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PROPRIEDADE HORIZONTAL
EXCEPTIO NON RITE ADIMPLETI CONTRACTUS
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
QUOTAS DO CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
Sumário
I - Muito embora não estejamos perante obrigações emergentes de contrato bilateral a exceptio non rite adimpleti contractus pode ser invocada no âmbito da propriedade horizontal. II - A exceptio pode ser invocada, desde que com respeito pelas regras da boa fé, pelo condómino para recusar pagar a sua contribuição para o condomínio enquanto o condomínio não realizar obras de conservação das partes comuns cuja falta vem causando danos da fracção de que aquele é proprietário. III - Se não estão reunidos os pressupostos de exigibilidade da contribuição do condómino, é irrelevante discutir se a invocação da exceptio deve conduzir à absolvição do pedido ou à condenação quando se verificar a circunstância que justifica a exceptio.
Texto Integral
RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2023:18849.21.9T8PRT.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório: Condomínio ..., contribuinte fiscal nº ..., do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., Porto, representado pela administradora do condomínio A..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede no Porto, instaurou acção judicial contra AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente no Porto, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe (i) € 16.643,89, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, até integral pagamento, e (ii) as prestações vincendas a partir do mês de Dezembro de 2021, inclusive, à razão de €89,91 do Orçamento e €8,99 do fundo de Reserva para a fracção “BJ”, sem prejuízo dos eventuais aumentos que venham a ser deliberados em Assembleia Geral para os anos seguintes, nos termos do disposto no artigo 557º, nº 1, do C.P. Civil.
Para fundamentar o seu pedido alegou em súmula, que o réu é proprietário de uma fracção do condomínio autor e que nessa qualidade não pagou as despesas de manutenção e conservação das partes comuns na proporção da permilagem da sua fracção descriminadas na petição inicial e cujo montante ascende ao valor do pedido.
O réu foi citado e apresentou contestação, defendendo a improcedência da acção mediante a impugnação dos factos alegados e a arguição das excepções da prescrição e do não cumprimento com fundamento da circunstância de o prédio apresentar danos e deficiências em função das quais o réu sofreu danos na sua fracção e ficou mesmo impossibilitado de a usar na plenitude, sendo que apesar dos pedidos do réu o autor não diligenciou pela sua reparação.
Com tal fundamento, em reconvenção pediu a condenação do autor a pagar-lhe €21.750 acrescidos de juros legais, e € 15 diários nos dias de Outono/Inverno e € 25 nos dias de Primavera/Verão enquanto se mantiver a impossibilidade de utilização do terraço da fracção BJ, bem como a reparar/pintar as paredes e tecto da sala desta fracção.
O autor contestou o pedido reconvencional, pugnando pela sua improcedência.
No despacho saneador foi julgada procedente a excepção da ineptidão da petição inicial relativamente ao item pedido pelo autor a título de «saldos finais por liquidar a 31-12-2017», no montante de €12.451,45, prosseguindo a acção apenas para conhecimento do valor restante do pedido (€4.192,44) e da reconvenção.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e a reconvençãoparcialmenteprocedente, condenando-se a reconvinda a pagar ao reconvinte €750 por mês desde 4/02/2019 até à data da conclusão das obras da fachada e terraço.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da decisão que julgou totalmente improcedente a acção instaurada pelo recorrente tendente a obter do apelado o pagamento de 16.643,89€ a título de quotizações do condomínio em falta, bem como nas prestações vincendas e nas custas e demais encargos do processo.
B. Por efeito da procedência da excepção de não cumprimento do contrato invocada pelo apelado no processo n.º 18849/21.9T8PRT, que correu termos no Juízo Local Cível do Porto.
C. Entende o recorrente que a decisão recorrida, salvo melhor opinião e com o devido respeito, se encontra ferida de nulidade, já que, por um lado condena em quantidade superior ao peticionado pelo apelado em sede de reconvenção e, por outro, é ambígua, o que a torna ininteligível, nos termos do art. 615.º, n.º 1 alíneas e) e c) do Código de Processo Civil.
D. A decisão colocada em crise é nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea e) CPC, por condenar o recorrente em quantidade superior da peticionada pelo apelado em sede de reconvenção,
E. Já que, na sua contestação, o apelado peticionou a condenação do recorrente no pagamento de uma indemnização “no montante diário de € 25,00 entre os meses de Primavera/Verão e em € 15,00 nos meses de Outono/Inverno, o que representa o valor anual de € 7.305,00” – cfr. artigo 84.º da Contestação.
F. Ora, mediante realização de simples cálculo aritmético, é possível concluir que tal se traduz no montante mensal de € 608,75 (7305÷12!), e não de € 750,00, ao contrário do que ajuizou o tribunal a quo,
G. Pois na verdade, tendo o apelado apresentado contestação, por via da qual pretendeu excepcionar o seu cumprimento e deduzido pedido reconvencional, tendo peticionado a condenação do recorrente no pagamento de uma indemnização no montante de 15,00€ diários nos dias de Outono/Inverno e 25,00€ diários nos dias de Primavera/Verão desde 04/02/2019 até à conclusão das obras da fachada e terraço e na reparação das paredes e tecto da sala da sua fracção, a decisão recorrida, condena em pedido diverso.
H. Condenando inclusive em quantidade superior ao peticionado pelo apelado, tornando-se nula, por clara violação do princípio do dispositivo e do previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
I. Por sua vez, a decisão recorrida é igualmente nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) CPC, nulidade esta que se funda na ambiguidade de que padece uma vez que, o recorrente, tendo consultado a respectiva fundamentação, consegue dela extrair duas interpretações distintas, não conseguindo, enquanto declaratário normal, determinar qual a interpretação prevalente relativa à expressão “julgando totalmente improcedente a acção”.
J. Pelo que se questiona se considerou o tribunal a quo que as quotizações peticionadas pelo recorrente não são devidas tout court ou se, ao invés, tais quotizações são devidas, mas o seu pagamento deverá ser diferido para momento posterior, requerendo-se a respectiva declaração de nulidade, indo de encontro ao pronunciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 06/03/2014, consultado via internet em www.dgsi.pt
K. A ser outro o entendimento de V. Ex.ª, deve a sentença posta em crise ser substituída por outra na medida em que a excepção do não cumprimento, se encontra consagrada no artigo 428º do Código Civil, constituindo uma excepção dilatória de direito material, traduzindo-se na faculdade que assiste a uma parte de recusar a sua prestação enquanto a outra parte não efectuar a prestação que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
L. Os factos em que assenta uma tal excepção apresentam-se, pois, como factos impeditivos do efeito jurídico dos factos articulados pela outra parte e não como factos extintivos (cf. art. 576.º, n.º 3, do CPC), não permitindo, assim, a formação de caso julgado quanto à existência da obrigação exequenda.
M. Mas, a provarem-se e a merecerem uma tal subsunção jurídica, poderão condicionar temporariamente a exigibilidade da obrigação exequenda, com reflexos na procedência da acção, embora não determinando uma definitiva “absolvição do pedido” (de pagamento da quantia peticionada), sem margem para futura demanda.
N. Neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação de Coimbra de 21.12.2010, proferido no processo n.º 429854/09.8YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt;
O. No caso concreto não está em causa qualquer contrato bilateral, com obrigações sinalagmáticas, nem se verificam os demais requisitos subjacentes à “exceptio non adimpleti contractus”, dado que que a comparticipação devida pelo apelado se funda quer na lei quer na vontade da Assembleia Geral de Condóminos.
P. Ainda que se admitisse que é invocável, pelo condómino, a excepção de não cumprimento da obrigação propter rem que sobre si impende (como se admitiu, por exemplo, no Ac. da Relação de Lisboa de 08.05.2008, proferido no proc. 1824/2008-8, consultado via internet em www.dgsi.pt)
Q. Ainda assim necessário se tornava a alegação de que, por facto imputável ao condomínio, os réus se encontravam privados da fruição das partes comuns do edifício, o que justificaria a verificação do sinalagma funcional a que alude, como requisito de verificação da invocada excepcio, o art. 428º, nº 1, do Código Civil.
