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RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
FORMA
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
ASSÉDIO MORAL
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
1 – Com vista à regularidade da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, não basta ao trabalhador fazer uma indicação vaga de um comportamento ilícito ou a reprodução dos normativos violados, sendo necessário especificar os factos em que se baseie, de modo inteligível e a que o empregador possa contraditá-los, se assim o entender, mas também a que o tribunal os possa apreciar no caso de serem submetidos a apreciação judicial. 2 - Impõe-se ao trabalhador que se pretenda desvincular do contrato de trabalho com fundamento na falta não culposa de pagamento pontual da retribuição, a alegação de factos demonstrativos da situação objectiva de mora no pagamento da retribuição, mas também a alegação de factos que permitam, pelo menos, caracterizar como grave tal falta de pagamento. 3 – A insuficiência da alegação de factos na carta de resolução do contrato de trabalho e a, consequente ilicitude desta, não obsta, a que os factos alegados na petição inicial concretizadores daquela alegação, sejam considerados pelo tribunal para apreciação do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento na ilicitude da atuação da ré, nomeadamente no assédio moral, e nos seus efeitos na esféria jurídica da autora.
Texto Integral
Acordam os juízes da 4ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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Relatório
AA intentou a acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EUREST Portugal - Sociedade Europeia de Restaurantes, pedindo que:
a) a resolução do contrato de trabalho, com invocação de justa causa, seja declarada lícita;
b) a Ré seja condenada no pagamento da compensação [indemnização] por resolução lícita, no valor de €43.192,50 acrescida de juros de mora à taxa legal;
c) a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de €2.172,00, a título de créditos, vencidos e não pagos, respeitantes a parte da retribuição do mês de setembro de 2021, proporcional de subsídio de férias e subsídio de Natal;
d) a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), eventualmente a rever no final face ao pedido global, a título de danos morais resultantes da atuação ilícita da ré;
e) a Ré seja condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do seu vencimento até à data do seu efetivo pagamento.
Para tanto alegou que desde 1 de janeiro de 1989, trabalhava por conta e sob a direção da UNISELF – Gestão e Exploração de Restaurantes de Empresas, Lda., tendo, em 2009, a posição de empregador no respetivo contrato de trabalho sido transferida para a Ré, por conta e sob a direção de quem passou a trabalhar, ultimamente, com a categoria profissional de “Encarregada de refeitório”, sendo o seu local de trabalho à data da resolução do contrato nas instalações da BB, S.A. e antes disso, simultaneamente, na unidade do Campus Social do ..., sita no ... e no Agrupamento de Escolas do ....
Mais alegou que desde inícios de 2021, a Ré tem assumido perante a Autora um conjunto de atos e comportamentos, com o único propósito de desestabilizar e entristecer a Autora, provocando-lhe insegurança quanto ao seu posto de trabalho, negando-lhe o direito de ocupação efetiva e lesando-a nos seus direitos morais e patrimoniais, porventura, na tentativa de a forçar a fazer cessar o respetivo contrato de trabalho.
Assim, a Autora recebeu uma comunicação emitida pela Ré, datada de 4 de março de 2021, dando-lhe conta da intenção de proceder a um despedimento coletivo, no qual se incluiria a Autora. Posteriormente, através de comunicação datada de 31 de maio de 2021 a Ré transmitiu à Autora, a exclusão da mesma no visado procedimento de despedimento coletivo, dando sem efeito a comunicação anterior, perante o que a Autora se manteve ao serviço.
Em 26 de julho de 2021 por mensagem de correio eletrónico e em 28 de julho por carta registada com aviso de receção a 29 de julho de 2021, a Ré transmitiu à Autora que, com efeitos reportados a 28 de julho de 2021, o contrato de trabalho desta se havia transferido para a nova concessionária, em virtude da cessação da exploração da cantina/refeitório explorado pela Ré na unidade do Campus Social do ..., tendo a Autora de imediato questionado os responsáveis da Associação Murteirense C.D. Solidariedade Social, IPSS, proprietária da unidade, os quais lhe transmitiram verbalmente e posteriormente por carta de 13 de agosto de 2021 que não assumiram a transmissão da posição de empregador em nenhum dos contratos de trabalho das funcionárias da Ré que ali prestavam serviço.
Também no dia 28 de julho de 2021, a Ré exigiu à Autora que procedesse à restituição da viatura de serviço, utilizada no transporte de refeições confecionadas pela Ré, ao que a Autora acedeu, nessa mesma data, por se tratar de uma instrução emanada entidade patronal e temendo represálias.
A Autora remeteu à Ré, a 29 de julho de 2021, a comunicação na qual lhe transmitiu que, não só a comunicação da Ré não havia sido subscrita por transmitente e transmissária, como não tinha sido precedida das necessárias consultas prévias, nem tão pouco haviam sido observados os prazos legais, sustentando não ter ocorrido qualquer transmissão da posição do empregador, comunicando em 30 de julho de 2021 que iria entrar em férias, como estava acordado com a Ré, entre os dias 3 e 22 de agosto de 2021.
A Ré passou, contudo, a agir como se o contrato celebrado com a Autora tivesse cessado em 28 de julho de 2021, nomeadamente o que se evidencia nas rubricas “Subsídio de Férias – Saída” e “Subsídio de Natal – Saída” do recibo que a Ré lhe enviou, não tendo pago à Autora a retribuição respeitante aos últimos três dias (29 a 31) do mês de julho, nem a retribuição correspondente ao mês de agosto de 2021.
Decorrido o período de férias acordado com a Ré, a Autora apresentou-se nas instalações (sede) daquela no dia 23 de agosto de 2021, para retomar o seu posto de trabalho, num local ou unidade que a Ré lhe viesse a indicar para o efeito, solicitando ser recebida pelos responsáveis do Departamento de Recursos Humanos da Ré, ocasião em que foi informada pela Diretora do Departamento de Recursos Humanos da Ré, de que a Autora já não se encontrava ao serviço daquela e que, por tal motivo, não lhe seria indicada qualquer unidade ou local de trabalho da Ré em que a Autora pudesse prestar serviço.
A Autora participou a situação ocorrida à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), tendo tido conhecimento, através de uma outra trabalhadora da Ré que, no âmbito de outro processo inspetivo, havia a ACT entendido que a posição da Ré enquanto entidade empregadora no contrato de trabalho celebrado com a Autora não poderia ser transferida para a Associação Murteirense C.D. Solidariedade Social, IPSS, uma vez que a Autora prestava igualmente serviço à Ré noutras unidades por esta exploradas, mais concretamente, as sitas no Agrupamento de Escolas do ....
No dia 13 de setembro de 2021, a Ré endereçou à Autora comunicação nos termos da qual veio “dar o dito por não dito”, reconhecendo, afinal, que a Autora sempre se encontrou ao serviço da Ré, uma vez que, a Autora não prestava serviço apenas na unidade que servia o Campus Social do ..., mas também para o Agrupamento de Escolas do ..., pelo que não ocorrera a transmissão do respetivo contrato de trabalho, transmitindo ainda à Autora que, em virtude de esta permanecer ao seu serviço, se deveria apresentar ao serviço na unidade cantina/refeitório da BB, S.A. para que fosse informada por parte do Gerente da referida unidade do horário de trabalho da Autora.
Sucede que o horário de trabalho acordado entre a Autora e Ré, e que sempre foi praticado, era de segunda a sexta-feira, das 8:00 às 17:00, o qual se encontrava, aliás, à data da comunicação de resolução com justa causa por iniciativa da Autora, afixado na unidade explorada pela Ré sita nas instalações da BB S.A., tendo a Autora transmitido à Ré que não aceitaria qualquer alteração unilateral ao mesmo, tendo a Ré respondido então à Autora, a 16 de setembro de 2021, que a mesma deveria ser integrada num horário de trabalho em vigor para a unidade em questão, o que a autora não aceitou.
