DIREITO DE PREFERÊNCIA
ARRENDAMENTO
RETRATAÇÃO DO PROPONENTE
Sumário

I - No âmbito do exercício do direito de preferência do arrendatário, no caso de venda do arrendado, é admissível a retratação do proponente, ficando desprovida de qualquer efeito a comunicação para preferência, no caso de a retratação ser levada ao conhecimento do preferente antes de se ter tornado eficaz a própria comunicação do projecto de venda.
II - Uma tal situação ocorre quando, antes de recebida a comunicação para preferência remetida pelo obrigado à preferência/senhorio por carta registada com A/R, este faz saber ao preferente/inquilino que o negócio descrito se não realizará, pois que um novo projecto de negócio se formou, o qual lhe será comunicado sucessivamente.
III - Nestas circunstâncias, nenhum efeito tem a declaração do preferente nos termos da qual comunica ao obrigado/senhorio aceitar o negócio com o conteúdo inicialmente desenhado, que sabia já ter sido superado.

Texto Integral

Proc. nº 64/20.0T8BAO.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Competência Genérica de Baião

REL. N.º 813
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Ana Lucinda Cabral

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
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AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra BB e contra CC, pedindo que:
1) seja declarado que assiste à autora o direito de preferência na venda do prédio versado no art.1.º desta petição;
2) sejam condenadas as rés a reconhecerem-no;
3) seja condenada a adquirente a ver-se substituída pela autora na versada venda, com as legais consequências;
4) seja condenada a primeira ré no pagamento de uma indemnização à autora no valor de € 8.100,00 e ainda no pagamento do valor das rendas que forem pagas pela autora à 2.º ré.
Sustentando a sua pretensão, alegou que, desde 1 de dezembro de 2012 mantém com a 1ª ré um contrato de arrendamento de uma fracção de um imóvel, onde exerce a sua actividade de florista; que a 15.10.2019 a ré lhe propôs a autora a venda da fracção pelo preço de 25.000,00€, pois que se o não quisesse venderia a fracção a outrem, tudo em termos descritos na petição. Descreveu que, na sequência dessa comunicação, no dia 17.10.2019 respondeu à primeira ré que pretendia exercer o seu direito de preferência pelo que entregaria 5.000,00€ com a assinatura de um contrato-promessa e os restantes 20.000,00€ na data da escritura, a ter lugar até 31/10/2019, como pretendido pela vendedora. Porém, no dia 18.10.2019 recebeu nova carta, intitulada rectificação, segundo a qual se alteravam os termos propostos e já aceites, passando o preço da compra para 30 mil euros. Afirma não ter respondido, após o que a 1.ª ré a veio informar de que a fracção de que era arrendatária tinha passado a ser propriedade da 2.ª ré.
Pretende, assim, que lhe seja reconhecido o direito a adquirir a fracção para si.
Além disso, admitindo ter de pagar 30.000,00€ para ocupar a posição da 2ª ré no mesmo contrato, pretende que a 1ª ré a indemnize pelo valor da diferença para com a proposta que aceitara, de 5.000,00€, bem como pelo valor da escritura, registos e impostos, que calcula em 2.500,00€. Mais pede que a mesma ré seja condenada a reembolsá-la das rendas que vem pagando à 2ª ré, à razão de 200,00e por mês. Tudo a acrescer com juros legais.
A 1ª ré contestou. Impugnou a pretensão da autora afirmando que, depois de vários contactos, em que a autora começou por oferecer apenas 20.000,00€, apenas acabou a comunicar que aceitaria o preço de 25.000,00€, mas na condição de ser a própria vendedora a suportar os custos de escritura, impostos e registo. Não correspondendo isso à aceitação da sua proposta, acabou por acordar com a 2ª ré, entretanto, a venda pelo preço de 30.000,00€. Comunicou essa alteração à autora, a qual lhe respondeu que, por esse preço, não estava interessada em exercer o direito de preferência. Concluiu pela improcedência da acção e qualificou a actuação da autora como litigância de má fé.
A 2ª ré também contestou. Invocou a sua ilegitimidade, por ter sido demandada sem o seu marido (o que veio a ser superado por via de um incidente de intervenção principal provocada, fazendo vir aos autos o referido marido, DD). No mais, referir desconhecer a interacção entre a autora e a 1ª ré e descrevendo as circunstâncias do negócio feito consigo. Arguiu a caducidade do direito da autora e, em reconvenção, no caso de procedência da acção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe o valor de despesas que teve com o contrato, num total de 2.840,00€, a acrescer com juros.
O chamado DD veio também contestar, arguindo a caducidade do direito da autora, por não ter sido demandado no prazo de seis meses. No mais, aderiu ao articulado da 2ª ré, incluindo quanto ao pedido reconvencional.
A Ré BB apresentou contestação escrita onde começa por invocar a litigância de má fé.
A autora ofereceu réplica.
O processo foi saneado, indicado o objecto do litígio e seleccionados os temas de prova.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela improcedência da acção.
É desta sentença que vem interposto o presente recurso, que a autora terminou formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença, proferida no passado dia 27/01/2023, nos presentes autos, a qual declarou improcedentes os pedidos apresentados pela Autora, aqui recorrente, nos presentes autos, por ter entendido que não lhe assistia o direito de preferência, na venda do prédio melhor identificado no artigo 1º da Petição Inicial, pelo que e consequentemente absolveu as Rés, BB e CC, daqueles pedidos.
2. Todavia, salvo o devido respeito, que é muito e que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo nos merece, a aqui recorrente não se conforma com tal douta decisão, pelo que procurará demonstrar que a declaração de improcedência dos pedidos por si apresentados e consequente absolvição das Rés dos pedidos, não têm qualquer razão de ser pelas razões e fundamentos que se irão expor infra.
3. O primeiro deles, na análise da Autora, aqui recorrente, consiste em que, na douta sentença/recorrida, foram dados como provados factos que deveriam ter sido dados como não provados, nomeadamente os constantes dos artigos com os n.ºs 23º, 24º, 27º e 29º, da matéria de facto dada como provada, na medida em que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova.
4. O segundo, consiste no facto de não ser possível, da concatenação e análise dos vários elementos probatórios coligidos nos autos, ao Tribunal a quo ter dado como provados aqueles factos, como deu, atentas as contradições e incongruências entre os vários meios de prova.
5. O terceiro aspeto, consiste no simples facto de que a doutrina e a jurisprudência maioritária, no nosso ordenamento jurídico, considerarem que no caso de exercício do direito de preferência do arrendatário, em caso de venda do local arrendado, como é o caso dos presentes autos, a construção normativa que melhor acolhe e defende o direito do preferente é aquela que configura a notificação do obrigado à preferência como uma verdadeira proposta contratual, a qual, desde que contenha todos os elementos necessários à tomada de decisão do preferente, uma vez aceite se torna vinculativa.
§ Questão Prévia.
6. Por Carta registada, com aviso de receção, datada de 11 de outubro de 2019, a 1.ª Ré comunicou à Autora, quais as condições da venda, da fração que esta é arrendatária, melhor id. nos autos, nomeadamente qual o preço total da venda, in casu de 25.000,00€, quais as condições de pagamento, nomeadamente deveriam ser pagos 5.000,00€ até ao dia 25 de Outubro de 2019 e qual o remanescente no ato da escritura, a qual deveria ser celebrada até ao dia 31 de Outubro de 2019.
7. Todavia, com o envio de tal Carta à Autora, a 1.ª Ré (obrigada à preferência), não deu cumprimento ao estatuído no artigo 416º, do Código Civil, na medida em que apenas lhe comunicou parcialmente as condições necessárias para que a mesma decidisse se pretendia ou não preferir, na venda da aludida fração, uma vez que apenas a informou sobre o preço e os prazos de pagamento, não a tendo informado sobre a identidade do comprador, omissão que implica considerar invalida e ineficaz tal comunicação para os fins previstos no artigo 416º, do Código Civil.
8. Omissão que a 1.ª Ré voltou a repetir, na 2.ª Carta que enviou à Autora, datada de 16 de outubro de 2019, uma vez que apenas lhe comunicou o preço e os prazos de pagamento do negócio objeto da preferência, não a tendo informado sobre a identidade do comprador – (cf. artigo 7º, dos factos dados como provados na sentença, ora recorrida).
9. Em matéria de arrendamento ou de compropriedade, a nossa jurisprudência e doutrina maioritárias vem entendendo que, para o exercício do direito de preferência, é essencial comunicar o preço e as condições de pagamento, mas também a identificação do comprador, porquanto é necessário habilitá-lo a que possa exercer o seu direito, assegurando-se previamente da veracidade da alegada proposta de aquisição e que não está, por exemplo, a ser vítima de um qualquer bluff – (cf. acórdãos do TRL, de 19/02/2013, Proc. n.º 997/12.8TVLSB.L1-7; do STJ de 11/01/2011, Proc. n.º 4363/07.9TVLSB.L1.S1; do STJ de 06/05/2010, Proc. n.º 537/02.G1.S1; do STJ de 28/04/2009, Proc. n.º 90/05.0TBRGR.S1; do STJ de 03/04/2001, Proc. n.º 01A3395; o Ac. da RC de 12/01/2010, Proc. n.º 102/1999.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.).
10. Nesta conformidade, não constando de nenhuma das Cartas enviadas à Autora, pela 1.ª Ré, qual a identidade do terceiro comprador, é forçoso concluir que esta última não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 416º, do Código Civil, nomeadamente não comunicou à preferente a totalidade dos elementos essenciais do negócio suscetíveis de influir na formação da sua vontade em preferir ou não.
11. Pelo exposto, a douta sentença, ora recorrida, ao considerar válidas e eficazes as duas comunicações enviadas pela 1.ª Ré, obrigada à preferência, à Autora, nas quais não constava a identidade do terceiro comprador, violou a previsão legal estatuída no artigo 416º, do Código Civil, pelo que deverão tais comunicações ser declaradas inválidas e ineficazes, ordenando-se a repetição da notificação para preferir, dando-se integral cumprimento aos requisitos estatuídos em tal normativo, o que se invoca para todos os legais efeitos.
§ Da impugnação da matéria de facto dada como provada.
12. Para fundamentar ter dado como provados os factos constantes dos artigos com os n.ºs 23º; 24º; 27º e 29º, da sentença, ora recorrida, o Tribunal a quo estribou-se em dois aspetos essenciais, primeiro nas declarações da 1.ª Ré e segundo no teor das mensagens trocadas entre esta última e a Autora, as quais estão juntas aos autos, invocando para o efeito, em síntese, a seguinte argumentação:
(…..) Foi assim com base nas declarações prestadas pela Ré BB (coincidentes, no que era do seu conhecimento, com as da 2.ª ré) que se logrou fazer prova dos factos alegados pela 1.ª ré na sua contestação.
