PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
COMUNICAÇÃO DA INTENÇÃO DE DESPEDIR
DELEGAÇÃO DE PODERES
RATIFICAÇÃO
Sumário

1 – A comunicação da intenção de despedir em simultâneo com a nota de culpa está na titularidade do empregador, devendo ser efetuada por este.
2 – Efetuada tal comunicação por parte de instrutor a quem foram atribuídos poderes para a instrução, elaboração e remissão de nota de culpa, e preparação do relatório final, tal ato extravasa os poderes assim conferidos.
3 - Com a prolação da decisão de despedir subscrita pela gerência da Empregadora aquela falta de poderes para o ato de comunicação da intenção de despedir tem que considerar-se ratificada.
(sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, A. nos autos à margem referenciados, notificada do despacho saneador que decidiu pela não admissão do pedido reconvencional que deduziu e indeferiu a exceção inominada da falta de representação do Instrutor do Processo Disciplinar para comunicar a intenção de despedimento à A., em sede de procedimento disciplinar e, não se conformando com o mesmo, dele vem interpor o competente RECURSO ORDINÁRIO.
Pede a revogação integral da decisão recorrida ou a declaração da nulidade da mesma, com todas as demais legais consequências.

Formulou as seguintes conclusões:
1 – A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, o recurso mostra-se interposto tempestivamente, o Recorrente tem interesse e manifesta legitimidade para tal, encontrando-se paga a taxa de justiça correspondente;
2 – O despacho recorrido decidiu pela não admissão ou rejeição do pedido reconvencional deduzido pela A. com a sua contestação, com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça inicial, devida pela dedução do pedido reconvencional, calculada pelo Tribunal a quo nos termos do processo comum;
3 – Entende a A., sempre salvo o devido respeito pela posição expressa no despacho recorrido, que em sede de ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a qual consagra um regime de pagamento de taxas de justiça inicial especial e que, por esse motivo, não há lugar à aplicação das normas que seriam aplicáveis aos processos comuns laborais ou cíveis, estando a A. dispensada de pagar aquele valor a título de taxa de justiça inicial;
4 – O despacho recorrido violou o disposto no art.º 98º-P, nº2 do C.P.T. pois decidiu que a A. deveria pagar taxa de justiça, tendo em conta a utilidade económica do pedido no momento da apresentação do pedido reconvencional quando, na opinião da A. e sempre salvo o devido respeito por opinião diversa, tal pagamento deveria ser efetuado, a final, após fixação pelo Juiz do valor da causa nos termos definidos legalmente para a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, uma vez que o pedido reconvencional está deduzido nesta ação, devendo as normas da aplicação da taxa de justiça e custas judiciais, serem as mesmas que são aplicadas ao pedido principal;
5 – No momento processual da não admissão do pedido reconvencional deduzido pela A., não tinha sido fixado e, ainda não foi, de acordo com a lei, o valor da ação;
6 – A comunicação de intenção de despedimento dirigida à A. não foi efetuada pela empregadora, como imperativamente impõe o art.º 353º, nº1 do C.T., nem por pessoa com poderes atribuídos para o efeito;
7 - Como bem refere o despacho saneador, a comunicação de intenção de despedimento, não foi efetuada por quem detinha poderes para efetuar tal comunicação;
8 - Conforme se retira da leitura da atribuição de poderes disciplinares ao Instrutor do Processo Disciplinar, em momento algum, lhe foram atribuídos pela R., os poderes para efetuar a comunicação de intenção de despedimento, prevista no art.º 353º, nº1 do C.T., norma imperativa que atribui em exclusivo, à empregadora, o poder-dever de comunicar a intenção de despedimento ao trabalhador;
9 - Daquele trecho de atribuição de poderes ao Instrutor do processo disciplinar, se pode retirar e concluir que, se a R. não atribuiu tais poderes ao Instrutor do processo disciplinar, de modo expresso, como fez para atribuir poderes para, por exemplo, elaborar a nota de culpa, tramitar o processo disciplinar e preparar o relatório final, então é porque, expressamente, não pretendeu ou não quis, pelo menos naquele momento, atribuir tais poderes ao Instrutor do processo disciplinar.
10 – A decisão de despedimento proferida e enviada para a A., não ratifica a comunicação de intenção de despedimento sem poderes por parte do Instrutor do Processo Disciplinar, sendo omissa a esse respeito;
11 – Não se pode concluir pela atribuição de poderes de representação ao Instrutor do Processo Disciplinar para comunicar à A. a intenção de despedimento, quando tais poderes não lhe foram atribuídos, nos termos da lei civil e, quando, na falta dos mesmos, não existiu qualquer ratificação de tal vício, pressuposto essencial para que a R. pudesse proferir o despedimento da A..
12 - Face ao supra exposto, entende-se que o despacho impugnado, naquela parte, violou o disposto no art.º 353º, n1 do C.T e, bem assim, os art.ºs 258º (à contrario) e 268º, nº1, ambos do Código Civil, devendo ser revogado e julgada procedente a exceção perentória inominada invocada pela A.