Por outro lado, apenas no dia 23 de setembro de 2021 a Autora recebeu na respetiva conta bancária uma transferência efetuada pela Ré no montante de €513,66, a qual, apesar de nunca ter sido acompanhada do envio de qualquer recibo ou documento justificativo, a Autora apenas pode assumir tratar-se de um “acerto de contas” efetuado unilateralmente pela Ré, o qual teria por base os créditos da Autora respeitantes às retribuições pelos dias 29 a 31 de julho e 1 a 31 de agosto de 2021 e os montantes pagos pela Ré, a título de proporcionais de subsídios de férias e de Natal, com a suposta cessação do contrato, a qual acabou por não se verificar.
Acresce que na mesma data em que a Ré assumiu que a Autora sempre se manteve ao seu serviço, transmitiu-lhe que a mesma se deveria apresentar de imediato na unidade da BB, em Alverca, que se situa a mais de 30 km do local de residência da Autora e a 50 km das unidades onde a Autora até então desempenhara as suas funções.
Por todos os motivos acima indicados, e por entender que, em virtude dos mesmos, não era possível a subsistência do vínculo laboral, a Autora remeteu à Ré comunicação datada de 23 de setembro de 2021 e recebida pela Ré a 27 de setembro de 2021, transmitindo-lhe a resolução com efeitos imediatos e com fundamento em justa causa, do contrato de trabalho entre ambas celebrado.
Através de comunicação datada de 12 de outubro de 2021 veio a Ré responder à comunicação de resolução com justa causa promovida pela Autora, reconhecendo não existirem fundamentos para a suposta transmissão da posição de empregadora da Ré para a Associação Murteirense C.D. Solidariedade Social, IPSS; não ter procedido ao pagamento atempado à Autora das retribuições respeitantes aos dias 29 a 31 de julho e de 1 a 31 de agosto de 2021 e que o horário normal de trabalho da Autora é das 8h às 17h.
A Autora conclui ter sido vítima de uma situação de assédio moral traduzida na falsa invocação por parte da Ré de uma transmissão da posição de empregadora, que nunca ocorreu, na negação do direito à ocupação efetiva do trabalho e ao desempenhar as funções para que estava contratada; na falta de pagamento pontual da retribuição acordada com a Autora, emergente da situação provocada pela Ré, de não reconhecer a Autora como sua trabalhadora durante o mencionado período; nas instruções para que procedesse de imediato à restituição e para que não mais voltasse a utilizar a viatura de serviço que lhe fora atribuída para a distribuição de refeições; na tentativa da Ré de, com base nessa suposta transmissão da posição de empregadora proceder ao despedimento ilícito da Autora, na pretensão de alterar unilateralmente o horário de trabalho acordado com a Autora e por esta sempre praticado, sem o seu consentimento, nas instruções dadas à Autora para que, de um dia para o outro, se apresentasse noutro local de trabalho, a mais de 30 km da sua residência e a mais de 50 km do anterior local de trabalho, sem qualquer contacto ou conversa prévia, não permitindo assim à Autora organizar e articular convenientemente a sua vida pessoal e familiar.
Finalmente a Autora alega que com toda esta atuação, a Ré lhe provocou profundo desgosto e angústia, sentindo-se vexada, humilhada e atentada na sua dignidade e no seu bio profissional, tudo isso manifestado pela Autora perante amigos, familiares e colegas de trabalho, sentindo ainda a Autora profunda injustiça pela forma como foi tratada pela Ré, gerando na Autora, funcionária com mais de 32 anos de serviço, a convicção de que a mesma não contava para a Ré e, face às constantes violações dos seus mais elementares direitos, não fosse sequer vista como sua trabalhadora.
A que acresce a tristeza e a desilusão sentidas pela Autora pela forma como a Ré, negando quaisquer tentativas de contacto da Autora, no sentido de melhor organizar e planear a prestação do seu trabalho, ordenava, sem qualquer aviso prévio, a transferência do seu local de trabalho ou pretendia alterar unilateralmente o horário de trabalho convencionado.
Tanto mais que, a Autora, solteira e vivendo sozinha, necessita e conta apenas para sobreviver com a remuneração mensal fruto do seu trabalho.
Foi, ainda, alegado que que os moldes insólitos e inusitados em que foi tratada determinaram que a Autora se sentisse frustrada e incapaz, pessoal e profissionalmente, que devido a toda a conduta da Ré, a Autora está com uma crise de ansiedade e angústia por não ter meio de prover pela sua subsistência, e de não ter forma de fazer face às suas despesas normais, que o tratamento a que foi sujeita por parte da Ré constituiu para a Autora uma surpresa inesperada, que lhe desorganizou a vida pessoal e familiar, até porque, reitere-se, a Autora não tinha qualquer registo disciplinar, que a Autora sempre foi uma trabalhadora briosa e dedicada, nunca tendo sido questionada ou posta em causa pela Ré a forma como profissionalmente exerceu as suas funções por conta daquela.
Em virtude de toda a atuação da Ré, a Autora está com uma crise de autoconfiança, malogradamente procurando em si, no seu carácter e na sua prestação profissional, motivos objetivos que justificassem tal tratamento por parte da Ré, para além de toda a insegurança gerada pelo desemprego da Autora, e a incerteza quanto à sua subsistência, sendo que a mesma, hoje, se sente profundamente desventurada e infeliz com toda a série de comportamentos levados a cabo pela Ré nos últimos meses.
A ré contestou pugnando pela improcedência de todos os pedidos formulados pela autora, invocando a ilicitude da resolução do contrato de trabalho por insuficiência do teor da comunicação, impugnando os fundamentos invocados pela autora para a resolução do contrato de trabalho, impugnando os factos alegados pela autora na petição inicial, alegando ter pago à autora todas as quantias devidas a título de retribuição, bem como os créditos emergentes da cessação do contrato aos quais descontou o valor devido pela autora nos termos do art.º 401º do Código do Trabalho, a título de indemnização pela resolução infundada do contrato.
A autora pronunciou-se sobre a invocada insuficiência dos fundamentos constantes da comunicação da resolução.
Após audição das partes quanto à possibilidade de conhecimento do mérito da causa logo no despacho saneador e apesar da oposição da autora, foi proferido despacho saneador sentença que julgou a ação parcialmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos das alíneas a), b) e d), condenando-a em parte dos pedidos das alíneas c) e e), ou seja, condenando a ré a pagar à autora a quantia de €400.00 (quatrocentos euros), a título de quantia indevidamente descontada à retribuição de setembro de 2021, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar de 27/09/2021 até integral pagamento.
Inconformada a autora interpôs o presente recurso com vista à revogação da sentença e ao prosseguimento dos autos para produção de prova em julgamento, para o que formulou as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto do Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal “a quo" que julgou imparcialmente improcedente a ação, decidindo pela não verificação da justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada pela Recorrente, e condenou parcialmente a Recorrida, a pagar à Recorrente a quantia de €400,00 (quatrocentos euros).
(…)
II. A Recorrente não aceita e não pode aceitar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desde logo, entendendo que os factos que motivam a justa causa por si invocada para a resolução do contrato de trabalho com a Recorrida se encontram suficientemente identificados na respetiva comunicação, pelos motivos que seguidamente se deixarão expostos.
III. Em primeiro lugar, a Recorrente invocou expressamente perante a Recorrida, a falta de pagamento integral e atempado das remunerações respeitantes a julho, parcialmente, e a agosto de 2021, na totalidade, identificando no tempo, através da indicação dos meses cujas remunerações não foram integralmente pagas.