(…..) E foi com base nestes princípios e nesta apreciação que as declarações de parte prestadas por BB lograram conseguir a prova positiva da matéria por si alegada na contestação pois que tal matéria mostra-se corroborada com as cópias das mensagens juntas aos autos e que a autora assume terem sido enviadas nas datas e momentos descritos (tendo aliás a própria junto ao processo mais mensagens que evidenciam as negociações havidas entre as partes). Apesar das divergências entre a autora e a 1.ª Ré quanto aos motivos da conversações, intuito dos envios das cartas, momentos em que autora teve conhecimento da existência de uma proposta maior ao valor inicialmente apresentado, demos mais credibilidade às declarações da 1.ª Ré pois que as mesmas se mostram mais consentâneas com a avaliação que é feita das mensagens trocadas entre as partes” – (Fim de citação – (?), sublinhados e negritos nossos).
Vejamos:
13. O Tribunal a quo deu como provados os factos constantes nos artigos 23º, 24º, 27º e 29º, da douta sentença/recorrida, com base, essencialmente, na análise e interpretação que fez do teor das mensagens constantes de fls. 46 a 49, dos autos, tendo, no entanto, salvo o devido respeito, que é muito, efetuado uma análise errada quanto à sequência daquelas mensagens e sem ter considerado corretamente a cronologia temporal de todas as mensagens, quer daquelas, quer das que foram juntas aos autos pela Autora em sede de audiência de julgamento.
14. Na verdade, a Autora não vislumbra que do teor de tais mensagens se possa concluir e dar como provados os factos descritos nos artigos com os n.ºs 23º; 24º; 27º e 29º, mormente que:
- no artigo 23º, a frase:
“(…) mas com a condição de esta suportar todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, leia-se, escritura, impostos e registo”;
- no artigo 24º, a frase:
antes da receção - que veio a ocorrer no dia 15/10/2019 - da carta junta como Doc. 3 com a petição inicial, a Autora, porquanto não aceitava as condições propostas, desde logo de preço, logo deixou claro que não pretendia exercer o direito de preferência”;
- no artigo 27º, a frase:
“(…) sendo que, embora, achasse - pois nem €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) oferecera - que a A. não iria exercer o direito de preferência”;
- no artigo 29º, a frase:
mas sempre com a condição de a Ré assumir todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, impostos, escritura e registo (…..)”.
15. Para se chegar a tal impossibilidade conclusiva, basta ler e analisar de forma cronologicamente correta o teor da totalidade das mensagens juntas aos autos pelas partes, as quais se passam a transcrever atenta a sua relevância:
a) Mensagem enviada pela 1.ª Ré à Autora, no dia 14/10/2019,
pelas 10h:37m:
(…..) Bom dia.
Os 5.000€ hoje tal como combinei com a Pessoa a quem vou comprar a loja.
O restante assim que responda à minha carta registrada com aviso de receção, faço a escritura.
Peço que me responda pf. Dentro de uns dias. Já tenho tudo pronto, seria só mudar os nomes. Obrigada e boa semana.” – (Fim de citação);
b) Mensagem enviada pela Autora à 1.ª Ré, no dia 14/10/2019, pelas 12h:26m:
(…) Olhe damos lhe 20 mil euros com o decumento vai nos para 25 mil dava lhe já os 5 mil e no dia do decumnto dou lhe o resto mais num consigo eu fiquei de le dar uma resposta hoje se eu fizesse negocio para ele avizar a levantar veja e diga me alguma coisa obrigada bjhs (…);
c) Mensagens sucessivas, de 14/10/2019, trocadas entre a Autora e a 1.ª Ré, pelas 12h:26m, junta aos autos a fls. 47, as quais deverão ser lidas desde o final da página até ao seu topo, pelas razões melhor descriminadas no Item V, desde o Ponto 11º até ao 19º, para os quais se remete para todos os legais efeitos, e cujo teor é o seguinte:
“(…..)
D AA (Autora): Mas que restante
D AA (Autora): Os 20?
D AA (Autora): Os 20 mil?
D AA (Autora):
Eu se lhe der os 25mil voçe passa para meu nome?
Eu (1.ª Ré): 5.000€hoje e 20.000€ dentro de uns dias. No dia da escritura.
D AA (Autora): Já percebi, mas se lhe der os 25mil€ voçe passa para meu nome?” – (Fim de transcrição – negritos nossos).
d) Mensagens enviadas pela 1.ª Ré à Autora, no dia 14/10/2019, pelas 13h:00m:
“(…) “Nessas condições, tenho quem me dê 45000€”; “(…) 20.000€ Est fora de questão.” – (Fim de citação);
e) Mensagem enviada pela Autora à 1.ª Ré, no dia 14/10/2019, pelas 13h:16m:
“(…) Ou queria os 25mil e punha você a loja no meu nome não percebi bem” – (Fim de citação);
f) Mensagem enviada pela Autora à 1.ª Ré, no dia 14/10/2019, após as 13h:16m: “D. AA (Autora) Não voçe e não quiz entregar estava a ver se me fazia um desconto (a)o dinheiro que me enviou pela carta de manha disse lhe que lhe dava hoje os 5 mil e na escritura que lhe dava os 20 voçe disse me que estava fora de questão que lhe davam 30 mil e eu disse que 30 mil não dava que le dava o que tinha falado não quis pois ate acabar o contrato não saio saio se ou voçe ou a pessoa que vem da me o dinheiro desses dois anos que tenho pela frente e no próprio dia que alguém me indemenize eu despejo a loja e não se ponha de perninhas se não ate lhe ingijo os recibos desses anos todos sou outra olhe por bem sou como sou por mal por isso não ande a correr com ninguém boa noite” – (Fim de transcrição – sublinhados e negritos nossos).
g) Mensagem enviada pela Autora à 1.ª Ré, no dia 15/10/2019, pelas 20h:51m: “(…) Boa noite tenho a carta na minha mão o que tenho a fazer é estou enformada para ficar com a loja por o valor da carta e é o que dou nada mais boa noite” – (Fim de citação);
h) Mensagem enviada pela 1.ª Ré à Autora, no dia 16/10/2019, pelas 04h:40m: “(…) Irá receber uma nova carta com a retificação. Você é uma Pessoa má e ameaças não me intimi dam. Nunca lhe criarei problema algum.” – (Fim de citação);
i) Tendo a Autora respondido a tal mensagem, da 1.ª Ré, no dia 16/10/2019, durante a parte de manhã, pelas 09h:03m, nos termos seguintes: “D. AA (Autora) “parece que sou uma pessoa mal percebida ou então explica se mal isto nem era por mensagem nem por telefonemas eu para lhw telefonar alguém estava a houvir em vos alta ou estava com problemas de vir ter comigo já fiz vários negócios mas nada nestas condições não estávamos a falar em valores de 100€ nem de 200€ estava a falar em valores de 25mil euros que disse pelo telefone tengo testemunhas em como ouviram a dizer que se não se baixava que lhe daria então os 25 mil euros os 30 mil que estava fora de questão tinha-lhe dito que no dia lhe dava os 5 mil e no dia da escritura que lhe dava os 20 mil você refletio que não que tinha quem lhe desse 10 mil no dia e na escritura os 20 mil não foi esse valor que me mandou pela carta nem por mensagem como ainda afirmo neste momento que por 30 mil não as quis nem quero .” – (Fim de citação);
j) Tendo a 1.ª Ré respondido a tal mensagem, no mesmo dia 16/10/2019, pelas 10h:07m, nos termos seguintes: “(…..) já vai seguir a correção do valor. Neste caso terá que pagar 10.000€ e mais 20.000€ no ato da escritura.” – (Fim de citação);
k) Tendo, por sua vez, a Autora respondido a tal mensagem, naquele dia 16/10/2019, pelas 15h:38m, enviando várias mensagens, com o seguinte teor: “Mas eu vou pelo valor da carta e do que me falou mais dos 25mil mais não dou fique bem”; “Então daqui a dois ou 3 dias se me pedi se 15.000€ e no dia da escritura 30.000€ tinha que lhos dae isso é que era bom não queria mais nada”; “dou lhes 25,000€ mais não dou é o valor que me vem na carta nem ando a chatiar mais por causa da porcaria da loja bom dia fique muito bem”; “E vou esperar esta resposta ate sexta feira se aceita as condições que lhe estou a por mais não estou interessada acima dos 25,000 pelos 30,000 não quero agora quer vender pelos 30,000 venda depois endemnizam me os dois (…)” – (Fim de citação);
l) Tendo, a 1.ª Ré, respondido a tal mensagem, naquele mesmo dia 16/10/2019, pelas 16h:29m, enviando à Autora um emoji;
m) enviando, depois, também naquele dia 16 de outubro de 2019, pelas 16h:42m, à Autora, uma mensagem nos termos seguintes: “Com tudo isto, você até me está a ajudar. A loja é minha e posso vender a quem quiser e só porque tem direito de preferência, não significa que tenha de vender pelo preço que quer. A pessoa interessada quer a loja e está disposta a dar mais, não torne as coisas mais complicadas” – (Fim de citação).
16. Cumprindo, quanto ao teor das mensagens constantes de fls. 47, dos autos, fazer-se a ressalva seguinte: a forma correta de ler tais mensagens é desde o fim da página até ao seu início, bastando para se chegar a tal conclusão reparar que todas as folhas (páginas) onde estão transcritas têm na sua parte inferior desenhada uma seta apontando para o topo da página, a qual significa que a cronologia correta de entrada de tais mensagens no telemóvel onde foram rececionadas, é de baixo para cima, pelo que e consequentemente devem as mesmas serem lidas do final da página até ao seu topo.
17. Deste modo, lendo tais mensagens da forma correta, ou seja, a partir do final da página até ao seu topo, constata-se que do texto das mensagens transcritas a fls. 47, dos autos, se extrai que a Autora aceitou pagar 25.000,00€, nos exatos termos exigidos pela 1.ª Ré, no âmbito do exercício do aludido direito de preferência, conclusão totalmente oposta àquela que foi tomada na douta sentença, ora recorrida.