BB – SOCIEDADE DE LIMPEZAS, LDA, Entidade Empregadora nos presentes autos e nos mesmos melhor identificada, notificada do requerimento de interposição de recurso apresentado pela Trabalhadora, apresenta as suas CONTRA-ALEGAÇÕES debatendo-se pela improcedência do recurso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido de se mostrarem corretamente liquidadas a taxa de justiça e multa, pelo que o recurso, no que concerne à rejeição do articulado, não merecer provimento, e, bem assim, que o mesmo também não merece provimento quanto ao mais.
 
Ambas as partes responderam ao parecer.
A Apelante alegando que parece existir lapso entre o teor do parecer e as respetivas conclusões no que respeita à questão da rejeição do articulado. E, quanto à segunda questão, mantendo a posição já decorrente das alegações.
A Apelada sufragando o teor do parecer que vai de encontro à sua tese.

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É o seguinte o teor das decisões recorridas:
“…tendo presente o que dispõe o artigo 570º, n.º 6, do Código de Processo Civil, não admito a reconvenção deduzida pela Autora com a contestação ao articulado de motivação do despedimento.”

“Das exceções de nulidade da comunicação da intenção de despedimento e de nulidade e ineficácia jurídica relativa à “subscrição da nota de culpa e poderes de representação

Por tudo o exposto, julgam-se improcedentes as exceções em apreço.”

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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
- A reconvenção deve admitir-se?
- A comunicação de intenção de despedimento dirigida à A. não foi efetuada pela empregadora, como imperativamente impõe o art.º 353º, nº1 do C.T., nem por pessoa com poderes atribuídos para o efeito, pelo que o despacho impugnado deve ser revogado?

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O DIREITO:
Comecemos, então, pela admissibilidade da reconvenção.
Sustenta a Apelante que em sede de ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a qual consagra um regime de pagamento de taxas de justiça inicial especial e que, por esse motivo, não há lugar à aplicação das normas que seriam aplicáveis aos processos comuns laborais ou cíveis, estando a A. dispensada de pagar aquele valor a título de taxa de justiça inicial.
No âmbito dos autos foi proferido um despacho, em 18/11/2022, no qual é indeferido “o requerido pela Autora quanto à pretensão de não pagamento da taxa de justiça adicional e multa” tendo-se determinado que se considere sem efeito a notificação feita pela secretaria à Autora para pagamento de 7 Uc de taxa de justiça acrescida de multa no valor de 5 UC, notificando a Autora para, no prazo de 10 dias, proceder (apenas) ao pagamento da taxa de justiça em falta, no valor de 6,5 UC´s, acrescida da multa no valor de 5 UC´s, nos termos do disposto no artigo 570º, n.º 3, do CPC.
Interposto recurso de tal despacho veio a proferir-se, em 27/09/2023, acórdão que negou provimento ao recurso e manteve o despacho recorrido.

No entretanto, a presente instância esteve suspensa porquanto era evidente “que ambos os recursos, na parte atinente à reconvenção, se entrecruzam, estando a decisão do presente condicionada pela do primeiro”.
Mostrando-se definitivamente decidida a questão da necessidade de pagamento de taxa de justiça e multa, e tendo a decisão de que ora se recorre – que, lembra-se, é de inadmissibilidade da reconvenção -, tido na sua base a omissão de pagamento das mesmas e as consequências que daí emergem por força do disposto no Art.º 570º/6 do CPC, não resta senão sufragar a decisão recorrida.
Na verdade, tendo-se formado caso julgado quanto à necessidade de corresponder à tributação, tal questão não poderá, de novo, ser reapreciada.
Termos em que improcede a questão em apreciação.

