durante mais de vinte anos e sempre com a convicção de que a ninguém prejudica e de que o prédio lhe pertence, possuindo o prédio rústico em apreço em nome próprio, pública, pacífica e de boa fé, pelo que o adquiriu a título originário, por usucapião. 30-As Rés MS, AR e FS confirmaram as declarações prestadas pela Ré MF no pedido de justificação”.
Ora, reapreciados os meios de prova produzidos, verifica-se que existe plena compatibilidade do que foi declarado em sede do processo de justificação judicial pelas ora rés (contestante e não contestantes) com a realidade, quer no que respeita à inscrição do prédio na pessoa do pai da ré, quer no que toca à origem e aos caracteres da posse da ré.
De todo o modo, conclui a apelante, no presente recurso, que: “(…) DDD) Sobre o aditamento do facto 30A, importa ter subjacente que a questão fulcral que se coloca numa acção de impugnação de justificação consiste precisamente em saber se as declarantes, admitidas nos presentes autos como Rés, fizeram declarações verdadeiras e, portanto, se o direto em disputa é titulado pela justificante ou se, pelo contrário, há falsidade das declarações prestadas. EEE) Não beneficiando da presunção do registo, cabe às demandadas a prova em juízo dos factos constitutivos do direito invocado, bem como o ónus de prova da veracidade das declarações que prestaram sobre o facto justificado preservadas no doc. 4 junto com a petição inicial. FFF) Sobre a imputada falsidade das declarações prestadas, as Rés MS, AR e FS, pessoal e regularmente citadas, nada disseram ou requereram, não deduzindo contestação, não impugnando os factos que constam da petição inicial. GGG) Após a produção da prova tornou-se evidente a falsidade das declarações prestadas pelas Rés sobre o prédio justificado por manifesta incompatibilidade do teor das suas declarações com o que se veio a apurar em sede de produção de prova. HHH) O teor das declarações prestadas pelas Rés MS, AR e FS revela desconhecer facto a ser justificado no ano de 2018. III) A incompatibilidade destas declarações manifesta-se quando na descrição do prédio justificado refere-se que confronta a Leste com o Caminho EC, enquanto que as Rés MS, AR e FS aludem à existência de uma vereda e que o prédio não tem ligação à via pública por veículos. JJJ) À data em que estas declarações foram prestadas - Janeiro de 2019 - o acesso às benfeitorias urbanas implementadas pela Ré MF é feito pela faixa de passagem que veio a ser constituída antes da construção da moradia e que remontam a meados de Novembro de 1996! Sendo a moradia da Ré construída no ano de 1998! KKK) A moradia da Ré MF já implementada (cfr. doc. 19 da p.i.) nunca beneficiou verdadeiramente da vereda, porque à data da sua construção essa vereda pedonal já não existia. O que lá existia e existe hoje, desde meados de Novembro de 1996, é a passagem de veículos! LLL) Ao mesmo tempo as declarações sobre o cultivo pela Ré MF revelam falsidade perante a reapreciação dos pontos 13 e 25 da douta decisão e dos depoimentos manifestados e transcritos anteriormente a este respeito das testemunhas LF, JASF, JS, AG, MA, RF e MAF, particularmente sobre a posse e o cultivo de parte da parcela justificada por MF e sobre a sua integração nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MF e MGS. MMM) A falsidade das declarações prestadas pelas Rés MS, AR e FS perante a Sra. Conservadora do Registo Predial de Santa Cruz prejudica a validade do processo de justificação e facto justificado”.
Vejamos:
De acordo com o que constava dos artigos 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511.º do CPC de 1961, na redação ultimamente vigente, a base instrutória deveria conter a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias situações plausíveis da questão de direito e sobre a qual incidiriam as diligências instrutórias de prova e de julgamento. Estas normas harmonizavam-se com a disposição contida no artigo 513.º do mesmo Código (com a epígrafe “Objecto da prova”), no qual se consagrava que a instrução tinha por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devessem considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
No novo e vigente Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na enunciação dos temas da prova, em sede de saneamento dos autos, não está em causa a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas, apenas, a enunciação das questões essenciais de facto, em que assenta a controvérsia entre as partes, deixando-se para a decisão sobre a matéria de facto - a ter lugar, em regra, no momento de prolação da sentença - a descrição dos factos que, relativamente a cada tema da prova, tenham sido provados ou não provados.
Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 699), “[r]elativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil durante muitas décadas. Numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiai e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual”.
Ora, conforme se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “Será, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, actualmente prevista no n.º 1 do artigo 596.º do nCPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique. Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir. Não obstante a redacção dada ao artigo 410º do nCPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do nCPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados. São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do nCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença. Acresce que decorre do artigo 413.º do nCPC, que reproduziu sem alteração o artigo 515.º do aCPC, que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, mantendo-se, assim, intocável o princípio da aquisição processual. Nos termos do aludido princípio, as provas acumuladas no processo consideram-se adquiridas para o efeito da decisão de mérito, pouco importando saber por via de quem foram trazidas para os autos (…)”.
Ou seja: “A enunciação dos temas da prova pode fazer-se em diversos graus de abstração ou concretização, ora mais vaga, ora mais precisa, tudo dependendo daquilo que seja realmente adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litígio (…). Haverá ações em que os temas da prova surgirão com maior concretização, embora não seja necessário (nem sequer aconselhável, na maior parte dos casos) que cada tema corresponda a um facto puro e simples, e haverá ações em que os temas da prova se apresentarão numa formulação de pendor mais genérico ou até mesmo conclusivo (…)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 699-700).
De todo o modo, como sublinham estes mesmos Autores (ob. cit., p. 701), “a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados”.
Assim, não obstante o artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC (onde se dispunha que: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”) não se encontrar no CPC em vigor, certo é que, da fundamentação da sentença devem constar factos, o que, desde logo, deriva da previsão do artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Na realidade, ao invés dos factos essenciais (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas) que devem ser alegados pelas partes, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPC e, além dos factos que sejam considerados pelo juiz, de harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, há determinada alegação que comporta a invocação de determinados pontos que são irrelevantes ou comportam juízos conclusivos, ou que contêm matéria de direito, aspetos que não devem ser transpostos para a seleção factual realizada pelo Tribunal em sede de sentença: “A matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito é contrária à matéria estritamente factual que, como decorre do art.º 607º nº4 do CPC, deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2021, Pº 701/19.0T8PFR.P1, rel. MENDES COELHO). De tal sorte que, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- art.º 607º, nº 4, NPCP” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO).
Contudo, nem sempre, na prática, se torna evidente se estamos perante absoluta matéria conclusiva ou de direito ou ainda em face de matéria de facto.
Conforme se escreveu – ainda no âmbito do precedente CPC - no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2003 (Pº 8271/03, rel. MARIA JOSÉ MOURO, CJ, 2003, t. I, pp. 79-87): “A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis. Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, pags. 206-207 referia: «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.” Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática. Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas. As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos. Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei”.
Na mesma linha e também no âmbito do CPC de 1961, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-12-1992 (Pº 003400, rel. DIAS SIMÃO) que: “Nem sempre é fácil a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito, podendo mesmo afirmar-se que a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida da estrutura da norma aplicável e dos termos da causa (…). Como critério geral de distinção pode dizer-se que é de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, se o apuramento dessas realidades se realiza à margem da aplicação directa da lei, ou seja, tratando-se de averiguar factos cuja existência não dependa da interpretação a dar a qualquer norma jurídica. Acontecendo, porém, que o conceito normativo mencionado na lei seja igual ao conceito empírico, utilizando aquela expressão de uso corrente na linguagem comum, nesse caso, poder-se-á quesitar empregando-se as palavras da lei, na medida em que, tomando-se esse conceito no seu sentido vulgar para este reservado”.
Em termos gerais, com referência aquilo que se verteu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05-2009 (Pº 08S3441, rel. VASQUES DINIS) pode considerar-se que: “Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”.
Assim, como princípio, não devem enunciar-se, em sede de fundamentação da sentença, no segmento dos factos apurados (provados/não provados), matéria conclusiva ou de direito, designadamente, quando esta se reporte ao cerne do objeto da questão a decidir.
Contudo, tem-se admitido que a mesma seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico com um significado socialmente consensual, se não forem objeto de discussão entre as partes, nem carecerem de interpretação jurídica, devendo ser tomadas na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum, caso em que ainda estaremos perante matéria factual.
Isso mesmo tem sido assinalado, em diversos arestos, pela jurisprudência, exemplificativamente se citando os seguintes (por ordem cronológica decrescente):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2021 (Pº 2999/08.0TBLLE.E2.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2020 (Pº 2124/17.6T8VCT.G1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2020 (Pº 3789/15.9T8VFR.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-11-2019 (Pº 3875/18.3T8MTS.P1, rel. RITA ROMEIRA): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o “thema decidendum”, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 109/17.1T8ACB.C1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES): “Apenas os factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objecto do processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 338/17.8YRPRT, rel. FILIPE CAROÇO): “O desaparecimento da previsão do nº 4 do art.º 646º do antigo Código de Processo Civil não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do nº 3 e no nº 4 do artigo 607º do atual Código de Processo Civil tenha passado a poder incidir também sobre matéria conclusiva e de direito. Em termos gerais, o facto corresponde a um estado ou acontecimento que se configura como uma realidade passível de constatação e apreensão, seja ele um facto do mundo exterior (facto externo) ou um facto da vida psíquica (facto interno: o dolo, o conhecimento de determinadas circunstâncias, uma determinada intenção)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 (Pº 3499/11.6TJVNF.G1.S2, rel. ROSA TCHING): “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO): “Face ao Novo Código de Processo Civil é na sentença que o juiz declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados. A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- art.º 607º, nº 4, NPCP (…)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 (Pº 809/10.7TBLMG.C1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “A questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado. Muito embora o art.º 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2015 (Pº 819/11.7TBPRD.P1.S1, rel. JOÃO TRINDADE): “Em face do NCPC (2013), haverá que considerar, de uma forma inovadora, que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista. É possível agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, do NCPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no nº 1 do artigo 596º do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511º do aCPC – encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas na lide. A decisão da matéria de facto não deverá, todavia, conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, impondo o artigo 607º do nCPC, no seu nº 4, que na sentença o julgador declare provados ou não provados os factos e não os temas da prova”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2013 (Pº 400/09.0PAOVR.C1.P1, rel. EDUARDA LOBO): “Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2004 (Pº 04B652, rel. FERREIRA GIRÃO): “O vocábulo janela pertence ao mundo dos vocábulos ou expressões, que, traduzindo embora determinado conceito técnico-jurídico, têm também um significado de uso corrente, fácil e inequivocamente identificável; Consequentemente, não se deve dar como não escrito, ao abrigo do nº. 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, o vocábulo janela, quando incluído na decisão da matéria de facto sem qualquer discriminação das suas características - tal como, aliás, foi alegado”.
Assim: “Se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas”, estendendo-se as dificuldades de delimitação também no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 4372/09.3TTLSB-A.L1-4, rel. DURO CARDOSO).
Noutros arestos tentou-se mais uma aproximação:
- “É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual. Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-02-2014, Pº 2138/10.7TBPRD.P1, rel. CARLOS GIL); e
- “Não são meros “juízos conclusivos” as expressões que têm um sentido perfeitamente apreensível na linguagem comum e cujo significado é totalmente apreendido na linguagem corrente, podendo até dizer que hoje em dia são os mesmos utilizados muitas vezes na vox populi” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-09-2021 (Pº 145/18.0T8SRP.E1, rel. ELISABETE VALENTE).
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, vemos que a autora alegou, no artigo 13.º da petição inicial, o seguinte: “As declarações feitas pelas RR. no processo de justificação que correu termos na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz são falsas relativamente à posse, domínio e aquisição do prédio rústico descrito no articulado 1º desta p.i.”. E reiterou a existência de uma tal “falsidade” em alegação produzida no artigo 15.º da petição inicial, dizendo, posteriormente, no artigo 36.º do mesmo articulado que: “As RR. ficcionaram mediante as declarações emitidas no processo de justificação a aquisição do solo do prédio rústico identificado no articulado 1º desta p.i.” e, no artigo 46.º que: “Criaram a falsa aparência da propriedade que também ataca o prédio urbano da A.”.