IV. Quanto à concretização espacial de tal fundamento, e na medida em que a correspondente conduta da Recorrida é omissiva, ou seja, de incumprimento de uma obrigação, não se encontra a Recorrente obrigada, encontrando-se, aliás, impossibilitada, de o fazer.
Ainda relativamente a este fundamento de resolução, existe ampla e boa jurisprudência no sentido de que a identificação, na comunicação por parte do trabalhador da resolução do contrato de trabalho com base no incumprimento da obrigação de pagamento das retribuições pela entidade patronal é suficiente para, nos termos legalmente exigidos, se considerar cumprido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho.
VI. Ora, atendendo a que a Recorrente identificou como um dos fundamentos para a resolução do contrato de trabalho com a Recorrida a falta de pagamento atempado, por parte desta, de parte da retribuição referente ao mês de julho de 2021, e a totalidade da retribuição referente ao mês de agosto de 2021, nenhuma outra exigência lhe pode ser feita, nos termos legais, quanto a este ponto.
VII. Acresce que, ainda que a falta de pagamento das retribuições, expressamente invocada pela Recorrente na sua carta de resolução, não se tivesse prolongado por período igual ou superior a 60 dias, a mesma constitui fundamento para a resolução imediata do contrato de trabalho, nos termos legalmente previstos.
VIII. Por outro lado, a Recorrida entendeu e apreendeu totalmente esse fundamento - e bem assim, todos os outros invocados pela Recorrente na sua comunicação - a que respondeu, de forma cabal e conscienciosa nos termos do Documento 15 junto com a petição inicial, estende-se aliás relativamente a outros créditos que pudessem ser devidos à Recorrente.
IX. Ora, nos termos da Sentença recorrida, no que manifestamente se não concede, caso se entendesse que a comunicação de resolução da Recorrente não continha uma descrição suficiente dos factos que sustentam o primeiro fundamento de tal resolução, tal entendimento claudicaria face ao teor da resposta esclarecida da Recorrida, a qual apreendeu integralmente todos os factos invocados pela Recorrente.
X. No que respeita ao segundo dos factos que fundamentaram a resolução do contrato de trabalho pela Recorrente, assente no assédio moral emergente de uma suposta transmissão da posição de empregador no contrato de trabalho a terceiros e que a Recorrida reconheceu posteriormente nunca ter ocorrido, a Recorrida bem sabia e sabe que a mesma se reporta à concessionária que, na sequência do termo do contrato com a Recorrente, passou a explorar a unidade do Campus Social do ..., a Associação Murteirense C.D. Solidariedade Social, IPSS.
XI. A invocação de tal circunstancialismo por parte da Recorrente foi plena e cabalmente entendida pela Recorrida, que a ela respondeu e rebateu.
XII. Assim, e tendo em consideração o teor da resposta cabal e conscienciosa da Recorrida, esta revelou ter entendido também o segundo facto que constitui fundamento para a resolução do contrato de trabalho promovida pela Recorrente.
XIII. No que respeita ao último dos factos que servem de fundamento à resolução do contrato de trabalho pela Recorrente, ou seja, a alteração unilateral do horário de trabalho que sempre havia vigorado, também quanto a este a Recorrida respondeu e rebateu, demonstrando mais uma vez ter compreendido totalmente o fundamento invocado pela Recorrente, reiterando inclusivamente o teor de uma comunicação anterior.
XIV. E, bem assim, acrescentando que a referida alteração do horário do trabalho, e desse modo confirmando a sua verificação, se devia à integração da Recorrente numa nova unidade produtiva, e à qual a Recorrente nunca dera a sua concordância, conforme se retira igualmente, quer da comunicação de resolução, quer da resposta da Recorrida.
XV. A Recorrida, na sua posição de declaratária, demonstrou ter compreendido todos os factos invocados pela Recorrente na sua comunicação de resolução o que, nos termos de ampla e boa jurisprudência, obsta a que se possa considerar insuficiente a invocação, ainda que sucinta, dos factos que constituem fundamento para a resolução do contrato de trabalho promovido pela Recorrente, como o fez o Tribunal recorrido.
XVI. A Recorrente não sustentou, assim, a sua comunicação de resolução em meras conclusões ou formulações genéricas, contrariamente ao vertido na decisão recorrida, mas em factos concretos e circunstanciados, que a Recorrida rebateu, um por um, demonstrando tê-los apreendido ampla e cabalmente, sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos pela Recorrente.
XVII. Termos em que, contrariamente ao vertido na decisão recorrida, se deverá ter por suficiente a invocação pela Recorrente na comunicação de resolução do contrato de trabalho, de todos os factos que constituíram fundamento da mesma.
XVIII. Impondo-se, assim, a revogação da decisão proferida em sede de Saneador-Sentença a qual deve ser substituída por outra, em que se julguem cumpridos todos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho e, após a prova produzida ou a produzir, designadamente em sede de audiência de julgamento, decida da verificação da justa causa invocada pela Recorrente e, consequentemente, julgue a ação totalmente procedente, por provada, e condene a Recorrida, conforme o peticionado.
XIX. Em consequência, e diferentemente do que resulta da parte final da fundamentação da decisão recorrida, não se pode aceitar a compensação, a partir do desconto que havia sido efetuado pela Recorrida, do montante alegadamente devido pela Recorrente, a título de inobservância, por parte da mesma, do prazo de aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho, uma vez que, conforme se deixou exposto, a comunicação de resolução do contrato de trabalho promovida pela Recorrente é plenamente válida e eficaz, produzindo os efeitos com a correspondente receção pela Recorrida.
XX. Pelo que nenhum montante é devido pela Recorrente à Recorrida a título de um alegado incumprimento do prazo de aviso prévio da denúncia do contrato de trabalho, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida.
XXI. Subsidiariamente, e ainda que se entendesse, no que manifestamente se não concede, que a comunicação de resolução promovida pela Recorrente não cumpriria com os requisitos legais exigidos, sempre se dirá que a produção dos efeitos sempre operaria por via da sua receção pela Recorrida, pelo que também em tal caso, não haveria lugar a qualquer indemnização pela Recorrente à Recorrida, designadamente a título de eventual incumprimento do prazo de denúncia do contrato de trabalho.
XXII. Por último, e como decorrência do que acima se deixou exposto, no que respeita aos danos não patrimoniais reclamados pela Recorrente nos presentes autos, os mesmos assentam numa série de comportamentos que constituíram a conduta praticada pela Recorrida, e que a mesma veio depois tentar emendar, ilegitimamente, refira-se.
XXIII. Acresce que a comunicação endereçada pela Recorrida à Recorrente, dando conta de uma suposta transmissão a terceiros da posição de empregador no respetivo contrato de trabalho, sem que tal tivesse efetivamente ocorrido, pois o suposto transmissário a não aceitou, constituiria ela própria uma situação de despedimento ilícito, pelo que também nunca se poderá admitir que a Recorrente pudesse ficar desprovida de tutela jurisdicional efetiva.
XXIV. Em decorrência do que supra se deixou exposto, sempre se dirá, contrariamente à decisão recorrida, que os elementos probatórios são manifestamente insuficientes, para que fosse proferida decisão de mérito no saneador.
XXV. Com efeito, são amplos os factos carreados aos autos que constituem fundamentos da resolução com justa causa promovida pela Recorrente e os que se destinam à demonstração dos danos causados pela conduta da Recorrida e que fundamentam o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente, factos esses que devem ser considerados, para efeitos de prova, designada e especificadamente, os factos vertidos nos artigos 16.º, 18.º, 26.º a 34.º, 40.º, 42.º, 45.º, 46.º, 48.º, 50.º a 53.º, 58.º, 64.º, 67º a 69º, 72º, 73º, 78º a 81.º, 97º a 100.º, 104.º, 117º a 136.º. da petição inicial.