R. Salvo o devido respeito, nos termos supra expedidos, não se configuram, manifestamente, preenchidos os requisitos da excepção dilatória de direito material oposta ao apelante, não se verificando, por conseguinte, uma recusa legítima de não pagamento das contribuições devidas relativas à comparticipação nas despesas das partes comuns.
S. Ao não ter assim decidido, violou também a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 428º e 1424º, ambos do Código Civil, pois caso tivesse ponderado sobre todos estes factos, por certo ter-se-ia proferido decisão diversa, com a consequente absolvição do apelante nos pedidos contra si deduzidos e na condenação do apelado com as demais consequências legais, até com base na alínea U do elenco dos factos dados como provados.
T. Ainda sem prejuízo, e caso seja outro o entendimento, entendendo o recorrente que fez o tribunal a quo uma errada interpretação do Direito, designadamente do instituto da excepção de não cumprimento do contrato, previsto nos artigos 428.º e ss. CC, porquanto a procedência da referida excepção não deveria, “in casu”, ter conduzido à total improcedência da acção, mas ao invés, a uma condenação do apelado ao pagamento das quotizações em falta, condicionada em última instância à realização das obras e reparações peticionadas,
U. Ou seja, a uma condenação “simultânea” ou “condicional”, na esteira do que tem vindo a ser admitido e entendido pelos tribunais superiores, atendendo à natureza da obrigação em causa e aos contornos do caso concreto já que, como é consabido, o procedimento tendente à realização de obras e reparações em prédios constituídos em propriedade horizontal é caracteristicamente penoso, moroso e sempre dependente da obtenção de consenso entre os condóminos em sede de Assembleia de Condóminos, na senda do plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/11/2017, e no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/08/2018, ambos consultados via internet em www.dgsi.pt
V. Pelo que, o decurso temporal inerente ao referido procedimento, ao contender, irremediavelmente, com curto prazo de prescrição a que se encontram sujeitas as quotizações devidas pelos condóminos, nos termos do artigo 310.º, alínea g) do Código Civil,
W. Coloca o recorrente na situação arriscada de não vir a obter a satisfação do seu crédito, realizadas as obras e reparações peticionadas pelo apelado e não procedendo este ao pagamento voluntário de tais quotizações, podendo este vir a invocar, fruto do decurso do tempo, a prescrição das mesmas.
X. Destarte, deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que contemple expressamente a condenação do apelado ao pagamento das quotizações peticionadas pelo aqui recorrente, sob condição deste último proceder à realização das obras e reparações exigidas pelo primeiro.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, e pelas razões supra aduzidas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por conseguinte: a) seja declarada nula a decisão recorrida, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas c) e e) do Código de Processo Civil; ou, a ser outro o entendimento de V. Ex.ª, b) seja a decisão recorrida revogada, por clara violação do disposto nos artigos 428º e 1424º, ambos do C. Civil, e substituída por outra que absolva do apelante dos pedidos contra si deduzidos, condenado o apelado a preceito, com todas as demais consequências legais; ou, a ser ainda outro o entendimento de V. Ex.ª, c) seja a decisão recorrida revogada, substituindo-a por outra que condene o apelado no pagamento das quotizações peticionadas pelo recorrente, sob condição deste último proceder à realização das obras e reparações exigidas pelo apelado, com todas as legais consequências, como é de inteira e sã Justiça.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a decisão recorrida condenou em valor superior ao pedido.
ii. Se a decisão recorrida é ambígua e ininteligível.
iii. Se o pedido do autor deve ser julgado procedente, ainda que condicionado à realização das obras de conservação do edifício que reponham a possibilidade de o réu usar o terraço da sua fracção.
III. Nulidades da decisão recorrida:
O recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida, ao abrigo do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil sustentando que existe uma diferença por excesso entre o valor da indemnização pedida pelo reconvinte e o valor que a reconvinda foi condenada a pagar-lhe.
Nos termos dessa norma a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
O pedido reconvencional é o seguinte: ser o autor condenado a pagar ao réu «€21.750 acrescidos de juros legais, e € 15 diários nos dias de Outono/Inverno e € 25 nos dias de Primavera/Verão enquanto se mantiver a impossibilidade de utilização do terraço da fracção BJ».
De notar que na contestação o valor de €21.750 corresponde à liquidação do valor de «€ 15 diários nos dias de Outono/Inverno e € 25 nos dias de Primavera/Verão» no período decorrido entre 04/02/2019 e a data de apresentação da contestação em 24/01/2022, ou seja, o critério pecuniário é o mesmo para o período já decorrido e para o período a decorrer (valor anual de € 7305 que equivale a €608,75 mensais).
A sentença julgou a reconvenção parcialmente procedente, condenando o autor a pagar ao réu «€750 por mês desde 4/02/2019 até à data da conclusão das obras da fachada e terraço».
Cada estação do ano tem a duração de três meses. Em Portugal a Primavera começa em 20 ou 21 de Março e acaba em 20 ou 21 de Junho, o Verão começa em 20 ou 21 de Junho e acaba em 22 ou 23 de Setembro, o Outono começa em 22 ou 23 de Setembro e acaba em 21 ou 22 de Dezembro e o Inverno começa em 21 ou 22 de Dezembro e acaba em 20 ou 21 de Março. Assim em cada ano metade dele corresponde a Outono e Inverno e a outra metade a Primavera e Verão.
Feitas as contas efectivamente o valor fixado na sentença de €750/mês ultrapassa de modo significativo o valor pedido pelo autor que corresponde a cerca de €608/mês, sendo certo que por se tratar de um dano específico distinto dos demais que constituem o pedido global o seu valor não pode ser desprezado e considerado apenas como limite da condenação o montante global do pedido.
Por conseguinte, declara-se a sentença nula por condenar em quantidade superior ao pedido e, ao abrigo do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil, sanando essa nulidade, substitui-se o teor do dispositivo da decisão recorrida, na parte em que fixa o valor da condenação decidida, pelo seguinte: «€ 15 diários nos dias de Outono/Inverno e € 25 nos dias de Primavera/Verão desde 04/02/2019 e enquanto se mantiver a impossibilidade de utilização do terraço da fracção BJ».
O recorrente defende que a sentença é igualmente nula ao abrigo da alínea c) da mesma norma que consagra como causa de nulidade a ocorrência de «alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Para o recorrente isso acontece por não ser possível concluir por via de interpretação da sentença se esta considerou que o crédito do autor não é pura e simplesmente devido ou se considerou que ele apenas não é exigível até que se verifique um determinado evento.
Salvo melhor opinião, a sentença recorrida não é, no aspecto mencionado pelo apelante, ambígua nem ininteligível.
A nosso ver, na sentença o tribunal a quo julgou o pedido do autor improcedente por duas ordens de razões: por um lado, por não se ter demonstrado que o cálculo dos valores alegadamente em dívida foi feito em conformidade com o decidido nas sentenças proferidas no Julgado de Paz quanto às deliberações aprovadas pela Assembleia-Geral, por outro lado, em consequência da procedência da excepção de não cumprimento do contrato.
Independentemente de saber se a Mma. Juíza a quo devia ter ido mais longe e analisar a natureza da excepção em causa e os seus efeitos em relação ao direito do credor e de saber se decidiu bem ao concluir pela improcedência da acção, parece-nos inequívoco que a decisão de julgar a acção desse modo só pode ser interpretada como traduzindo uma absolvição pura e simples, jamais uma condenação, ainda que condicionada a um evento futuro relacionado com o cumprimento do direito do dever.
A sentença, independentemente do seu mérito não é, por isso, nula.
IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
A- A representante do autor é uma sociedade cuja actividade compreende a administração e gestão de propriedades, bens e direitos imobiliários, direitos de propriedade, de compropriedade, de propriedade horizontal e de usufruto.