No caso, constituindo pretensão da autora a declaração judicial de que se considere impugnado o facto justificado no processo de justificação registal, n.º 33/2018, instaurado com fundamento no disposto no artigo 116.º e ss. do Código do Registo Predial, requerido pela ora ré, “por tais factos serem falsos”, verifica-se que a questão da falsidade do declarado no mencionado processo constitui, precisamente, o cerne do objeto do litígio dos autos – o que, aliás, nos termos do tema da prova n.º 3, elaborado no despacho proferido em 18-01-2023, constituiu objeto da instrução da causa – pelo que, a demonstração do mesmo, não poderá ser fundada num mero juízo conclusivo.
E, de facto, as afirmações de que as declarações produzidas pelas rés no processo de justificação são falsas (cfr. artigos 13.º, 15.º, 36.º e 46.º da p.i.) traduzem um mero juízo assuntório ou certificativo da autora sobre a natureza das declarações prestadas pelas rés em tal processo, envolvendo, inequívoco juízo conclusivo que, nessa medida, não poderá resultar assente por via da invocada não impugnação factual por banda da contraparte.
De facto, apenas poderão ser considerados “admitidos por acordo”, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 574.º do CPC “os factos que não forem impugnados”.
Ou, noutros moldes, mas com idêntico sentido, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-02-2021 (Pº 20633/19.0T8LSB.L1-8, rel. MARIA ISOLETA COSTA): “O efeito cominatório do artigo 567º nº 2 do CPC não se estende aos factos conclusivos constantes da petição inicial”.
Aplicando tal princípio, por decorrência inclusive da previsão da alínea c) do artigo 568.º do CPC, verifica-se que é ineficaz a vontade das partes para produzir efeito de admissão de juízos conclusivos, razão pela qual, se conclui que, a admissão por acordo, decorrente da não impugnação do réu, a que se reporta o n.º 2 do artigo 574.º do CPC, reporta-se a factos, não podendo, por isso, ser admitida por acordo, matéria conclusiva ou de direito, ainda que, sobre ela, o réu não se tenha pronunciado.
Compreende-se e concorda-se, pois, com a seleção factual expressa na decisão recorrida, que não contemplou no rol dos factos provados ou não provados, uma tal matéria.
De todo o modo, a autora, vem, agora, em sede recursória, pretender concretizar em que termos resultaria a falsidade que invocou, dizendo que, a incompatibilidade das declarações prestadas pelas rés no aludido processo de justificação se manifesta “quando na descrição do prédio justificado refere-se que confronta a Leste com o Caminho EC, enquanto que as Rés MS, AR e FS aludem à existência de uma vereda e que o prédio não tem ligação à via pública por veículos”, sendo que – refere a autora – “[à] data em que estas declarações foram prestadas - Janeiro de 2019 - o acesso às benfeitorias urbanas implementadas pela Ré MF é feito pela faixa de passagem que veio a ser constituída antes da construção da moradia e que remontam a meados de Novembro de 1996”.
Cumpre salientar que, em nenhum momento anterior, uma tal especificação ou concretização factual -gizada em sede de alegações de recurso - foi introduzida nos autos, previamente ao momento de apresentação do presente recurso.
Ora, no regime processual civil vigente, os factos principais essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art.º 574.º do CPC). “Os factos essenciais são os que apresentam, perante o quadro jurídico em que se fundamenta a acção ou a defesa, natureza constitutiva, impeditiva, modificativa ou extintiva do direito” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019, Pº 3755/15.4T8LRA.C2.S1, rel. HENRIQUE ARAÚJO).
Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece.
Ora, a invocação de que a falsidade do declarado no processo de justificação decorre de ali as rés MS, AR e FS terem mencionado que o prédio da ré não tem ligação à via pública por veículos, quando já, à data dessas declarações – em janeiro de 2019 – já existia o acesso para veículos entre a moradia da ré a o caminho público denominado E…, traduz uma concretização factual que, contudo, não ocorreu em sede de dedução dos articulados das partes, nem, ulteriormente, em sede de instrução ou julgamento da causa, tratando-se de matéria deduzida, de modo inovador, em sede do presente recurso de apelação.
Como se mostra patente, não tendo sido objeto de alegação nos articulados, a matéria atinente, não se incluindo no leque de factos essenciais alegados, nem também, constituindo facto notório ou de que o tribunal tivesse conhecimento em virtude do exercício das suas funções, apenas poderia ser considerada, caso se considerasse verificada a previsão do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, como “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (cfr. al. a)) ou como “factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar” (cfr. al. b)).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO) que: “I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art.º 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados. II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
É que: ”1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção. 2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam. 3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo. 4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório. 5. Os factos essenciais, a que se refere o art.º 5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção. 6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação. 7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2016, Processo 2316/12.4TBPBL.C1, relator ANTÓNIO CARVALHO MARTINS).
Ora, a factualidade em questão teria - considerando a causa de pedir invocada, visando a impugnação, por falsidade, do processo de justificação – inequívoca natureza essencial ou, quando muito, a natureza de facto complementar, para a demonstração da conclusão de que as declarações ali produzidas o foram com falsidade.
Contudo, para que tal facto pudesse ser introduzido nos autos, com tal natureza complementar – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica -, teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respetivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efetivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não podendo, por isso, tal factualidade ser objeto de inclusão nesta instância de recurso.
No caso, a apelante não desencadeou, oportunamente, tal ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida, neste momento e nesta sede, a ampliação da matéria de facto com tal fundamento, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas, mas, antes, a reapreciar questões já decididas.
Note-se que, a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Não poderá, pois, considerar-se como passível de inclusão no acervo factual, a matéria inovadoramente invocada pela apelante.
É, igualmente, neste âmbito que tem de ser considerado o que a apelante vem agora invocar e que condensou na conclusão LLL) das alegações de recurso.
Por tudo o exposto, conclui-se que não se mostra que deva ser incluída no rol dos factos provados, a matéria supra assinalada pretendida aditar a tal rol pela apelante.
A impugnação de facto correspondente, soçobra.
* K) Se deve ser aditada aos factos provados a seguinte matéria: “36 - A Autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território”?
O Tribunal recorrido incluiu na alínea J) dos factos não provados o seguinte: “J) A autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território”.
De acordo com a motivação expressa na decisão recorrida, o juízo probatório assentou na ausência de prova relativamente a tal factualidade.
Todavia, nas conclusões RRR) e SSS) da apelação, desenvolvendo a alegação produzida na motivação da apelação, a recorrente expressou o seguinte: “RRR) O aditamento do facto 36 também decorre de erro notório de apreciação e julgamento pelo Tribunal a quo concorrendo o depoimento gravado da testemunha LF, devidamente transcrito sobre a passagem com início aos 00:30:17 e termo aos 00:31:50, não contrariado pela única contestação apresentada pela Ré MF, nem por nenhuma da demais prova testemunhal produzida. SSS) Dos elementos de prova documental juntos pela Autora com a propositura da acção devem ser considerados e valorados neste aspecto, desde logo por não impugnados pela Ré, particularmente a certidão que consta do documento 8 da p.i. datada de 28.03.2022 e que corresponde à Reclamação Administrativa n.º 0020/20/0263, bem como o documento 23 da p.i. emitido aos 29.03.2022 e correspondente ao cadastro predial, ambos emitidos pela Direcção Regional do Ordenamento do Território”.
Será que se patenteia um tal erro notório na apreciação e julgamento de tal factualidade?
Segundo a recorrente, sustenta a prova que entende ter ocorrido, o declarado pela testemunha LF, sem contradição por outro meio de prova, inculcando, igualmente, no sentido por que pugna, os documentos n.ºs. 8 e 23 juntos com a petição inicial.
LF – que prestou depoimento em 02-05-2023 – referiu (reportando-se a si e à autora) que “nós tivemos conhecimento deste processo de justificação por usucapião há um ano e poucos meses. Sei que foi no ano passado, mais ou menos por altura da Páscoa”.
Do documento n.º 1 junto com a petição inicial resulta a requisição de certidão pela autora referente ao “processo de justificação n.º 33 de 27-06-2018”, requisição essa datada de 03-05-2022.
Por seu turno, o documento n.º 8 junto com a petição inicial reporta-se a certidão emitida pela Direção Regional do Ordenamento do Território, em 28-03-2022, relativamente ao processo de reclamação administrativa n.º …/…, na sequência de requerimento de LF.
E o documento n.º 23 junto com a petição inicial traduz a emissão de extrato de uma planta cadastral, emitida em 23-03-2022, referente ao prédio da ré, “para uso exclusivo de: LF”.
Ora, tendo presentes estes meios de prova, não se mostra asseverado, com a necessária e suficiente concludência, que a autora tenha tido conhecimento do processo de justificação “no final do mês de março de 2022”, sucedendo apenas cabalmente demonstrado, que a filha da autora, em março de 2022, encontrava-se a obter elementos documentais que não se traduziram no aludido processo de justificação, vindo apenas a obter certidão desse processo em maio de 2022.
Compreende-se, pois, o juízo probatório negativo levado a efeito pelo Tribunal recorrido, acerca do que tinha sido alegado pela autora no artigo 14.º da petição inicial e que originou o que ficou vertido na alínea J) dos factos não provados.
Em conformidade com o que se vem referindo, inexiste motivo para a inclusão no rol dos factos provados da matéria pretendida aditar pela recorrente, a este respeito.
A impugnação correspondente, soçobra.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1- A Autora contraiu casamento aos 06 de Dezembro de 1976 sob o regime da comunhão geral de bens com JF, irmão da Ré, falecido no estado de casado aos 02 de Maio de 2018.
2- JF era filho de MF e MGS, estes casados também no regime da comunhão geral de bens, falecidos respetivamente em 30 de Março 2004 e 06 de Abril de 2009.
3- MF e MGS eram donos e legítimos proprietários do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz sob o artigo …/… da secção "…” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º …/…
4- No ano de 1975 MF e MGS doaram de forma verbal e não titulada ao filho JF e à Autora com vista ao casamento de ambos uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico com o artigo …/… da secção "…”, onde implementaram uma moradia destinada à sua habitação própria e permanente composta por dois pisos e que deu origem ao prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, com a licença camarária n.º … datada de 27 de Fevereiro de 1976 e inscrito na matriz no ano de 1978 sob o artigo ….
5- Esse prédio doado constitui casa de morada de família da Autora há mais de 45 anos em conjunto com o seu entretanto falecido marido e filhos, integrando em parte a herança de JF em que é cabeça-de-casal a Autora.
6- Desde o ano de 1975 tomaram posse imediata do prédio onde está implementado o prédio urbano, tendo adquirido e mantido a posse sem oposição de quem quer que fosse e com conhecimento e à vista de toda a gente, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e com a convicção de serem legítimos proprietários, tendo por isso urna posse pública, pacífica, contínua e de boa fé, que dura há mais de vinte anos.
7- Esse prédio sempre teve acesso ao Caminho EC.
8- O casal MF e MGS além do falecido JF teve mais dez filhos, entre os quais a Ré MF.
9- Sobre o solo do prédio rústico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, inscrito na matriz sob o artigo …/… da secção "…” e descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º …/…, MF e MGS doaram verbalmente mais três parcelas de terreno a outros filhos para construção das respetivas habitações, todas elas também a confrontar com a via pública.
10- No ano de 1996 MF e MGS doaram de forma verbal e não titulada à Ré MF no estado de solteira uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …/…, que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….
11- A parcela em causa não disp(u)nha à data de acesso de veículos à via pública.
12- A parcela veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1996, por doação verbal, não titulada, de seus pais, MF e MGS.
13- Dessa parcela faz parte um prédio rústico que atualmente se situa nas traseiras das benfeitorias, cuja área também foi justificada.
14- A posse dessa parcela nunca foi perturbada e manifestou-se à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém desde o seu início, exercida continuamente desde, pelo menos, o ano de 1996, sempre com a convicção de que a ninguém prejudica, ignorando lesar direito alheio, com animo de que o prédio lhe pertence e de que exercita um direito próprio.
15 - A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2.
16- A meados de novembro de 1996 constituiu-se uma faixa de aproximadamente 32m2 que liga a moradia da Ré ao Caminho EC.
17- Para construção dessa faixa a Ré solicitou a colaboração do seu irmão JF e da Autora.
18- A construção dessa faixa obrigou a realização de obras de adaptação, nomeadamente a destruição de um muro de vedação e à redução de área de um reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública, construído pela Autora e marido juntamente com a habitação, procedendo também à colocação de vedação metálica protetora.