18. Resultando, assim, do teor das mensagens supra transcritas, juntas aos autos, quer das constantes de fls. 46º a 48º, dos autos, quer das restantes mensagens, juntas em sede de audiência de julgamento, trocadas entre a Autora e a 1.ª Ré, no período compreendido entre o dia 14/10/2019 e o dia 16 de outubro de 2019, de forma clara e cristalina o seguinte:
1. que a Autora, pelo menos, no dia 14/10/2019, tinha conhecimento do teor das condições para preferir exigidas pela 1.ª Ré, antes de ter rececionado a Carta com Aviso de Receção, datada de 11/10/2019 (cf. facto provado com o n.º 3), na medida em que só assim se entende que a Autora tenha dito à 1.ª Ré, numa das mensagens, daquele dia 14, que “estava a ver se me fazia um desconto (a)o dinheiro que me enviou pela carta”;
2. que a Autora transmitiu à 1.ª Ré, naquela mesma mensagem, do dia 14/10/2019, enviada de manhã, que atentas as condições para preferir, constantes da aludida Carta: “lhe dava hoje os 5 mil e na escritura que lhe dava os 20 voçe disse me que estava fora de questão que lhe davam 30 mil e eu disse que 30 mil não dava que le dava o que tinha falado”;
3. que a Autora informou a 1.ª Ré, por mensagem enviada, no dia 15 de outubro de 2019, que atento o teor da Carta de Preferência, datada de 11/10/2019, recebida naquele dia 15, aceitava preferir nos exatos termos constantes de tal missiva, cujo teor foi o seguinte: “(…) Boa noite tenho a carta na minha mão o que tenho a fazer é que estou enformada para ficar com a loja por o valor da carta e é o que dou nada mais boa noite” – (Fim de citação);
4. e que, em resposta, a 1.ª Ré, no dia seguinte, 16 de outubro de 2019, pelas 04h:40m, comunicou à Autora que ira receber uma Carta Retificativa com o novo valor para que pudesse exercer o seu direito de preferência;
5. tendo a Autora respondido a tal mensagem, naquele mesmo dia 16 de outubro de 2019, pelas 09h:03m, que tinha testemunhas que a ouviram dizer que se não baixava então que lhe daria os 25 mil euros estando os 30 mil fora de questão, e que mantinha a intenção de preferir nas condições constantes na Carta que recebeu, mormente aceitava pagar 5.000,00€ de imediato e 20.000,00€ no ato de celebração da escritura, tendo para o efeito enviado à 1.ª Ré, em síntese, a mensagem seguinte: “(…..) não estávamos a falar em valores de 100€ nem de 200€ estava a falar em valores de 25mil euros que disse pelo telefone tengo testemunhas em como ouviram a dizer que se não se baixava que lhe daria então os 25 mil euros os 30 mil que estava fora de questão tinha-lhe dito que no dia lhe dava os 5 mil e no dia da escritura que lhe dava os 20 mil (…)” – (Fim de citação).
19. Ou seja: a Autora ao enviar e ao trocar, com a 1.ª Ré, as citadas mensagens, desde o dia 15 de outubro de 2019, declarou, mais do que uma vez, que aceitava pagar 5.000,00€, de imediato, e que aceitava pagar 20.000,00€, no ato da celebração da escritura de compra e venda da aludida fração, embora nada tenha dito quanto ao pagamento das despesas inerentes à celebração daquele contrato.
20. Porém, o silêncio ou a omissão da Autora sobre o pagamento das despesas inerentes à celebração do aludido contrato de compra e venda, não podem ser interpretados, sem o auxílio de mais algum meio de prova, como significando que aquela não assumia o pagamento de tais despesas, ficando as mesmas a cargo da vendedora.
21. Até porque, quanto mais não seja, como é do conhecimento comum e da normalidade das coisas, quando se celebra um contrato de compra e venda, como o dos autos, se nada for estabelecido quanto ao pagamento das despesas, os impostos e os emolumentos inerentes à sua celebração, é ao comprador que pertence arcar com tais despesas.
22. Pelo que, atento o anteriormente exposto, o Tribunal a quo ao fundamentar – como fundamentou – ter dado como provados os factos constantes dos artigos com os n.ºs 23º, 24º, 27º e 29º, da douta sentença, ora recorrida, mormente que do teor daquelas mensagens se infere que a Autora sempre disse que apenas aceitava pagar à 1.ª Ré, pelo exercício do direito de preferência, a quantia total de 25.000,00€, ficando todas as despesas e impostos inerentes à celebração do contrato a cargo desta última, incorreu num claro erro de apreciação da prova produzida nos autos.
23. Por outro lado, corroborando igualmente a versão da Autora, nos termos anteriormente invocados, sucede que dos textos das mensagens juntas aos autos a fls. 45; 46; 47; 48; 49 e 50, e, ainda, do teor das que foram juntas em sede de audiência de julgamento, não consta em lado nenhum que a Autora tenha transmitido à 1.ª Ré que lhe pagava 25 mil euros, mas que não pagava as despesas da escritura, registos, emolumentos, etc.
24. Por sua vez, analisando o teor das declarações prestadas pela Autora, aqui recorrente, em sede de audiência de julgamento, na parte que importa para a boa apreciação da matéria agora controvertida, não é possível, através da análise ao seu teor, dar como provados os factos constantes dos artigos com os n.ºs 23º; 24º, 27º e 29º, da matéria de facto dada como provada, na douta sentença, ora recorrida.
25. Na medida em que, a aqui recorrente prestou declarações, em sede de audiência de julgamento, no dia 19 de dezembro de 2022, pelas 10h:09m, as quais estão gravadas no ficheiro n.º 221219100924_3672503_2871681(6), resultando do seu teor – para além das sucessivas interpelações e interrupções sistemáticas do seu depoimento que apenas serviram para criar uma grande confusão sobre o significado das mensagens que trocou com a 1.ª Ré - como muito relevante, para a boa apreciação da prova, a sua afirmação de que enviou, logo que teve conhecimento que a 1.ª Ré tinha uma proposta no valor de 30.000,00€, uma mensagem cujo conteúdo demonstra que, antes de tal comunicação, já tinha aceitado pagar o preço de 25.000,00€ e custear a totalidade das despesas inerentes à escritura, nos exatos termos que lhe foram exigidos por aquela obrigada ao direito de preferência – (cf. declarações da Autora prestadas no dia 19 de dezembro de 2022, pelas 10h:09m, gravadas no ficheiro n.º 221219100924_3672503_2871681(6), supra transcritas).
26. Na sequência de tais declarações, a Autora juntou aos autos, fotografias das mensagens que enviou, entre as quais se destaca a mensagem – supra transcrita – datada de 16/10/2019, pelas 09h:03m, na qual aquela mostra a sua revolta, com a 1.ª Ré, por esta lhe ter comunicado que tinha quem lhe desse 30.000,00€, pela “Loja”, recebendo de imediato 10.000,00€ e no ato da escritura os restantes 20.000,00€, e que por tal motivo dava sem efeito o acordo que já tinham feito, nomeadamente o de pagar 25.000,00€, quer por mensagem (cf. as transcrições supra), quer através do envio da Carta de Preferência, constante do facto provado com o n.º 4.
27. Devendo sublinhar-se – cf. transcrição supra - que a Autora ao remeter à 1.ª Ré, no dia 16 de outubro de 2019, pelas 11h:34m24s, a Carta, com aviso de receção, através da qual declarou pretender exercer o direito de preferência, in casu pagando o preço peticionado de 25.000,00€, sendo 5.000,00€ pagos de imediato e os restantes 20.000,00€, no ato de celebração da respetiva escritura, nada dizendo – em tal missiva - quanto ao pagamento das despesas e emolumentos inerentes à celebração do contrato, com tal comunicação, como é evidente, estava a assumir como compradora o pagamento de tais despesas - (cf. facto dado como provado no artigo 3º, na douta sentença, ora recorrida; o doc. n.º 3, junto aos autos, e o teor das mensagens juntas aos autos em ata).
28. Motivo pelo qual, a Autora, no dia 28 de fevereiro de 2020, procedeu ao depósito bancário, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1.410º, n.º 1, do Código Civil, tendo depositado a quantia de 30.000,00€, para aquisição da aludida fração, mas também depositou 5.000,00€, para pagar as despesas inerentes à celebração do aludido contrato de compra e venda.
29. Finalmente, deve realçar-se que a Autora ao remeter à 1.ª Ré, no dia 16 de outubro de 2019, pelas 11h:34m24s, a Carta Registada, com aviso de receção, através da qual declarou pretender exercer o direito de preferência, fê-lo antes de ter rececionado a 2.ª Carta registada, com aviso de receção, enviada pela obrigada à preferência, sendo assim legítimo concluir que a mesma, em termos informais e formais, exerceu atempadamente o seu direito de preferência.
30. Razões pelas quais, atento o anteriormente exposto, não podia o Tribunal a quo ter concluído, como concluiu, na fundamentação da douta sentença, ora recorrida, que: “a(…..) a conduta supra descrita da Autora levou a que a 1.ª Ré, a nosso ver, justificada e razoavelmente entendesse que a autora não iria exercer o seu direito de preferência, pelo que poderia avançar com o contrato de compra e venda com terceiro que lhe era benéfico em termos de preço” – (fim de citação).
31. E muito menos podia, o Tribunal a quo, ter dado como provado, como deu, os factos constantes dos artigos com os n.ºs 23º, 24º, 27º e 29º, da matéria de facto dada como provada, na douta sentença, ora recorrida.
32. Na medida em que, da conjugação das declarações da 1.ª Ré com o teor da totalidade das mensagens juntas aos autos, impunham que o Tribunal a quo tivesse proferido decisão diversa da que proferiu, nomeadamente impunha-se que tivesse dado como não provados os factos constantes dos artigos 23º (parcialmente), 24º (na sua totalidade), 27º(parcialmente) e 29º (parcialmente), da matéria de facto dada como provada, na douta sentença, ora recorrida.