B- Mediante deliberação da Assembleia de Condóminos de 19.07.2021 do prédio em propriedade horizontal, sito Rua ..., ..., na freguesia ..., ... Porto, a representante do Autor foi eleita administradora do referido imóvel.
C- O réu é proprietário da fracção autónoma designada pela “BJ”, correspondente a uma habitação no 8º andar esquerdo e terraço, com entrada nº ... da Rua ..., lugar de garagem, para recolhe de um automóvel, na cave, com entrada pelo nº ... da Rua ..., integrada no condomínio em epigrafe da freguesia ..., concelho do Porto.
D- A sentença, já transitada em julgado, relativa ao processo n.º 229/2017 e apenso 276/2018, anulou parcialmente a deliberação tomada da assembleia de condómino de 22 de Março de 2018 concretamente o deliberado nos pontos 1 e 2 quanto à repartição das despesas no relatório de contas de 2017 e no orçamento para 2018 por não cumprir o estalecido no artigo 6º do regulamento e no n.º 3 do artigo 1424 Código Civil.
E- A sentença proferida no âmbito do processo n.º 240/2019, já transitada em julgado, anulou parcialmente a deliberação tomada na assembleia de condóminos de 3 de Abril de 2019 concretamente o deliberado nos pontos 1 e 2 no que respeita à repartição das despesas no relatório de contas de 2018 e no orçamento de 2019.
F- Encontrava-se pendente o processo n.º 225/2021 no qual foi peticionado a anulação da deliberação 11 de Maio de 2021 concretamente o deliberado nos pontos 1, 2 e 3 na parte em que a repartição das despesas no relatório de contas de 2019 e 2020 não cumpre o estabelecido no artigo 6 do regulamento e no artigo 1424º Código Civil.
G- Por carta registada de 4.10.2006 o réu solicitou à administração uma reunião extraordinária da assembleia face ao facto de parte do revestimento da fachada exterior na torre do n.º ... ter caído sobre o terraço que faz parte da fracção BJ.
H- Por carta datada de 30.04.2007 foi reiterado o pedido efectuado em 2006 bem como foram efectuadas várias insistências para o email ....
I- Em 9.10.2008 o réu é convocado para assembleia de condóminos constando na ordem de trabalhos “medidas a tomar urgentemente para a resolução de situações críticas nas fachadas do edifício que apresentem pastilha e reboco deslocado da estrutura resistente do edifício e ameaçam queda iminente sobre a Rua e terraços das fracções”.
J- Em 5.01.2009 o réu recebe a missiva por parte da autora, à qual informa que os pedidos de pagamento dos trimestres seguintes até ao quarto trimestre de 2008 se encontram liquidados.
L- Por carta datada de 27.02.2009 o réu foi convocado para nova assembleia na qual constava na ordem de trabalhos «Apresentação, discussão e aprovação de orçamento extraordinário para acompanhamento e execução de obras urgentes para a resolução de situações criticas nas fachadas do edifício que apresentem graves anomalias a nível estrutural e de revestimento».
M- Por carta datada de Março de 2009 solicitado informações sobre a mesma e comunicou mais uma vez que os destroços se encontravam no terraço e que face à elevada probabilidade de mais quedas estava impossibilitado do seu usufruto o que tem afastado interessados em arrendar a fracção causando-lhe prejuízo.
N- Por carta datada de 01.07.2009 o réu foi convocado para uma assembleia no dia 14.07.2009 na qual constava na ordem de trabalhos: «2- Apresentação discussão e aprovação das propostas/orçamentos apresentadas por empresas no sentido de serem realizadas obras de reparação indispensáveis no edifício».
O- O orçamento da empresa B... foi aprovado, no orçamento consta - reparação ao nível da fachada lateral esquerda na entrada ....
P- Face aos avisos de pagamento n.º 5639 e 5696, o réu liquidou a quantia de € 2.199,36 através do cheque n.º ....
Q- Face à informação prestada pela B..., no dia 03.11.2009 foi convocada nova assembleia para o dia 03.11.2009 na qual foram apresentados dois orçamentos, um pela empresa C... e outra pela empresa B....
R- Foi aprovada a proposta da sociedade B... e consequentemente foram emitidos os avisos de pagamento.
S- O réu mais uma vez efectuou o pagamento das prestações para a concretização das obras da fachada.
T- O réu comunicou que, face a esse facto por si alegado - impossibilidade de fruir do seu terraço e consequentemente a impossibilidade de proceder ao arrendamento - e como forma de pressionar à administração a agir não iria pagar a sua quota-parte das despesas.
U- O réu deixou de pagar as quotas do condomínio, contudo efectuava o pagamento de todas as restantes despesas – obras, seguros, reparações de elevador.
V- A fracção BJ é um T5 com uma ampla sala e terraço, tem de área cerca de 240 m2 e terraço com cerca de 110 m2.
X- Em 2011 a situação mantinha-se inalterável (ausência de reparação da fachada), e dado que a sua filha, BB, exercia a advocacia e encontrava-se à procura de escritório.
Z- A mesma passou, desde Abril/Maio de 2011, a ter domicílio profissional nessa fracção.
A’- A filha do réu efectuou o pagamento entre uma a duas quotas de 2011 e tentou chamar à razão o Administrador do Condomínio para que as obras se realizassem.
B’- Em 2015 é mais uma vez convocada uma assembleia com a ordem de trabalhos “3 Apresentação discussão de orçamento extraordinário para obras de reparação no edifício a serem realizadas no corrente ano”.
C’- O réu liquidou, mais uma vez, o valor que lhe foi solicitado para esse efeito.
D’- E considerando os restantes condóminos que a não utilização era sanada pela compensação do valor da quota (não pagamento), foi deliberado utilizar o valor que se encontrava depositado na conta de obras das fachadas para a reparação dos elevadores.
E’- Apesar da forte objecção do réu, a proposta foi aprovada.
F’- Face ao desinteresse dos restantes condóminos não restou outra alterativa a não ser participar à Câmara Municipal ..., tendo esse facto sido comunicado à assembleia.
G’- Em 2016 parte da fachada (pastilha e reboco) voltam a cair sobre o terraço da fracção BJ.
H’- A participação à CM... originou os seguintes processos: Processo ... Processo ....
I’- O Departamento Municipal de Protecção civil interditou o uso do terraço.
J’- O condomínio foi notificado para executar as obras, contudo até à presente data não o fez.
L’- Todas as fracções viram o seu IMI aumentado dado que sobre as mesmas foi aplicada uma taxa/coeficiente face à degradação das fachadas.
M’- Em assembleia de condóminos de 2016 foi decidido efectuar um levantamento de patologias.
N’- O réu liquidou a sua quota-parte dessa despesa.
O’- Na assembleia do dia 03.04.2018 foi deliberada fixar uma quota extra destinada à primeira fase de intervenção das fachadas no valor global de € 215.660 que incluía já uma provisão para fiscalização de obra.
P’- O réu liquidou o valor de €5.997,50 relativo à fracção D, e o valor de 3.636,03 relativo à fracção BJ.
Q’- No início de Fevereiro de 2019 voltam a cair pedaços de reboco sobre o terraço da fracção BJ.
R’- Foi efectuada nova comunicação ao departamento de protecção civil, o que originou o processo n.º ... e ....
S’- No dia 11.02.2019 é envido um email à mandatária da autora com o seguinte teor: Em 04.10.2006 foi remetida à Administração do condomínio uma missiva na qual foi comunicado que parte da estrutura do edifício composto não só por pastilha mas por betão caiu no terraço do 8º Esq do n.º ....
T’- Na acta de assembleia de condomínio de 22.07.2013 é possível verificar o referido no email - ao longo dos anos o valor relativo às quotas da fracção BJ não era referido nas assembleias - dado que da mesma não consta qualquer referência a qualquer divida da fracção BJ.
U’- Volvido o ano de 2022 as obras ainda não se encontram adjudicadas nem efectuadas.