19- O reservatório/tanque de água localizado na extrema-leste do prédio junto à via pública encontrava-se construído numa área que não pertencia ao terreno da Autora e do seu marido.
20- A Ré MF e o seu então marido suportaram os custos da construção dessa faixa.
21- Essa faixa de terreno é de uso comum ao prédio da Autora e ao prédio da Ré.
22- No ano de 1998 a Ré MF já no estado de casada deu início à construção de moradia que seria destinada à sua habitação própria e permanente, corresponde ao prédio urbano localizado hoje no Caminho EC, n.º …, sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos.
23- Entre a moradia da Autora e da Ré existe um acesso pedonal independente, constituído por escadas.
24- Quer a Autora quer a Ré retiram benefícios desse acesso.
25- A Autora e os seus filhos utilizam esse acesso para aceder a um terreno que não foi doado à Autora, mas onde pratica agricultura.
26- No dia 27 de Junho de 2018 foi instaurado junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz processo de justificação para estabelecimento/reatamento do trato sucessivo, que deu origem ao Processo de Justificação n.º …/…. (Ap. …/…), em que a Ré MF declarou ser dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem do prédio rustico situado nos Barreiros, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, com a área de 530m2, que confronta a Norte com Herdeiros de JP, Sul com herdeiros de JF, Leste com Caminho EC e Oeste com JAF, inscrito na matriz cadastral respetiva sob parte do artigo …/… da Secção "…” e é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/…. da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos.
27- A Ré MF declarou no processo de justificação que o prédio estava inscrito a favor de MF, casado com MGS no regime da comunhão geral, residentes no sítio da C…, Estreito de Câmara de Lobos, pela Ap. 2, de 1973/10/11.
28- A Ré MF declarou no processo de justificação que o imóvel veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, dos pais dela, MF e MGS, primeiro cultivando bananeiras e vinha e posteriormente, no ano de 1998, já no estado de casada, edificando benfeitorias urbanas.
29- A Ré MF declarou no processo de justificação que a posse do prédio rústico nunca foi perturbada, que é uma posse que se manifestou à vista de todos, continuamente, durante mais de vinte anos e sempre com a convicção de que a ninguém prejudica e de que o prédio lhe pertence, possuindo o prédio rústico em apreço em nome próprio, pública, pacífica e de boa fé, pelo que o adquiriu a título originário, por usucapião.
30- As Rés MS, AR e FS confirmaram as declarações prestadas pela Ré MF no pedido de justificação.
31- No dia 30 de Janeiro de 2019, a Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz proferiu decisão a julgar procedente o processo de justificação do prédio rústico, dando origem à inscrição do prédio rústico localizado no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho do Funchal na matriz sob o artigo … da Secção "…” a favor da R. MF.
32- Foi efetuado o consequente registo de aquisição por usucapião na Conservatória de Registo Predial de Câmara de Lobos sob o número …/… da freguesia de Estreito de Câmara de Lobos.
33- A Ré MF invocando a qualidade de proprietária do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo … da secção "…” da freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, requereu junto do Serviço de Finanças do Concelho de Câmara de Lobos o averbamento ao prédio rústico da parcela urbana, correspondendo ao prédio urbano localizado ao Caminho EC, n.º …, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, inscrito na matriz predial no ano de 2003 a favor da Ré MF sob o artigo ….
34- Tal requerimento motivou o processo de Reclamação Administrativa n.º …/…/… - freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, instruído em nome da Ré MF, que se encontra no estado de pendente.
35-Por escrito datado de 18 de janeiro de 2000, os pais da Ré declararam que autorizavam sua filha MFB Barros e seu marido, AS, a legalizarem perante as Repartições competentes, uma moradia unifamiliar no terreno que possuem ao sítio dos Barreiros, freguesia do Estreito concelho de Camara de Lobos, inscrito na matriz cadastral sob o n.º …/…, da Secção-…, da freguesia do Estreito, concelho de Camara de Lobos.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
A) A Autora e JF sempre afetaram parte do seu imóvel ao cultivo de horta, árvores de fruto e vinha, bem como à criação de animais, construindo um acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada em toda a extrema norte e de uso exclusivo do seu prédio com cerca de 28m2.
B) O acesso pedonal independente, constituído por escadas, que se situa entre as moradias da Autora e da Ré MF é de uso exclusivo à parte afeta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais, fazendo parte do prédio da Autora.
C) A parte do prédio justificado onde a Ré MF construiu as benfeitorias veio à sua posse ainda no estado de solteira, exclusivamente como rústico, no ano de 1993, por doação verbal, não titulada, de seus pais, MF e MGS.
D) A parcela doada à Ré MF, à data da doação, não disponha de acesso pedonal à via pública.
E) A Ré MF pediu ao irmão JF e à Autora autorização para sobre o prédio urbano destes ser criada uma faixa para passagem de pessoas e veículos, que permitisse a ligação direta da parcela que lhe havia sido atribuída à estrada.
F) A faixa de terreno que permite a passagem de pessoas e veículos foi constituída numa parcela de terreno que pertence à Autora.
G) A meados de novembro de 1996 constituiu-se uma faixa de aproximadamente 48m2 exclusivamente sobre o prédio urbano de JF e da Autora para beneficiação da parcela de terreno doada à Ré MF.
H) A parte do prédio rústico justificado de cerca de 200m2, nas traseiras do prédio que foi doado à Ré, foi possuída, desde 1996 pelos pais da Ré, em nome próprio, de forma pública, pacífica, continua e de boa fé, suportando os mesmos os respetivos encargos, cuidando da terra, plantando, regando, fertilizando e cultivando vinhas e delas tirando as suas utilidades.
I) A Ré MF omitiu intencionalmente no pedido de justificação informação sobre o falecimento dos proprietários MF e a MGS e seus sucessíveis.
J) A Autora teve conhecimento da justificação do prédio no final do mês de março de 2022, quando confrontada pela intenção de venda da Ré do referido prédio, obtendo a confirmação do facto justificado pela consulta do processo na Conservatória de Registo Predial de Santa Cruz e do cadastro predial na Direção Regional do Ordenamento do Território.
K) O prédio justificado projeta-se sobre parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, concretamente sobre a faixa de terreno onde se constituiu a faixa de acesso à estrada.
Todos os restantes factos foram considerados conclusivos ou contento matéria de direito.
* II) Impugnação da decisão de direito:
* L) Se ocorreu erro de interpretação do disposto n.º 1 do artigo 353.º do CC, relativamente à revelia absoluta por falta de contestação das Rés MS, AR e FS, não devendo ser aplicada a norma da al. a) do artigo 568.º do CPC, prevalecendo o efeito da revelia apontado pelo n.º 1 do artigo 567.º do CPC, devendo, perante a não impugnação pelas Rés pessoalmente responsáveis pelas declarações, assumir-se o reconhecimento da falsidade das declarações prestadas no processo de justificação pelas Rés MS, AR e FS?
Estabilizados os factos, cumpre apreciar do acerto da decisão jurídica tomada pelo Tribunal recorrido, atento o recurso da apelante nesse âmbito.
Desde logo, a apelante entende que, na decisão recorrida, ocorreu erro de interpretação da norma do artigo 353.º, n.º 1, do CC, relativamente à falta de contestação das rés não contestantes, considerando que não deve ser aplicada a norma do artigo 568.º, al. a) do CPC, devendo considerar-se reconhecida a falsidade das declarações das rés não contestantes prestadas no processo de justificação.
Teceu, para o efeito, as seguintes conclusões recursórias: “VVV) (…) a interpretação que a douta sentença faz para aplicação da alínea a) do artigo 568º do C.P.C. no que respeita à revelia absoluta por falta de contestação das Rés MS, AR e FS é incorrecta e não se aplica no caso sub judice, pelo que a sentença recorrida violou por erro de interpretação o disposto no n.º 1 do artigo 353º do Código Civil. WWW) Com a citação todas as Rés ficam constituídas no ónus de contestar ou de responder e apesar de pessoal e regularmente citadas as RR. MS, AR e FS nada disseram ou requereram, não deduzindo contestação, não impugnando os factos que constam da petição inicial com que a Autora/Recorrente propôs a acção, nem intervieram na tramitação do processo. XXX) Tratando-se de factos pessoais, como também de factos sobre os quais não podem razoavelmente alegar ignorância dada a sua intervenção directa, é admissível confissão judicial por não impugnação. YYY) A contestação apresentada pela Ré MF não pode aproveitar as restantes Rés que regularmente citadas não contestaram a acção, no que respeita à intervenção pessoal no processo de justificação e materializada nas declarações prestadas pelas Rés não contestantes sobre o facto justificado. ZZZ) A Ré contestante não alegou ou impugnou especifica e respectivamente a veracidade ou falsidade das declarações das Rés MS, AR e FS sobre o facto justificado, recolhidas em autos de inquirição (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial). AAAA) Em rigor não poderia fazê-lo sobre factos pessoais praticados e da intervenção pessoal de outrem, das outras Rés, os quais não integram o domínio da disponibilidade e responsabilidade da Ré contestante. BBBB) À luz do n.º 1 do artigo 353º do Código Civil deverá prevalecer o entendimento que, o efeito contrário à confissão, ou seja, neste caso, a impugnação por negação de factos pessoais só produziria como efeito directo de não confissão pela apresentação da contestação que caberia individualmente a cada uma das Demandadas face às declarações prestadas por cada uma delas no processo de justificação, devendo, perante a não impugnação pelas Rés pessoalmente responsáveis pelas declarações, assumir-se o reconhecimento da falsidade imputada. CCCC) Não deve, assim, ser aplicada ao caso sub judice a norma excepcional da alínea a) do artigo 568º do C.P.C., prevalecendo o efeito da revelia apontado pelo n.º 1 do artigo 567º do C.P.C., com consequências de índole processual que determinam a alteração da decisão proferida pela douta sentença a respeito da procedência da impugnação da justificação”.
Importa, desde já, recordar que, na decisão recorrida, o Tribunal recorrido apreciou, a título de “questão prévia”, o saber se deveria operar a condenação das rés não contestantes nos pedidos formulados, pretensão que a autora formulou.
Escreveu-se, a este respeito, na decisão recorrida, o seguinte: “Peticionou a Autora que as Rés MS, AR e FS fossem condenadas nos pedidos, uma vez que devidamente citadas não apresentaram contestação, devendo os factos ser considerados confessados. Cumpre decidir. Consagra o artigo 567.º do Código de Processo Civil: “1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. 2- É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito. 3- Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado” (negrito nosso). Por seu turno, dispõe o artigo 538.º do mesmo diploma legal: “Não se aplica o disposto no artigo anterior: a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar; b) Quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta; c) Quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter; d) Quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito” (destacado nosso). Nos presentes autos, a Ré MF apresentou contestação. Da análise da contestação da Ré MF conclui-se que a sua contestação aproveita às outras Rés, uma vez que a mesma impugna os factos alegados pela Autora. A contestação impugna a generalidade dos factos alegados pela Autora, concluindo no sentido da validade da escritura de justificação. À luz do referido, conclui-se que nenhum facto pode ser considerado confessado por acordo, uma vez que a contestação aproveita a todas as Rés. Pelo exposto, nada existe a considerar confessado por acordo por ausência de contestação das Rés MS, AR e FS.”.
Vejamos se a decisão recorrida não observou as disposições dos preceitos legais acima citados, importando, desde logo, apreciar em que termos se opera a conjugação do disposto nos artigos 567.º e 568.º do CPC.
Dispõe o artigo 567.º, n.º 1, do CPC que, “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
Daqui resulta que a revelia é, em regra, operante – operando a falta de contestação do réu ao efeito de se considerem confessados os factos articulados pelo autor - regime que é aplicável quando o réu, apesar de não apresentar contestação, tenha sido ou deva considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, mesmo que não tenha intervindo no processo, permanecendo em revelia absoluta.
O efeito da omissão de dedução de contestação traduz assim, por regra, em relação aos factos que o autor alegue, uma confissão tácita ou ficta, que se distingue da confissão judicial expressa, que se traduz numa declaração de ciência, na qual o confitente reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigos 355.º ss. do CC).
A confissão decorrente da revelia operante não depende de qualquer declaração nesse sentido, bastando para a mesma ocorrer e produzir os respetivos efeitos, a própria inércia do demandado (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 681).
