CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA
PENA MANIFESTAMENTE EXCESSIVA
CONTRATO DE ADESÃO
REDUÇÃO
EQUIDADE
Sumário


I – Nos contratos de adesão, quando se trata de decidir se a cláusula penal é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, nos termos do art. 812.º, do Código Civil. Nisto se traduz o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
II - Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades: função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e; cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.
III – Numa cláusula com função compensatória, isto é, de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento, fixando a medida da redução segundo juízos de equidade.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

EMP01... – INDÚSTRIA TORREFATORA DE CAFÉS, S.A., titular do NIPC ...84, com sede na Rua ..., freguesia ..., ..., veio intentar ação declarativa de condenação contra AA, titular do NIF ...20, e marido BB, ambos residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., peticionando que seja reconhecida a resolução do contrato celebrado entre as partes e, consequentemente, que os réus sejam condenados no pagamento da quantia global de 7.749,31 €, com fundamento em responsabilidade contratual.
Alega, para o efeito, em suma, que celebrou com a ré (casada com o réu) um contrato de fornecimento de café, no âmbito do qual a ré se obrigou a adquirir à autora a quantidade mínima de 432 quilogramas de café. Mais afirma que a ré incumpriu o referido contrato, porquanto não adquiriu a aludida quantidade de café e encerrou, posteriormente, o estabelecimento.

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Devidamente citados, os réus apresentaram contestação, invocando, em suma, que não assiste qualquer razão à autora e que, como tal, a ação devia improceder.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que declarou resolvido o contrato e condenou os réus, solidariamente, no pagamento da quantia de 552,23 € (quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros já vencidos, à taxa comercial, desde a citação, e de juros vincendos, até efetivo e integral pagamento.
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Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1ª. A sentença proferida nos presentes autos não fez uma correta e adequada aplicação da lei, não fez uma correta e adequada aplicação da lei, no que tange nomeadamente ao valor da cláusula penal peticionada, ao abrigo do artigo 812.º do Código Civil.
2ª. Não obstante os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente, que a Recorrida havia sido informada de todas as condições contratuais e consequências advindas do incumprimento contratual (facto n.º 13) o Tribunal a quo considerou como “manifestamente excessiva a cláusula penal acordada no contrato, tendo em conta o diminuto investimento inicial da Autora”.
3ª. Recorrente e Recorrida celebraram o contrato de fornecimento de café em 25 de maio de 2020, no uso da liberdade contratual que legalmente lhes assiste, fixando os termos contratuais conforme resulta daquele documento.
4ª. Recorrente e Recorrida celebraram um cristalino contrato de fornecimento de café, o qual se caracteriza como “um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, (…), de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador, nos termos dos arts. 2º, 13º e 463º, nº 1, do Código Comercial, 410º nº 1, 874º, 1129º e 1154º, do Código Civil” (neste sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/06/2009, proc. n.º 257/09.1YFLSB e o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13/03/2012, proc. n.º 3951/08.0TBVFR.P1, in www.dgsi.pt).
5ª. A compra e venda consubstancia-se, assim, como o negócio jurídico paradigmático dos contratos de alienação, predeterminando um efeito real, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito como corolário do princípio da consensualidade (sistema do título), em efetivação do prescrito nos artigos 408.º/1 e 879.º, al. a), do Código Civil e dois efeitos obrigacionais, adstritos num sinalagma genético e funcional, que se reconduzem à obrigação do vendedor entregar a coisa e à obrigação do comprador pagar o preço, nos termos do art.º 879.º, al. c) do Código Civil (ibidem, p. 21 e seguintes).
6ª. Com o contrato de fornecimento de café em discussão nos autos, as principais obrigações indexadas às partes reconduzem-se a, por um lado, a ora Recorrente vender à Ré, ora Recorrida, as acordadas quantidades mensais de café da marca por si comercializada até atingir a quantidade global convencionada no prazo consignado no contrato e por outro lado, a Ré, aqui Recorrida, comprar-lhe a quantidade mínima mensal de 12 Kg de café torrado da marca ..., lote ..., pelo período de 36 meses, num total de 432 quilogramas, mediante o pagamento do preço fixado.
7ª. O contrato de fornecimento de café n.º ...15 foi incumprido definitivamente.
8ª. O contrato de fornecimento de café n.º ...15 foi resolvido pela Recorrente.
9ª. A resolução, ante o contexto agravado do inadimplemento, se afigura sustentada numa objetiva perda do interesse do credor, à luz quer do parâmetro da inexigibilidade, quer do vertido no contrato como fundamentos resolutivos.