V’- O réu está impedido de utilizar o terraço, face ao perigo de queda de revestimento /reboco na fachada.
X’- A autora tem conhecimento desse facto bem como que as paredes e tecto da zona da sala que dá acesso ao terraço terem infiltrações de água.
Z’- O terraço representa uma mais-valia, na procura de alojamento no Porto, é um elemento diferenciador na celebração de qualquer contrato de arrendamento.
A’’- Mais ainda no período de confinamento que ocorreu em Portugal no ano de 2020/2021.
B’’- Desde o dia 04.02.2019 até Janeiro de 2022 perfaz, pelo menos, o montante de €9.000,00 (2500- 30% = €750; €750 x 12 = €9.000), ou seja, até ao presente, €750 por mês, dado o valor da renda para fracções similares na mesma zona.
C’’- No que à distribuição das despesas diz respeito, a mesma não foi efectuada de acordo com o proferido nas sentenças mencionadas.
V. Matéria de Direito:
A] Se a exceptio non rite adimpleti contractus pode ser invocada no âmbito do regime legal da propriedade horizontal:
Segundo o n.º 1 do artigo 428º do Código Civil, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
A excepção de não cumprimento é um mecanismo jurídico através do qual o devedor recusa-se a cumprir a sua prestação enquanto o credor não cumprir outra prestação de que, por sua vez, é devedor perante aquele. Através deste mecanismo, usando o interesse da outra parte na sua prestação, o devedor exerce como que uma acção directa, opondo ao seu credor a força coerciva da na realização da sua prestação como forma de persuadir o credora cumprir também, em beneficio daquele, com outra prestação que tem em mora.
O devedor que excepciona o não cumprimento continua interessado e disposto a cumprir a sua prestação, assim o seu credor cumpra a prestação de que é devedor. O seu objectivo é conseguir do credor o cumprimento da prestação devida por esta, ou seja, alcançar o pleno cumprimento do contrato, não a sua extinção, não o seu incumprimento definitivo.
Distinguindo a exceptio non rite adimpleti contractus da resolução, José João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, 1986, págs. 174 e 175, refere que «a resolução destrói ou extingue definitivamente o vínculo obrigacional, enquanto que a excepção tem eficácia meramente suspensiva ou dilatória, deixando-o intacto e significando somente uma dilação no seu cumprimento. Enquanto a resolução tem uma eficácia extintiva em relação ao contrato, a excepção, pelo contrário, pressupõe a sua manutenção e visa até assegurar a sua execução total. Face a uma medida muito mais enérgica, como é a resolução, a exceptio tem um papel importante a desempenhar: ela permite que o contraente se antecipe ao incumprimento definitivo, recusando ele próprio o seu cumprimento se a contraparte não prestar simultaneamente. Tende assim a evitar, como medida preventiva, que se dê o incumprimento definitivo e que seja precisa a resolução para restabelecer o equilíbrio (especialmente pelo efeito retroactivo da resolução e o restabelecimento das coisas no seu primitivo estado). A excepção desempenha assim o papel de garantia contra a resolução, até ao ponto de a tornar inútil.»
Nos contratos bilaterais as partes vinculam-se a trocar entre si prestações que assumem e pretendem que sejam a contraprestação uma da outra. Independentemente dos objectivos a que cada uma das partes se propõe com a prestação que pretende praticar ou receber, ambas aceitam que a prestação da outra é a justa medida ou retribuição da sua própria prestação. Inerente ao contrato está, pois, uma ideia e uma intenção de justiça comutativa: uma prestação não existe sem a outra, é a razão de ser da outra e é ainda a medida da outra.
Em homenagem a esse vínculo de reciprocidade entre as prestações, a essa justiça comutativa aceite e querida pelas partes, nenhum dos contraentes deve ser obrigado a cumprir sem que o outro cumpra igualmente, melhor dizendo, a executar a sua prestação e não receber a contraprestação.
A excepção de não cumprimento é precisamente o mecanismo potestativo que num contrato bilateral permite a qualquer das partes suspender a sua prestação enquanto a outra não realizar também a sua ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (cf. João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, Almedina, 1986, pág. 39 e seguintes).
Não se trata de uma sanção para o incumprimento, trata-se de uma medida de coerção privada e de natureza contratual destinada a assegurar o respeito do nexo sinalagmático entre as prestações a que se vincularam reciprocamente. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 406, «a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral».
O exercício da exceptio non rite adimpleti contractus tem os pressupostos específicos previstos no n.º 1 do artigo 428.º do Código Civil: que as prestações derivem de um contrato bilateral e sinalagmático; que quem a invoca não esteja obrigado a cumprir antes do contraente a quem vai opor a excepção; que esta parte tenha falhado o cumprimento ou cumprido defeituosamente a contraprestação ou não tenha oferecido o cumprimento simultâneo da mesma (nesse sentido, por exemplo, o comentário ao artigo 428.º do Código Civil in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, coordenação de Brandão Proença, página 123, onde se afirma que «para que o devedor possa recusar o cumprimento com base na excepção de inexecução é necessário: i) que a obrigação cujo cumprimento é recusado esteja numa relação de sinalagmaticidade com contraobrigação não cumprida; ii) que não exista uma obrigação de cumprimento prévio por parte daquele que pretende invocar a excepção; iii) e que o exercício da excepção de não cumprimento não exceda os limites impostos pelo princípio da boa-fé.»).
Enquanto mecanismo destinado a assegurar o cumprimento das obrigações oriundas de contratos bilaterais (artigo 428.º do Código Civil), a excepção de não cumprimento pressupõe que entre a prestação não cumprida e a prestação recusada para forçar o cumprimento daquela haja um nexo de reciprocidade, ou seja, que uma seja a causa ou o fim da outra, de modo que uma não exista sem a outra.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit., página 406, «para que a exceptio se aplique, não basta que o contrato seja obrigatório, ou crie obrigações para ambas as partes: é necessário que as obrigações sejam … correspectivas ou correlativas, que uma seja o sinalagma da outra. … Dentro dos próprios contratos bilaterais interessa ver quais são as prestações interdependentes … visto que outras podem existir ao lado delas na relação contratual e a exceptio só aproveita às primeiras».
A exigência de que os prazos para o cumprimento das prestações não sejam diferentes, tem sido interpretada, pela doutrina e pela jurisprudência, com o sentido de a excepção só está vedada ao contraente que estiver obrigado a cumprir antes da contraparte, ou seja, que mesmo que uma parte tenha um prazo para cumprir a sua prestação diferente do da outra parte é-lhe lícito invocar a excepção desde que não seja sua obrigação cumprir antes da outra.
Mas a excepção tem ainda um pressuposto geral comum à generalidade dos direitos subjectivos: não ser contrária à boa fé, o que emerge da necessidade de preservar o equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas e subentende, portanto, que a invocação da excepção seja necessária e proporcional. José João Abrantes in Cadernos de Direito Privado, n.º 18, pág. 55, defende que a parte da prestação recusada pelo excipiente deve ser proporcional à parte ainda não executada pelo contraente faltoso.
A este respeito deve acentuar-se que a excepção funciona como um mecanismo legal posto à disposição do contraente para obrigar o outro contraente a cumprir pontualmente a sua obrigação e, portanto, um mecanismo de coerção destinado a exercer sobre o contraente inadimplente alguma coacção destinada a levá-lo a cumprir a sua obrigação nos precisos termos em que se vinculou a fazê-lo. Este mecanismo de coerção ou coacção tem como objectivo assegurar que o sinalagma contratual é respeitado.
Acresce que nos termos do artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil, a prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, pelo que se o devedor se propuser realizar apenas uma parte da prestação, o credor pode pura e simplesmente recusar a prestação que lhe é oferecida. Esta regra, prevista directamente para o cumprimento parcial, deve entender-se aplicável igualmente ao cumprimento defeituoso. Aliás, o mesmo princípio parece resultar já da regra da pontualidade do cumprimento prevista no artigo 406.º para a generalidade das obrigações contratuais, uma vez que cumprir o contrato ponto por ponto é cumpri-lo nos seus precisos termos, ou seja, realizando uma prestação não defeituosa.