Dito de outro modo: O comportamento omissivo do réu não contestante provoca a chamada confissão tácita, ficta ou presumida: “O que não se confunde com a confissão judicial expressa, consubstanciada numa declaração (de ciência) de reconhecimento de um facto (desfavorável ao confitente) cuja prova pertenceria, em princípio, à parte contrária (cfr. os art.ºs 352.º e 355.º e ss. do CC). Dispensando qualquer manifestação expressa de vontade, basta-se a lei, para que a revelia surta efeito confessório (seja operante) com que o réu (regularmente citado e/ou representado) não conteste a ação. Efeito que, por norma (ainda que não necessariamente, face à liberdade do juiz na aplicação do direito), conduzirá a um julgamento de mérito favorável ao autor (procedência da ação). Por isso se designa esta modalidade de confissão por confissão semi-plena” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil; vol. II, Almedina, 2015, p. 121). “Trata-se, portanto, de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do réu) e, aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do réu aos da confissão, de que tratam os art.ºs 352 CC e ss.); de facto, fala-se tradicionalmente de confissão ficta (ficta confessio) para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária (…)” (assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 533).
A aludida confissão ficta tem um regime não coincidente com o da confissão, sendo mais adequado reservar para a mesma o termo “admissão”.
A admissão distingue-se da confissão “do ponto de vista dos elementos objectivos da estrutura do acto, consistindo a primeira numa pura omissão e a segunda numa declaração expressa” (assim, José Lebre de Freitas; A Confissão no Direito Probatório; Coimbra Editora, 1991, p. 473).
Distinguindo, claramente, a admissão resultante da revelia, da confissão enquanto meio probatório, Lebre de Freitas salienta que a admissão é irretratável e divisível (produzindo efeito facto a facto), só é eficaz no processo em que é produzida e constitui prova por presunção, inilidível, que opera no campo estritamente processual e é extraída da conjugação entre uma afirmação e da falta de uma afirmação contrária (cfr. A Confissão no Direito Probatório; Coimbra Editora, 1991, pp. 478-484). “A confissão presumida fica definitivamente adquirida no processo (com eficácia juris et de jure), não podendo o réu vir posteriormente negar os factos relativamente aos quais se manteve em total silêncio ou inércia (…)” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil; vol. II, Almedina, 2015, p. 121).
Todavia, conforme se referiu no Acórdão do STJ de 02-11-2017 (Pº 420/16.9T8STR.E1.S1, rel. ROSA RIBEIRO COELHO): “A regra constante do nº 1 do art.º 567º do CPC, segundo a qual a falta de contestação do réu que haja sido regularmente citado na sua própria pessoa leva a que se tenham como confessados os factos articulados pelo autor, não é absoluta, sendo afastada nos casos excecionais enunciados no subsequente art.º 568º (…)”.
De facto, as alíneas a) a d) do artigo 568.º do CPC consagram exceções ao efeito cominatório ou perentório (da prova por confissão) da situação de revelia.
Assim, nos termos da alínea a) do artigo 568.º do CPC, não se produzirá o efeito cominatório a que se refere o n.º 1 do artigo 567.º do CPC, no caso de “havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar”.
Conforme sublinha Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil; vol. II, Almedina, 2015, p. 126), “[e]sta exceção funciona em qualquer situação de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário passivo, de litisconsórcio voluntário passivo ou de coligação passiva; e limita a sua eficácia aos factos de interesse para o réu contestante e para o réu revel, não sendo prejudicada pela superveniente desistência do autor relativamente ao réu contestante. O benefício da contestação por um dos co-réus é, assim, circunscrito à matéria concretamente impugnada pelo réu-contestante; daí que os factos não efetivamente impugnados tenham que ser dados como assentes relativamente a todos os réus (cfr. o n.º 2 do art.º 574º, com referência à al. a) do art.º 568º). Só não podem ser considerados como confessados os factos impugnados pelo réu contestante (art.º 574º, n.º 1), pois que seria absurdo que os réus revéis ficassem em situação mais favorável que a dos efetivamente contestantes”.
Assim, “os factos da petição inicial que não hajam sido efetivamente impugnados consideram-se confessados em relação a todos os réus (al. a) e art.º 574.º, n.º 2). Por outro lado, exceções eventualmente deduzidas pelo réu contestante, sobremaneira as de carácter oficioso, apenas a este aproveitam” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Ed., Almedina, 2022, p. 684, nota 3).
O Tribunal recorrido concluiu que a contestação da ré MF aproveitou às demais rés, uma vez que a mesma impugnou os factos alegados pela autora, concluindo no sentido da validade da escritura de justificação e que “nenhum facto pode ser considerado confessado por acordo”.
Como já se teve ocasião de referenciar, nos artigos 13.º, 15.º, 36.º e 46.º da petição inicial, a autora formulou um mero juízo conclusivo sobre a natureza das declarações produzidas por todas as rés no processo de justificação, apodando-as de falsas, circunstância que determinaria a impossibilidade de atuação do efeito cominatório resultante da ausência de contestação.
Sucede que, mesmo que assim não sucedesse (e se considerasse que os mencionados artigos 13.º, 15.º, 36.º e 46.º da p.i. comportam a alegação de concreta factualidade), se verifica que na contestação, a ré, depois de invocar corresponder à verdade “o alegado nos arts. 1.º a 12.º, 16.º a 21.º, 24.º a 27.º, 28.º (exceto a expressão “1996”) e 35.º” da petição inicial (cfr. artigo 19.º da contestação), impugnou tudo o mais alegado na petição inicial, conforme decorre do vertido no artigo 21.º de tal articulado e, nessa medida, também, o que a autora verteu nos demais artigos do articulado inicial (com exclusão dos que a ré aceitou como verdadeiros).
Ora, tal modo de contestação, reportando-se a matéria que congrega, de modo paritário a atuação de todas as rés – a sua intervenção no processo de justificação – determinando a extensão às rés não contestantes da impugnação deduzida pela ré contestante, consequência a não produção dos efeitos da revelia, a que se refere o n.º 1 do artigo 567.º do CPC.
E, nesta medida, não se alcança que o Tribunal recorrido tenha incorrido em algum vício ou que tenha violado alguma das disposições normativos invocadas pela apelante, sendo que, quanto à invocação efetuada a respeito do n.º 1 do artigo 353.º do CC, cumpre salientar, com Lebre de Freitas (A Confissão no Direito Probatório; Coimbra Editora, 1991, pp. 476-477) que, sem prejuízo da não produção do efeito cominatório da revelia contra incapazes, “a lei processual não aplica à admissão a norma constante do art.º 353º-1 do C.C., contentando-se com a capacidade e a legitimidade processuais da parte”.
A questão colocada deve, em consequência, receber resposta negativa.
* M) Se a sentença recorrida violou o artigo 595.º, n.º 3, primeira parte, do CPC, sendo ineficaz face aos despachos de 18-01-2023 e 19-04-2023, que constituem caso julgado formal?
A decisão recorrida pronunciou-se, igualmente, sobre a questão atinente à “propriedade do acesso pedonal por escadas independentes e reconhecimento de que a Autora faz uso exclusivo desse acesso”.
Sobre tal questão, expenderam-se, na decisão recorrida, as seguintes considerações: “Cumpre, agora, analisar a propriedade e uso do acesso pedonal por escadas independentes, ou seja, do acesso pedonal que se situa entre as moradias da Autora e da Ré MF. Não resultou provado na presente ação que a Autora faça uso exclusivo daquele acesso e não resultou provado que essa parcela tenha sido doada à Autora ou que a mesma faça uso exclusivo daquele acesso a um número de anos suficientes para que, eventualmente, pudesse ter adquirido a propriedade daquela parcela/acesso por usucapião. Resultou provado que a Ré MF retira benefício desse acesso e que a Autora também retira benefício desse acesso para cultivar um terreno que nunca lhe foi doado. De um lado encontra-se uma parcela que é propriedade da Ré MF, do outro encontra-se uma parcela que é propriedade da Autora e, mais a baixo, uma parcela que nunca lhe foi doada e cuja propriedade não cumpre apreciar nos presentes autos. Estão em causa duas parcelas quase encostadas, separadas por um pequeno acesso com escadas. A decisão relativa à fixação dos limites físicos entre esses mesmos prédios/parcelas só pode ser tomada em ação de demarcação. A esse propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24 de Novembro de 2016, processo nº 2078/13.8TBVCT.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador João Diogo Rodrigues (disponível em www.dgsi.pt): “O direito à demarcação traduz-se num direito potestativo à colaboração dos donos dos prédios confinantes, com vista à rigorosa fixação dos limites físicos entre esses mesmos prédios. Assim, na base do pedido de demarcação deve haver sempre uma causa de pedir complexa, integrada por factos tendentes a demonstrar: a) A existência de prédios confinantes; b) A pertença dos mesmos a donos diferentes; c) E, a incerteza, controvérsia, ou tão só desconhecimento sobre a localização da linha divisória entre eles. Mas, já não carecem de ser alegados quaisquer factos tendentes a comprovar a localização dessa linha. Nesse aspeto o juiz não está vinculado ao critério ou mesmo ao traçado da linha divisória indicada pelas partes, posto que, a esse respeito, a lei é imperativa: se essa linha não puder ser fixada a partir dos títulos de cada um dos proprietários, será sucessivamente estabelecida por recurso à posse ou outros meios de prova e, no limite, não podendo ser determinada por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes. Não integrando o traçado da linha divisória a causa de pedir da ação de demarcação, nunca os factos que o definem se podem ter como exclusivamente na disponibilidade de alegação e prova pelas partes. Ou dito por outras palavras, nunca se podem qualificar como factos essenciais, o que permite a aquisição oficiosa dos mesmos, desde que respeitados os demais condicionalismos legais, designadamente no plano do contraditório em relação à prova que a eles conduziu. Por isso mesmo, o juiz pode também traçar uma linha divisória diversa da indicada pelas partes, sem que com isso ofenda o princípio do pedido" A Ré justificou aquilo que lhe pertencia, sendo o limite dos prédios e a questão de aferir onde termina um e começa o outro, questões a decidir em sede de ação de demarcação e não em sede de ação de impugnação de escritura de justificação. Não está em causa a propriedade daquele acesso pedonal, mas sim o limite do prédio da Ré MF, tendo o referido acesso utilidade quer para a Autora quer para a Ré MF. Pelo exposto, improcederá o pedido de reconhecimento de reconhecimento de que a Autora faz uso exclusivo do acesso pedonal e nenhuma nulidade ou ineficácia existe a declarar da escritura de justificação, improcedendo na totalidade a presente ação”.
Contesta a recorrente tal entendimento, concluindo que: “UUUU) Sobre o reconhecimento da propriedade do acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada e a sua compatibilidade com a acção de impugnação judicial de justificação, refira-se que são interessados não são só aqueles que têm um direito ou interesse incompatível com o do justificante, mas também os que podem ser afectados em qualquer interesse relevante com o acto de justificação. VVVV) A área ou superfície de um imóvel é elemento essencial na definição da propriedade através dos seus limites materiais, com ressonância elementar, por conseguinte, na determinação do conteúdo jurídico-económico do direito, em suas faculdades plenas e exclusivas de uso, fruição e disposição. WWWW) Na acção judicial em que se peticione o reconhecimento de que determinada área de solo pertence ao seu prédio, que identifica, e não ao prédio confinante, não é uma acção de demarcação, nem mesmo de reivindicação, mas uma acção declarativa de simples apreciação e processo comum. XXXX) Na aplicação do Direito sobre esta questão jurídica a douta decisão viola a primeira parte do n.º 3 do artigo 595º do C.P.C., porquanto, em despacho saneador proferido nos autos aos 18.01.2023 com a Ref. 52937594 o Tribunal a quo reconheceu a compatibilidade do pedido deduzido pela Autora referente ao acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada “procedendo do mesmo facto jurídico e estando numa relação de dependência entre si”. YYYY) Também na identificação do objecto do litígio, após sugestão da Autora em requerimento datado de 30.01.2023 com a Ref. 44539223, foi ampliado por despacho de 19.04.2023 com a Ref. 53444131, passando a constar: “Aferir da existência do acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada, com identificação do prédio a que pertence e respectivos direitos de uso, fruição e disposição.” ZZZZ) Ambos os despachos transitaram em julgado e constituem, nesta matéria, caso julgado formal com reconhecida força obrigatória dentro do processo que impede que a decisão possa vir a ser revertida ou modificada pelo Tribunal que a proferiu ou por qualquer outro, nem podendo admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório. AAAAA) Na apreciação desta questão jurídica assiste-se a duas decisões contraditórias emitidas pelo Tribunal a quo sobre a análise desta pretensão da Autora, devendo ser aplicada a norma jurídica do artigo 625º do C.P.C., importando a ineficácia da sentença recorrida na parte em que contraria as decisões proferidas em momento anterior e transitadas em julgado. BBBBB) Sem prejuízo, não se compreendendo que o Tribunal a quo haja se pronunciado sobre o direito de propriedade subjacente ao pedido da alínea c) da petição inicial no sentido de que não ser reconhecido à Ré MF nem à Autora, recusando, contudo, a douta sentença a apreciação do pedido da alínea d) da petição inicial na questão da discussão da propriedade deste acesso pedonal entre as partes. CCCCC) Assim é este o sentido que defendemos que deve ser interpretado e valorado o pedido da alínea d) da petição inicial, o qual, perante a reapreciação da matéria de facto, deve ser julgado procedente”.