XXVI. Nos termos do artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, o despacho saneador destina-se, nomeadamente, a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas.
XXVII. No caso em apreço, a ser sufragado o entendimento da Recorrente de que a respetiva comunicação de resolução com justa causa do contrato de trabalho cumpre as exigências do n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, o Tribunal recorrido não poderia concluir pela inexistência de factos a partir dos quais se poderia concluir, por via da prova produzida e a produzir, quer da existência de tal justa causa, quer dos prejuízos sofridos pela Recorrente na sequência dos comportamentos adotados pela Recorrida e que fundamentam a pretensão indemnizatória formulada por aquela.
XXVIII. A Recorrente descreve situações várias, ocorridas ao longo do contrato de trabalho, as quais, a provar-se, permitiriam caracterizar a noção de assédio moral que aquela invoca na resolução com justa causa.
XXIX. Nestes termos, a decisão do Tribunal “a quo", de não sujeitar todos os factos acima mencionados a prova, contraria o escopo do artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que determinasse a produção da prova relevante para a boa decisão da causa.
XXX. Acresce que, nos termos do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, as decisões judiciais têm de ser devidamente fundamentadas.
XXXI. Pelo que, não tendo o Tribunal "a quo” logrado fundamentar, convenientemente, a sua decisão de julgar suficientes os factos apurados em sede de Saneador-sentença, e ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, a decisão recorrida é nula e merece a censura desse Venerando Tribunal,
XXXII. Devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que, julgando verificada a licitude da resolução do contrato de trabalho promovida pela Recorrente, ordene o prosseguimento dos autos e que sobre os factos controvertidos se produza a competente prova.
Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, apenas no que respeita às pretensões indemnizatórias formuladas pela Recorrente,
XXXIII. Sempre se dirá que o Tribunal recorrido não poderia concluir, pura e simplesmente, pela improcedência dos respetivos pedidos, sem submeter os correspondentes factos à produção da competente prova, designadamente os vertidos nos artigos 16.º, 18.º, 26.ºa 34.º, 40.º, 42.º, 45.º, 46.º, 48.º, 50.º a 53.º, 58.º, 64.º, 67º a 69.º, 72º, 73º, 78º a 81.º, 97.º a 100.º, 104.º, 117.º a 136.º da petição inicial, nos quais a Recorrente descreve a situação de assédio moral de que foi alvo no âmbito da relação laboral mantida com a Recorrida e, bem assim, a todas as consequências e prejuízos por si sofridos em decorrência da mesma.
XXXIV. Ao não sujeitar à produção de prova os factos acima referenciados, respeitantes à situação de assédio moral e correspondentes danos sofridos pela Recorrente, o Tribunal "a quo" violou o disposto no citado artigo 595.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, pois não poderia ter julgado que os factos até então apurados seriam suficientes para que sobre tais pretensões indemnizatórias da Recorrente fosse proferida decisão.
XXXV. Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 662. º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, deve o Saneador-Sentença ser anulado, e os autos prosseguir para que sobre os factos controvertidos essenciais à decisão das pretensões indemnizatórias da Recorrente, se produza a competente prova.
XXXVI. Acresce que a Recorrente entende que decisão recorrida viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e o n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, devendo, por conseguinte, ser anulada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, com a competente realização de audiência de discussão e julgamento e a correspondente produção de prova.»
A recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo, na parte objecto do presente recurso.
2. Tal como havíamos alegado em sede contestação, na comunicação de resolução do contrato com justa causa, o trabalhador tem de invocar obrigatoriamente factos concretos.
3. É notório que a A., ora Recorrente, se limitou a invocar motivos vagos e genéricos que não permitem ter por devidamente cumprida a exigência dos preceitos legais aplicáveis.
4. Tendo a A. apenas elencado, genericamente e por tópicos, os motivos justificativos da resolução do contrato de trabalho, sem qualquer concretização prática ou relação causal com os factos,
5. A resolução do contrato de trabalho pela A., ora Recorrente, deverá ser considerada ilícita, com base na insuficiência dos requisitos procedimentais previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, tal como decidido pelo Tribunal a quo, mantendo-se a absolvição da R. da totalidade dos pedidos.
6. Relativamente às alegações da Recorrente, não se pode aceitar que esta tenha identificado correctamente os fundamentos para a alegada justa causa de resolução do contrato de trabalho.
7. Estabelece o n.º 2 do artigo 394.º do Código do Trabalho que se considera justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, entre outras, a "falta culposa de pagamento pontual da retribuição".
8. Além de ter de referir a alegada falta de pagamento pontual da retribuição, a A., ora Recorrente, teria de ter invocado os factos relativos à suposta actuação "culposa" da R.
9. Ficou por definir, o que significou, em concreto, a suposta "falta de pagamento pontual", ou seja, em que data deveriam ter sido efectuados os pagamentos e quais os atrasos supostamente verificados, ou se os pagamentos nunca chegaram a ser feitos.
10. E no caso do mês de Julho, não indicou a A. qual a parte da retribuição que, alegadamente, não teria sido paga pontualmente, limitando-se a referir "parcial".
11. Não se indica um único facto relativo à suposta "falta culposa" da R., sendo certo que se trata de um dos requisitos expressamente indicados na norma invocada pela própria A.
12. Tendo em conta a data da comunicação da A., 23 de Setembro de 2021, não seria possível que tivessem decorrido 60 (sessenta) dias sobre a data de vencimento da retribuição parcial de Julho e integral de Agosto, não tendo aplicação o n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho.
13. Como bem concluiu o Tribunal a quo, a A. não alegou os factos necessários no que se refere a este fundamento concreto.
14. A A., em sede de alegações, invoca um conjunto de acórdãos que considera serem-lhe favoráveis, no entanto, é notório que nenhum deles incide sobre uma situação idêntica à dos presentes autos.
15. E, inclusivamente, um dos Acórdãos referidos pela A. acabou por ser revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Julho de 2016, repristinando-se o decidido na sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, a qual havia decidido, em sede de Despacho Saneador, tal como nos presentes autos.
16. Na verdade, a mais recente jurisprudência segue precisamente a linha da decisão recorrida.
17. Acresce que, conforme também decorre da jurisprudência acima citada, o facto da Recorrida ter procurado responder às acusações genéricas da Recorrente, não permite ultrapassar o vício de que padece a comunicação de despedimento daquela.
18. Nos termos do n.º 3 do artigo 398.º do Código do Trabalho, na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação de resolução do trabalhador.
19. E a falta dos referidos factos não poderá ser suprida por qualquer facto eventualmente trazido pela própria entidade empregadora, ou mesmo pelo trabalhador em sede de petição inicial.
20. A comunicação de resolução do trabalhador terá de conter os elementos mínimos que permitam, desde logo, ao Tribunal avaliar se os prazos legais foram cumpridos pelo mesmo, além da questão, obviamente, da suposta justa causa.
21. Analisando-se a resposta da ora Recorrida, é notório que esta começou por invocar, precisamente, a falta de concretização de factos por parte da Recorrente.
22. No demais, limitou-se a negar, genericamente, as acusações que lhe foram apresentadas, tendo em conta que, não era possível, de facto, alcançar os efectivos fundamentos da ora Recorrente.
23. De igual modo, relativamente aos demais fundamentos para a resolução invocados pela A., ora Recorrente, verifica-se uma total ausência de factos concretos,
24. Bem como, os mesmos não se poderão considerar "corrigidos" ou "complementados" pelo facto da Recorrida ter apresentado uma resposta aos mesmos, nem tão pouco, pelos novos factos constantes da petição inicial.