Estas duas ideias conduzem, a nosso ver, a que a regra da proporcionalidade a observar no exercício da exceptio deva ser interpretada com um sentido muito específico. Em rigor, não tem de haver uma correspondência estrita, rigorosamente determinada e calculada, entre a parte da prestação que o excipiente recusa e a parte que o contraente faltoso incumpriu. Se assim fosse, estaria a dar-se ao contraente faltoso a possibilidade de decidir a medida do seu cumprimento e de impor ao credor o resultado dessa opção, o que, como vimos, é proibido pelos artigos 763.º e 406.º.
Na verdade, se a prestação recusada pelo excipiente tivesse de corresponder rigorosamente à medida do incumprimento do contraente faltoso, este podia livremente escolher a parte da prestação que não queria cumprir já que em qualquer caso o credor só poderia recusar cumprir o equivalente a essa falta, acabando assim obrigado a aceitar tudo o que o devedor entendeu prestar, sem poder recusar a prestação no seu todo. Na prática, portanto, o devedor acabaria pode ter o poder de decidir livremente que parte da prestação executar e que parte não executar, impondo ao credor as consequências dessa opção já que este apenas poderia excepcionar o equivalente à parte não executada.
Entendemos, por isso, que o limite à actuação do excipiente é sim constituído, como não podia deixar de ser, pela boa fé e pelos bons costumes. A actuação do excipiente não pode constituir um abuso de direito. As ideias de proporcionalidade (entre as prestações incumprida e recusada) e de adequação (entre o cumprimento defeituoso e o remédio que se lhe quer opor) são apenas algumas das ideias presentes no momento de sindicar o preenchimento do requisito do respeito pelas regras da boa fé, mas já não um requisito autónomo, inultrapassável, que justifique per se a ilegitimidade da invocação da excepção.
Por força das regras da boa fé, a exceptio também não pode funcionar perante falhas de cumprimento que não assumam um mínimo de gravidade, mas, sobretudo, no modo como é exercida, ela tem de se mostrar adequada para acautelar o risco de incumprimento que visa afastar, não sendo legítimo que a recusa de cumprimento exceda o estritamente necessário para obter o cumprimento da prestação recíproca.
Da mesma forma que a gravidade do cumprimento defeituoso a que se pretende opor a excepção não deve ser insignificante ou residual, sob pena de o exercício da excepção ser afinal abusivo, também a recusa do excipiente não pode compreender a totalidade da sua prestação se a gravidade ou extensão do cumprimento defeituoso não o consentir.
Seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua prestação por inteiro apenas porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente significado ou expressão. Mas seria igualmente contrário à boa fé que essa recusa compreendesse a totalidade da prestação quando a recusa de apenas parte dela pode bastar perfeitamente apenas para coagir a outra parte a cumprir ou, caso esse incumprimento subsista no final, para repor o sinalagma entre as prestações.
Como vimos, a excepção de não cumprimento está prevista no nosso ordenamento jurídico para os contratos e mais especificamente para os contratos bilaterais. Todavia, atento o objectivo que lhe está assinalado e a finalidade última do direito que é o de assegurar o cumprimento das obrigações e a efectividade dos direitos correspondentes, parece que aquele instituto poderá ser aplicado por analogia a situações em que a fonte das obrigações incumprida e recusada não são o contrato, mas antes a lei. Com efeito, havendo entre duas ou mais obrigações um sinalagma, uma relação que faça com que uma seja a causa ou a contrapartida da outra, as razões que subjazem ao disposto no artigo 428.º do Código Civil e a finalidade que este visa alcançar são totalmente invocáveis seja a fonte das obrigações a lei ou a vontade das partes.
Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit., página 407, sustentam que «a exceptio tem. ainda aplicação nos casos em que, por foiça da própria lei, embora contra a vontade de uma das partes, se cria entre estas uma situação análoga à proveniente do contrato bilateral. É o que sucede na expropriação por utilidade pública, quanto à entrega do preço e à entrega da coisa expropriada».
Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 1979, pág. 271, nota 3, considera que pode «dizer-se, de um modo geral, que a “exceptio” tem ainda aplicação nos casos em que, por força da própria lei, embora contra a vontade das partes, se cria entre elas uma situação análoga à proveniente de um contrato bilateral». O mesmo autor in Revista de Legislação e Jurisprudência, 119º, pág. 143, afirma que o facto de o nosso ordenamento regular o instituto no âmbito dos contratos «não significa que não se possa ir mais além, aproveitando todas as suas potencialidades, tanto no campo civilístico como noutros domínios jurídicos, em face das realidades sociais e económicas contemporâneas. Tenha-se presente, de resto, que o sinalagmatismo que está na base da exceptio diz mais propriamente respeito às obrigações com essa característica de reciprocidade do que aos contratos de onde derivam».
Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, 2002, página 148, cita o Acórdão da Relação do Porto de 01-04-1993, CJ, II, págs. 201 e segs., para defender a aplicação deste instituto à relação entre a obrigação legal do condómino pelas despesas de conservação e fruição e a obrigação legal do condomínio de reparar os danos causados numa fracção autónoma por falta de conservação das partes comuns, afirmando que «verificando-se entre tais obrigações um nexo de reciprocidade (sinalagma funcional), é de admitir, em princípio, a invocabilidade da excepção de não cumprimento do contrato, desde que se verifiquem os demais requisitos do artigo 428.º do Cód. Civil. (…) O sinalagma que está na base da exceptio está mais ligado ao aspecto funcional, ou seja, à reciprocidade das obrigações, do que à sua génese».
Ana Taveira da Fonseca, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, coordenação de Brandão Proença, página 125, citando o Acórdão da Relação de Guimarães de 03-11-2016 (e não 03-10 como por lapso se indica na obra), proc. n.º 555/13.0TBVLN.G1, in www.dgsi.pt, sustenta igualmente que se admite «a possibilidade de aplicação, por via analógica, da excepção de inexecução às obrigações com origem legal unidas por um vínculo de correspetividade ou interdependência, mas é preciso que, em concreto, a obrigação recusada constitua uma contrapartida da obrigação incumprida, como sucederá entre a obrigação de contribuição para as despesas de conservação das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal e a obrigação de as conservar».
Na jurisprudência, para além dos Acórdãos já citados, seguiram esse entendimento, para citar apenas os mais recentes, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 19-05-2022, proc. n.º 5422/14.7T8VNF-A.G1, o Acórdão da Relação de Lisboa de 23-01-2020, proc. n.º 7067/18.3T8LSB.L1-2, e o Acórdão da Relação do Porto de 12-07-2017, proc. n.º 17/14.8THPRT.P1, todos in www.dgsi.pt.
A resposta à questão suscitada pelo recorrente é por isso a seguinte: a exceptio non rite adimpleti contractus pode ser invocada nas relações entre a obrigação do condomínio de conservar as partes comuns e a obrigação do condómino de contribuir para a conservação das partes comuns.
B] Se entre obrigação do condomínio de conservar as partes comuns e a obrigação do condómino de contribuir para a conservação das partes comuns se estabelecem os pressupostos da exceptio:
Como vimos antes, a exceptio tem os seguintes pressupostos: (i) que as prestações estejam entre si numa relação de sinalagmaticidade; (ii) que quem a invoca não esteja obrigado a cumprir antes do contraente a quem vai opor a excepção; (iii) que esta parte tenha falhado o cumprimento ou cumprido defeituosamente a contraprestação ou não tenha oferecido o cumprimento simultâneo da mesma, (iv) que o exercício da excepção de não cumprimento não exceda os limites impostos pelo princípio da boa-fé.
Nos termos do artigo 1420.º do Código Civil cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, mas o conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.
No regime da compropriedade, estabelece o artigo 1411.º que os comproprietários devem contribuir, em proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum.