10ª. Numa interpretação teleológica do art.º 802.º/1, do Código Civil, salvo melhor entendimento, infere-se que o direito à indemnização cumulável com a resolução, ao abrigo do princípio da imputação de danos, do princípio do integral ressarcimento dos mesmos e do princípio da justiça comutativa, deve englobar quaisquer lesões que afetem a esfera jurídica do lesado, isto é, danos emergentes do incumprimento, lucros cessantes, despesas, negócios não realizados, abrangendo quer o interesse contratual positivo, quer o interesse contratual negativo.
11ª. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art.º 564.º do CC).
12ª. O fim do dever de indemnizar é imputar ao lesante a prática de atos que restituam, tendencialmente, o lesado ao estado anterior à lesão, satisfazendo as perdas e danos que lhe haja causado, sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes (art.º 566.º, do CC, consagrando a teoria da diferença).
13ª. O credor que resolve o contrato pode legitimamente intentar o ressarcimento de quaisquer danos, os quais podem estar previamente computados numa cláusula penal, ou imputados a um sinal confirmatório.
14ª. Em decorrência do plasmado no art.º 810.º/1, do Código Civil, as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, a título de cláusula penal.
15ª. No âmbito do ponto 3 da cláusula Quarta do contrato de fornecimento de café n.º ...15, o incumprimento dará lugar ao pagamento de uma indemnização fixada em 2/3 do preço unitário do quilograma do café por cada quilo de café não adquirido; à devolução do valor efetivamente despendido pela ora Recorrente na aquisição de materiais publicitários e dos equipamentos caso não sejam recuperados e ainda à entrega imediata dos equipamentos e do material publicitário.
16ª. Destarte, infere-se que a Recorrente titula o direito ao montante de €6.015,06 (seis mil e quinze euros e seis cêntimos), correspondente à indemnização pelos quilos não comprados.
17ª. A cláusula penal é uma cláusula acessória ao contrato que, nos termos do disposto no n.º 2 do referido artigo 810.º está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal e que visa essencialmente estipular antecipadamente, por acordo das partes, o montante da indemnização em caso de incumprimento ou simples mora do devedor, ao mesmo tempo que funciona ou pode funcionar como um instrumento de pressão sobre o devedor, podendo ser fixada com carácter de verdadeira penalidade ou, ao contrário, com o intuito de impor limites à responsabilidade do devedor.
18ª. A cláusula penal integrada no contrato de fornecimento de café n.º ...15 assume natureza de cláusula penal compensatória, uma vez que o acordo das partes visa exclusivamente fixar a indemnização devida pelo incumprimento definitivo.
19ª. Neste propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24-04-2012, disponível in www.dgsi.pt, em que, nomeadamente se conclui: “I- A Cláusula Penal, na sua função de liquidação convencional prévia do dano, é um instrumento de previsão e fixação antecipada, em princípio, invariável, da indemnização a prestar pelo devedor, que ressarcirá o credor do dano resultante de um eventual não cumprimento ou do seu cumprimento inexacto. II- Que dispensa o credor de fazer prova, através de acção judicial competente, da extensão dos prejuízos sofridos, sendo o montante da indemnização aquele que as partes tiveram, previamente, acordado, prevenindo e evitando as dificuldades do cálculo da indemnização e a intervenção do juiz, para esse efeito, dispensando o credor da alegação e a prova do dano concreto. III- O devedor não se encontra obrigado ao ressarcimento do dano que, efectivamente, cause no credor com o incumprimento, mas antes à compensação do prejuízo, negocial e antecipadamente, fixado, através de cláusula penal, sempre que não tenha sido pactuada a indemnização pelo dano excedente.”
20ª. Perfilhamos o entendimento do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15-09-2022, processo n.º 179/20.5T8BJA.E2, disponível em www.dgsi.pt: «Sem embargo, cumpre apreciar se é de proceder à sua redução equitativa, por via do disposto no art.º 812º do Cód. Civil. Dispõe o nº1 daquela norma que: “A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.” Conquanto constitua um “poderoso meio de pressão”, pode conduzir a abusos e iniquidades. Com vista a evitar penas abusivas, consagrou-se no citado art.º812º o poder judicial de redução das cláusulas penais.
Porém, como decorre de tal normativo não basta para a redução da cláusula penal que ela seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. Cumpre, assim, indagar se a cláusula penal em apreço deve, ou não, ser reduzida e, em caso afirmativo, em que medida. (…) - Se o contrato tivesse sido integralmente cumprido teriam sido adquiridos mais 1036 quilos de café (num valor aproximado de 26.936,00 €) Não podemos deixar de concluir que o montante peticionado - € 9.510,48 - não é manifestamente excessivo.»
21ª. In casu, a cláusula penal estabelecida contratualmente prevê uma redução de 33% do valor máximo a adquirir, num montante calculado em €6.015,06 (seis mil e quinze euros e seis cêntimos), ao invés da totalidade que decorreria do cumprimento contratual, que se calcularia em cerca de €9.024,00 (nove mil e vinte e quatro euros) não se revela manifestamente excessiva.