25. Por outro lado, a ora Recorrente "aproveita" o presente recurso para, mais uma vez, invocar factos totalmente novos que, não só não constavam da comunicação de resolução do contrato, como tão pouco da petição inicial.
26. Nomeadamente, invoca a Recorrente um suposto despedimento ilícito por parte da Recorrida, nunca antes referido.
27. Estas alegações não poderão, obviamente, ser analisadas, em sede de recurso, nem tão pouco poderiam ter sido analisadas pelo Tribunal a quo, já que, conforme referido, jamais haviam sido invocadas.
28. Repita-se que, na acção em causa, de acordo com o disposto no citado n.º 3 do artigo 398.º do Código do Trabalho, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação de resolução do trabalhador.
29. Tão pouco tem qualquer fundamento a alegação da Recorrente no sentido de dever ser feita prova pelo Tribunal a quo sobre dezenas de artigos que alegou em sede de petição inicial.
30. Isto porque, tais factos não têm qualquer correspondência com os supostos "factos" constantes da comunicação de resolução do contrato de trabalho.
31. Deverá, assim, improceder totalmente a alegação de suposta violação do disposto no artigo 205.º da CRP e n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil, invocada pela Recorrente.
32. Finalmente, no que se refere ao suposto assédio moral, a Recorrente limitou-se a concluir: "situação de assédio moral culposo, decorrente do procedimento adotado pela ré, e que assentou, designadamente, na invocação pela ré de uma suposta transmissão do contrato de trabalho a terceiros e que reconheceram posteriormente nunca ter ocorrido".
33. É notório que o Tribunal a quo não estava legalmente obrigado a produzir prova sobre quaisquer factos que extrapolem as referidas conclusões, nem se verificou a violação do dever de fundamentação relativamente a tal matéria.
34. Acresce que, improcedendo o pedido relativo à justa de despedimento por parte da A., ora Recorrente, forçosamente, teriam de improceder todos os pedidos relativos às compensações decorrentes da suposta ilicitude do despedimento, formulados nos termos do disposto no artigo 396.º do Código do Trabalho.»
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O recurso foi admitido com o efeito e modo de subida legalmente aplicáveis.
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Neste tribunal, os autos foram ao parecer do Ministério Público que se pronunciou no sentido da procedência parcial do recurso.
Nenhuma das partes se pronunciou sobre tal parecer.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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Delimitação do objeto do recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
1 - suficiência dos factos constantes da comunicação da resolução do contrato de trabalho;
2 - nulidade do despacho saneador sentença por insuficiência de fundamentos de facto para a decisão de mérito antes da produção de prova em audiência de julgamento;
3 - violação do disposto pelo art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e do disposto pelo art.º 154.º, n.º 1 do CPC;
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«i. Em 2009, em data que a Autora não sabe precisar, a posição de empregador no respetivo contrato de trabalho transferiu-se para a ora Ré, por conta e sob a direção de quem passou a trabalhar, ultimamente com a categoria profissional de “Encarregada de refeitório” e, mediante o pagamento de remuneração base mensal no valor de €886,00 (oitocentos e oitenta e seis euros), mantendo com esta um contrato de trabalho sem termo.
ii. Na data da resolução do contrato por iniciativa da Autora, esta prestava trabalho nas instalações da BB, S.A. e antes disso, simultaneamente, na unidade do Campus Social do ..., sita no ... e no Agrupamento de Escolas do ....
iii. A Autora recebeu uma comunicação emitida pela Ré, datada de 4 de março de 2021, dando-lhe conta da intenção desta de proceder a um despedimento coletivo, no qual se incluiria a Autora.
iv. Posteriormente, através de comunicação datada de 31 de maio de 2021 (documento n.º 2, que ora se junta), a Ré transmitiu à Autora, a exclusão da mesma no visado procedimento de despedimento coletivo, dando sem efeito a comunicação anterior.
v. Perante o teor da última comunicação recebida, e aceitando os seus efeitos, a Autora manteve-se ao serviço da Ré.
vi. Por comunicação datada de 26 de julho de 2021, recebida por mensagem de correio eletrónico a 28 de julho e por carta registada com aviso de receção a 29 de julho de 2021, a Ré transmitiu à Autora que, com efeitos reportados a 28 de julho de 2021, o contrato de trabalho desta se havia transferido para a nova concessionária, em virtude da cessação da exploração da cantina/refeitório explorado pela Ré na unidade do Campus Social do ...;
vii. A Autora comunicou à Ré, no referido dia 30 de julho de 2021, que iria entrar em período de gozo de férias, tal como anteriormente acordado com a Ré, entre os dias 3 e 22 de agosto de 2021, ambos inclusive;
viii. Decorrido o período de férias acordado com a Ré, a Autora apresentou-se nas instalações (sede) daquela no dia 23 de agosto de 2021, para retomar o seu posto de trabalho, num local ou unidade que a Ré lhe viesse a indicar para o efeito.
ix. Encontrando-se já nas instalações da Ré, a Autora solicitou ser recebida pelos responsáveis do Departamento de Recursos Humanos da Ré,
x. Tendo, nessa ocasião, sido informada pela Dra. BC, Diretora do Departamento de Recursos Humanos da Ré, de que a Autora já não se encontrava ao serviço daquela.
xi. E que, por tal motivo, não lhe seria indicada qualquer unidade ou local de trabalho da Ré em que a Autora pudesse prestar serviço.
xii. No passado dia 13 de setembro de 2021, a Ré endereçou à Autora a comunicação que foi junta como documento n.º 9;
xiii. Nessa mesma comunicação, a Ré transmitiu à Autora que, em virtude de esta permanecer ao seu serviço, se deveria apresentar ao serviço na unidade cantina/refeitório da BB, S.A.
xiv. E, bem assim, para que fosse informada por parte do Gerente da referida unidade do horário de trabalho da Autora.
xv. O horário de segunda a sexta-feira, das 08:00h às 17:00h encontrava-se, à data da comunicação de resolução com justa causa por iniciativa da Autora, afixado na unidade explorada pela Ré, sita nas instalações da “BB, S.A.”;
xvi. A Autora transmitiu à Ré que não aceitaria qualquer alteração unilateral ao mesmo;
xvii. A Ré respondeu então à Autora, a 16 de setembro de 2021, no sentido de que a mesma deveria ser integrada num horário de trabalho em vigor para a unidade em questão;
xviii. Não obstante tal explicação por parte da Ré, a Autora, através do respetivo mandatário, transmitiu à Ré que não dava a sua anuência a qualquer alteração ao horário de trabalho;
xix. Na mesma data em que a Ré assumiu que a Autora sempre se manteve ao seu serviço, transmitiu-lhe que a mesma se deveria apresentar de imediato na unidade da BB, em Alverca;
xx. A Autora remeteu à Ré, em 23-09-2021, recebida em 27-09-2021, a carta com o seguinte teor:
«Venho, pela presente, comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho entre nós celebrado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, nas alíneas b) e f9 do n.º2 e na alínea c) do n. º 3, todos do artigo 394.º do Código do Trabalho, com fundamento: i.) na falta do pagamento pontual da retribuição parcial do mês de julho e integral do mês de agosto do corrente ano; ii) na situação de assédio moral culposo, decorrente do procedimento adotado por V.Exas., e que assentou, designadamente, na invocação por V.Exas de uma suposta transmissão do meu contrato de trabalho a terceiros e que reconheceram posteriormente nunca ter ocorrido; iii) em todos os comportamentos adotados por VExa. na sequência de tal invocação, em prejuízo dos meus elementares direitos e garantias legais ou convencionais e, bem assim, iv) na alteração unilateral do horário de trabalho entre nós acordado e que sempre vigorou.»