Especificamente para a propriedade horizontal, o artigo 1424.º determina que salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções no momento das respectivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas fracções.
O condómino é, portanto, sujeito da obrigação emergente da qualidade de titular do direito real de uma fracção de um imóvel em propriedade horizontal (obrigação propter rem) de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e para os serviços de interesse comum.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit., vol. III, página 431, «nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso, ascendam. Tanto pode tratar-se de pequenas despesas de manutenção ordinária, como de despesas impostas por qualquer evento que tenha provocado danos extensos nas coisas a reparar (avaria grave nos ascensores ou na instalação eléctrica; destruições causadas por tempestades, tremores de terra, acontecimentos bélicos, etc.)». No mesmo sentido, Rui Pinto Duarte, in Curso de Direitos Reais, 4.ª edição revista, 2020, página 156, sustenta que “as despesas que estão em causa são todas as necessárias à conservação e fruição das partes comuns, não apenas as «despesas correntes»”.
Vista a obrigação do condómino, centremos a análise na obrigação do condomínio.
O proprietário de cada fracção autónoma do edifício é titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro que se abstenha de actos que perturbem o pleno gozo e fruição da sua fracção. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 1305.º do Código Civil segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil a violação de um direito subjectivo, no que se inclui evidentemente o direito real de propriedade, pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos do instituto da responsabilidade civil ali consagrado.
Esta obrigação, tal como se pode constituir nos casos em que o objecto do direito de propriedade do lesado não se encontra em propriedade horizontal e o agente da violação é totalmente alheio ao imóvel, igualmente se pode constituir, nos mesmos termos, quando esse bem se integra numa propriedade horizontal e o autor da violação é outro dos condóminos (danos provindos de outras partes autónomas) ou o próprio condomínio (danos provindos de partes comuns).
O que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza real do direito do lesado lhes impõe.
O titular de uma das fracções do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fracção afectada em resultado de algo ocorrido com as partes comuns do edifício pode exigir responsabilidade do condomínio, mas para isso torna-se necessário que no caso estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil. Do facto de o proprietário de uma fracção ter visto a sua fracção afectada por algo que tem a ver com as partes comuns do prédio não se segue, necessariamente, que ele tem o direito de ser indemnizado pelo condomínio.
Tal não se altera ainda que se entenda que a relação entre os condóminos não possui natureza contratual, mas natureza propter rem ou ob rem, ou seja, que as obrigações geradas por essa relação emergem directamente da qualidade de titular de um determinado direito real (cf. Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 01.04.93, in Colectânea de Jurisprudência, tomo II, pág. 201). Com efeito, não existe no regime da propriedade horizontal qualquer norma legal que faça incidir sobre o condomínio a obrigação de assegurar em cada momento, independentemente de culpa, a intangibilidade das fracções autónomas. Mesmo a relação creditória propter rem que tenha por objecto a indemnização não prescinde da noção de culpa (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.05.2007, relatado por Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt, citando Henrique Mesquita, in Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 104 e 310).
Na reconvenção o reconvinte alega que os danos resultam do facto de parte do revestimento da fachada exterior na torre do n.º ... ter caído sobre o terraço que faz parte da sua fracção e que, não obstante ter sido deliberada a realização das obras e o reconvinte ter inclusivamente pago a sua quota em tal despesa as obras continuam por efectuar. O autor pretende assim responsabilizar o condomínio por não ter diligenciado pela realização nas partes comuns das obras de eliminação da causa dos danos.
As fachadas e empenas do prédio são partes comuns (artigo 1421.º do Código Civil). O titular dos direitos relativos às partes comuns é o condomínio (leia-se: os condóminos agrupados no ente colectivo condomínio uma vez que este não tem personalidade jurídica própria) que concomitantemente responde pelas obrigações relativas a essas partes.
Não existe na regulamentação da propriedade horizontal norma legal que directamente imponha, mesmo em relação às partes comuns, de forma clara a obrigação do condomínio de reparar as partes comuns. Por outro lado, a alínea a) do nº 2 do artigo 1422º do Código Civil, impede os condóminos de prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, ou seja, a falta de reparação só é proibida se e na medida em que tiver por consequência a afectação da segurança, da linha arquitectónica ou do arranjo estético do prédio. Por sua vez a alínea f) do artigo 1436º do Código Civil define como função do administrador, não propriamente a execução de obras de reparação das partes comuns, mas apenas a realização dos actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
Porém, em simultâneo, existem várias normas que se referem às despesas de conservação das partes comuns. É o caso do artigo 1424º, o qual dispõe sobre o critério de repartição pelos condóminos das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, do artigo 1427º, que autoriza qualquer um dos condóminos, na falta ou impedimento do administrador, a efectuar ele mesmo as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, ou ainda do artigo 1411º do Código Civil, relativo directamente à compropriedade mas aqui aplicável no que concerne às partes comuns, o qual estabelece que os comproprietários devem contribuir para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum. É ainda o caso do artigo 89º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que impõe um dever geral de conservação das edificações, prescrevendo que estas devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
Parece assim poder afirmar-se que embora inexista norma legal expressa com tal conteúdo, resulta do nosso sistema jurídico que estando o imóvel constituído em propriedade horizontal é obrigação do condomínio diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel. Tendo o condomínio, através da sua administração e por impulso do autor, ficado a saber que as partes comuns do prédio (a fachada) se encontrava a desagregar-se permitindo a libertação e a queda das peças do seu revestimento, o que causa danos na fracção autónoma do autor, designadamente ao nível do terraço que por razões de segurança deixou de poder ser usado e fruído, temos de considerar que sobre o condomínio impendia, por força da lei, o dever de actuação no sentido de reparar os danos e repor as condições normais de utilização do edifício e das suas diversas fracções. Trata-se de uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários.
Desse modo condomínio estava de facto vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício, que incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério do bom pai de família, e que por isso está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que este sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.
Entre estas obrigações do condomínio e do condómino existe, a nosso ver, uma relação de sinalagmaticidade funcional. A contribuição do condómino visa permitir que as partes comuns se encontrem conservadas e possam ser fruídas por todos os condóminos, mas também evitar o surgimento de deveres de indemnização de danos decorrentes dessa falta de conservação. A obrigação do condomínio – de conservar as partes comuns – é precisamente aquela de que emerge o dever por parte do condómino – de suportar as despesas com a conservação –.
Acresce que o condómino não está obrigado a cumprir antes do condomínio uma vez que embora a prestação a seu cargo seja uma prestação duradoura, normalmente determinada através de um orçamento anual e dividida em fracções para as quais o regulamento fixa prazos de vencimento específicos, na acção estão em causa prestações posteriores ao momento em que o condomínio não apenas teve conhecimento da necessidade de realização de obras de reparação da fachada, como aprovou mesmo a sua execução, o que todavia não concretizou. Nesse sentido, o condómino não está obrigado a cumprir antes do condomínio.
Por fim, refira-se que tendo o condómino tido o cuidado, que, aliás, lhe era imposto pelas regras da boa fé, de pagar sempre a sua quota nos valores orçamentados para a execução das obras, não se tendo recusado a contribuir pecuniariamente para a execução das obras que … exige que sejam feitas, a sua posição de recusar apenas o pagamento das despesas correntes de conservação ordinária, não afronta aquelas regras, sendo consentida pelo direito.
Desse modo e concluindo, por estarem reunidos os pressupostos do instituto o reconvinte pode de facto opor à pretensão do autor a excepção de não cumprimento baseada no não cumprimento pelo condomínio do dever de executar as obras que permitam restabelecer o normal uso do terraço da fracção do reconvinte.
C] Se a procedência da exceptio determina a improcedência do pedido do credor ou apenas condiciona a exigibilidade deste ao cumprimento da prestação que motiva a exceptio:
Ao definir a excepção de não cumprimento do contrato, o artigo 428.º do Código Civil atribui ao obrigado que lança mão da exceptio «a faculdade de recusar a sua prestação». Essa faculdade, rectius, essa recusa, tem, no entanto, de ser vista em função da finalidade da exceptio.