Ora, ao invés do pugnado pela recorrente, não se alcança que a decisão recorrida tenha violado o disposto no n.º 3 do artigo 595.º do CPC.
Estabelece este artigo 595.º, n.º 3, do CPC que, “no caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença”.
As mencionadas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 595.º estabelecem que, o despacho saneador se destina a: “a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.
Invoca a apelante que os despachos de 18-01-2023 e de 19-04-2023 constituem caso julgado formal que obstaria a que o Tribunal apreciasse a questão, proferindo decisão que revertesse ou modifique as decisões anteriormente proferidas e obstando a que seja praticado ato contraditório com o conteúdo decisório de tais decisões.
No despacho saneador proferido em 18-01-2023, o Tribunal recorrido conheceu, desde logo, da “exceção de ineptidão da petição inicial”, por invocada incompatibilidade entre os pedidos de impugnação do facto justificado e o reconhecimento da constituição de servidão de passagem.
Na apreciação então efetuada, concluiu o Tribunal recorrido, nomeadamente, que: “Esses pedidos não são incompatíveis, procedendo do mesmo facto jurídico e estando numa relação de dependência entre si. O que a Autora pretende é a nulidade da escritura de justificação, de modo a que parte do terreno justificado não seja considerado propriedade da Ré e que seja reconhecido que a mesma possa aceder ao seu terreno fazendo uso do direito de servidão passagem sobre o prédio rústico 37/2 da secção EM, que alegadamente será propriedade da Autora. Assim sendo, e pese embora estejamos perante pedidos de natureza diferente, nada obsta a que os mesmos sejam admitidos cumulativamente. Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, considerando compatíveis os pedidos deduzidos”.
Ora, o caso julgado formal reporta-se, como decorre da alínea a) do n.º 1, conjugado com o n.º 3, ambos do artigo 595.º do CPC, à concreta questão apreciada, ou seja, à verificação de que não existe incompatibilidade entre a dedução cumulada de ambas as aludidas pretensões.
Contudo, na decorrência de uma tal apreciação e do correspondente caso julgado formal assim formado, não advém qualquer limitação sobre o conhecimento substantivo ou de direito material sobre a questão da propriedade do acesso pedonal por escadas independentes e sobre se deve ser reconhecido à autora que faz uso exclusivo desse acesso.
Não se mostrava, pois, vedado ao Tribunal recorrido conhecer e tomar posição sobre tais questões que, aliás, integraram os temas da prova enunciados (6- Aferir se a parcela doada à Ré MF não abrange parte do terreno justificado e se não dispõe de acesso pedonal e de acesso a veículos à via pública; e “8-Aferir qual o uso e respetivas utilidades do prédio onerado com a servidão de passagem” - conforme despacho de 19-04-2023).
Ora, sucede que, “os temas de prova não se confundem com a matéria de facto apurada, isto é, com os factos provados ou não provados, daí que não faça qualquer sentido pretender que se considere como provados os temas de prova, uma vez que é relativamente à matéria de facto apurada – provada e não provada – e, eventualmente, não considerada na sentença, que se poderá questionar a decisão da matéria de facto” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-12-2017, Pº 1715/15.4T8URL.G1, rel. ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA).
Nos mesmos termos referiu-se, com toda a clareza, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING) que, os “factos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso”.
Assim, a enunciação sobre os temas da prova não constitui senão a “baliza” nos limites da qual se movem as questões essenciais de facto a apreciar em sede de instrução e julgamento da causa, não formando tal enunciação caso julgado formal.
E, nessa medida, não havia qualquer limitação ou pressuposto vinculativo para o Tribunal recorrido se pronunciar, em sede da sentença recorrida, sobre a aludida questão cujo conhecimento empreendeu, pelo que, não procede a invocada violação do disposto do n.º 3 do artigo 595.º do CPC.
A questão enunciada merecerá, pois, resposta negativa.
* N) Se deve ser revogada a decisão recorrida e julgada procedente a ação?
Cumpre, por fim, apreciar se, nos termos do recurso deduzido pela apelante, deve ser revogada a decisão recorrida e julgada procedente a ação.
Visa a autora do presente processo, ora recorrente, seja declarado impugnado o facto justificado no processo de justificação n.º …/…, que correu termos na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, por tais factos serem falsos, sendo ordenado o cancelamento de inscrição de aquisição e todo o registo lavrado com base no mencionado processo de justificação e as posteriores inscrições e se reconheça a existência e constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio urbano localizado no Caminho EC, n.º …, no sítio dos Barreiros, freguesia de Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos e inscrito na matriz sob o artigo …, reconhecendo-se que o acesso pedonal por escadas independentes, com passagem de águas pela levada que identificou é de uso exclusivo do referido prédio n.º …, dele fazendo parte.
Conforme se reconheceu no Acórdão do STJ n.º 1/2008 (publicado no D.R., 1.ª série, n.º 63, de 31-03-2008, p. 1871 e ss.), “a impugnação da escritura de justificação significa a impugnação dos factos com base nos quais foi celebrado o registo. A impugnação desses factos, traduzida na alegação da sua não verificação ou da sua não correspondência com a realidade, não pode deixar de abalar a credibilidade do registo e a sua eficácia prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial, que é precisamente a presunção de que existe um direito cuja existência é posta em causa através da presente acção. Daí que, impugnada a escritura com base na qual foi lavrado o registo, por impugnado também se tem de haver esse mesmo registo, não podendo valer contra o impugnante a referida presunção, que a lei concede no pressuposto da existência do direito registado”.
Nos termos da decisão recorrida, o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedentes todos os pedidos formulados pela autora, absolvendo a ré em conformidade.
Em sede de subsunção jurídica dos factos, o Tribunal recorrido começou por apreciar a questão referente à “aquisição do prédio justificado por doação”.
Para tanto, teceram-se na decisão recorrida as seguintes considerações: “Resultou provado nos presentes autos que no ano de 1996 MF e MGSs doaram de forma verbal e não titulada à Ré MF no estado de solteira uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …/…, que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … e que dessa parcela faz parte um prédio rústico que atualmente se situa nas traseiras das benfeitorias, cuja área também foi justificada. Consagra o artigo 940.º do Código Civil: “1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente. 2. Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais" (negrito nosso). Estabelece o artigo 947.º do mesmo diploma legal: “1 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado". No caso em apreço, pese embora esteja em causa uma doação de um imóvel, que não foi celebrada por escritura pública, mas sim verbalmente, nunca poderia a Autora invocar a invalidade dessa doação, uma vez que adquiriu o seu terreno exatamente da mesma forma, ou seja, através de doação verbal. Admitir que a Autora beneficiasse da invalidade da doação efetuada à Ré MF quando a propriedade do terreno onde se situa a sua moradia foi adquirida exatamente da mesma forma (através de doação verbal não titulada) seria permitir um clamoroso abuso de direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil). Dispõe o artigo 954.º do Código Civil: “A doação tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A assunção da obrigação, quando for esse o objeto do contrato" (destacado nosso). Aqui chegados, tendo a parcela justificada (terreno onde se situa a moradia e terreno situado nas traseiras dessa moradia) sido doada à Ré MF em 1996, dúvidas não restam que a mesma adquiriu a propriedade dessa parcela. Da análise das áreas justificadas (bem percetíveis no documento 22, junto com a petição inicial), verifica-se que a Ré justificou o imóvel/parcela/terreno que adquiriu por doação, não merecendo qualquer censura a escritura de justificação colocada em causa nos presentes autos”.
Contrapõe a apelante, a este respeito, no presente recurso, concluindo que: “DDDD) Sobre a aquisição do prédio justificado por doação, a validade da transmissão e subsequente aquisição da propriedade da coisa imóvel está condicionada pela falta de forma, tratando-se de uma doação verbal e não titulada, conforme ponto 10 dos factos provados pela sentença recorrida, o que é manifestamente reconhecido pela Ré MF pela instauração do processo de justificação ao declarar-se “dona e legitima possuidora”. EEEE) Inexistindo escritura pública ou documento particular autenticado, como título da doação, não se pode afirmar que a Ré MF adquiriu de forma derivada o direito de propriedade sobre o prédio rústico. FFFF) A interpretação elaborada pelo Tribunal a quo da alínea a) do artigo 954º do Código Civil é errada, por violar a norma jurídica do artigo 1316º do C.C., uma vez que, não sendo válida a doação à luz do disposto no n.º 1 do artigo 974º do Código Civil, não poderá, naturalmente, produzir como efeito essencial a aquisição e transmissão da titularidade do direito de propriedade de imóvel, nem nunca ser entendido que a Ré MF adquiriu o direito de propriedade pela doação verbal não titulada (…)”.
Importa referir que, embora a recorrente tenha mencionado que a doação não é válida à luz do artigo 974.º, n.º 1, do CC, tal referência deve entender-se como aludindo ao prescrito no n.º 1 do artigo 947.º do mesmo Código, preceito onde se estipula que, “sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado”.
Na decisão recorrida foi entendido que a nulidade da doação não era invocável pela autora, estando tal invocação paralisada pelo instituto do abuso de direito (cfr. artigo 334.º do CC).
Ora, conforme decorre do facto provado n.º 10), no ano de 1996, MF e MGS doaram de forma verbal e não titulada à ré MF, uma parcela de terreno para construção sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …/…, que confronta a sul com o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ….
Tendo-se provado que a doação foi meramente verbal, não foi observada a forma legal para a doação de um imóvel, pelo que a mencionada doação é nula (cfr. artigos 947.º, n.º 1 e 220.º do CC).
Ora, sucede que, ao invés do pugnado pela apelante, a decisão recorrida não afirmou que a ré adquiriu a propriedade de forma derivada, limitando-se a reconhecer que, tendo ocorrido a doação, a ré veio a adquirir a propriedade da parcela.
O reconhecimento do direito de propriedade da ré não se bastou ou fundou, exclusivamente, na aludida afirmação, indagando também o Tribunal recorrido sobre se a ré adquiriu, originariamente, a propriedade do imóvel justificado, com fundamento em usucapião.
Dispõe o artigo 1287.º do CC que: “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.
A usucapião é, assim, uma forma de aquisição originária do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo, que assenta na posse desse direito mantida pela mesma ou mesmas pessoas durante um determinado período.
Conforme refere Rui Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais; 4.ª ed., revista e aumentada, Principia, 2020, p. 491): “Desta mesma noção resulta que só se podem adquirir por usucapião coisas que já existam como tal e que possam ser adquiridas por outro modo (…)”.
O art.º 1251.º do Código Civil define a posse como sendo o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Essa posse resulta da combinação de um elemento objetivo – o “corpus”, que se concretiza através dos atos materiais praticados sobre a coisa – e de um elemento subjetivo – o “animus”, que se traduz na intenção de o possuidor se comportar como titular do direito real correspondente aos atos praticados.
Só dá origem à usucapião a posse pacífica e pública (cfr. artigos 1297.º e 1300.º, n.º 1, do CC). Se a posse tiver sido obtida com violência ou se se tiver iniciado de modo não cognoscível, os prazos da usucapião só começarão a contar a partir do momento em que cesse a violência ou a posse se torne pública.
Por outro lado, excluem-se da possibilidade de usucapião as servidões não aparentes e os direitos de uso e de habitação, conforme decorre dos artigos 1293.º, 1485.º e 1548.º do CC.