Vencimento Base
886,00
Descrição
Abonos
Descontos
Vencimento Base
797,40
Subsídio de transporte
270,00
Subsídio de transporte 08/2021
-194,55
Prémio de desempenho
180,00
Férias não gozadas
197,45
Proporcional de subsídio de férias
805,45
Proporcional de férias
805,45
Subsídio de Natal - saída
805,45
Retenção IRS
540,00
Retenção IRS 08/2021
- 56,00
Retenção de IRS subsídio de férias
64,00
Retenção IRS subsídio Natal
64,00
Aviso Prévio
2.172,00
Contribuição TSU
247,53
Contribuição TSU 08/2021
21,40
Contribuição TSU Férias/Natal
177,20
xxi. A Ré emitiu o recibo de vencimento respeitante ao mês de setembro de 2021, cuja cópia se encontra junto aos autos como doc. 14, fls.40, e que, na parte relevante, tem as seguintes menções:
Total de abonos €3.666,65 Total de descontos €3.187,33 Líquido a receber €479,32
xxii. Através de comunicação datada de 12 de outubro de 2021 (documento n.º 15, a fls. 41 verso e 42, que se dá aqui por integralmente reproduzido), veio a Ré responder à comunicação de resolução com justa causa promovida pela Autora.»
*
Apreciação
Mostra-se inquestionado nos autos que entre a recorrente e a recorrida vigorou um contrato de trabalho no âmbito do qual aquela exercia ultimamente as funções de encarregada de refeitório.
A recorrente, por carta que a ré recebeu em 27/09/2021, pôs fim àquele contrato com invocação de justa causa importando decidir se o fez cumprindo o procedimento previsto para o efeito, pelo art.º 395º do CT aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, nesta parte o aplicável, considerando o disposto pelo art.º 7º, nº 1 da citada Lei e a data em que foi comunicada a resolução.
Nos termos do art.º 394º, nº 1 do CT “Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato”, devendo fazê-lo por declaração escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos termos do art.º 395º, nº 1 do CT, sendo relevante considerar que nos termos do disposto pelo art.º 398º, nº 3 do C.T. apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes daquela comunicação.
A necessidade de indicar, ainda que sucintamente, os factos integradores da justa causa visa, por um lado, permitir ao empregador aferir da veracidade de tais factos e aferir se os mesmos são ou não suficientes para configurar justa causa e, por outro, delimitar os factos relativamente aos quais a questão poderá ser suscitada judicialmente.
Tal como se lê no Ac. RP de 29/02/2016[1] e que se subscreve «de acordo com o que dispõe o artigo 395º, nº 1, a resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, está dependente desde logo da observância dos requisitos de forma que este normativo legal impõe para a sua licitude, como sejam: (i) a comunicação dessa resolução ao empregador tem de ser por escrito; (ii) com indicação sucinta dos factos que a justificam e (iii) terá de ser efetuada nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos, sendo que tais requisitos de forma que constituem o procedimento para a resolução do contrato pelo trabalhador com justa causa, tem natureza ad substantiam. E é esta comunicação escrita no alegado prazo, com o conteúdo anunciado que vai ser objeto de apreciação no sentido de se saber se existe ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho (cfr. artigo 398º, nº 3 do CT).
A inobservância deste procedimento leva a que a resolução seja considerada ilícita, contudo, levada a cabo a mesma produz efeitos extintivos do contrato com as consequências daí advenientes para o trabalhador – cfr. artigos 399º e 401º, ambos do CT – e dos direitos e deveres resultantes da morte do contrato de trabalho.»
Por outro lado, citando mais uma vez um Ac. da RP desta feita de 20/11/2017[2] «tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, a mesma tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – indicação essa que, afastando-se outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[14] –, sendo que é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) – (…) bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).»
A justa causa para a resolução deverá ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações, preceito este que, por sua vez, dispõe que «Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.».
Tal como se vinha entendendo no âmbito da legislação pretérita (DL 64-A/89, de 27.02 e Cód. Trabalho de 2003) e que se mantém no âmbito do CT/2009, para o preenchimento valorativo da cláusula geral da rescisão pelo trabalhador ínsita no nº 1 do art.º 394º do Código do Trabalho, não basta a verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no nº 2 do preceito, sendo ainda necessário que desse comportamento resultem efeitos de tal modo graves, em si ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da sua atividade em benefício do empregador[3].
A este propósito pode ler-se no Ac. STJ de 11/09/2019[4] «Conforme se referiu no acórdão desta secção de 11 de maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1, aplicando o Código de Trabalho de 2003, «[c]omo é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada atuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade».
Assim, ainda que não se imponha ao trabalhador a obrigação de fazer uma descrição circunstanciada dos factos, como se exige ao empregador na elaboração da nota de culpa com vista ao despedimento, impõe-se-lhe a alegação sucinta de factos, não bastando fazer uma indicação vaga de um comportamento ilícito ou a reprodução dos normativos violados. É necessário especificar os factos em que se baseie, de modo inteligível e a que o empregador possa contraditá-los, se assim o entender e a que o tribunal os possa apreciar no caso de serem submetidos a apreciação judicial.
De resto "... a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, se mostra indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no art.º 442º, nº 1, condição formal de que, também depende a licitude da resolução"[5].
De salientar finalmente que de todo o exposto decorre que não tendo os factos concretos sido indicados pelo trabalhador na comunicação escrita que dirigiu ao empregador, a omissão não poderá ser suprida na petição inicial da ação em que pretenda obter o reconhecimento da justa causa e a condenação do empregador a pagar indemnização, atento o disposto pelo art.º 398.º, n.º 3 do CT
Na falta de cumprimento do ónus de indicação dos factos concretos e do seu contexto temporal, a resolução operada tem de ser considerada ilícita, por incumprimento da condição formal da sua licitude a que se refere o mencionado art.º 395.º do CT, tudo se passando como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa inexistente ou não provada.
Importa, assim, apreciar o conteúdo da carta de comunicação da resolução do contrato, com vista a aferir do cumprimento pela autora do ónus de indicar suficientemente os motivos que conduziram à resolução.
É o seguinte o teor da carta pela qual a autora comunicou à ré à resolução do contrato de trabalho com efeitos imediatos:
«Venho, pela presente, comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho entre nós celebrado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, nas alíneas b) e f) do n.º 2 e na alínea c) do n.º 3, todos do artigo 394.º do Código do Trabalho, com fundamento: i.) na falta do pagamento pontual da retribuição parcial do mês de julho e integral do mês de agosto do corrente ano; ii) na situação de assédio moral culposo, decorrente do procedimento adotado por V.Exas., e que assentou, designadamente, na invocação por V.Exas de uma suposta transmissão do meu contrato de trabalho a terceiros e que reconheceram posteriormente nunca ter ocorrido; iii) em todos os comportamentos adotados por VExa. na sequência de tal invocação, em prejuízo dos meus elementares direitos e garantias legais ou convencionais e, bem assim, iv) na alteração unilateral do horário de trabalho entre nós acordado e que sempre vigorou.»
As duas primeiras disposições legais invocadas pela autora referem-se à violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores (art.º 394.º, n.º 2, al. b) do CT); à ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante (art.º 394.º, n.º 2, al. f) do CT).
No que respeita ao assédio dispõe o art.º 29º do CT que “Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
O assédio moral, é considerado pelo legislador como uma das formas de discriminação, e pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objetivo do empregador afetar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que não tendo sido esse o objetivo, é contudo esse o efeito obtido, afetando a dignidade da pessoa ou criando um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
De acordo com os ensinamentos de Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, pág. 428 a 430, aquilo que caracteriza o “mobbing” é a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes.