A excepção de não cumprimento é o instituto através do qual o devedor se recusa a cumprir a sua prestação enquanto o credor não cumprir outra prestação. A sua finalidade é persuadir este a cumprir também, em beneficio daquele, com a prestação que tem em mora, e o respectivo objectivo é, afinal de contas, evitar o incumprimento e contribuir para o cumprimento das prestações reciprocas. Por essa razão, a excepção pressupõe a manutenção das obrigações e visa assegurar a sua execução total; logo, aquela faculdade de recusa não é definitiva, nem visa o incumprimento, é provisória e almeja o cumprimento das obrigações.
Como traduzir isso ao nível da sentença que aprecia o pedido do credor e reconhece a exceptio do devedor?
Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1987, páginas 334 e seguintes, diz que a exceptio é «uma excepção sensu próprio e strico sensu», «uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra». Mais à frente, acrescenta que é «uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra)direito ao cumprimento simultâneo». E ainda que «se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, «o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde», parece que a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o indirecto pedido de cumprimento» coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual. O entorpecimento da execução desta sentença é evitado pelo art. 804.º [nota do Relator: actualmente o art. 715.º] do Código de Processo Civil, ao incumbir ao credor a prova de que efectuou ou ofereceu a prestação correspectiva».
Ana Taveira da Fonseca, loc. cit., página 126, sustenta que «o dever de prestação não se encontra originalmente limitado pela necessidade de realização da contraprestação, …. O devedor é que, querendo, pode recusar o cumprimento da obrigação até que o credor cumpra, por sua vez, a obrigação a que está adstrito. O que significa que o credor tem direito a exigir a realização da prestação, mesmo não se oferecendo para contraprestar, mas o devedor não pode ser obrigado a realizar a prestação sem receber a contraprestação a que tem direito. Por esse motivo, o credor-exequente tem de fazer prova de que cumpriu ou se ofereceu para cumprir para que a acção executiva possa prosseguir contra o devedor-executado (cfr. artigo 715.º do CPC). (…) Pelo exposto, a excepção de não cumprimento deve ser considerada uma verdadeira excepção dilatória de direito material que deve ser invocada, quer judicial (cfr. Ac. RE 04.10.2007) quer extrajudicialmente, por aquele dos contraentes a quem aproveita. Só depois de oposta a excepção, ficará excluída a ilicitude da conduta do devedor que não realiza a prestação a que está adstrito, ainda que deva entender-se que os efeitos decorrentes da sua invocação retroagem à data a partir da qual aquela poderia ter sido actuada. A invocação da exceptio non adimpleti contratus não só exonera o devedor de responder pelos prejuízos sofridos pelo credor com a não realização da prestação, como também permitirá considerar que o credor ao não realizar a contraprestação por si devida não está a prestar a colaboração necessária ao cumprimento, o que autoriza a aplicação do regime previsto para a mora do credor relativamente à prestação recusada pelo devedor (artigo 813.º). A procedência da exceptio invocada em juízo não permite a absolvição do réu do pedido ou da instância (em sentido contrário, cfr. Ac. RL 27.05.2001), mas deve conduzir à condenação do réu a cumprir a obrigação contra realização da contraprestação (condenação Zug um Zug), posto que, através da oposição desta excepção, o réu não nega a existência da obrigação a que se está vinculado, mas faz depender o cumprimento do oferecimento da prestação a que tem direito (Ac. RP 16.11.2015).
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, página 298, definem as excepções materiais, a que se refere, por exemplo, o artigo 847.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, como aquelas «que se fundam em quaisquer faltas ou vicissitudes próprias da relação substantiva, como a invalidade, a resolução, a revogação ou a denúncia do contrato, a prescrição ou a caducidade do direito invocado pelo autor», e entre elas distinguem as «peremptórias, quando levam à improcedência definitiva da acção, porque o direito do autor não existe nem pode já vir a existir» a as «dilatórias quando, por virtude delas, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde». Os mesmos autores depois de assinalarem, embora com dúvidas, que a exceptio non adimpleti contratus é um exemplo de excepção material dilatória, sublinham que a noção de excepção dilatória que consta actualmente do artigo 576.º do Código de Processo Civil «apenas tem em vista as excepções processuais», razão pela qual não é por ser dilatória que a exceptio determina a consequência de o tribunal se dever abster de conhecer do mérito da causa e absolver da instância.
José João Abrantes, loc. cit, página 152, diz acompanhar «a doutrina, hoje prevalecente, no sentido de que a exceptio non adimpleti contractus é uma verdadeira excepção em sentido técnico», com a natureza de excepção material dilatória. E explica que as excepções materiais, ou seja, «as fundadas em razões de direito substantivo, traduzindo-se na invocação de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor», «podem levar à improcedência definitiva da acção (porque o direito que o autor invoca não existe, nem pode vir a existir); mas o seu efeito pode ser apenas o de a acção não poder ser julgada desde logo procedente, por lhe faltar algum requisito de ordem substantiva, podendo todavia sê-lo mais tarde ou até mesmo desde já, embora só produzindo a condenação efeitos num momento ulterior (condenação in futurum), pois o direito do autor, não existindo ainda ou não sendo exercitável, pode todavia vir a ter existência e exercitabilidade». Mais à frente, a página 154, nota 20, o autor afirma: «Mesmo em termos de processo, o que se passa é que a acção pode vir a ser repetida com êxito ou então nem sequer será necessário isso: o juiz pode decidir condenar o réu «in futurum», ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil. Cremos que, por força deste preceito, é defensável a solução consagrada no § 322.º do B.G.B., que determina a condenação do réu condicionada à execução simultânea da contraprestação. (…) Para nós, como disse, o efeito da excepção é ser o réu condenado a prestar ao mesmo tempo que o autor, o que permite dispensar nova acção em que fosse pedida a condenação do réu».
Também Vaz Serra, in A Excepção do Contrato Não Cumprido, Boletim do Ministério da Justiça, ano 67, pág. 33 e seguintes, manifesta a opinião de que a procedência da “exceptio” tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, com o argumento de que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor. Uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu.
Esta questão foi abordada mais recentemente no Acórdão da Relação de Lisboa de 23-01-2020, proc. n.º 7067/18.3T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt. Nesse Acórdão refere-se que a possibilidade de uma condenação condicional tem vindo a ser negada pelo Supremo Tribunal de Justiça. No entanto, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-04-2011, proc. n.º 419/06.3 TCFUN.L1S1, citado para ilustrar essa posição, tal entendimento é justificado «particularmente nos casos … em que a «condição» se mostra assente em factos insuficientemente densificados e definidos, traduzindo-se, na prática, na imposição ao réu de uma prestação de facto de contornos perfeitamente difusos – exigindo o facto condicionante, pela sua natureza e indeterminação, ulterior verificação jurisdicional e, nessa medida, resultando comprometida uma finalidade básica do processo civil: a definição e certeza das relações jurídicas controvertidas».
São os processualistas que alinham na posição contrária ao considerarem a prolação de uma sentença condicional como uma situação anómala, incompatível com os princípios da certeza e da segurança inerentes a uma decisão judicial. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 80 e segs, defende que a procedência da “exceptio” implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção.
Identicamente Mesquita, in Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 95, afirma que «afastada no nosso sistema, como resulta do art.º 673º [nota do Relator, hoje o artigo 621.º], a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a “exceptio non adimpleti contractus”, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido».
No mesmo sentido ainda Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 804, e Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, 1931, Volume IV, pág. 525.
A jurisprudência encontra-se igualmente dividida a este respeito, de que são exemplo os Acórdãos do STJ de 26-10-2010, da Relação de Lisboa de 26-06-2008, da Relação de Coimbra de 13-09-2011, da Relação do Porto de 28-11-2017 (com voto de vencido defendendo a posição oposta) ou, do outro lado, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2010 e da Relação do Porto de 30-01-2012, todos in www.dgsi.pt.