22ª. A redução para o montante de €552,33 (quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e três cêntimos) esvazia o fim da cláusula, como pena que visa sancionar o incumprimento e que para cumprir o seu fim deve ser superior ao valor do incumprimento puro e simples.
23ª. Fixando-se um valor diminuto, a cláusula não tem qualquer função coercitiva ou compulsória, não sendo, claramente, dissuasora do incumprimento.
24ª. O Tribunal a quo não demostrou de forma cabal a manifesta excessividade da cláusula penal, reduzindo o valor da indemnização devida à Recorrente para cerca de 7% do seu valor inicial, referindo apenas que essa redução tem a ver com o facto de o investimento no estabelecimento ter sido feito ao anterior explorador do estabelecimento, CC e que a Recorrida aceitou dar continuidade ao contrato daquele com a aquisição dos 432 quilos de café.
25ª. A Recorrida criou na Recorrente a expectativa de uma relação comercial duradoura, por um período de trinta e seis meses, tendo, contudo, e sem mais, encerrado o seu negócio, sem qualquer comunicação prévia.
26ª. A cláusula Quarta do contrato prevê somente o pagamento de parte do valor do preço unitário do café e não da sua totalidade, pelo que não confere à Recorrente o direito a receber na íntegra o valor das prestações contratuais devidas pelo cliente até ao fim do prazo estipulado para a duração normal do contrato, situação essa que poderíamos considerar que excederia, objetivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato.
27ª. A sentença de que ora se recorre violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 405.º, 810.º e 812.º do Código Civil.
Pugna a recorrente pela integral procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por acórdão que condene os recorridos em todos os pedidos formulados.
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Foram apresentadas contra-alegações defendendo os recorridos a improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é a de saber se a cláusula penal não deve ser reduzida por não ser manifestamente excessiva.
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III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como assentes na primeira instância os seguintes factos:
factos:
1) O imóvel tomado de arrendamento pela ré a DD em 1 de maio de 2020, sito na loja comercial correspondente à letra ... do edifício conhecido por ... em ..., estava equipado com todas as máquinas e, designadamente com os seguintes equipamentos:
- Uma máquina de café;
- Dois moinhos de café;
- Uma máquina de lavar chávenas;
- Material publicitário;
- Dois toldos;
- Sete cortinas de rolo;
- Um luminoso.
2) Quem fez a cedência do negócio à ré foi CC, anterior inquilino e proprietário do estabelecimento comercial.
3) Foi acordado pela autora e pelo referido CC, em 20/03/2018, a aquisição por este de 720 quilos de café, durante 30 meses, marca ..., lote ....
4) Quando o referido CC cedeu a exploração do estabelecimento à ora ré AA ficou acordado que esta cessionária iria dar continuidade às compras de café à aqui autora.
5) A autora usufruiria também do equipamento, propriedade da autora, que já se encontrava colocado no estabelecimento, no âmbito do contrato celebrado com CC e, igualmente, de todo o material publicitário que foi colocado pela A. no ponto de venda.
6) No âmbito de um contrato de fornecimento celebrado entre CC e a autora, que incluía a obrigatoriedade de compra de certas quantidades de café, foram fornecidos a este os materiais a que se alude em 1).
7) A ré é comerciante e possuiu e explorou um estabelecimento comercial denominado “EMP02...”, sito na Rua ..., Edifício ..., ..., em ....
8) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à produção, torrefação, comercialização, distribuição e venda de cafés, bem como a atividades conexas.
9) Quando a ré AA passou a explorar o estabelecimento reuniu com o comercial da Autora, EE, tendo este funcionário efetivamente discutido e acordado com a Ré, entre outros aspetos, o prazo do contrato, a obrigação de aquisição dos produtos da Autora em regime de exclusividade, a marca e o lote de café a contratar, as quantidades mensais e global de café a serem adquiridas pela ré, os equipamentos e material publicitário cedidos por aquela, assim como, quanto às consequências do seu eventual incumprimento.
10) Acordaram as partes, entre outros aspetos, a quantidade e o lote de café – 432 quilos e lote ..., da marca ... – que a Ré teria que adquirir na vigência do contrato, obrigando-se a adquirir mensalmente 12 quilos de café.
11) Não obstante a redação do contrato ser da autoria da autora, o teor das várias cláusulas que o compõem resultou das negociações previamente levadas a cabo pelas partes, que, posteriormente o assinaram.
12) No exercício das suas atividades, a autora e a ré celebraram, em 25 de maio de 2020, o acordo de fornecimento n.º ...15 para fornecimento de café para o referido estabelecimento comercial.