Trata-se de comportamentos, que ainda que muitas vezes individualmente considerados se apresentem como irrelevantes e até inseridos no âmbito dos poderes de direção do empregador, na sua globalidade e conjugação e essencialmente pelo seu carácter reiterado num certo período de tempo, transformam um mero conflito pontual e até normal numa relação de trabalho, num verdadeiro assédio moral, com consequências sobre a saúde física ou psíquica do trabalhador.
Analisada a carta de resolução enviada pela autora à ré verifica-se que a autora se limita à afirmação da existência de uma situação de assédio moral culposo, decorrente do procedimento adotado pela ré assente na invocação de uma suposta transmissão do contrato de trabalho a terceiros e que a ré reconheceu posteriormente nunca ter ocorrido.
Ora, atentas as considerações supra, é evidente que a autora não invocou na carta quaisquer factos concreto suscetíveis de se reconduzirem ao invocado assédio moral, sendo manifestamente insuficiente para esse efeito a imputação à ré de que esta invocou uma suposta transmissão do contrato de trabalho e que depois tenha reconhecido que a mesma não se verificou, pois nada foi alegado de que resulte em que medida é que tal situação foi suscetível de pôr em causa a dignidade da autora ou de crir um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Nessa medida, mostra-se inviabilizada a relevância daquela asserção como fundamento para a justa causa de resolução do contrato de trabalho.
A autora alegou ainda na carta de resolução que a ré na sequência da invocação da dita transmissão do contrato de trabalho, terá adotado comportamentos em prejuízo dos elementares direitos e garantias legais ou convencionais da autora.
Contudo, nenhuma referência vem feita nem aos concretos comportamentos adotados pela ré, nem às concretas garantias ou direitos por esta violados, limitando-se a autora a uma alegação vaga, genérica e totalmente desprovida de conteúdo útil.
Mesmo a invocação da alteração unilateral do horário de trabalho acordado e que sempre vigorou, que poderia, na verdade reconduzir-se à violação de um direito/garantia da autora, mostra-se totalmente vazia de conteúdo útil na perspectiva da justa causa de resolução, pois, a mesma não vem sequer temporalmente balizada, o que não permite ao tribunal aferir da tempestividade de tal invocação e da sua efetiva atualidade e, como tal, relevância, no momento em que a autora comunicou a resolução do contrato.
Acresce que, relativamente aos fundamentos em análise, não foi também invocado qualquer facto que permita preencher a cláusula valorativa da justa causa, nomeadamente quanto às eventuais repercussões que tornassem inexigível à autora a manutenção do contrato de trabalho.
Conclui-se, assim, que nenhum dos supracitados motivos invocados pela autora na carta de resolução do contrato, se mostra suficientemente concretizado e como tal, que nesta parte a comunicação da resolução do contrato de trabalho não cumpriu os requisitos de forma a que alude o art.º 395.º do CT.
A recorrente invocou também como fundamento da resolução do contrato a falta de pagamento pontual da retribuição parcial do mês de julho e integral do mês de agosto do ano de 2021.
Apesar de nas suas alegações a recorrente se referir indistintamente à falta culposa e não culposa de pagamento pontual da retribuição, verifica-se, face ao teor da carta pela qual aquela comunicou a resolução do contrato à recorrida que o que foi efetivamente invocado foi a falta de pagamento não culposa, já que esta foi enquadrada na al. a) do n.º 3 do art.º 394.º do CT. e não na al. a) do n.º 2 do mesmo preceito.
A disposição legal invocada pela recorrente prevê que constitui justa causa de resolução do contrato a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. Diversamente das situações previstas pelo n.º 2 do art.º 394.º do CT, aqui trata-se de uma justa causa objetiva, já que independente de culpa do empregador.
Ainda que, a verificar-se tal falta de pagamento, a resolução do contrato nela fundada, não confira ao trabalhador direito a ser indemnizado nos termos do art.º 396.º do CT, não podem, contudo, ser ignorados outros efeitos da licitude da resolução, nomeadamente a inaplicabilidade do disposto pelo art.º 399.º do CT e o acesso ao subsídio de desemprego.
Ora, a falta de pagamento das retribuições invocada pela autora está temporalmente limitada.
Mas, será a alegação suficiente?
A justa causa de resolução, prevista na alínea c) do nº 3 do art.º 394.º, basta-se com uma situação objectiva de mora no pagamento da retribuição e corresponde, por isso, a uma forma de responsabilidade objectiva do empregador, que terá de sujeitar-se a que o trabalhador exerça o seu direito de desvinculação contratual, independentemente de qualquer aviso prévio, sempre que ocorra, ainda que sem culpa sua, o incumprimento do contrato de trabalho no plano remuneratório, o que significa que o legislador – inspirado na ideia da essencialidade dos rendimentos do trabalho para a economia pessoal e familiar dos trabalhadores subordinados[6] – erige o atraso no pagamento das remunerações devidas como uma situação anormal e particularmente grave que, por si só, é demonstrativa da impossibilidade da manutenção da relação laboral.[7]
Tal não significa, contudo, que qualquer falta de pagamento pontual da retribuição possa constituir justa causa para resolução do contrato de trabalho, já que é requisito para que tal aconteça, mesmo nos casos de justa causa objetiva (cfr. art.º 394.º, n.º 4 do CT), que se possa concluir pela impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, que a situação objetivamente configurada torne inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
Impõe-se assim, ao trabalhador que se pretenda desvincular do contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição, mesmo que não culposa, a alegação de factos que permitam, pelo menos caracterizar como grave tal falta de pagamento.
E, se em casos de falta de pagamento culposo da retribuição por mais de 60 dias, em que opera a presunção inilidível prevista pelo art.º 394.º, nº. 5 do CT, poderá não ser exigível a alegação pelo trabalhador de prejuízos ou dificuldades resultantes do não recebimento tempestivo da retribuição, pois o contrato de trabalho não exige subordinação económica, bastando que o incumprimento se possa caraterizar como objetivamente grave (assumindo gravidade bastante que a falta de pagamento se prolongue por 60 dias), nos casos como o dos autos em que foi invocada apenas a falta de pagamento parcial da retribuição do mês de julho e a falta de pagamento da retribuição do mês de agosto, seria imprescindível que a autora tivesse alegado, pelo menos, qual o valor em dívida relativamente ao mês de julho, ou quantos dias de retribuição teriam ficado por pagar, qual a data de vencimento da retribuição e quais as consequências resultantes da falta de pagamento tempestiva, para que se pudesse concluir pela gravidade da situação e consequentemente pela inexigibilidade a manutenção do vínculo[8].
A autora, nada disse a esse respeito na carta pela qual comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho, sendo, pois, insuficiente para caraterizar a justa causa, ainda que objetiva, a mera alegação da falta de pagamento de parte da retribuição de julho e da retribuição de agosto.
Conclui-se, pois, que a autora não cumpriu o formalismo legalmente previsto para a regularidade da resolução do contrato de trabalho, por insuficiência dos factos constantes da carta que enviou à ré, não merecendo censura, nessa parte, a sentença recorrida.
A questão que se coloca agora é de saber se, apesar da irregularidade da resolução, o tribunal a quo podia ter proferido decisão no despacho saneador relativamente a todos os pedidos formulados pela autora, ou se lhe se impunha determinar o prosseguimento do processo para julgamento, com vista à produção de prova.
A recorrente invocou a este respeito a nulidade do despacho saneador-sentença por falta de fundamentos de factos para a decisão de mérito antes da produção de prova em audiência de julgamento, pretendendo a anulação da decisão ao abrigo do disposto pelo art.º 662.º, n.º 2, al. c) do CPC.
Nos termos do disposto pelo art.º 61.º, n.º 2 do CPT, findos os articulados, o tribunal pode desde logo decidir do mérito da causa, se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir.