33. Mais precisamente, o tribunal a quo deveria ter dado como não provados, os factos constantes dos artigos com os n.ºs 23º, 24º, 27º e 29º, da matéria de facto dada como provada, no douto aresto ora recorrido, respetivamente nas partes que se passam a transcrever a sublinhado e a negrito: “(…..) 23. Nesse mesmo dia e passado pouco tempo, face à intransigência da Ré BB, a Autora, reformulou os termos da proposta anterior, tendo apresentado como última proposta, o valor €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), mas com a condição de esta suportar todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, leia-se, escritura, impostos e registo. – cf. cópias das mensagens trocadas entre a autora e a 1.ª Ré e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 24. Antes da receção - que veio a ocorrer no dia 15/10/2019 – da carta junta como Doc. 3 com a petição inicial, a Autora, porquanto não aceitava as condições propostas, desde logo de preço, logo deixou claro que não pretendia exercer o direito de preferência”; 27. A Ré BB transmitiu-lhe, então, que aceitava o valor proposto, sendo que, embora, achasse - pois nem €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) oferecera - que a A. não iria exercer o direito de preferência, teria que lhe transmitir esta última proposta apresentada. 29. Confrontada com esta nova proposta, a Autora respondeu que, por €30.000,00 (trinta mil euros), independentemente das condições de pagamento, não tinha qualquer interesse na fração e que, por isso, poderia vendê-la a quem entendesse - insistindo que o seu limite eram os €25.000,00, mas sempre com a condição de a Ré assumir todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, impostos, escritura e registo, posição que a A. não só expressou nessa ocasião, como, posteriormente e por mais do que uma vez, verbalmente e por escrito, reiterou, vincando que, por €30.000,00 (trinta mil euros), não tinha qualquer interesse na fração em crise nos autos”.
34. Pelo que, da conjugação de todos os aspetos anteriormente invocados, também nunca poderia o Tribunal a quo ter concluído, como concluiu, na sua douta fundamentação, que:
“No caso concreto a autora teve comportamentos que eram demonstrativos que não queria comprar o estabelecimento pois que sempre referiu que mesmo os 25 mil euros tinham que integrar o pagamento das despesas do contrato pela autora e fê-lo por escrito em mensagens trocadas de forma que consideramos suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não seria exercido” – (Fim de citação – sublinhados nossos).
35. Nesta conformidade, devem ser dados como não provados os factos constantes da parte final do artigo 23º; a totalidade dos factos constantes do artigo 24º; a quase totalidade dos factos constantes do artigo 27º e a parte intermédia dos factos constantes do artigo 29º, dados como provados na douta sentença, ora recorrida.
36. Pelo exposto, ao ter dado como provados tais factos, a douta sentença, ora recorrida, incorreu num claro erro de apreciação da prova, devendo, por tal motivo tais factos ser dados como não provados os factos anteriormente descritos e consequentemente revogada tal decisão, devendo, a mesma, ser substituída por outra que considere procedentes, por provados, os pedidos apresentados pela Autora, na sua petição inicial, para todos os legais efeitos.
§ Impugnação da fundamentação de direito.
37. Quanto aos fundamentos de direito constantes da douta sentença, ora recorrida, cumpre realçar – isto sem prescindir e por dever de patrocínio - que, mesmo aceitando que a 1.ª Ré não aceitou a primeira contraproposta da Autora - como não aceitou – esta última sempre estaria a tempo de preferir pelo preço e condições que aquela lhe tinha transmitido, quer através das mensagens trocadas durante o dia 14 e o dia 15 de outubro de 2019 (data em que rececionou a aludida Carta para preferir), quer através do envio de uma Carta Registada, como aconteceu.
38. Para além de ser ainda necessário, nesta matéria, sopesar devidamente o facto de a 1.ª Ré, quer no decurso das negociações através das mensagens juntas aos autos (supra transcritas), quer através das duas Cartas de preferência que enviou à Autora, nunca lhe transmitiu, ou comunicou, qual a identidade da pessoa que lhe ofereceu primeiro 25.000,00€ e depois os aludidos 30.000,00€, situação que de per si levantou na Autora a legítima suspeita de que a obrigada à preferência poderia estar a fazer bluff quanto aos valores apresentados.
39. Daí que, no dia 15 de outubro de 2019, data em que a Autora rececionou a Carta enviada pela 1.ª Ré, para que exercesse o seu direito de preferência, aquela de imediato respondeu a tal missiva, enviando, naquele mesmo dia 15 de outubro pelas 20h:51m, uma mensagens dizendo que ia preferir pelo valor da Carta.
40. Enviando, no dia seguinte, em 16 de outubro de 2019, uma Carta Registada, com Aviso de Receção, a qual foi depositada no Posto dos Correios, pelas 11h:34m:24s, através da qual aceitou a totalidade das condições que lhe foram indicadas pela obrigada a dar preferência – (cf. Doc. n.º 3, da Petição Inicial), assim exprimindo a aceitação de tal negócio nos exatos termos que tinha transmitido anteriormente à 1.º Ré, nas aludidas mensagens.
41. Preferência que está perfeitamente de acordo com aquilo que resulta da aludida troca de mensagens entre a Autora e 1.ª Ré, no dia 14 de outubro de 2019, tendo em conta que algumas delas tem que se lidas corretamente, ou seja iniciando-se a sua leitura pelo fim da página das transcrições até ao seu início, atenta a forma como foram cronologicamente transcritas.
42. Fundamenta, ainda, a M.ª Juíza do Tribunal a quo, a sua decisão no aspeto de “(…) a carta que a Autora envia(ou) à 1.ª Ré e na qual ela defende que "fechou o negócio" é recebida pela 1.ª Ré posteriormente ao envio desta carta com os diferentes termos do contrato referido em 7)” – (fim de citação – negritos da nossa autoria).
43. Salvo o devido respeito que é muito, a Autora, aqui recorrente, não pode concordar com tal fundamento. Na medida em que, resulta do teor do envelope da Carta Registada, com aviso de receção, que a Autora enviou, no dia 16 de outubro de 2019, à 1.ª Ré, que a mesma foi depositada no Posto dos Correios, pelas 11h:34m:24s, daquele dia.
44. Enquanto que do teor da 2.ª Carta Registada, com aviso de receção, que a 1.ª Ré enviou à Autora, no mesmo dia 16 de outubro de 2019, e cujo assunto é “Direito de Preferência. Art. 416º do C. Civil – Retificação”, in casu comunicando que o valor para preferir passou a ser de 30.000,00€, resulta que a mesma foi depositada no Posto dos Correios, pelas 13h:30m:26s, daquele dia.
45. Concluindo-se, assim, face a tal prova, que a Autora exerceu o seu direito de preferência antes de ter conhecimento formal dos termos da aludida “Retificação” da Carta que lhe tinha sido enviada pela 1.ª Ré, no dia 11 de outubro de 2019.
46. Motivos pelos quais, a Autora não entende como o Tribunal a quo na fundamentação de direito constante da douta sentença, ora recorrida, invocando para efeito, entre outros, que: “(…) Ou seja, a conduta supra descrita da Autora levou a que a 1.ª ré, a nosso ver, justificada e razoavelmente entendesse que a autora não iria exercer o seu direito de preferência, pelo que poderia avançar com o contrato de compra e venda com terceiro que lhe era benéfico em termos de preço.
Note-se que a carta que a autora envia à l.ª Ré e na qual ela defende que "fechou o negócio" é recebida pela l.ª Ré posteriormente ao envio desta da carta com os diferentes termos do contrato e referida em 7)” – (fim de citação).
47. Senão, repare-se no seguinte contra-senso, se realmente, a 1.ª Ré, estava assim tão certa e segura que a Autora não iria preferir porque razão teve necessidade de lhe enviar uma 2.ª Carta registada com aviso de receção.
48. Ou seja: se a Autora efetivamente não tinha aceitado a proposta inicial apresentada pela 1.ª Ré e tinha recusado comprar a aludida Fração, fosse porque preço fosse, então aquela não estava vinculada a tal proposta, pelo que, assim sendo, não se compreende qual era a necessidade de se enviar uma 2.ª Carta para que a Autora dissesse se queria ou não preferir pelo preço de 30.000,00€.
49. Nesta conformidade, devem ser dados como não provados os factos constantes da parte final do artigo 23º; a totalidade dos factos constantes do artigo 24º; a quase totalidade dos factos constantes do artigo 27º e a parte intermédia dos factos constantes do artigo 29º, dados como provados na douta sentença, ora recorrida.
50. Pelo exposto, ao ter dado como provados tais factos, a douta sentença, ora recorrida, incorreu num claro erro de apreciação da prova, devendo, por tal motivo tais factos ser dados como não provados e consequentemente revogada tal decisão, devendo, a mesma, ser substituída por outra que considere procedentes, por provados, os pedidos apresentados pela Autora, na sua petição inicial, para todos os legais efeitos.
§ Do direito.
51. Atento os fundamentos constantes da douta sentença, ora recorrida, a primeira questão essencial de direito que se impõe apreciar, no presente recurso, consiste em se apurar qual o efeito jurídico da receção, pela aqui recorrente e titular do direito à preferência, da primeira comunicação que lhe foi enviada pela obrigada à preferência, in casu a 1.ª Ré, nomeadamente informando a sua intenção de vender o imóvel objeto dos presentes autos.
52. Por outro lado, a segunda questão fundamental que se impõe apreciar, em sede do presente recurso, consiste em apurar, em concreto, se no momento em que a preferente aceitou a primeira proposta de negócio que lhe foi apresentada pela 1.ª Ré, se esta, nesse momento, já tinha a convicção, ou não, de que autora/preferente não a ia aceitar, mostrando-se, assim, por tal motivo, legítimo que aquela tenha formulado uma segunda proposta, com vista à preferência, a qual não foi aceite pela Autora/preferente, aqui recorrente.
53. A nossa jurisprudência e doutrina maioritária, nesta matéria, defende que a notificação para preferência valerá como proposta contratual, desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente, ou seja, desde que observe os requisitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 418º, do Código Civil, a qual, uma vez aceite, se torna vinculativa para ambas as partes, para além do aludido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-03-2021, Proc. n.º 609/19.9T8FND.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt.
54. Atentos tais doutos ensinamentos, podemos concluir que a notificação extrajudicial a que alude a norma do artigo 416º, do Código Civil, e que contenha os elementos necessários à decisão do titular do direito de preferência consubstancia uma proposta contratual e a declaração de vontade que o mesmo emita, na sequência dessa notificação, no sentido de querer exercer tal direito (potestativo), uma vez recebida pelo vinculado à prelação, perfeciona o contrato, mesmo que sujeito a forma, desde que esta seja observada pela comunicação do obrigado e pela resposta do preferente.
55. Pelo que, tendo a Autora enviado à 1.ª Ré, BB, no dia 16 de Outubro de 2019, uma carta registada com aviso de receção, datada de 16 de outubro de 2019, comunicando-lhe que pretendia exercer o direito de preferência nos exatos termos da proposta que lhe foi comunicada, ficando a aguardar a indicação do local para a assinatura e entrega dos valores referentes à venda do imóvel em causa, a mesma tornou-se vinculativa para ambas as partes.