Sem pretender encerrar a questão, afigura-se-nos que o principio básico é o de que o direito processual está ao serviço do direito material cujas soluções deve permitir concretizar, razão pela qual, se uma excepção produz um determinado efeito substantivo ao nível da relação material as soluções adjectivas hão-de permitir a sua concretização, designadamente ao nível da sentença.
Também não nos parece que se deva sobrevalorizar os objectivos da certeza e da segurança que são próprios de uma decisão judicial. Essa certeza e segurança são sempre aquelas que o caso permite e que o regime jurídico aplicável proporciona. Logo, se esse regime jurídico subordina a obrigação a uma condição, não pode ser a sentença a eliminar de todo a insegurança que anda associada à demonstração da condição caso ela ocorra apenas no futuro. Acresce que são igualmente valores do processo civil a utilidade, o aproveitamento dos actos, a adequação dos mesmos à realização da justiça material e a proibição de actos inúteis.
O artigo 610.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que prevê o julgamento no caso deinexigibilidade da obrigação, estabelece que o facto de não ser exigível, no momento em que a acção foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio.
Na sua redacção, a norma preocupa-se com os casos em que a existência da obrigação é controvertida e necessita de ser resolvida judicialmente (“o réu a conteste”) e resolve-os nas situações em que a obrigação ainda não é exigível por estar sujeita a um prazo ainda não decorrido (“no momento próprio”).
Portanto, em rigor, a norma não se refere aos casos em que a obrigação está sujeita a uma condição, dependente de um facto ou subordinada a um evento futuro e incerto. Daí que a aplicação deste preceito a outras situações só possa ser feita com recurso à analogia.
O artigo 621.º do Código de Processo Civil tem por objecto o alcance do caso julgado. O que o preceito estabelece é que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Da norma não resulta que não possa ser proferida uma sentença condicional, o que ela resolve é o que sucede se a sentença tiver julgado improcedente o pedido por a obrigação estar subordinada a uma condição por verificar, estabelecendo que nessa situação o respectivo trânsito em julgado não impede a instauração de uma nova acção na qual se alegue que a condição se verificou.
Nessa medida, a disposição não regula o momento da sentença, regula os efeitos do respectivo trânsito em julgado em determinadas situações. O seu regime é aliás compreensível à luz da diversidade imensa de excepções materiais dilatórias, as quais podem ter regime e efeitos perfeitamente diversos.
Como quer que seja, afigura-se-nos que no caso a questão não se coloca sequer, não sendo necessário tomar posição definitiva na questão enunciada.
Com efeito, independentemente do mais, para poder ser proferida (já) sentença que condena o réu a pagar as contribuições para a conservação das partes comuns quando o autor tiver por fim realizado na fachada do imóvel as obras necessárias para que o terraço da fracção do réu possa de novo ser usada sem restrições de segurança relacionadas com o estado da fachada, é necessário que estejam reunidos os requisitos que permitam afirmar a existência de um crédito do autor.
O pedido do autor compreende os seguintes créditos: 4 trimestres do orçamento do ano de 2018, no valor de € 222,74 cada, no valor total de € 890,96; 4 trimestres do fundo de reserva do ano de 2018, no valor de € 22,28 cada, no valor total de € 89,12; 4 trimestres do orçamento do ano de 2019, no valor de € 260,85 cada, no valor total de € 1.043,40; 4 trimestres do fundo de reserva do ano de 2019, no valor de € 26,09 cada, no valor total de € 104,36; € 196,63 referente à reparação dos elevadores 1 e 2; € 81,56 referente à prestação anual do seguro multirriscos do ano de 2020; 4 trimestres do orçamento do ano de 2020, no valor de € 260,85 cada, no valor total de € 1.043,40; 4 trimestres do fundo de reserva do ano de 2020, no valor de € 26,09 cada, no valor total de € 104,36; 1º e 2º trimestre do orçamento do ano de 2021, no valor de € 260,85 cada, no valor total de € 521,70; 1º e 2º trimestre do fundo de reserva do ano de 2021, no valor de € 26,09 cada, no valor total de € 52,18; 3º trimestre do orçamento do ano de 2021, no valor de €269,72; 3º trimestre do fundo de reserva do ano de 2021, no valor de € 26,97; €30,00 relativos a despesas extrajudiciais de interpelação por advogado.
A alínea U) da fundamentação de facto revela que reconvinte, depois de se queixar da necessidade de obras na fachada e da consequência da sua falta quanto à fruição de parte da sua fracção BJ, vendo a inércia do condomínio na sua realização, deixou de pagar as quotas do condomínio; todavia, segundo o mesmo facto pagava todas as restantes despesas, designadamente obras, seguros e reparações do elevador.
Não há outro facto que indique que as despesas reclamadas na acção com reparações do elevador e seguro não estão abrangidas pela redacção daquele facto, isto é, pela excepção do pagamento ali demonstrada, razão pela qual, nesta parte, o pedido tem de improceder.
A matéria de facto também revela nas alíneas D) a F) que o reconvinte contesta o critério de divisão da responsabilidade pelos encargos pelos condóminos aplicado pela administração do condomínio e que para o efeito tem vindo a impugnar no Julgado de Paz as deliberações da Assembleia-geral que aprovam os orçamentos aplicando aquele critério.
No que respeita aos orçamentos de 2018, 2019 o reconvinte obteve já uma decisão parcialmente favorável; em relação aos orçamentos de 2020 e 2021 encontra-se ainda pendente a acção no Julgado de Paz interposta com o mesmo objectivo. Acresce que a matéria de facto também revela na alínea C’’ que a distribuição de despesas feita pelo condomínio e da qual resultam os valores peticionados na acção não se encontram em conformidade com as decisões já proferidas pelo Julgado de Paz.
Daqui resulta, portanto, que para poder reclamar o valor das despesas e do fundo de reserva dos anos de 2018 e 2019, o autor terá primeiro de liquidar o respectivo valor em conformidade com as decisões do Julgado de Paz e de interpelar o réu para o seu pagamento, e como isso ainda não foi feito o pedido formulado na acção em relação a esses anos é por ora exigível, não podendo o réu ser condenado já no pagamento.
Resulta ainda que enquanto não se souber o que foi ou será decidido no Julgado de Paz em relação aos orçamentos de 2020 e 2021 [facto da alínea F)] é igualmente inexigível ao réu o pagamento dos valores devidos por referência a esses anos a título de despesas e fundo de reserva.
Sobra o valor de €30,00 peticionado a título de «despesas extrajudiciais de interpelação por advogado», mas em relação a este não encontramos na matéria de facto disposição regulamentar que crie a obrigação do seu pagamento pelo condómino, pelo que o mesmo tem de improceder.
Temos assim que os valores peticionados pelo autor e que o réu não pagou se encontram ainda pendentes de liquidação em conformidade com as decisões proferidas e vinculantes para o condomínio e a respectiva administração e subsequente interpelação para pagamento, sendo por esse motivo, inexigíveis por ora, razão pela qual o pedido tem, independentemente da invocação daexceptio, de ser julgado improcedente, sem prejuízo do ulterior e oportuno recurso ao disposto no artigo 621.º do Código de Processo Civil.
Procede assim apenas em parte o recurso.
VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação: ● Declarar a sentença nula, mas, ao abrigo do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil, sanando essa nulidade, substituem o teor do dispositivo da decisão recorrida, na parte em que fixa o valor da condenação, pelo seguinte: «€15 diários nos dias de Outono/Inverno e €25 diários nos dias de Primavera/Verão desde 04/02/2019 e enquanto se mantiver a impossibilidade de utilização do terraço da fracção BJ». ● No mais acordam julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente e pelo recorrido na proporção do decaimento.
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Porto, 7 de Dezembro de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 786)
Isabel Peixoto Pereira
António Paulo Vasconcelos
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]