13) As cláusulas do contrato foram devidamente comunicadas à Ré pelo referido comercial da Autora.
14) Pelo referido contrato, a autora obrigou-se a fornecer à ré, diretamente ou através dos seus distribuidores, café torrado, marca ..., lote ....
15) Por seu turno, a ré obrigou-se a adquirir mensalmente à autora a quantidade mínima mensal de 12 Kg de café torrado da marca ..., lote ..., ininterruptamente, até perfazer a quantidade global de 432 Kg.
16) Ficou estipulado entre a autora e a ré que as recíprocas obrigações contratuais vigorariam durante 36 meses.
17) Mais se obrigou a ré ao consumo exclusivo de marcas de café comercializadas pela autora.
18) Assumindo a ré a qualidade de fiel depositária do referido material publicitário e mobiliário, até ao final do contrato.
19) A ré comprou, na grande maioria dos meses, os 12 quilos de café acordados com a autora.
20) A ré adquiriu apenas à autora, no total, 150 quilos de café.
21) A última aquisição de café por parte da ré ocorreu em dezembro de 2021, numa altura em que as atividades comerciais já se encontravam em pleno funcionamento sem qualquer restrição.
22) A ré encerrou o estabelecimento comercial objeto do contrato, não tendo logrado apresentar alternativas para a continuidade do contrato celebrado.
23) Quando a ré encerrou o estabelecimento, contactou o comercial da autora, EE, informando-o que queria “passar a casa” e que pretendia saber quais os valores da rescisão do contrato.
24) A autora procedeu à resolução do contrato com a ré, o que fez através do envio de carta registada com aviso de receção datada de 29 de junho de 2022, remetida para a morada da ré constante do contrato.
25) Acordaram a autora e a ré que, em caso de resolução do contrato por incumprimento imputável à ré, esta se obriga ao pagamento à autora de uma indemnização correspondente a 2/3 do preço unitário do quilograma de café constante da Tabela de Preços em vigor à data do incumprimento, por cada quilo de café não adquirido.
26) O preço do quilo de café constante da Tabela de Preços em vigor à data do incumprimento era de €21,33.
27) Obrigou-se ainda a ré, em caso de incumprimento do contrato, ao pagamento de uma indemnização correspondente ao montante efetivamente despendido pela autora com a aquisição do material publicitário cedido por esta aquando da celebração do contrato e colocado no estabelecimento comercial, o qual apresenta o valor de €1.409,96.
28) A ré AA e o réu BB são casados entre si, sob o regime da comunhão de adquiridos desde 13 de agosto de 2014.
29) Os réus vivem em comunhão de mesa e habitação, auxiliam-se mutuamente e contribuem para os encargos da vida familiar com os proveitos das suas atividades profissionais.
30) A ré celebrou o contrato em apreço nestes autos na constância do matrimónio e no exercício da sua atividade de comerciante.
31) Os proventos decorrentes do exercício da atividade comercial da ré, designadamente os decorrentes da celebração do presente contrato, integraram o património comum do casal.
32) A situação pandémica afetou toda a população e praticamente a totalidade dos ramos de atividade, incluindo o da autora, da torrefação e venda de café.
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3.1.2. Factos Não Provados

Ao invés, a primeira instância considerou como não provados os seguintes factos:

a) Como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda dos produtos da autora, em regime de exclusividade, contratualmente assumidas pela ré, aquela colocou no seu estabelecimento comercial o seguinte equipamento e material publicitário e mobiliário:

I- Equipamentos:
a) Uma máquina de café;
b) Dois moinhos de café;
c) Uma máquina de lavar chávenas.

II- Material Publicitário:
a) Dois toldos;
b) Sete cortinas de rolo;
c) Um luminoso.
b) A autora alertou sucessivamente a ré, através do departamento comercial que se deslocava ao estabelecimento, advertindo-a da necessidade de aumentar os consumos.
c) Quando da celebração de contrato entre a ré e CC, este não avisou nem informou aquela da existência de tal contrato, nem das obrigações dele decorrente.
d) No dia 25 de maio de 2020, apareceu no estabelecimento comercial um representante da autora, cujo nome se desconhece que enganou a ré, convencendo-a a assinar um contrato por meio do qual esta se responsabilizava apenas por ser fiel depositária dos bens descritos em 1) que haviam sido fornecidos a CC.
e) A ré ingenuamente assinou de cruz por ter confiado na palavra do representante da autora, assinatura feita com pleno desconhecimento das cláusulas do contrato.
f) O representante da autora disse à ré que esta não precisava de ler o contrato, só de o assinar.
g) Nunca a autora avisou a ré para as consequências do contrato que assinou.
h) A situação que se abateu sobre o comércio, a maior parte do tempo encerrado pelos efeitos da Covid 19, levou a que a Ré não fizesse negócio que lhe permitisse sequer pagar a renda do estabelecimento comercial, pelo que a mesma se viu obrigada a encerrar o seu estabelecimento comercial.
i) O contrato celebrado entre a A. e a R. foi feito em letra de tamanho pequeno e de difícil leitura.
j) Atentas as suas características, os dois toldos, sete cortinas de rolo e o luminoso não podem ser colocados em qualquer outro estabelecimento.