56. Nesta conformidade, a douta sentença, ora recorrida, ao ter considerado que a Carta de preferência, enviada pela Autora à 1.ª Ré, não vinculou a proposta inicial, apresentada pela 1.ª Ré, não aperfeiçoou o contrato nem vinculou as partes, incorreu num claro erro na apreciação da prova devendo, por tal motivo, ser revogada tal decisão, sendo a mesma substituída por outra que considere procedentes, por provados, os pedidos apresentados pela Autora, na sua petição inicial, para todos os legais efeitos.
57. Tendo, assim, pelos motivos e razões anteriormente invocados, a douta sentença recorrida violado o disposto nos artigos 416° e 1410º, ambos do Código Civil e artigos 640º e 662º, ambos do Código de Processo Civil.
58. Pelo exposto, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, sendo a mesma substituída por outra que considere procedentes, por provados, os pedidos apresentados pela Autora, na sua petição inicial, para todos os legais efeitos.
Assim se fazendo a mais Sã e acostumada Justiça”
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As rés responderam, em articulado conjunto, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida e requerendo subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, para que se reconheça a inexistência do direito de preferência invocado pela autora/apelante ou pela sua caducidade.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, cumpre decidir:
- Se não deve ter-se por eficaz nenhuma das notificações para preferência, por não ter incluído a identidade do comprador.
- Se devem ser dados por não provados os factos ajuizados positivamente sob os nºs 23º, 24º, 27º e 29º (mais concretamente, a parte final do artigo 23º; a totalidade dos factos constantes do artigo 24º; a quase totalidade dos factos constantes do artigo 27º e a parte intermédia dos factos constantes do artigo 29º).
- Se a notificação para preferência, valendo como proposta contratual, foi aceite pela autora.
- Se essa aceitação ocorreu antes da notificação dos termos do segundo negócio.
- Se deve ter-se por eficazmente exercido o seu direito de preferência.
No caso de procedência das razões da apelação, haverá que apreciar a pretensão das apeladas no âmbito da ampliação do objecto de recurso, para se indagar a inexistência do direito de preferência invocado pela autora/apelante em relação ao negócio efectivamente ocorrido, ou pela sua caducidade.
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A apreciação da pretensão do apelante impõe que se atente na decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:
Da petição inicial
1. Por contrato datado de 01.12 2012 e pelo valor de €200,00 mensais, a Autora tomou de arrendamento à Ré BB (doravante Primeira Ré) a fração autónoma designada pela letra “D”, destinada a comércio, serviços ou escritórios, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito no lugar ..., na freguesia ..., concelho de Baião, inscrito na matriz sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o número ...... da referida freguesia. – cfr. contrato de arrendamento e descrição predial que foram juntos, respetivamente, como Docs. 1 e 2 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
2. É na referida fração que, desde tal data até aos dias de hoje, a Autora exerce a sua atividade comercial de florista.
3. A 11 de Outubro de 2019 a Ré BB endereçou à autora AA uma carta com o seguinte teor: “Vila Nova de Gaia, 11 de Outubro de 2019 Carta registada c/ AR ASSUNTO: DIREITO DE PREFERENCIA, ART. 416.º DO c. Civil
Os N/ respeitosos cumprimentos
Serve a presente carta para nos termos previstos no art. 416.º do código civil Português dar conhecimento a V. Exa que vou vender a fração autónoma designada pela letra “D” correspondente a um estabelecimento comercial com, entrada pelo n.º ... do prédio urbano no regime de propriedade horizontal sito na av.ª ..., freguesia ..., concelho de Baião, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... do qual V Exa. é arrendatária conforme contrato de arrendamento com início em 1 de dezembro de 2012 de que sou legítima proprietária pelo preço de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) sendo pago 5.000,00€ (cinco mil euros) até ao dia 25 de Outubro de 2019 e o remanescente no ato da escritura a celebrar até ao dia 31 (trinta e um) do mês de Outubro do corrente ano de 2019. Desta forma fica V. exa notificada para no prazo de 8 (oito) dias a contar da assinatura do aviso de recepção desta carta consoante o previsto no art. 416.º do C Civil se pronunciar por escrito se pretende ou não exercer o direito de preferência na compra do referido estabelecimento nas condições supra referidas. Findo o referido prazo se nada for dito presumirei que não há interesse em exercer o direito de preferência e então irei formalizar a venda com terceiras pessoas” – – cfr. Cópia da carta datada de 11.10.2019 que foi junta como Docs. 3 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
4. Da carta referida em 3) teve a autora conhecimento a 15.09.2019.
5. A 16 de Outubro de 2019 a autora endereçou a ré BB uma carta registada com aviso de recepção datada de 16 de outubro de 2019 com o seguinte teor: “Assunto: Direito de preferência, os meus estimados cumprimentos. Venho por este meio comunicar a V Exas que pretendo exercer o meu direito de preferência sobre o imóvel com o artigo matricial n.º .... Aceito os termos propostos. Será entregue o valor de €5.000,00 (cinco mil euros) no dia 25 de outubro, com a assinatura de um contrato promessa de compra e venda autenticado. A escritura pode ser assinada no dia 31 do corrente mês onde será entregue o restante valor de 20.000,00 (vinte mil euros) conforme solicitado por V. Exa. Aguardo indicação do local para a assinatura e entrega de valores.” - cfr. Cópia da carta datada de 16.10.2019 que foi junta como Docs. 4 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
6. A carta referida em 5) foi entregue a terceira pessoa (EE) a 17.10.2019 - cfr. Cópia do aviso de recepção que foi junta aos autos anexo ao documento n.º 4) da petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
7. A 16 de outubro de 2019 a ré endereçou à autora uma carta com o seguinte teor:
“Vila Nova de Gaia, 16 de Outubro de 2019 Carta registada c/ AR ASSUNTO: DIREITO DE PREFERENCIA, ART. 416.º DO c. Civil RETIFICAÇÃO Os N/ respeitosos cumprimentos Serve a presente carta para, nos termos previstos no art. 416.º do código civil. Português dar conhecimento a V. exa que vou vender a fração autónoma designada pela letra “D” correspondente a um estabelecimento comercial co, entrada pelo n.º ... do prédio urbano no regi-me de propriedade horizontal sito na av.ª ..., freguesia ... concelho de Baião, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... do qual V Exa. É arrendatária conforme contrato de arrendamento com inicio em 1 de dezembro de 2012 de que sou legitima proprietária pelo preço de 30.000,00€ (trinta mil euros) sendo pago 10.000,00€ (dez mil euros) ate ao dia 30 de Outubro de 2019 e o remanescente no ato da escritura a celebrar ate ao dia 31 (trinta e um) do mês de Outubro do corrente ano de 2019. Desta forma fica V exa notificada para no prazo de 8 (oito) dias a contar da assinatura do avios de recepção desta carta consoante o previsto no art. 416.º do C Civil se pronunciar por escrito se pretende ou não exercer o direito de preferência na compra do referido estabelecimento nas condições supra referidas. Findo o referido prazo se nada for dito presumirei que não há interessas em exercer o direito de preferência e então irei formalizar a venda com terceiras pessoas”– - cfr. Cópia da carta datada de 16.10.2019 que foi junta como Docs. 5 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
8. A autora não respondeu à carta referida em 7).
9. Em 27.11.2019 a Primeira Ré informou a Autora de que a fração de que era arrendatária tinha passado a ser propriedade de CC e que a partir daquele momento qualquer assunto deveria ser tratado com a mesma, referindo, desde logo, o pagamento da renda do mês seguinte, sem mais. – cfr. Docs. 6 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
10. No dia seguinte, 28.11.2019, a Autora recebeu uma carta remetida pela referida alienante, aqui Segunda Ré, na qual lhe foi comunicado o facto de ser a nova senhoria da fração bem como o novo IBAN para onde o pagamento das rendas deveria ser realizado. – cfr. Docs. 7 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.
11. O que a Autora tem feito, desde então.
12. Encontra-se junto aos autos como documento n.º 8) o “Contrato de compra e venda” celebrado entre a 1.ª e a 2.ª Ré relativo ao imóvel referido em 1) datado de 21.11.2019, nos termos do qual a Segunda Ré comprou à Primeira a fração descrita no art. 1º da P.I. pelo valor total de €30.000,00. – cfr. Cópia do contrato de compra e venda junto como Docs. 8 com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos
Da contestação da Ré BB
13. em data que não consegue concretizar, mas, tanto quanto se recorda, nos últimos dias do mês de Setembro de 2019, a Ré BB recebeu uma proposta feita pela Ré CC, de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pela fracção descrita no artigo primeiro da petição inicial.
14. A esta proposta, contrapropôs a Ré BB um pedido de € 32.500,00.
15. Ainda que não tivesse dado por encerradas as negociações com a Ré CC, porque necessitava de liquidez urgente, para a compra de um outro imóvel, a Ré BB assumiu para si que, se aquela não melhorasse a proposta, iria aceitar o valor oferecido.
16. Nessa sequência, face à aparente intransigência da Ré CC, logo após a proposta formulada por esta, em dia que não se sabe precisar, mas, seguramente, nos últimos dias de Setembro ou nos primeiros dias do mês Outubro de 2019 – e, pelo menos, uma semana antes do envio da carta junta com a petição inicial como Doc. 3 –, a Ré BB, logo tratou de, verbalmente, comunicar a esta que tinha uma proposta de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pela fracção, convidando-a a exercer o seu direito de preferência.
17. A A. começou por dizer que, numa primeira fase, que nenhum interesse tinha por falta de dinheiro.
18. Logo após referiu que, de qualquer forma, teria que falar com o seu marido.
19. Não obstante, entretanto, enquanto aguardava por uma posição definitiva, a Ré BB, entendeu formalizar o convite, já feito verbalmente, ao exercício do direito de preferência, remetendo à A., no dia 11/10/2019, a carta referida em 3).
20. Posteriormente, tendo a A. e a Ré BB continuado a conversar sobre o assunto, no dia 14/10/2019 – antes de ter recebido a referida carta –, a A. transmitiu à Ré BB, por mensagem, via messenger, que, depois de conversar com o marido, achava o preço caro, que não conseguia arranjar todo aquele dinheiro, tanto mais que, além do preço a pagar, estimava vir a gastar cerca € 5.000,00 com as despesas inerentes à compra – impostos, escritura, registo. – cfr copias das mensagens trocadas entre a autora e a 1.ª ré e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21. Acabou, no entanto, então, por avançar com uma proposta de € 20.000,00 (vinte mil euros), sendo que, €5.000,00 (cinco mil euros), seriam pagos de imediato e, o restante, na data da escritura.