Quanto aos prazos necessários para a ocorrência da usucapião, a lei indica vários prazos que variam em razão da natureza das coisas objeto de posse, dos caracteres da posse e da existência de registo da posse – cfr. artigos 1294.º e ss. do CC.
A usucapião não opera automaticamente, carecendo de invocação (cfr. artigos 1287.º, 1292.º e 1298.º do CC), sendo que, quando invocada e exercida a posse pelo lapso de tempo necessário à usucapião, os seus efeitos retroaem-se à data do início da posse – cfr. artigos 1288.º e 1317.º, al. c) do CC).
Cumpre fazer ainda referência que o artigo 1376.º do CC estabelece o seguinte: “1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno. 2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura. 3. O preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos”.
Esta disposição legal visa impedir o parcelamento de terrenos aptos para cultura (que são os terrenos “próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários” – assim, Luís Filipe Pires de Sousa; Ações especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 33) em prédios de área inferior à unidade de cultura fixada, presentemente, para Portugal Continental na Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto (que revogou a anterior Portaria n.º 202/70, de 21 de abril).
Na Região Autónoma da Madeira, rege sobre a matéria o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2017/M, de 23 de agosto (publicado no DR, 1.ª série, n. 162, de 23 de agosto de 2017, pp. 4978-4979), estando a unidade de cultura na RAM fixada, desde a entrada em vigor de tal diploma, em 1.500m2 e, excecionalmente, em 500 m2, desde que, nomeadamente, a localização, as condições locais de natureza económica e social, a tradição da estrutura fundiária na zona e aptidão agrícola do prédio assim o justifiquem, mediante parecer prévio favorável do Secretário Regional de Agricultura e Pescas.
Importa ainda salientar que, na redação originária do artigo 1379.º do CC, se estabelecia no n.º 1 o seguinte: “São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º, se a construção não for iniciada dentro do prazo de três anos”.
Esta redação veio a ser alterada pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto (que aprovou o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária), passando a dispor os n.ºs. 1 e 2 do artigo 1379.º do CC nos seguintes termos: “1 - São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º. 2 - São anuláveis os atos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos”.
A este respeito, refere Rui Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais; 4.ª ed., revista e aumentada, Principia, 2020, pp. 495-496) que: “Desde que a Lei 111/2015, de 27 de agosto, deu ao art.º 1379 a sua redação atual, que determinou a nulidade de tais atos, pareceria claro que também a posse que se funde em atos de fracionamento contrários ao disposto no art.º 1376 se deveria ter como insuscetível de gerar usucapião. No entanto, persistiu nos tribunais opinião contrária (…). Certamente com vista a pôr fim a tal interpretação, a Lei 89/2019, de 3 de setembro, deu nova redação ao art.º 48 da Lei 111/2016, de 27 de agosto, que passou a incluir (…), nos seus n.ºs. 2 e 3, as determinações de que «a posse de terrenos aptos para cultura não faculta ao seu possuidor a justificação do direito a que esta diz respeito, ao abrigo do regime da usucapião, sempre que a sua aquisição resulte de atos contrários ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil» e de que são «nulos os atos de justificação de direitos a que se refere o número anterior». O enredo da relutância dos tribunais à aplicação de leis que afastam a usucapião não terá, porém, terminado, quer porque um certo entendimento da aplicação das leis no tempo levará a que a nova redação do art.º 48 da Lei 111/2015, de 27 de agosto, só seja aplicável a casos que venham a ser discutidos num futuro longínquo, quer porque tal vez venha (numa ironia histórica) a ser esgrimida a tese de que a «derrogação do instituto da usucapião» pode «atingir o núcleo do reforçadamente protegido direito constitucional da propriedade privada, porque a usucapião é uma das formas da sua aquisição»”.
Nesta linha e relativamente aos casos em que a operação de fracionamento de prédio rústico ocorra em momento anterior à de vigência da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto (sendo que a situação se alterou, sensivelmente com a publicação desta lei e, bem assim, da referida Lei n.º 89/2019, de 3 de setembro), a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado, de forma regular e consistente, que é prevalecente a aquisição decorrente da invocação da usucapião.
Disso são exemplo os seguintes arestos (elencados por ordem cronológica decrescente):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-09-2023 (Pº 3147/21.6T8STB.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “Desde que se verifiquem os pressupostos legais exigidos para a aquisição do direito de propriedade, a usucapião pode incidir sobre parcela de terreno inferior à unidade de cultura, contrariando o regime jurídico decorrente da redação dada ao artigo 1379.º, pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, que comina com a nulidade o fracionamento de prédios rústicos por ofensa à área de cultura mínima que não constituam partes integrantes de prédios urbanos (artigo 1377.º do CC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-01-2021 (Pº 4240/19.0T8VCT.G1, rel. RAQUEL BAPTISTA TAVARES): “Tendo a usucapião efeitos retroativos à data do início da posse (cfr. artigo 1288º do Código Civil) a data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse. É à lei em vigor na data do início da posse que deve atender-se para determinar se o prédio é fracionado em violação da lei e quais as consequências que decorrem dessa violação. Atenta a primitiva redação do artigo 1379º n.º 1 do Código Civil, em vigor em 1998, data da divisão e início da posse, a anulabilidade do ato de fracionamento de prédios rústicos, contra o disposto no artigo 1376º, não impedia a aquisição originária do direito de propriedade por via da usucapião. Operada a divisão material do prédio rústico em duas parcelas de terreno, perfeitamente delimitadas com muros e vedações, com confrontações e áreas definidas, há mais de 20 anos, ambas com área inferir à unidade de cultura fixada pela Portaria n.º 202/70, de 21/04 e verificados os requisitos da usucapião, a aquisição por essa via do direito de propriedade sobre cada uma das parcelas deve prevalecer sobre as regras de fraccionamento dos prédios rústicos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-05-2020 (Pº 1050/18.6T8PTL.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS): “A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, que surgem ex novo na titularidade do sujeito unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo por isso absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios (de natureza formal ou substancial) que afectem o acto ou negócio gerador da posse. Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, adquirindo-se o direito no momento em que aquela se iniciou, será pela lei então em vigor que se apreciará as condições de validade aplicáveis ao objecto do direito que se pretende usucapir (nomeadamente, as relativas ao fraccionamento de prédio rústico apto para cultivo) (…). Até à alteração da redacção do art.º 1379.º, n.º 1 do CC, operada pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto (que passou a cominar como nulos, e já não meramente como anuláveis, os actos de fraccionamento de prédios rústicos contrários ao disposto no art.º 1376.º do CC), a interpretação mais correcta daquele preceito coincide com a que admite a aquisição originária, por usucapião, de parcela de prédio rústico apto para cultura, ainda que com área inferior à unidade de cultura legal, desde que se verifiquem os seus pressupostos próprios”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-04-2020 (Pº 1334/10.1TBVVD.G1, rel. ALCIDES RODRIGUES): “A data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse. Tendo a usucapião efeitos retroativos à data do início da posse (cfr. art.º 1288º do CC do CC), será a lei vigente nessa data que indicará se pode haver fraccionamento do prédio e se o mesmo for fracionado em violação da lei quais as consequências que daí decorrem. À luz da lei vigente em meados da década de 80 o fracionamento de prédios rústicos em área inferir à unidade de cultura não seria nulo, quando muito anulável, a arguir no prazo de 3 (três) anos, sob pena de caducidade da ação de anulação (primitiva redação dos n.ºs 1 e 3 do art.º 1379º do CC). Estando em causa uma divisão material de prédios rústicos e não se verificando qualquer questão de natureza urbanística, a anulabilidade do ato de fracionamento de prédios rústicos, em violação do disposto no art.º 1376º do CC, não impede a aquisição originária do direito de propriedade por via da usucapião”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-02-2020 (Pº 933/18.8TBPTL.G1, rel. JORGE TEIXEIRA): “Perante as divergências relativas à questão de saber se a usucapião, como forma originária de adquirir, pode ou não incidir sobre parcela de terreno inferior a unidade de cultura, contrariando o regime previsto no art.º 1376.º/1 do C.C, revela-se como manifesta a natureza interpretativa do art.º 48º, nº2 da Lei 89/2019, de 03.09, como meio de pôr termo à patente diversidade de decisões sobre aquela temática. Da conjugação do disposto no art.º 48º, nº2 da Lei 89/2019, de 03.09.2019 e art.ºs 1376.º/1 com o n.º1 do art.º 1379.º, ambos do CC, na sua versão actual, fica excluída a aquisição, por usucapião, de parcela de terreno inferior à área correspondente à unidade de cultura. Todavia, o art.º 1379º, conjugado com o art.º 1376º, ambos do C. Civil, consagrava a sanção da anulabilidade pra o fraccionamento ilegal de prédios rústicos, apenas passando a ser a de nulidade com a redacção dada ao mesmo art.º 1379º pela Lei nº 111/2015. Sendo certo que a usucapião não opera automaticamente, carecendo de ser invocada (art.º 1288º do CC), como evidente resulta igualmente que não é no acto de invocação que radica a constituição do novo direito real, que se encontra o acto constitutivo do direito ou o título do fraccionamento do prédio, pelo que, e por decorrência, o estatuto e relevância da usucapião terá de ser definido pelas normas em vigor à data do início da posse, em razão de ser esse o momento a que se reporta a aquisição do direito. A usucapião é uma forma de aquisição originária que surge “ex novo” na titularidade do sujeito, unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo, por isso, absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios que afectem o ato ou negócio gerador da posse, geradores da anulabilidade do fraccionamento de terreno apto para a cultura que despoletou o início da posse, pois tal vício não é susceptível de excluir a faculdade de usucapir por parte do possuidor de parcela emergente dessa divisão ilegal. Na verdade, entre as normas vigentes à data do início da posse (1975), não se vislumbra, entre as normas legais reguladoras do fraccionamento de prédios rústicos, alguma que negue a possibilidade de adquirir por usucapião as parcelas de terreno que venham a ser objecto de posse mercê de fraccionamento ilegal de prédio rústico. E também não têm essa natureza os art.ºs 1376º e 1379, do CC (na versão anterior à Lei nº 111/2015), pelo que não existe a “disposição em contrário” que, nos termos do art.º 1287º, possa obstar a que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculte ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Isto porque, atenta a primitiva redacção do art.º 1379º, nº 1, do CC, a anulabilidade do acto de fraccionamento de prédios rústicos, contra o disposto no art.º 1376º, não impede a aquisição originária do direito de propriedade por via da usucapião, já que a tal não obsta o facto de art.º 1287º do CC excepcionar, para efeitos de invocação da usucapião, a existência de “disposição em contrário”, pois esse segmento normativo não abarca os casos de mera anulabilidade. Na verdade, estando em causa uma mera anulabilidade, sanável no caso de sobre o ato de divisão decorrer o prazo de três anos sem que seja proposta a acção constitutiva tendente a anulá-lo, a violação das regras legais cometida no fraccionamento perde, nessa hipótese, toda e qualquer relevância e deixa de poder ser invocada para qualquer efeito”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2019 (Pº 317/15.0T8TVD.L1.S2, rel. FÁTIMA GOMES): “A data ou momento relevante para aferir se o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido por usucapião, infringe ou não as invocadas regras legais limitativas do fraccionamento de prédios rústicos é a do início da posse (…).Tendo a usucapião efeitos retroactivos à data do início da posse, a lei aplicável é, sem dúvidas, a vigente à data do início da posse. Será assim essa lei que indicará se pode haver fraccionamento do prédio e de o mesmo for fraccionado em violação da lei quais as consequências que daí decorrem. O mesmo se diga em matéria de loteamento urbano, licenças e dispensas (…)”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2019 (Pº 1786/17.9T8STB.E1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “A justificação notarial constitui um instrumento jurídico simplificado para estabelecimento de trato sucessivo no registo predial e visa suprir a falta de documento que comprove o direito real sobre imóvel. A escritura de justificação notarial, não sendo em si própria um negócio jurídico de que resulte o fraccionamento de prédio rústico em violação do artigo 1376.