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3.2. O Direito
3.2.1. Natureza da cláusula penal e o controlo judicial de penas manifestamente excessivas

A questão jurídica que importa apreciar, única colocada no recurso, é a de saber se a cláusula penal inserta no contrato deve ou não ser reduzida, o que nos conduz para a natureza da cláusula penal e o controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
Entre as partes foi celebrado um contrato de fornecimento de café que face às suas características próprias tem sido definido como um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e de compra e venda, em exclusividade em relação ao comprador, nos termos dos arts. 2º, 13º e 463º, nº 1, do Código Comercial, 410º nº 1, 874º, 1129º e 1154º, do Código Civil[i].
Desse contrato ficou a constar que, em caso de incumprimento por parte da compradora, seria por esta devido à vendedora o pagamento de uma indemnização.
Essa indemnização foi fixada em dois terços do preço unitário do quilograma de café constante da tabela de preços em vigor à data do incumprimento, por cada quilograma de café não adquirido.
A compradora (recorrida) não cumpriu a obrigação a que se encontrava adstrita.
O incumprimento conferia, nos termos convencionados, o direito à contraparte de resolver o contrato e reclamar o pagamento da indemnização.
No caso, face aos factos apurados, a recorrente teria direito a ser indemnizada no valor de 2/3 de 32,00 euros, i.e, 21,33 euros, por cada quilograma de café não adquirido, de que resulta, pelos 282 quilogramas que a ré se obrigou a comprar, o valor global de 6.016,00 euros.
Considerou a decisão recorrida que o valor fixado a título de cláusula penal era manifestamente excessivo e que, portanto, o montante da indemnização deveria ser equitativamente reduzido.

Apresentou-se a seguinte fundamentação:
«Ora, volvendo ao caso dos autos, e a fim de se apreciar se, realmente, a cláusula penal indicada no contrato é manifestamente excessiva, cumpre ter em devida conta que ficou demonstrado que o contrato assinado pela R. implicou que a mesma tenha ficado obrigada a consumir os quilogramas de café que a pessoa que anteriormente explorava o café (testemunha CC) não consumiu.
Assim, atentando-se no número de quilogramas de café que CC se obrigou a adquirir, resulta do contrato celebrado entre este e a A. que o mesmo teria que adquirir à A. 720 quilogramas de café.
Ficou ainda demonstrado que o único investimento efetivo da A. no negócio de CC, ao qual a A. sucedeu, foi correspondente aos toldos e reclamos, no valor de 1.409,96 euros. 
No negócio da R. propriamente dito, a A. nada investiu, visto que a A. ficou com todo o equipamento (usado) de CC.
Porém, tendo a R. sucedido no remanescente da obrigação de CC, não pode a A. deixar de receber, por parte, conjuntamente, de CC e da R., na execução dos respetivos contratos, do valor que investiu naqueles artigos que adquiriu e com os quais equipou o estabelecimento comercial que a R. explorou.
Concretamente, do número total de quilogramas acordado com CC, ficaram apenas por adquirir 282 quilogramas.
Ora, dividindo o montante do efetivo investimento inicial da A. no estabelecimento pelos 720 quilogramas de café, daí resulta que a mesma obteria, em cada quilograma de café, aproximadamente 1,96 euros para se ver ressarcida deste seu investimento.
Assim, faltando agora adquirir 282 quilogramas de café para cumprimento integral do contrato, incumbiria à R. o pagamento de 552,23 euros e não do montante de 7.425,96 euros, globalmente acordado a título de cláusula penal, que corresponde a cerca de cinco vezes mais o valor do efetivo investimento da A. no espaço comercial que a R. explorou.
Conclui-se, portanto, que neste caso, é manifestamente excessiva a cláusula penal acordada no contrato, tendo em conta o diminuto investimento inicial da Autora, o que redundaria, aliás, num enriquecimento ilícito da A. à custa da R., na medida em que a A. manteve na sua posse (em condições de proceder à sua venda a terceiros) os quilogramas de café que pretendia vender à R., mas pretende exigir da mesma o pagamento de um montante que excede, em medida superior a cinco vezes, o montante do seu investimento inicial no estabelecimento comercial, sob a gerência de CC, do qual não foi ainda ressarcida.