Assim, à semelhança do que acontece ao abrigo do art.º 595.º, n.º 1, al. b) do CPC, o tribunal pode antecipar a decisão do mérito da causa para momento prévio ao da produção de prova em julgamento, quando, atentas as posições assumidas pelas partes nos articulados e os documentos juntos, não haja quaisquer factos controvertidos, quando seja manifestamente indiferente para qualquer das soluções plausíveis de direito a prova de qualquer facto que esteja controvertido, quando, mesmo que existam factos controvertidos que relevem para outra solução plausível da questão, o juiz esteja suficientemente seguro da sua decisão[9].
Ora, no caso dos autos, uma vez que concluímos pela insuficiência dos factos constantes da carta pela qual a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho, tendo tal formalidade natureza “ad substantiam”, como afirmado supra, importa reiterar que tal insuficiência não pode ser suprida na petição inicial, pelo que, todos os factos alegados pela autora, só na petição inicial, para sustentar a resolução com justa causa são irrelevantes.
A decisão do tribunal relativa à regularidade da comunicação sempre terá de ser feita face ao teor da carta, não relevando para esse efeito outros factos que não os constantes da mesma (cfr. art.º 398.º, n.º 3 do CT).
Nessa medida, o tribunal a quo estava em condições de proferir a decisão logo no despacho saneador, já que, estando assente o teor da carta enviada, para o efeito não era necessário apreciar quaisquer factos que não constassem da mesma.
Pelo mesmo motivo, não se vislumbra que houvesse factos carecidos de prova em momento posterior quanto aos créditos devidos à autora em consequência da cessação do contrato. Na verdade, o contrato de trabalho cessou por iniciativa da recorrente, não deixando tal efeito de se produzir apesar da insubsistência da justa causa invocada. Por outro lado, está assente, por acordo das partes, o valor da retribuição e que a ré pagou à autora o valor constante do recibo de setembro de 2021, constituindo mera decorrência legal da ilicitude da resolução o crédito da ré relativo à indemnização calculada nos termos dos arts. 399.º e 401.º do CT, assente que ficou, também por acordo das partes, que a antiguidade da autora se reportava a momento anterior a 2009.
Nestes termos, o tribunal a quo estava, quanto às suprarreferidas matérias, na posse de todos os elementos necessários à decisão do mérito da causa, logo no despacho saneador, sem que se justificasse o prosseguimento do processo para ulterior produção de prova, o que, no caso, seria absolutamente inútil.
E mesmo que a autora considere agora que, a atuação da ré prévia à resolução do contrato da sua iniciativa, sempre constituiria um despedimento, uma vez que tal questão não foi suscitada, não sendo essa a causa de pedir invocada, nem tendo sido formulado qualquer pedido com base no despedimento ilícito da autora, não se tratado de questão do conhecimento oficioso do tribunal, nunca poderia justificar o prosseguimento do processo para julgamento, por estar bem causa uma questão que o tribunal estava impedido de decidir (art.º 608.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC).
Já quanto ao pedido de condenação da ré a pagar à autora indemnização por danos não patrimoniais, analisada a petição inicial, verifica-se que o mesmo assenta por um lado na ilicitude da atuação da ré que conduziu à resolução do contrato e à perda de emprego pela autora e na ilicitude da atuação da ré e dos seus efeitos na esféria jurídica da autora, independentemente da cessação do contrato.
É certo que a autora invocou uma série de comportamentos da ré que considerou relevantes como fundamento da resolução do contrato e que a alegação de tais comportamentos foi considerada irrelevante para esse efeito e ilícita a resolução, pelo que, na medida em que se funda na resolução do contrato de trabalho por facto imputável à empregadora outra não podia ser a decisão do tribunal senão a da improcedência, logo no despacho saneador do pedido, estando já na posse de todos os elementos necessários para o efeito.
Tal não obsta, contudo, a que os factos alegados na petição inicial para além do teor da carta de resolução, sumariamente elencados no relatório supra, sejam considerados pelo tribunal para apreciação do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento na ilicitude da atuação da ré, nomeadamente no assédio moral, e nos seus efeitos na esfera jurídica da autora, independentemente da cessação do contrato, considerando o disposto pelo art.º 323.º, n.º 1 do CT e nos arts. 29º, nº 4 e 28º, nº 3 do Código do Trabalho, nos exatos termos em que tal pedido sempre poderia ser formulado pela autora contra a ré mesmo na pendência do contrato de trabalho ou caso tivesse sido outra a forma de cessação do contrato.
Dito de outra forma, a eventual ilicitude dos comportamentos adotados pela ré invocados na petição inicial, é em si mesma e por si só, causa de pedir bastante do pedido de indemnização por danos não patrimoniais e, face ao teor da petição inicial, não pode deixar de se considerar invocada pela autora.
Nessa perspectiva, admitindo todas as soluções plausíveis de direito, o tribunal não dispunha ainda de todos os elementos necessários ao conhecimento do pedido de condenação da ré a pagar à autora indemnização por danos não patrimoniais, já que os factos alegados pela autora na petição inicial suscetíveis de se reconduzirem à situação de assédio moral invocada e às consequências sofridas pela autora, estão controvertidos havendo necessidade de sobre eles ser produzida prova.
Por isso, ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al. c) e n.º 3, al. c) do Código de Processo Civil, afigurando-se-nos indispensável, nesta parte, a ampliação da matéria de facto, impõe-se a anulação do despacho saneador-sentença, devendo os autos prosseguir para julgamento, com vista à produção de prova sobre os factos alegados pela autora suscetíveis de configurar assédio moral e suas consequências na esfera jurídica da autora, após o que deverá ser proferida nova decisão sobre o pedido de condenação da ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais.
Importa fazer uma última e breve nota, para esclarecer que, apesar do que decidiu quanto à necessidade de ampliação da matéria de facto, não está em causa qualquer vício da decisão por falta de fundamentação, já que a decisão se mostra fundamentada, não se confundindo o vício constatado com a omissão total de fundamentação única suscetível de violar o disposto pelo art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e o art.º 154.º do CPC e de, enquanto tal, determinar a nulidade da decisão ao abrigo do disposto pelo art.º 615.º, n.º 1, al. b) CPC.
O recurso procede, assim, apenas parcialmente.
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Decisão
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
- anular o despacho saneador-sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da ré a pagar à autora indemnização por danos não patrimoniais fundado no assédio moral, determinando o prosseguimento dos autos para julgamento com vista à produção de prova sobre os factos alegados pela autora suscetíveis de configurar assédio moral e suas consequências na esfera jurídica desta, após o que deverá ser proferida nova decisão sobre o pedido em causa;
- confirmar, no mais, o despacho saneador-sentença.
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As custas serão fixadas a final.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Notifique.
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Lisboa, 10/01/2024
Maria Luzia Carvalho
Alda Martins
Alves Duarte
_______________________________________________________ [1] Acessível em www.dgsi.pt. [2] Idem. [3] Cfr. Ac. STJ de 18/04/2007, acessível em www.dgsi.pt. [4] Acessível em www.dgsi.pt. [5] cfr. Ac. STJ de 24/02/2010, acessível em www.dgsi.pt, ainda que reportando-se ao regime legal anterior, que nesta parte não teve alterações, mantendo, portanto, atualidade as considerações ali expendidas.
No mesmo sentido cfr. o Ac. RL de 29/04/2022, acessível em www.dgsi.pt. [6] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª edição, págs. 425/426. [7] Cfr. Ac. STJ de 3.12.2003, acessível em www.dgsi.pt. [8] Cfr. Ac. STJ de 21/04/2022, acessível em www.dgsi.pt. [9] António Santos Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, pags. 721 e 722.