º, do Código Civil, constitui o título justificativo (por via da invocação de razões de ciência) da aquisição originária do direito real pela usucapião invocada, cujos efeitos retroagem à data do início da posse das parcelas de terreno, posse decorrente de acto de divisão material. A aquisição, por usucapião, do direito de propriedade não se encontra ferida de invalidade por desrespeito das regras do fraccionamento dos prédios rústicos cominadas com anulabilidade. Mostra-se válida a posse sobre parcelas inferiores à unidade de cultura vigente que levou à usucapião do direito de propriedade sobre os terrenos, invocada nas escrituras de justificação notarial, não obstante ter subjacente a violação do então vigente artigo 1379.º, n.º 1, do Código Civil (na redacção anterior à alteração dada pela Lei 111/2015, de 27-08)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2019 (Pº 916/18.8T8STB.E1.S2, rel. ROSA RIBEIRO COELHO): “A falta de escritura pública de doação ou de divisão do prédio de modo algum impede o conhecimento por terceiros interessados do exercício de atos de posse sobre o imóvel. Estando adquirido definitivamente para os autos que é à vista de todos que os réus, sentindo-se como donos, vêm habitando a casa implantada no prédio, vêm agricultando o respetivo terreno e, bem assim, demarcaram e vedaram o terreno, está excluída a hipótese de se considerar como “oculta” a mesma posse. A proibição de fracionamento de prédios rústicos constante do art.º 107º do Decreto nº 16731 e da Lei nº 2116 estabelecia a sanção de nulidade para a divisão de prédios rústicos de área inferior à estabelecida legalmente. Com o art.º 1379º, conjugado com o art.º 1376º, ambos do C. Civil, esta sanção passou a ser a de anulabilidade, tendo voltado a ser a de nulidade com a redação dada ao mesmo art.º 1379º pela Lei nº 111/2015. A usucapião é uma forma de aquisição originária da generalidade dos direitos reais de gozo que pressupõe o exercício da posse correspondente ao respetivo direito por um certo período de tempo; mas nem todos os direitos reais de gozo podem ser adquiridos por usucapião, sendo o próprio Código Civil a excluir do âmbito deste instituto o direito de uso e habitação e as servidões prediais aparentes, bem como as coisas que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual. A usucapião é uma forma de aquisição originária que surge “ex novo” na titularidade do sujeito, unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo, por isso, absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios que afetem o ato ou negócio gerador da posse. Mesmo sendo nulo o fracionamento de terreno apto para a cultura que despoletou o início da posse, tal vício não é suscetível de excluir a faculdade de usucapir por parte do possuidor de parcela emergente dessa divisão ilegal. Não se descortina, entre as normas legais reguladoras do fracionamento de prédios rústicos, alguma que negue a possibilidade de adquirir por usucapião as parcelas de terreno que venham a ser objeto de posse mercê de fracionamento ilegal de prédio rústico. Igualmente não tem essa natureza o art.º 1376º do CC, pelo que não existe a “disposição em contrário” que, nos termos do art.º 1287º, pode obstar a que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculte ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação. Estando em causa uma mera anulabilidade, sanável no caso de sobre o ato de divisão decorrer o prazo de três anos sem que seja proposta a ação constitutiva tendente a anulá-lo, a violação das regras legais cometida no fracionamento perde, nessa hipótese, toda e qualquer relevância e deixa de poder ser invocada para qualquer efeito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02-05-2019 (Pº 941/17.6T8BNV.E1, rel. MATA RIBEIRO): “A usucapião, sendo uma forma originária de aquisição de direitos, pode incidir sobre parcela de terreno inferior à unidade de cultura, contrariando o regime jurídico que proíbe o fracionamento de prédios rústicos por ofensa à área de cultura mínima”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-03-2019 (Pº 7604/16.8T8STB.E1.S1, rel. BERNARDO DOMINGOS): “O fraccionamento ocorre com o acto de divisão material, a partir do qual se iniciou a posse sobre cada uma das parcelas e que, prolongando-se no tempo, por período legalmente suficiente, permitiu a invocação por parte dos RR. da aquisição originária do direito de propriedade sobre cada uma delas por via da usucapião.- Atenta a primitiva redação do art.º 1379º, nº 1, do CC, a anulabilidade do ato de fracionamento de prédios rústicos, contra o disposto no art.º 1376º, não impede a aquisição originária do direito de propriedade por via da usucapião. A tal não obsta o facto de art.º 1287º do CC excecionar, para efeitos de invocação da usucapião, a existência de “disposição em contrário”, segmento normativo que não abarca os casos de mera anulabilidade, como o que estava regulado na primitiva redação do art.º 1379º, nº 1, do CC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-02-2019 (Pº 1113/18.8T8STB.E1, rel. CRISTINA DÁ MESQUITA): “A escritura de justificação notarial em causa nos autos configura um ato jurídico de invocação da usucapião que permite registar o direito invocado sobre o imóvel e não um ato de fracionamento de um prédio rústico. Sancionando o art.º 1379.º do Código Civil, na redação anterior àquela que lhe foi dada pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, com a anulabilidade os negócios jurídicos que infringissem as normas sobre fracionamento de prédios rústicos e prevendo um prazo curto (3 anos) para a respetiva impugnação - permitindo desta forma a consolidação de situações de posse sobre prédios que têm na sua génese um fracionamento ilegal ocorrido durante a sua vigência -, não faz sentido invocar o interesse público que está na base das restrições impostas ao fracionamento, devendo reconhecer-se ao usucapiante a exclusividade do seu direito de propriedade sobre o prédio no qual, desde há muito tempo, vem exercendo e de forma regular, continuada e pacificamente os poderes inerentes ao direito de propriedade”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2018 (Pº 357/18.7T8STB.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA): “A proibição do fracionamento da propriedade rústica em área inferior à unidade de cultura não obsta à aquisição da mesma por usucapião, porque a proteção da propriedade privada prevalece sobre o interesse público à proibição de desemparcelamento”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-04-2018 (Pº 418/15.4T8ALR.E1, rel. MANUEL BARGADO): “A usucapião prevalece sobre o fracionamento ilegal de um prédio, não constituindo este, só por si, fundamento para obstar à aquisição originária do correspondente direito de propriedade. Este entendimento é tanto mais válido se considerarmos que no caso concreto não está em causa uma eventual violação de regras respeitantes a operações urbanísticas como o loteamento ou o destaque, a que acresce o facto de os solos circundantes das parcelas de terreno onde se encontram edificadas as três casas de habitação descritas nos autos, não serem aptos para cultura”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2018 (Pº 1011/16.0T8STB.E1.S2, rel. ROSA TCHING): “Considerando que, à data em que foi realizado o ato de fracionamento do prédio rústico em violação do disposto no art.º 1376º, nº1 do Código Civil, ainda não estava em vigor a Lei nº 111/2015, de 27 de agosto, nem a Portaria nº 219/2016, de 9 de agosto, à invalidade daquele ato é aplicável o regime da anulabilidade previsto no artigo 1379º, nº 1, na redação anterior à introduzida pela citada lei, uma vez que, nos termos artigo 12º do Código Civil, a lei nova só visa os factos novos quanto às condições de validade dos atos. A expressão «disposição em contrário» ressalvada pelo art.º 1287º do C. Civil, não abarca a situação prevista no art.º 1376º do mesmo código, na medida em que inexiste qualquer norma excecional que estabeleça, taxativamente, que a posse mantida sobre parcela de terreno com área inferior à unidade de cultura não conduz à usucapião. A usucapião assenta na existência da posse, definida, nos termos do art.º 1251º do C. Civil, como o poder de facto (corpus) que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (corpus), mantido, de forma ininterrupta, pacífica e pública (art.ºs 1261º e 1262º, do C. Civil), durante um certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse ( titulada ou não titulada e de boa fé ou de má fé – art.ºs 1259º, 1260º e 1294º, todos do C. Civil). Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art.º 1288º do C. Civil), adquirindo-se o direito de propriedade no momento em que se iniciou a posse (art.º 1317º, al. c), do C. Civil). A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, que surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, irrelevando, por isso, quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam vícios de natureza formal ou substancial. Operada a divisão material de um prédio rústico em duas parcelas de terreno com área inferir à unidade de cultura fixada na Portaria n.º 202/70, de 21/04 e verificados os requisitos da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre cada uma destas parcelas, esta aquisição prevalece sobre a proibição contida no art.º 1376º, nº1 do C. Civil, não operando a anulabilidade do ato de fracionamento previsto no nº1 do art.º 1379º do C. Civil (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 111/2015, de 27.08). A usucapião visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer a proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-01-2018 (Pº 7601/16.3T8STB.E1, rel. ANA MARGARIDA LEITE): “As escrituras de justificação, com alegação da usucapião, destinadas ao estabelecimento de trato sucessivo, não configuram atos translativos da propriedade, assim não constituindo atos de fracionamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1379.º, n.º 1, do Código Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2015 (Pº 1737/11.4TBALM.L1-6, rel. MARIA MANUELA GOMES): “A proibição do fraccionamento da propriedade rústica em áreas inferiores à unidade de cultura não obsta à aquisição das mesmas por usucapião, uma vez que, decorrendo das regras deste instituto que o direito correspondente à posse exercida é adquirido ex novo, originariamente, está imune aos vícios que lhe pudessem ser anteriormente apontados”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-03-2015 (Pº 5730/06.0TBLRA.C1, rel. BARATEIRO MARTINS): “A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito real, não é o direito anterior, que tão só se extingue; não se podendo pois dizer que pela sua invocação se realiza um destaque, um loteamento ou uma divisão de prédios com área inferior à unidade de cultura, uma vez que a coisa é possuída como autónoma e é essa posse dessa coisa possuída, como autónoma, que é causa de usucapião”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-02-2014 (Pº 1350/11.6TBGRD.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES): “Fora das situações em que o legislador avulso impede a “usucapibilidade” de certos bens – por ex. o caso dos baldios (artigo 2.º do Dec. Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro) e dos bens culturais classificados ou em vias de classificação (Lei 107/2001 de 8/09) -, os Tribunais têm dado preferência à usucapião como forma originária de aquisição, em detrimento de certas exigências de âmbito administrativo e limitações legais. Concorrendo os requisitos da usucapião, aferidos pelas características da posse, os vícios anteriores e as vicissitudes ligadas ao acto ou negócio causal não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-06-2006 (Pº 06A1471, rel. ALVES VELHO): “Invocada a usucapião, como forma de aquisição da propriedade, porque de uma forma de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial. O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse. Concorrendo, aferidas pelas características desta, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes. Porque a usucapião se funda directa e imediatamente na posse, cujo conteúdo define o do direito adquirido, com absoluta independência relativamente aos direitos que antes dessa aquisição tenham incidido sobre a coisa, a invalidade formal, que afastou quaisquer efeitos da aquisição derivada, e a ilegalidade do fraccionamento (falta de escritura pública e área inferior à da unidade de cultura), carecem de potencialidade ou idoneidade para interferir na operância daquela forma de aquisição da parcela”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2000 (in CJ, tomo IV, p. 272 ss.): “São usucapíveis as parcelas com área inferior à unidade de cultura, resultantes de divisão, efetuada por partilha verbal, de um prédio rústico apto para fins agrícolas”.
Assim, conforme se concluiu no Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo do IRN n.º 10/CC/2019, ref.ª n.º C.P. 1/2019 ST JSR-CC, homologado em 26-03-2019: “As disposições conjugadas dos art.ºs 1376.º/1 e 1379.º/1 do CC, na redação dada pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, não podem deixar de pesar em matéria de aquisição por usucapião, contudo, a impossibilidade legal de constituição de prédios rústicos autónomos com área inferior à unidade de cultura, que agora se extrai das ditas normas, só assume relevância quando a posse tenha sido iniciada após a entrada em vigor daquela Lei”, já não, quando a mesma teve início antes da entrada em vigor da mencionada lei.
No caso, importa desde logo sublinhar que, respeitando o facto objeto da justificação ao reconhecimento da aquisição pela ré de prédio rústico (situado na Região Autónoma da Madeira), na sequência de doação verbal conferida em 1996, pelo pai da ré a esta, as limitações decorrentes da definição da área de cultura não têm aplicação à situação dos autos, quer pela retroação dos efeitos da posse invocada pela justificante – cujo início corresponde a momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto -, quer pelo facto de o prédio em questão se situar na Região Autónoma da Madeira e não ter aplicação, dado a situação material em questão se reportar a período temporal anterior à vigência do Decreto Legislativo Regional n.º 27/2017/M, de 23 de agosto, a limitação de unidade de cultura aí consignada.