Deste modo, impõe-se, ao abrigo do preceituado no artigo 812.º do Código Civil, reduzir equitativamente o valor da referida cláusula penal, fixando-a no referido montante de 552,23 euros, correspondente ao remanescente do investimento da Autora».
É quanto a esta redução que se insurge a recorrente.
Vejamos se com razão.
No caso concreto, as partes acordaram que, em caso de resolução do contrato por incumprimento imputável à ré, esta se obrigava ao pagamento à autora de uma indemnização correspondente a 2/3 do preço unitário do quilograma de café constante da Tabela de Preços em vigor à data do incumprimento, por cada quilo de café não adquirido.
Qual a natureza desta cláusula no contexto do acordo celebrado?
Estamos perante um problema de interpretação de uma declaração negocial, aferida pelas regras dos arts. 236.º a 238.º do Código Civil, onde se consagra o princípio da impressão do destinatário.
Na interpretação dos contratos prevalecerá a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Nos negócios formais, optou-se por uma orientação objetiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.
Pois bem, à luz destes princípios, o sentido apreendido por um declaratário normal, aferido pelo próprio texto, é o de que a fixação daquela cláusula penal teve por finalidade compensar o credor pelo incumprimento do devedor.

Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades[ii]:

1) Cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor;
2) Cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e;
3) Cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.

Dispõe o art. 810.º, nº1, do Código Civil que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
Esclarece Pinto Monteiro que “a cláusula penal não passa, perante a lei, de uma indemnização invariável previamente acordada entre as partes (art. 810.º, nº 1), o que não obsta, todavia, a que estas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.º), possam estipular espécies diferentes, com função compulsória e, até, exclusivamente compulsória. 
As partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, nisto se traduzindo o princípio da liberdade contratual expresso no art. 405.º do Código Civil, e que constitui o corolário da autonomia da vontade.
Todavia, como refere Maria Raquel Guimarães, a composição espontânea ou paritária dos interesses a que se referia Orlando de Carvalho (Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pp. 16 ss., 90 ss., 227 ss.), privilegiada, como regra, no direito privado, aparece-nos nestes domínios temperada por interferências de natureza heterónoma, no sentido de reequilibrar a autonomia da vontade com princípios de justiça contratual, quer a montante, através dos órgãos legiferantes, estabelecendo regras de natureza imperativa que se impõem aos contraentes, quer a jusante, mediante a intervenção correctora dos tribunais perante textos contratuais iníquos ou excessivamente desequilibrados[iii].
Ora, a cláusula penal (sobretudo a punitiva ou compensatória) tem por finalidade proteger a esfera jurídica do credor, daí que não se possa assumir, sem mais, uma absolutividade no exercício da autonomia privada, para que não baste a simples invocação do pacta sunt servanda, e todo e qualquer contrato e cláusula contratual passariam imunes ao controle jurisdicional.
A este propósito refere Pinto Monteiro que “um problema clássico da cláusula penal, que de há muito suscita a preocupação de todos: o de ela ser utilizada abusivamente pelo credor. Repare-se como este problema está, ele próprio, ligado a uma 'melodia de sempre', ou seja, ao problema da delimitação da autonomia privada, ao problema dos limites a opor ao princípio da liberdade contratual. Na verdade, a cláusula penal nasce do acordo das partes, é fruto do poder de autodeterminação do homem e da livre composição dos interesses dos contraentes. Mas é sabido que a ordem jurídica vem impondo limites vários à liberdade contratual, seja para tutela do contraente débil, seja por razões de justiça material e de solidariedade social. A consagração do princípio da boa-fé (em sentido objectivo), os limites da ordem pública e dos bons costumes e a proibição de negócios usurários, são, entre muitos outros, exemplos significativos desta atitude legislativa, que acaba por traduzir, afinal, a introdução de limites à liberdade contratual para defesa da própria liberdade contratual, no que ela tem de mecanismo de realização da autonomia e liberdade do homem, de autêntico mecanismo ao serviço da personalidade humana - e não como mecanismo de abuso e desvirtuamento da liberdade contratual e do princípio da autonomia privada (…)[iv].
Por outro lado, podendo não estar em causa a liberdade de estipulação de cláusulas contratuais sequer a validade da cláusula penal contratualizada, poderá exigir-se um controle a jusante relativamente aos abusos ou excessos que possam ocorrer quanto às consequências da sua ativação.
Quando assim seja, impõe-se a sua correção por aplicação do art. 812.º do Código Civil que consagra “um princípio de alcance geral destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações[v].
A função corretora do preceito legal parte do princípio de que a cláusula penal foi validamente estipulada e o incumprimento do contrato é imputável ao devedor. De outro modo, a cláusula será nula - se estivermos no âmbito de um contrato de adesão por aplicação do art. 19º, al. c) e 12.º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro-, e se o devedor provar que não teve culpa fica afastado o direito do credor à pena[vi].