22. A Ré respondeu-lhe, liminarmente, que € 20.000,00 (vinte mil euros) estava fora de questão.
23. Nesse mesmo dia e passado pouco tempo, face à intransigência da Ré BB, a A., reformulou os termos da proposta anterior, tendo apresentado como última proposta, o valor € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), mas com a condição de esta suportar todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, leia-se, escritura, impostos e registo. – cfr copias das mensagens trocadas entre a autora e a 1.ª ré e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. Antes da recepção – que veio a ocorrer no dia 15/10/2019 – da carta junta como Doc. 3 com a petição inicial, a A., porquanto não aceitava as condições propostas, desde logo de preço, logo deixou claro que não pretendia exercer o direito de preferência.
25. Como a proposta apresentada pela A. se aproximava do valor pelo qual foi convidada a exercer a preferência, face à urgência que tinha em vender a fracção, ainda nesse mesmo dia 14/10/2019, durante a manhã, a Ré BB contactou Ré CC no sentido de perceber se mantinha o interesse na fracção e se se dispunha a aumentar a proposta anteriormente apresentada.
26. Depois de conversarem, a Ré CC, acabou por fazer uma nova e última proposta no valor € 30.000,00 (trinta mil euros).
27. A Ré BB transmitiu-lhe, então, que aceitava o valor proposto, sendo que, embora, achasse – pois nem € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) oferecera – que a A. não iria exercer o direito de preferência, teria que lhe transmitir esta última a proposta apresentada.
28. Logo após, a Ré BB, ainda durante a manhã desse mesmo dia 14/10/2019, deu conhecimento à A. de que a interessada havia subido a proposta para € 30.000,00 (trinta mil euros) e que, se quisesse exercer o direito de preferência, teria que pagar este valor.
29. Confrontada com esta nova proposta, a A. respondeu que, por € 30.000,00 (trinta mil euros), independentemente das condições de pagamento, não tinha qualquer interesse na fracção e que, por isso, poderia vendê-la a quem entendesse – insistindo que o seu limite eram os € 25.000,00, mas sempre com a condição de a Ré assumir todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, impostos, escritura e registo, posição que a A. não só expressou nessa ocasião, como, posteriormente e por mais do que uma vez, verbalmente e por escrito, reiterou, vincando que, por € 30.000,00 (trinta mil euros), não tinha qualquer interesse na fracção em crise nos autos.
30. Perante posição tão inequívoca da A., a Ré BB, por volta da hora de almoço desse mesmo dia 14/10/2019, contactou a Ré CC informando-a de que a inquilina lhe transmitira que não tinha qualquer interesse na fracção pelo valor apresentado e que, por isso, lha venderia.
31. Mais lhe transmitiu que, em qualquer caso, tal como referira à A., queria formalizar o convite ao exercício do direito de preferência e que, assim, muito embora já soubesse a resposta, iria remeter a esta uma carta a com as condições em que poderia exercê-lo.
32. As Ré BB e CC acordaram, então, na venda por € 30.000,00, tendo, de resto, esta entregue, nesse mesmo dia, àquela, a título de sinal, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).
33. Conforme adiantado, a Ré BB, no dia 16/10/2019, veio a remeter à A. a carta junta com a petição inicial como Doc. 5 com a petição inicial.
34. no dia 14/10/2019, à noite, a Autora questionou a Ré BB sobre a quem teria que passar a pagar a renda e como ficaria a sua posição enquanto arrendatária, se quisesse transmitir o estabelecimento – ao que esta respondeu que nenhuma alteração haveria. – Cfr. Doc
Da contestação da Ré CC
35. A Ré CC sabia, apenas, que, desde o final do verão de 2019, tinha encetando negociações com a Ré BB para adquirir a fração em discussão na presente acção, pela qual era pedido o valor de 32.500,00.
36. No final de setembro de 2019, a Ré CC apresentou uma proposta de 25.000,00.
37. Depois de cerca de quinze dias sem falar com a Ré BB, no dia 14.10.2019, esta interpelou a Ré CC para que confirmasse se continuava a querer comprar a fração e se estava disposta a rever a proposta apresenta
38. A Ré CC, acabou por propor a compra pelo preço de 30.000,00€.
39. A Ré BB disse que concordava com o preço, mas tinha que falar com a arrendatária para saber se esta queria o negócio por este valor.
40. Nesse dia 14 de outubro, ao início da tarde, a Ré BB contatou a Ré CC a dizer que a arrendatária não queria a fração por esse preço, solicitando-lhe se podia dar de 5.000,00 € a título de sinal o que fez.
41. De qualquer forma, a Ré BB disse á Ré CC que, apesar de a arrendatária lhe ter dito, perentoriamente, que não queria a loja pelo preço acordado, lhe iria enviar uma carta, para ter uma resposta escrita e que se o negócio ficasse sem efeito lhe devolveria o sinal, com o que esta concordou.
42. Como a Autora nada disse as Rés prosseguiram os termos do negócio acordado.
43. Em 28.10.2019, a Ré CC depositou na conta da Ré BB os € 10.000,00 que deveriam ser entregues até ao dia 30.10.2019.
44. Com a celebração do contrato de compra e venda a Ré CC incorreu dos custos em que esta incorreu com a celebração daquele negócio, a saber:
- Pagamento do IMT, no valor de € 1.950,00(Cfr. Doc 1); - Imposto de Selo, no valor de € 240,00 (Cfr. Doc 2);
- Depósito electrónico em www.predialonline.mj.pt, no valor de € 20,00 (Cfr. Doc 3);
- Registo na Conservatória do Registo Predial, no valor de € 250,00 (Cfr. Doc 4); e
- Honorários pagos pela Elaboração do contrato de compra e venda com termo de autenticação, no valor de € 380,00 (cfr. doc 5).
*
Começa a apelante por suscitar, como questão prévia, a invalidade e ineficácia das comunicações para preferência que lhe foram dirigidas, por nenhuma delas conter – nem a dos 25.000,00€, nem a dos 30.000,00€ - a identificação da adquirente.
Alega que, para facultar o exercício do direito de preferência, é essencial ao obrigado comunicar o preço e as condições de pagamento, mas também a identificação do comprador, sustentando esta afirmação em doutrina e jurisprudência. Como a 1ª ré não a informou da identidade da pessoa com quem projectava contratar, nenhuma das comunicações pode ser tida por válida e eficaz.
Acontece, porém, que esta questão surge nos autos e nesta fase de recurso como absolutamente nova. Jamais, na petição, ou sequer na réplica que, por outras razões, foi admitida a oferecer, a autora invocou essa omissão nas comunicações que a 1ª ré lhe dirigiu, arguindo a invalidade das notificações, como agora faz.
De resto, a própria apelante parece estar consciente desse problema, pois que destaca essa questão do objecto do recurso da decisão, introduzindo-a como questão prévia.
Os tribunais superiores vêm, desde há muito e recorrentemente, afirmando ser intolerável a arguição, em sede de recurso, de questões que não foram oportunamente suscitadas, seja pelo autor, na petição inicial, seja pelo réu, em sede de contestação. Como referimos em anteriores decisões (por ex, nos proc. nº 247167/11.6YIPRT.P1; nº 235/14.9T8MCN.P1; nº 1442/17.8T8AGD.P1), o recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões, salvo quanto àquelas que sejam passíveis de conhecimento oficioso.
Assim, se a autora pretendia obter o reconhecimento da invalidade das comunicações que lhe foram dirigidas em ordem a que formasse e informasse da sua intenção de preferir na venda anunciada, fundamentando nessa circunstância a violação do seu direito, não podia deixar de o ter invocado na petição inicial, permitindo que, quanto a essa questão, fosse desenvolvido o imprescindível contraditório e obtida decisão do tribunal.
Não o tendo feito, não cabia ao tribunal de 1ª instância apreciar tal questão (cfr. nº 2 do art. 608º do CPC), pelo que, não tendo esta obtido decisão, jamais poderá ser sindicada a ausência da correspondente solução, ou pretendida a sua decisão nesta instância de recurso.
Pelo exposto, não cabe apreciar o alegado vício das comunicações dirigidas à autora, com a descrição do negócio de venda projectado pela 1ª ré, nenhum tipo de provimento se conferindo ao recurso, nesta parte.
Acresce que a questão suscitada pela apelante sobre não lhe ter sido comunicada a identidade da compradora, a ter de ser apreciada, sempre estaria informada por uma situação de abuso de direito por parte da apelante, pois que se verifica que toda a sua alegação recursiva assenta na tese de que exerceu atempada e eficazmente o seu direito de preferência, com total indiferença perante o desconhecimento da identidade da compradora, a qual, mesmo depois de conhecida, nenhuma reacção lhe merece.
Improcede, pois, a apelação nesta parte.
*
De seguida, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto quanto ao juízo de comprovação da matéria descrita nos itens 23º, 24º, 27º e 29º (mais concretamente, a parte final do artigo 23º; a totalidade dos factos constantes do artigo 24º; a quase totalidade dos factos constantes do artigo 27º e a parte intermédia dos factos constantes do artigo 29º).
Assim, quanto ao item 23º, a apelante pretende que se exclua a referência à condição de ser a vendedora a suportar os custos inerentes ao contrato (Nesse mesmo dia e passado pouco tempo, face à intransigência da Ré BB, a A., reformulou os termos da proposta anterior, tendo apresentado como última proposta, o valor € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), mas com a condição de esta suportar todos os custos inerentes ao contrato de compra e venda, leia-se, escritura, impostos e registo. – cfr copias das mensagens trocadas entre a autora e a 1.ª ré e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)
Pretende que se dê por não provado que “24. Antes da recepção – que veio a ocorrer no dia 15/10/2019 – da carta junta como Doc. 3 com a petição inicial, a A., porquanto não aceitava as condições propostas, desde logo de preço, logo deixou claro que não pretendia exercer o direito de preferência.”
No item 27 – “27. A Ré BB transmitiu-lhe, então, que aceitava o valor proposto, sendo que, embora, achasse – pois nem € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) oferecera – que a A. não iria exercer o direito de preferência, teria que lhe transmitir esta última a proposta apresentada.” – defende que se deve dar por provado apenas que a Ré transmitiu que aceitava o valor.
No item 29, pretende que se exclua a referência à já mencionada condição de que o preço de 25.000,00€ seria aceite desde que fosse a ré vendedora a suportar os custos de escritura, registo e impostos.
Começamos por referir que, com esta impugnação, a apelante observa devidamente o regime processual estabelecido para o efeito, no art. 640º do CPC. Especifica os pontos da matéria de facto sob crítica; enuncia o sentido em que pretende a decisão sobre esses pontos; concretiza e identifica com precisão os elementos de prova em que assenta a sua conclusão divergente.