Para além deste aspeto, importa referir que, a respeito da usucapião expendeu-se na sentença recorrida, nomeadamente, que: “Ainda que não tivesse resultado provado que os falecidos pais da Ré MF tivessem tido intenção de doar a parcela de terreno justificada, sempre resultaria provado que desde 1996 a Ré MF exerce a posse dessa parcela (e note-se que resultou provado que dessa parcela faz parte um prédio rústico que atualmente se situa nas traseiras das benfeitorias, cuja área também foi justificada) desde, pelo menos, 1996 e que essa posse nunca foi perturbada e manifestou-se à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém desde o seu início, exercida continuamente desde, pelo menos, o ano de 1996, sempre com a convicção de que a ninguém prejudica, ignorando lesar direito alheio, com animo de que o prédio lhe pertence e de que exercita um direito próprio”.
E, depois de citar as previsões dos artigos 1251.º, 1260.º, 1261.º, 1287.º e 1296.º do CC, o Tribunal recorrido conclui: “Tendo resultado provado que a Ré MF exerce a posse da parcela que justificou desde 1996, e que essa posse nunca foi perturbada e manifestou-se à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém desde o seu início, sendo exercida continuamente, sempre com a convicção de que a ninguém prejudica, ignorando lesar direito alheio, com animo de que o prédio lhe pertence e de que exercita um direito próprio, forçoso é de concluir que ainda que a Ré não tivesse adquirido a propriedade por doação, sempre teria adquirido a propriedade por usucapião, uma vez que a posse em causa é de boa fé e se exerce há mais de 15 anos. Note-se que a presente ação foi intentada em 2022 e a Ré exerce a posse desde 1996, motivo pelo qual os 15 anos decorreram em 2011. Assim, é de concluir que a Ré MF sempre teria adquirido a propriedade da parcela que justificou por usucapião, não merecendo censura a escritura de justificação impugnada pela Autora”.
Contrapõe a apelante, formulando as seguintes conclusões recursórias: “GGGG) Sobre a aquisição do prédio justificado por usucapião como modo de aquisição originária do direito a cujo exercício corresponde a actuação, a usucapião, exige que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo se prolongue pelo período de tempo legalmente bastante e com certas características. HHHH) A posse, em si, é integrada por dois elementos cumulativos: o corpus - como elemento material - que consiste na relação material com a coisa e que se traduz no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela; e o animus - como elemento intelectual - que se traduz na intenção de actuar com a convicção de ser titular do direito real correspondente aos actos praticados sobre a coisa. IIII) A prova reunida e mencionada pela Recorrente na impugnação da decisão relativa à matéria de facto evidencia de forma clara que o facto justificado como é descrito no processo de justificação vai para além do solo onde a Ré MF implementou as benfeitorias urbanas no ano de 1998, afectando uma parte das heranças ilíquidas e indivisas de MF e MGS e, ainda, o acesso pedonal independente por escadas com passagem de águas pela levada. JJJJ) A justificação absorveu ilegitimamente uma parcela de terreno pertencente à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MF e MGS. KKKK) A sentença recorrida ao integrar esta parcela no facto justificado defendendo que “sempre teria adquirido a propriedade por usucapião, uma vez que a posse em causa é de boa fé e se exerce há mais de 15 anos” viola a norma jurídica do artigo 1290º do Código Civil. LLLL) A ocupação de um bem da herança por um herdeiro antes da partilha é uma mera detenção desprovida de animus, conforme decorre do artigo 1253º do C.C., exercendo a Ré a simples detenção, nunca alegando a Ré MF sequer a eventual inversão do título da posse. MMMM) O facto justificado conflitua e prejudica o direito de propriedade plena da Autora sobre o seu prédio e sobre a liberdade de usar, usufruir e aceder, projectando-se sobre o acesso pedonal independente, com passagem de águas pela levada e de uso exclusivo à parte afecta à cultura da vinha e agricultura e criação de animais. NNNN) Uma posse composta por corpus e animus tal como prevê o artigo 1251º do C.C. e como veio a ser declarado no processo de justificação nunca se verificou na esfera jurídica da Ré MF sobre o solo onde se situa o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas próprias da Autora pela levada, cuja construção é bem anterior à construção das benfeitorias urbanas pela Ré no ano de 1998. OOOO) Sobre este acesso também não há uma verdadeira posse da Ré MF, já que isso implicaria a perda de posse pelos antigos possuidores, a Autora e JF, o que nunca foi invocado pela Ré, porque nunca ocorreu. PPPP) A prática reiterada pela Autora e pelo falecido marido JF, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre o acesso pedonal por escadas independentes com passagem de águas pela levada nunca foi perturbada ou interrompida por outrem e é conservada há mais de 45 anos. QQQQ) Neste domínio nem é admissível que o entendimento do Tribunal a quo de que “a posse em causa é de boa fé e se exerce há mais de 15 anos” por violação da norma jurídica dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1260º do Código Civil. RRRR) Nunca poderia legitimamente ignorar a Ré MF que ao adquiri-la não lesava ninguém que tinha algum direito sobre a coisa. A posse seria de má fé também por não titulada, conforme é declarado pela Ré MF no processo de justificação. SSSS) A eventual posse não titulada da Ré MF teria sempre de ser de má fé e teria de ser exercida há mais de 20 anos, conforme decorre da aplicação das normas do artigo 1259º e da parte final do artigo 1296º do Código Civil. TTTT) É este o sentido que defendemos que deve ser interpretado e valorado o peticionado pela Autora, que, perante a reapreciação da matéria de facto, deve ser julgado totalmente procedente, admitindo-se, por hipótese, a ineficácia parcial do processo de justificação à luz do invocado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.03.2022, Proc. n.º 348/19.0T8PCV.C1, disponível em www.dgsi.pt”.
Ora, adiante-se desde já, estas invocações da recorrente não são procedentes.
De facto, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-03-2023 (Pº 55/21.4T8FIG.C1, rel. HELENA MELO): “Uma doação nula por vício de falta de forma escrita, não impossibilita a aquisição por usucapião. A doação verbal, mesmo inválida, potencia o sentido de transferir para o adquirente uma posse em nome próprio. Decorrido o prazo para a usucapião, verificado o animus e o corpus, a propriedade adquire-se, retroagindo ao momento do início da posse” (cfr., também, o Ac. do STJ de 17-06-2021, Pº 5569/16.5T8VIS.C1.S1, rel. TIBÉRIO NUNES DA SILVA e o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2009, Pº 1720/06.1TBTVD-B.L1-8, rel. BRUTO DA COSTA).
Assim, o título para aquisição por usucapião e para se desencadear a posse relevante para efeitos de tal instituto, não tem de possuir os requisitos de validade.
Conforme refere José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª Ed., Almedina, 2020, p. 381): “Importa esclarecer, que a existência de título não se confunde com título válido. A compra e venda, a doação, a permuta e o testamento, por exemplo, podem ser inválidos, qualquer que seja o vício que em concreto afecte o negócio jurídico. Desde que o registo do facto jurídico tenha sido feito em conformidade com as disposições do direito registal, existe título registado para efeitos do regime de usucapião, ainda que o facto jurídico seja inválido, e o possuidor pode invocar a usucapião nos termos do art.º 1294.º”.
Por outro lado, a prova produzida não evidencia que o processo de justificação tenha extravasado do solo que foi objeto de doação verbal pelos seus pais, limitando-se a ré a solicitar a justificação da parcela correspondente aos termos em que o pai lhe a pretendeu dar. A construção da moradia da ré, realizada ulteriormente à aludida manifestação de vontade, expressa pela doação verbal, não altera esta circunstância.
E, de facto, também não determina outra conclusão que não a de que, desde 1996, a ré exerce sobre a parcela que foi objeto de doação por MF (aliás, a sobrante do terreno que era da titularidade deste) uma atuação (diga-se, pacífica e pública) por forma correspondente ao do exercício do direito de propriedade, atuando como possuidora de tal parcela.
De facto, não se afigura que a relação da ré com a sua parcela configure uma relação de mera detenção, encontrando-se reunidos todos os caracteres da situação possessória.
Mas, mesmo que dúvidas existissem, haveria que presumir que a ré agiu como verdadeira possuidora, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1252.º do CC, preceito que determina que, em caso de dúvida, a posse presume-se naquele que exerça o poder de facto.
Assim, não se mostra violado qualquer dos normativos invocados pela apelante, limitando-se o Tribunal recorrido a enquadrar, de forma adequada, os factos ao direito aplicável, assinalando que, em razão da situação possessória da ré ocorrer há vários anos, ocorreu a aquisição – originária – do direito de propriedade da mencionada parcela, por usucapião (cfr. artigo 1287.º do CC).
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 1260.º do CC, “a posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem”.
Assim, estar de má fé no momento da aquisição da posse é saber que o bem possuído pertence a outra pessoa, ou só por negligência não o saber. Estar de boa fé é julgar, com boas razões para isso, que o bem possuído pertence ao possuidor.
Conforme refere Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais; Universidade Católica Editora, 2017, p. 305), “em face de um conceito ético de boa fé, também aqui aplicável, há posse de má fé quando o lesado sabia, ou deveria saber, que, com o seu comportamento, afetaria o direito de outrem”.
Ora, ao contrário do que pugna a apelante, a posse da ré reveste os caracteres da boa fé - e mostra-se titulada- , uma vez que, o seu início teve por base ou fundamento o ato de vontade do pai da ré, no sentido de pretender transferir a propriedade da parcela para a ré, tendo esta todas as razões para concluir que o bem que lhe era transmitido pertencia ao possuidor, com a configuração que lhe foi transmitida e poderia por este ser transmitido como ocorreu.
A invalidade do ato de doação não comporta ou determina má fé da ré na investidura possessória, nem afasta a existência de título bastante para a aquisição por usucapião.
Conforme salienta José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª Ed., Almedina, 2020, p. 381, nota 1230), o conceito de “título”,“tem aqui o significado geral de facto aquisitivo do direito real a que se refere a posse me causa. (…) o título não tem de ser válido, mas tem de ser idóneo para a aquisição do direito a que se reporta a posse”.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 1296.º do CC, “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé”.
Tendo em conta o referido, o prazo a considerar para a ocorrência da usucapião era o de 15 anos de posse da parcela pela ré, uma vez que esta dispunha de título aquisitivo – a mencionada doação manifestada pelo seu pai – e encontrava-se de boa fé.
Tal prazo de 15 anos encontrava-se completamente decorrido à data em que o processo de justificação impugnado se iniciou, pelo que, se verifica que existia motivo para a declaração do facto justificado, ou seja, para reconhecer à ré a aquisição da parcela de terreno por usucapião.
Nessa medida, encontra-se cabalmente demonstrado que o direito que foi reconhecido à ré no processo de justificação tem existência e correspondência com a realidade, não procedendo a pretensão de impugnação do facto impugnado na presente ação.
Não se provando facto que determine a procedência da impugnação da decisão de justificação a que se procedeu, soçobra a pretensão de cancelamento registral consequentemente deduzida.
E, do mesmo modo, não se apurando, alguma factualidade que comporte o reconhecimento de uma servidão de passagem sobre prédio ou parcela pertencente à autora, soçobra a correspondente pretensão formulada, em conformidade com o que, aliás, foi decidido na sentença recorrida.
Em conformidade com o exposto, as conclusões recursórias improcedem.
*
A apelação deverá ser julgada improcedente, em conformidade com o exposto, com manutenção da decisão recorrida, de improcedência das pretensões deduzidas pela autora.
*
De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a apelante (autora), que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
A) Admitir e apreciar a impugnação de facto deduzida quanto à matéria de facto dos pontos 7), 13), 15), 17), 19), 20), 24) e 25) da decisão recorrida e quanto ao aditamento de matéria preconizado quanto aos sugeridos pontos 17-A, 17-B, 29-A, 30-A e 36, elaborados pela apelante;
B) Rejeitar, no mais, por inobservância dos ónus de impugnação a que se refere o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a impugnação de facto deduzida pela apelante;
C) Julgar improcedente a impugnação deduzida pela recorrente relativamente aos pontos 7), 13), 17), 19), 20), 24) e 25) e, bem assim, quanto ao pretendido aditamento dos sugeridos pontos 17-A, 17-B, 29-A, 30-A e 36;
D) Alterar a redação do ponto 15) dos factos provados, que passará a ser a seguinte: “15 – A parcela justificada, com exclusão da faixa que liga a moradia da Ré ao Caminho EC, tem a área de 530m2”; e
E) Julgar improcedente a apelação, quanto à impugnação da matéria de direito, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela autora/apelante.
Notifique e registe.