É no campo dos contratos de adesão que se coloca a questão do duplo controlo da cláusula penal: um primeiro momento aferidor da sua validade mediante um juízo abstrato de proporcionalidade, um segundo, para verificar, já em concreto, se a pena é manifestamente excessiva.
Logo, a circunstância de ser a cláusula penal válida, num juízo abstrato de proporcionalidade, não significa que não possa a pena vir a ser reduzida, por aplicação do disposto no art. 812.º, se ela vier a revelar-se “manifestamente excessiva”, em concreto.
O juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não relativamente ao momento em que ela foi estipulada - aí valerá um juízo abstrato sobre a desproporção da pena -, mas ao ter de cumprir-se. E, neste segundo momento, não é o dano previsível que conta, antes o prejuízo efetivo.
Vale por dizer que quando se trata de decidir se a cláusula penal em contratos de adesão é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19.º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, (art. 812.º, do Código Civil).
Nisto se traduz o chamado duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
A propósito deste controlo dúplice e dos termos de aplicação das duas normas de fiscalização, esclarece Pinto Monteiro que “estas normas têm diferentes campos de aplicação: o art. 812º aplica-se a penas incluídas em contratos negociados, ao passo que o referido art. 19º, al. c), trata de penas incluídas em contratos de adesão, sob o regime jurídico do Decreto-Lei nº 446/85. E consagram, também, diferentes critérios: o art. 812º faz depender a intervenção do tribunal do pressuposto de serem penas “manifestamente excessivas”, enquanto que nos contratos de adesão o critério legal é o de as penas serem “desproporcionadas aos danos a ressarcir”.  Finalmente, também a sanção não é a mesma: o art. 812º prevê a redução equitativa das penas; o Decreto-Lei nº 446/85, por sua vez, determina a nulidade dessas cláusulas, por força da conjugação dos seus arts. 12º e 19º”.[vii] Todavia, alerta o autor para o chamado duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão. Nestes contextos, as penas estão sujeitas não só ao controlo estabelecido no art. 19.º, al. c), do Decreto-Lei nº 446/85, mas também ao controlo previsto no art. 812.º do Código Civil. E conclui o autor que “o art. 812.º tem, assim, um vasto campo de aplicação, uma vez que abrange não só cláusulas penais incluídas em contratos negociados como, ainda, cláusulas penais que façam parte de contratos de adesão desde que, neste último caso, elas escapem ao controlo prévio exercido através do art. 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, por se decidir que, em abstracto e segundo o “quadro negocial padronizado”, elas não são desproporcionadas aos danos a ressarcir. Haverá então que ponderar se, em concreto, nos termos referidos, não serão tais penas “manifestamente excessivas” e, portanto, susceptíveis de serem reduzidas, ao abrigo do disposto no art. 812º. Aqui está, por conseguinte, o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão”[viii]
Não estando em causa, como não está, a validade da cláusula penal, a apreciação recai sobre o critério que deve presidir ao juízo de excessividade manifesta da pena.
Não basta que a pena venha a revelar-se superior ao dano para que ela possa ser reduzida. Se assim fosse, anular-se-ia a principal característica da cláusula penal, que é a sua natureza invariável[ix].
Em anotação ao artigo 812.º Ana Filipa Morais Antunes, seguindo o ensinamento de Sousa Ribeiro, escreve que “O excesso manifesto reclamado pelo legislador tem de ser apurado à luz do momento do cumprimento do clausulado; numa palavra, pressupõe-se analisar «o se e o quantum do dano efectivamente verificado», em termos em que «só um manifesto excesso da pena em relação a esse valor justifica a redução equitativa (…). Por conseguinte, o tipo de análise que se impõe é, antes de mais, uma «valoração ex post», direcionada a esclarecer os efeitos da convenção na concreta situação a que se vai aplicar[x].
Com efeito, a própria fórmula gramatical do normativo - pena “manifestamente excessiva” - mostra que não bastará a sua mera superioridade, maior ou menor, em face do dano efetivo, para legitimar, de per se, a redução, antes terá o tribunal de ponderar outro tipo de fatores, entre os quais alguns que revestem uma índole subjetiva, para saber se, e em que medida, a pena constitui um excesso e traduz um exercício abusivo, pelo credor, do direito à pena[xi].
A lei faz depender a redução, quer de requisitos de ordem objetiva, quer de fatores de ordem subjetiva.
O primeiro fator, de cariz objetivo, a considerar é a diferença entre o valor do prejuízo efetivo e o montante da pena[xii].
Para o efeito, o tribunal deverá atender à finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, para averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes.