Cumpre, pois, apreciar este segmento do recurso.
Resulta claramente da conjugação da sentença com o articulado da apelação que o elemento fulcral da questão consiste no fluxo das mensagens trocadas entre a apelante e a 1ª ré, cumprindo ainda verificar se e em que termos a autora, ao comunicar a sua aceitação quanto ao preço e condições de pagamento de 25.000,00€, estabeleceu e superou, ou não, a condição inicialmente colocada quanto ao pagamento dos custos de escritura, registo e impostos.
Assim, é incontroverso que, ainda antes do envio de qualquer carta, a 1ª ré informou a autora de que tinha uma proposta de € 25.000,00 pela fracção arrendada, convidando-a a exercer o seu direito de preferência.
A autora respondeu que não queria e, depois, que iria falar com o marido.
Entretanto, em 11/9/2019, a ré enviou-lhe a carta transcrita no item 3º, chegada ao conhecimento da autora a 15/9, onde lhe referiu o projecto de venda da fracção onde funcionava o seu estabelecimento de florista, por 25.000,00€, bem como as condições de pagamento.
Ainda antes do recebimento dessa carta, designadamente a 14/9 a A. transmitiu à Ré BB, por mensagem, via messenger, que, depois de conversar com o marido, achava o preço caro, tanto mais que, além do preço a pagar, estimava vir a gastar cerca €5.000,00 com impostos, escritura, registo. Acabou, no entanto, por avançar com uma proposta de € 20.000,00, proposta esta que a ré recusou imediatamente.
Note-se que esta sequência de factos se mostra descrita como provada, na sentença, sem que tenha sido impugnada.
Para além disto, também é incontroverso que, sucessivamente, a autora reformulou os termos da proposta anterior, tendo apresentado como última proposta, o valor € 25.000,00 (item 23º).
Impugna, todavia, a apelante que essa proposta tenha sido condicionada a que a 1ª ré aceitasse suportar as despesas do contrato (incluindo escritura, registo e impostos), tal como o tribunal deu pro provado.
Sobre esta matéria, o tribunal sustentou a sua decisão descrevendo que a própria autora narrou “…que, em mensagens trocadas com a 1.ª ré, ou seja, no seio das negociações, a proposta mais alta que deu foi os 25 mil, tendo a ré que pagar as despesas do contrato e que só com o envio da carta datada de 16 de Outubro é que aceita o valor de 25 mil.” E referiu que a 1ª ré confirmou isso mesmo, tendo sido por isso que voltou a contactar com a projectada compradora, a qual elevou a sua oferta para 30.000,00€. Mais referiu o tribunal que a ré narrou que deu conhecimento à autora da elevação da proposta para 30.000,00 antes de esta lhe enviar a carta de 16 de Outubro, que traduzia a aceitação do preço de 25.000,00€.
Por sua vez, das declarações de parte da 2ª ré não é possível retirar mais do que a circunstância de a 1ª ré lhe ter perguntado se estaria disposta a subir a sua proposta (ela oferecera 25.000,00€ em face de um pedido da vendedora de 32.000,00€) ao que retorquiu com o oferecimento de 30.000,00€, tendo-lhe a vendedora respondido que iria indagar da vontade da autora de ficar com a loja por esse valor. Daqui não se retira, porém, qualquer elemento útil para a percepção das reais comunicações que se desenvolveram entre a autora e a 1ª ré, depois da necessidade que a autora sentiu de igualar a proposta dos 25.000,00€.
Da leitura da sequência de mensagens com cópias juntas aos autos, não se verifica literalmente que a autora tenha condicionado o seu oferecimento de 25.000,00€ ao compromisso de a vendedora suportar as despesas do contrato, v.g escritura, registo e impostos.
Com efeito, das mensagens trocadas no dia 14 resulta que a autora chegou a propor o pagamento de 25.000,00€, mas também pretender com isso que a 1ª ré pusesse a loja em seu nome. Com tal expressão, poderia pensar-se que a autora pretendia significar estar disposta a pagar o preço de 25.000,00€, assumindo naturalmente as despesas do contrato. Esta é a tese defendida no recurso, onde se afirma ser esse o normal das situações, isto é, ser o comprador a suportar as despesas de escritura, registo e impostos, nada podendo ser retirado em sentido contrário, da troca de mensagens então ocorrida
Porém, explicou repetidamente a autora, nas declarações de parte que prestou, que o significado de pretender pagar os 25.000,00€ e que a ré pusesse a loja em seu nome era precisamente o de que fosse a ré a pagar as despesas do contrato. Disse a autora expressamente que o “você põe no meu nome” significava “Ela pagava-me a escritura” (5’23’’- 5´’38´´ das suas declarações).
E depois completou essa explicação ao descrever que tentou que a 1ª ré aderisse a essa proposta porque isso faz parte da prática de negociar, tentando contratar nas melhores condições possíveis. Subsequentemente, esclareceu que a primeira circunstância em que se propôs pagar os 25.000,00€ nas condições propostas pela vendedora, ou seja, suportando também os custos do contrato, foi quando foi à sua advogada, remetendo então uma carta a dizer que aceitava o preço e as condições da vendedora.
No decurso das suas declarações, esta matéria foi abordada e confirmada pela autora repetidas vezes.
Para além disso, as declarações da 1ª ré, isto é, da vendedora, foram coincidentes com tudo isto. Também referiu que a autora apenas lhe propôs o pagamento de 25.000,00€ desde que fosse ela própria a pagar as despesas, o que nunca aceitou.
Resulta, pois, claramente acertado o juízo do tribunal recorrido em relação a toda a matéria constante dos itens 23º e 29º.
Por outro lado, também se confirma o segmento criticado em relação ao item 27, referente a uma afirmação da 1ª ré, proferida em 14/10/2019 e dirigida à 2ª ré, de que a autora nem 25.000,00€ lhe oferecera. A própria autora admitiu que só depois do dia em questão – que é o de 14/10/2019, como resulta do item 25º - é que se propôs pagar 25.000,00€; só o fez, segundo admitiu nas suas declarações prestadas em audiência, por via da carta redigida depois de procurar a sua advogada, que foi remetida à 1ª ré, no dia 16/10/2019. Por isso, não fica incongruente a afirmação em questão, criticada pela apelante sob a alegação de ter oferecido antes os 25.000,00€ sem qualquer condição, o que, confirmadamente, não é verdadeiro.
Mal se percebe até que, perante as declarações prestadas pela autora em audiência de julgamento, venha, nesta sede de recurso, tentar fazer vencer uma versão que em relação àquelas diverge claramente.
Por fim, e quanto à matéria do item 24, também não pode deixar de se concordar com o juízo do tribunal recorrido, quanto ao facto de a autora, antes do momento do envio da carta de 16/10/2019, em que anunciou estar de acordo com os termos da proposta de venda por 25.000,00€ sem mais, ter anunciado não estar interessada na aquisição. É o que resulta do fluxo de mensagens trocadas entre autora e primeira ré, em 14/10/2019, conforme descrito no documento nº 5, junto com a contestação da 1ª ré. Assim se revela que a autora, ainda nesse dia 14, na sequência da sua rejeição à possibilidade de comprar a fracção, começou a indagar sobre a quem deveria depois pagar a renda, bem como o que aconteceria se tivesse “alguém que me pegue na passagem”, isto é, a quem lograsse trespassar o estabelecimento instalado na fracção.
Em conformidade com isto se compreende o teor dos itens 25º e 26º, traduzindo a sequência lógica e cronológica de factos que permitiu à 1ª ré, negociando no sentido de maximizar o preço da venda, tal como a autora tentara negociar para o reduzir, obter a proposta de 30.000,00€, o que, ainda em 14/10/2019 deu a conhecer à autora. Isso conforme o segmento do item 27 e o teor do item 28 dos factos provados, que a autora não vem impugnar.
É inequívoco, pois, como antes se disse, dever manter-se o teor do item 29, o que resulta ainda sustentado nas declarações prestadas pela 1ª ré, em audiência.
É neste quadro de circunstâncias que se verifica, pela leitura das mensagens trocadas com a 1ª ré, que a autora, já na consciência de estar perante a probabilidade de a fracção ser vendida a outrem pelo preço de 30.000,00€, que assertivamente recusara pagar, quando ingressou na posse da primeira carta expedida para lhe comunicar o primeiro projecto de venda e cujo teor já estava superado pela troca de mensagens anterior, passou a afirmar que, por estar na posse dessa carta, tinha direito a adquirir a fracção nos termos que dela constavam, isto é, pelo preço de 25.000,00€. E isso não obstante a 1ª ré já a ter esclarecido que a venda haveria de se fazer por 30.000,00€, conforme nova carta que lhe enviaria e que incluiria os termos a que ficara sujeito, entretanto, o exercício do seu direito de preferência. Foi assim que, em 15/10/2019 transmitiu à 1ª ré “Boa noite tenho a carta na minha mão o que tenho a fazer é estou enformada para ficar com loja por o valor da carta e é o que dou nada mais boa noite”; e, a partir de 16/10/2019, as suas mensagens passaram a conter a sua intenção: “vou pelo valor da carta”. “Dou-lhe os 25.000€ mais não dou é o valor que vem na carta (…)”, tudo conforme as mensagens reproduzidas e juntas em audiência de julgamento.
Assim, por todo o exposto, conclui-se que nenhuma censura merece a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, maxime em relação aos factos apontados pela apelante, designadamente os 23º, 24º, 27º e 29º dos factos provados da sentença.
Improcederá, pois, a apelação nesta parte.
*
O provimento do recurso quanto às questões que sucessivamente foram identificadas para serem resolvidas estava dependente da alteração pretendida para a matéria de facto, como verificaremos.
Assim, assinalou-se como devendo ser resolvido: se a notificação para preferência, valendo como proposta contratual, foi aceite pela autora; se essa aceitação ocorreu antes da notificação dos termos do segundo negócio; se deve ter-se por eficazmente exercido o seu direito de preferência.
Não se reveste de qualquer controvérsia o reconhecimento de que a autora, como arrendatária da fracção vendida à 2ª ré, tinha direito de preferência nessa venda, como previsto no art. 1091º, nº 1, al. a) do C. Civil.
Por consequência, em ordem a facultar o exercício desse direito, estava a 1ª ré obrigada a comunicar-lhe o projecto de venda e cláusulas do contrato.