Sendo ela estipulada a título indemnizatório, a sua índole de liquidação forfaitaire justifica que pequenas variações não deem lugar à redução; sendo acordada como sanção compulsória, a eficácia da mesma pressupõe, igualmente, que só em casos de evidente e flagrante desproporção haja lugar a um controlo judicial[xiii].
Donde, não poderá ser estabelecido um critério de natureza quantitativa, pois que perante a superioridade de determinada pena só poderá concluir-se pelo seu carácter manifestamente excessivo quando fatores que regem o juízo de equidade o imponham, como a gravidade da infração, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal[xiv].
Como se decidiu no acórdão do STJ de 03/11/2015[xv], a referência à equidade implica uma valoração global, em que se reveste de particular importância o interesse do credor no cumprimento, ainda que este não seja o critério exclusivo. Concretizando-se que podendo as cláusulas penais ter diferente natureza, a redução da pena pode ser exercida em relação a todas elas, mas não exactamente nos mesmos termos. Com efeito, nas cláusulas de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento. Mas nas cláusulas com natureza compulsória é natural que exista um desvio entre o seu montante e o dano real, importando que o mecanismo da redução da cláusula não acabe por esvaziá-la.
Sendo a cláusula penal a estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir pontualmente a obrigação[xvi], nas cláusulas penais compensatórias, também denominadas de indemnizatórias visa-se liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro.
Ora, no caso, é manifestamente excessiva a cláusula penal inserta no contrato, na medida em que corresponde a dois terços do valor total da mercadoria que não foi vendida e que a recorrente manteve na sua posse em condições de proceder à sua venda a terceiros. Correspondendo a 9.024,00 € (nove mil e vinte e quatro euros) o valor total que decorreria do cumprimento do contrato, revela-se manifestamente excessivo o valor de 6.015,06 € (seis mil e quinze euros e seis cêntimos), resultante da aplicação da cláusula penal.
Ademais, como se evidenciou na sentença recorrida, o montante exigido excede, em medida superior a cinco vezes, o montante do investimento inicial no estabelecimento comercial.
Todavia, discordamos do valor da redução a que se procedeu na sentença, por também ele manifestamente excessivo.
A redução para o montante de 552,33 € (quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e três cêntimos) esvazia o fim da cláusula, mesmo sendo esta de cariz compensatório.
Uma tal redução aferida pelo valor matemático do incumprimento, situa a cláusula penal nos parâmetros do dano efetivo, o que lhe retira a sua finalidade de fixada a forfait, e sem obediência aos critérios que devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade.
Deste modo, ao abrigo do preceituado no art. 812.º do Código Civil, reduz-se equitativamente o valor da referida cláusula penal (para ¼ do valor total), fixando-a no montante 2256,00 € (dois mil duzentos e cinquenta e seis euros).
Procede, assim, parcialmente a apelação.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I – Nos contratos de adesão, quando se trata de decidir se a cláusula penal é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, nos termos do art. 812.º, do Código Civil. Nisto se traduz o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
II - Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades: função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e; cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.
III – Numa cláusula com função compensatória, isto é, de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento, fixando a medida da redução segundo juízos de equidade.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, nesta parte revogando a sentença, e assim condenando os réus solidariamente no pagamento à autora da quantia de 2256,00 € (dois mil duzentos e cinquenta e seis euros), acrescida de juros, à taxa comercial, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas por recorrente e recorridos na proporção do decaimento.
Guimarães, 19 de Dezembro de 2023

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira



[i] Neste sentido, acórdão do STJ de 04/06/2009, proferido no proc. n.º 257/09.1YFLSB.S1, Relator Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt.
[ii] Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2011, disponível em www.dgsi.pt. e Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária.
[iii] Revista Electrónica de Direito, ANO 2015 N.º 1, Editorial sobre “Autonomia e heteronomia na contratação privada, a propósito de jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça”.
[iv] In Cláusula penal e comportamento abusivo do credor, Revista Brasileira de Direito Comparado, vol. 25, 2004, pág. 113/114.
[v] Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 495.
[vi] Neste sentido, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pag. 683/684.
[vii] In O duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão — Diálogos com a jurisprudência”, Conferência proferida no Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de Maio de 2017, no II Colóquio sobre o Código Civil – Comemorações do Cinquentenário. 
[viii] Ob. cit., pág. 17.
[ix] Pinto Monteiro, ob. cit. pág. 18.
[x] In Código Civil Anotado, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, pag. 1174.
[xi] Pinto Monteiro, idem, ibidem.
[xii] Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 274.
[xiii] Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pág. 741.
[xiv] Idem pág. 743 e 744.
[xv] Proferido no proc. n.º 266/14.9TBPRD-A.P1.S1, Relator: Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
[xvi] Neste sentido, Vaz Serra, in “Pena Convencional”, BMJ, nº. 67, pág. 240.