É sem qualquer reserva que aderimos à tese – de resto bem descrita pela ora apelante - nos termos da qual a comunicação para preferência tem o valor de uma proposta contratual, tal como lapidarmente consta do sumário do Ac. do STJ de 23-03-2021 (proc. nº 609/19.9T8FND.C1.S1) “(…) III - A comunicação do obrigado feita ao preferente, não deixa de ser uma proposta vinculativa, quer o preferente a ela adira quer a rejeite. Se aderir consuma-se o contrato respetivo, se rejeitar ou nada disser, verifica-se a caducidade do direito do preferente. IV - A notificação/comunicação do obrigado à preferência, contendo todos os elementos necessários à decisão do preferente, configura uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para ambos.”
No caso, tal como dispõem os nºs 4 e 5 do art. 1091º do C. Civil, a comunicação para preferência está sujeita a forma legal, devendo integrar os elementos previstos no nº 1 do art. 416º do C. Civil e ser remetida ao preferente por carta registada com aviso de recepção.
Sendo essa comunicação uma declaração receptícia, torna-se eficaz assim que chegue ao conhecimento do destinatário, nos termos do art. 224º do C. Civil, e desde que seja formalmente adequada (neste sentido, Fernando Ferreira Pinto/Fernando Sá, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, em anotação ao art. 230º, pg. 521).
Para além disso, assim que se torna eficaz, a proposta torna-se irrevogável. Isso mesmo se explica no Ac. do TRP de 20-03-2018 (proc. nº 14589/17.1T8PRT.P1, Relator: Vieira e Cunha, em dgsi.pt), nos seguintes termos: “Temos por preferível o entendimento de que, enquanto declaração firme, completa e, em certos casos, devidamente formalizada, a comunicação para preferência assume os contornos de uma verdadeira proposta contratual, e é, salvo declaração em contrário, irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida – artº 230º nº1 CCiv, podendo sujeitar o obrigado à preferência à obrigação de indemnizar o preferente, caso venha a recusar posteriormente a celebração do contrato, nos termos do disposto no artº 227º CCiv.”.
A irrevogabilidade da proposta não se confunde, porém, com uma figura jurídica que lhe ocorre a montante: a retratação.
Dispõe o nº 2 do art. 230º do C. Civil: “2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.”
Se a irrevogabilidade da proposta visa tutelar a protecção do tráfego negocial, designadamente a protecção da confiança do destinatário da proposta (Fernando Ferreira Pinto/Fernando Sá, ob. e loc. cit.), a admissão da retratação pretende “…proteger a vontade actual do proponente até ao momento em que o destinatário não tenha fundadamente confiado na proposta, isto é, na declaração que primeiro recebeu.” (Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, pg. 318).
Útil, para o caso em apreço, é ainda o referido pelos autores acima referidos (Comentário ao Código Civil) “A declaração de retratação não está vinculada à forma utilizada na proposta, bastando que o destinatário a receba ou a conheça por qualquer meio.”
É com este enquadramento legal que importa analisar a dinâmica das comunicações entre a autora e a 1ª ré, a propósito da iniciativa desta que teve por objecto o projecto, ulteriormente concretizado, de venda da fracção arrendada à autora, onde esta mantinha um estabelecimento comercial.
Resulta do elenco dos factos provados que, apesar da troca de mensagens entretanto ocorrida, foi em 15/10/2019 que a autora recebeu, como formalmente se impunha, a comunicação do projecto de venda desse estabelecimento, incluindo quanto ao preço, condições de pagamento e prazos do negócio (item nº 4 dos factos provados). Como vimos, nesta fase de recurso é irrelevante a circunstância da não identificação do projectado adquirente.
Foi, assim, nessa data que a notificação para preferência se tornou eficaz, tal como acima se justificou, à luz do disposto nos arts. 224º, 416º, 1091º do Código Civil.
Complementarmente, também se apuraram outros dois factos relevantes.
Um de menor importância, nos termos do qual a autora, antes de receber a carta descrita no item 3, a comunicar o projecto de negócio por 25.000,00€, jamais declarou pretender o negócio nas condições propostas. Só o fez depois de receber a referida carta. E diz-se de menor importância porquanto, nos termos do anteriormente referido, só com a recepção dessa carta a proposta de negócio remetida pela 1ª ré se tornaria eficaz.
E diz-se que se tornaria eficaz pois, como também resulta dos factos provados, ainda antes disso, isto é, ainda antes de ter recebido a comunicação do projecto de venda da fracção por 25.000,00€, a 1ª ré lhe comunicou que esse projecto de venda já não existia, tendo sido substituído por um outro, nos termos do qual a fracção seria vendida por 30.000,00€.
Com efeito, tal como consta do item 28º dos factos provados, a 1ª ré, BB, ainda durante a manhã desse mesmo dia 14/10/2019, deu conhecimento à A. de que a interessada havia subido a proposta para € 30.000,00 (trinta mil euros) e que, se quisesse exercer o direito de preferência, teria que pagar este valor. E referiu-lhe que lhe iria remeter uma carta com os termos do novo projecto de negócio, o que veio a acontecer no dia 16/10/2019, apesar de a autora antes lhe ter afirmado que não faria o negócio pelo preço de 30.000,00€, em coerência com o que acabou por nem responder a essa última comunicação.
Da conjugação destes factos, resulta que, aquando do envio, pela autora à 1ª ré, da carta descrita no item 5º dos factos provados, na qual – em suma- declara pretender exercer o seu direito de preferência relativamente ao projecto de negócio inicialmente comunicado (com o preço de 25.000,00€), em 16/10/2019, após ter recebido, em 15/10/2019, a carta em que lhe eram transmitidos os termos desse negócio, já desde momento anterior a própria autora sabia que esse projecto de negócio fora abandonado e substituído por outro, com o preço de 30.000,00€.
Considerou o tribunal recorrido que o exercício do direito de preferência em tais circunstâncias consubstanciava uma situação de abuso, pelo que não deveria ser admitido. E, por isso, rejeitou que à autora devesse ser reconhecido o direito a preferir, no negócio celebrado entre as rés.
E se é certo que essa solução não deveria ser descartada, sendo caso disso, entendemos que a questão deve ser resolvida a montante dela.
Com efeito, tal como resulta do acima exposto, a comunicação para preferência deve ser tida como uma proposta contratual e como irrevogável desde que se torne eficaz, o que ocorre com a sua chegada ao conhecimento do preferente, pela forma legalmente exigida e em termos adequados.
Porém, essa proposta não terá qualquer efeito se, antes de adquirir a sua eficácia, for alvo de retratação. É o que expressamente se consente, nos termos do disposto no nº 2 do art. 230º do Código Civil. Mais cumpre recordar que, como acima se justificou, a retratação nem sequer precisa de revestir a mesma forma que era exigida para a comunicação para preferência.
No caso, ainda antes de receber a proposta de negócio, da venda da fracção por 25.000,00€, foi a autora devidamente informada de que esse projecto de negócio não se iria concretizar. Esta informação foi-lhe prestada não apenas antes de ela ter declarado pretender concretizar a aquisição por 25.000,00€, mas até ainda antes de ter recebido em termos eficazes a comunicação dessa proposta.
Por isso, temos de concluir que, quando a autora recebeu a comunicação do projecto de negócio em relação ao qual veio a declarar pretender exercer um direito de preferência, através da carta expedida para a ré em 16/10/2019, já então, isto é, já em 15/10/2019, e mais concretamente desde a manhã de 14/10/2019, estava desprovida de qualquer efeito essa comunicação. Em suma, já então a autora sabia que nenhum negócio haveria de se realizar pelo preço de 25.000,00€. E, sabendo-o, nenhuma confiança da autora quanto à realização do negócio nesses termos inicialmente anunciados se justificava tutelar, pois que nenhuma confiança nisso poderia ela já ter.
Note-se, em coerência com isto e servindo para a sua demonstração, que a própria autora assumiu que a sua posição se deveria alicerçar no recebimento da carta descrita no item 3, em 15/10. Repetiu-o nas mensagens a que acima se aludiu e nisso se estrutura todo o recurso.
Porém, tal como se referiu, uma tal comunicação perdera já a sua eficácia, designadamente a partir do momento em que, ainda antes do seu recebimento pela autora, a esta foi informado de que o correspondente projecto de negócio não se concretizaria, e de que um outro seria aquele em relação ao qual poderia exercer o direito de preferência que lhe era reconhecido. Atente-se em que, nesta hipótese, não está em causa uma revogação da proposta anteriormente formulada, transmitida e com eficácia adquirida, mas sim a sua remoção antes de adquirir qualquer eficácia.
Por fim, resta afirmar que na presente acção jamais esteve em causa o exercício, pela autora, do direito de preferência em relação ao negócio da venda da fracção em causa pelo preço de 30.000,00€. Com efeito, jamais alegou a autora ter declarado pretender aceitar a proposta do correspondente negócio que lhe foi transmitida por via da carta referida no item 33 dos factos provados (remetida pela 1ª ré em 16/9).
Note-se que, tal como resulta do exposto, é indiferente o exercício desenvolvido pela apelante relativamente ao apuramento sobre qual a carta remetida primeiro, no dia 16/9: se a sua, a aceitar, ou se a da 1ª ré, com os novos termos da venda. É que aquela proposta a que a carta remetida pela autora pretendia responder já não se encontrava provida de eficácia.
Resta, assim, concluir pela ausência de qualquer efeito da declaração da autora quanto ao exercício do direito de preferência relativamente ao negócio inicialmente anunciado, de venda da fracção pelo preço de 25,000,00€, pois que a correspondente proposta foi atempadamente objecto de retratação e ficou desprovida de qualquer relevo. E, bem assim, concluir também pelo não exercício do direito de preferência em relação ao negócio cujo projecto lhe foi oportunamente comunicado e que acabou por ser concretizado, de venda da fracção em questão, à 2ª ré, pelo preço de 30.000,00€.
Por fim, dir-se-á simplesmente que a solução do tribunal recorrido, que se deve manter, apresenta uma motivação em parte coincidente com a motivação do presente acórdão, acabando por reconhecer, tal como aqui, a ausência de uma situação de boa fé ou confiança que merecesse tutela jurídica. Ali, entendeu o tribunal recorrido não dever tolerar-se o exercício do direito de preferência à autora; aqui, entende-se que uma tal ausência de necessidade de tutela da confiança opera a montante, inibindo o reconhecimento do exercício do próprio direito de preferência.
Ficam, nestes termos, respondidas todas as questões que integravam o objecto do recurso, ficando prejudicada a apreciação da pretensão de ampliação do respectivo objecto, nos termos suscitados pelas apeladas.
Negar-se-á, por isso, provimento ao recurso sob apreciação.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC)
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso, na confirmação da douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
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Porto, 5 de Dezembro de 2023
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Ana Lucinda Cabral