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Passamos à segunda questão – a invocada falta de poderes para comunicar a intenção de despedimento.
Na sua contestação veio a Trabalhadora invocar a nulidade da comunicação da intenção de despedimento que lhe foi dirigida por não ter sido efetuada pela Ré/Empregadora nem por pessoa que a representa, com poderes para o efeito, pois que se encontra subscrita pelo Advogado da Ré, nomeado instrutor do processo disciplinar, pessoa que não pertence a qualquer órgão estatutário da Ré, e não por alguém com poderes para o efeito, pertencente aos seus órgãos estatutários, que a pudesse vincular legalmente, sendo que tal comunicação, imposta pelo artigo 353º, nº 1, do C.T., incumbe ao empregador, não se confundido com os poderes de instrução do processo disciplinar conferidos ao instrutor.
Conforme dito acima tal exceção foi julgada improcedente.
A decisão recorrida fundamentou nos seguintes termos:
Como decorre dos artigos 98.º e 329.º, n.º 4, do CT a detenção do poder disciplinar pertence ao empregador ou a superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos pelo empregador.
A simples nomeação de instrutor do processo disciplinar não faz com que o poder disciplinar passe a pertencer ao instrutor pelo que este não tem poderes para suspender preventivamente o trabalhador (os artigos 329.º, n.º 5, e 354.º, n.º 1, ambos do CT, referem expressamente “o empregador”), comunicar a decisão da intenção de proceder ao despedimento acompanhada da nota de culpa (nos termos do art.º 353.º, n.º 1, do CT) ou decretar a decisão final de despedimento.
No entanto, nada impede que o empregador delegue, expressamente, no instrutor do processo disciplinar tais poderes pois a exclusividade da titularidade do poder disciplinar do empregador não se estende ao exercício desse mesmo poder, que pode ser levado a cabo por outrem, nomeadamente pelo instrutor do processo disciplinar, desde que lhe sejam conferidos poderes de representação específicos pelo empregador e que limite a sua atuação aos poderes que lhe são conferidos pelo empregador.
Como refere o Professor João Leal Amado (em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, na nota 556 do rodapé da página 395), “o titular do poder disciplinar é o empregador, mas nada impede que o procedimento seja desencadeado por um superior hierárquico, com competência disciplinar, ou até por uma entidade externa (p. ex., um advogado), em representação do empregador.”.
De resto tal entendimento tem igualmente acolhimento jurisprudencial em vários arestos, entre os quais:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/30/2014 - Processo: 396/12.1TTPDL.L1-4: “1- O artigo 98° do CT atribui a titularidade do poder disciplinar ao empregador que, contudo, pode delegar o seu exercício nos superiores hierárquicos dos trabalhadores, de uma forma específica, ou seja, num caso concreto, ou por delegação genérica, aplicável ao exercício do poder disciplinar, em geral, através de instrumentos de regulamentação coletiva (art.º329, n.º 4, do CT). Pode ainda o empregador ou o superior hierárquico a quem foi delegado o exercício o poder disciplinar, confiar este exercício a instrutores disciplinares, terceiros relativamente à entidade empregadora”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/11/2019 - Processo: 1071/18.9T8EVR-A.1: “1. O poder disciplinar pode ser exercido por pessoa diversa do empregador, seja um superior hierárquico com funções disciplinares, seja outra pessoa com poderes de representação para o efeito.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/20/2000 - Processo: 00S2370: “I- A delegação do poder disciplinar deve ser feita por forma processualmente válida e deve ser levada ao processo disciplinar por qualquer forma.”
Ora, no caso em apreço, consta desde logo a fls. 1 do processo disciplinar, deliberação da Ré, com assinatura e carimbo, datada de 26.05.2022 a determinar a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento, contra a Autora, ali se consignando que “Constitui para o efeito como instrutor o mesmo Dr. CC, a quem confere os necessários poderes de instrução e representação para elaborar e remeter nota de culpa, conduzir diligências de prova, tramitar o processo e preparar relatório final”.
É verdade que ali não se refere expressamente os poderes de representação para efetivar a comunicação da intenção de proceder ao despedimento. Todavia, há muito se vem entendendo que tal comunicação pode ser feita na própria nota de culpa (neste sentido vejam-se entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2004 - Processo: 03S1887, e de 01/13/2010 - Processo: 1321/06.4TTLSB.L1.S1) para a qual foram conferidos poderes expressos de representação, que constam de documento que integra o próprio processo disciplinar sendo que, no caso em apreço nos autos, a própria nota de culpa reitera a comunicação da intenção de despedimento (veja-se a al. G) do ponto “IV -Enquadramento de Direito”).
Mas, se ainda assim se entendesse ser de suscitar questão relativa à falta de poderes / competência do instrutor para efetivar a comunicação da intenção de despedimento ou da própria nota de culpa, sempre se teria de concluir que com a deliberação final do despedimento proferida pela Ré e comunicada à Autora (que a juntou com o formulário que deu início aos autos), teria ficado ratificada a tramitação do processo disciplinar e suprida a alegada falta de poderes do instrutor.
Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/20/2017 - Processo: 2535/14.9T8GMR-B.G1: “1- A instauração e prossecução do processo disciplinar constitui ato de mera administração e deve ser considerado com ato de gestão normal na medida em que também é urgente e inadiável.
2- Se alguma irregularidade se pudesse assacar ao procedimento por falta de competência de quem o determinou e nomeou instrutor a assinatura na decisão final pelo presidente da recorrida significa a sua ratificação.”.
Alega a Apelante que os poderes de instrução do processo disciplinar, não se confundem com os poderes da Empregadora, nem com o poder-dever de comunicar a intenção de despedimento, em procedimento disciplinar em que venha a ser aplicada a sanção de despedimento, a qual, de acordo com o regime imperativo da cessação do contrato de trabalho, deverá ser comunicada pelo Empregador. Como bem refere o despacho saneador, a comunicação de intenção de despedimento, não foi efetuada por quem detinha poderes para efetuar tal comunicação. Conforme se retira, da leitura da atribuição de poderes disciplinares ao Instrutor do Processo Disciplinar, em momento algum, lhe foram atribuídos pela R., os poderes para efetuar a comunicação de intenção de despedimento, prevista no art.º 353º, nº1 do C.T.
E nem se diga que a decisão de despedimento proferida e enviada para a A.,
ratifica a não atribuição de tais poderes de comunicar a intenção despedimento, porquanto a comunicação de intenção de despedimento, deve ser efetuada, imperativamente, nos termos da lei, pela empregadora e não por qualquer terceiro que, in casu, nem sequer tinha os poderes para o efeito.
Respondeu a Apelada que delegou os poderes disciplinares na pessoa do instrutor – poderes de preparar, subscrever e remeter nota de culpa com intenção de despedimento.
Que decidir?
Extrai-se da decisão recorrida, como factualidade relevante e não posta em causa, que:
-…consta desde logo a fls. 1 do processo disciplinar, deliberação da Ré, com assinatura e carimbo, datada de 26.05.2022 a determinar a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento, contra a Autora, ali se consignando que “Constitui para o efeito como instrutor o mesmo Dr. CC, a quem confere os necessários poderes de instrução e representação para elaborar e remeter nota de culpa, conduzir diligências de prova, tramitar o processo e preparar relatório final”.
Com o presente recurso não está em causa a possibilidade de delegar os poderes instrutórios – questão da qual não nos vamos ocupar-, mas sim se os poderes para efetuar a comunicação de intenção de despedimento foram conferidos ao instrutor.
Emerge claramente da factualidade em presença que não foram.
Os poderes que vemos terem sido conferidos foram os de instrução, ou seja, recolha de provas, e representação para elaborar e remeter nota de culpa e, numa fase subsequente, preparar o relatório final.
Tudo isto é distinto da comunicação da intenção de despedir conforme decorre, aliás, explicitamente, de quanto se dispõe no Art.º 353º/1 do CT.
Consigna-se ali que, verificando-se algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa…
Donde, estão ali previstos dois distintos atos: a comunicação da intenção de despedimento, um ato que está na titularidade do empregador, e a junção da nota de culpa.
A comunicação da intenção de despedimento, até pela sua gravidade e consequências, não se confunde com a realização de atos instrutórios ou de elaboração da nota de culpa. Traduz a manifestação de vontade, inicial, de vir a pôr termo ao contrato de trabalho em consequência dos factos em instrução.
Compulsados os autos verificamos que a comunicação em causa foi efetuada pelo instrutor com poderes instrutórios na qual se refere:
“Por decisão da gerência da BB-SOCIEDADE DE LIMPEZAS, LDA., foi determinado instaurar-lhe processo disciplinar com intenção de despedimento pelos factos constantes da nota de culpa, da qual segue uma cópia em anexo.”
Nesta carta dá-se conhecimento da referida “deliberação da Ré, com assinatura e carimbo, datada de 26.05.2022 a determinar a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento”. Mas a comunicação à Trabalhadora não é assinada pela R. nem por pessoa com poderes para o efeito.
No Acórdão desta RLx. proferido no âmbito do Proc.º 4864/10.1TTLSB, citado pelo Ministério Público no seu parecer[1], decidiu-se que nada na lei impõe que a comunicação da intenção de despedir seja feita obrigatoriamente pela entidade patronal.
Não subscrevemos este entendimento, dada a letra do Art.º 353º/1 do CT.
Não deixamos, contudo, de notar, que naquele aresto se dá conta de uma declaração em que a Empregadora consignou “...) Pela sua gravidade, o comportamento do trabalhador acima descrito, constituiu motivo indiciário suficiente para despedimento com justa causa, nos termos dos artigos 328.º, alínea f) e 351.º do Código do Trabalho, pelo que se determina que contra o mesmo trabalhador seja instaurado processo disciplinar, para o qual designo como instrutor o Exmo. Sr. Dr. F, Advogados, com escritório (...), em Lisboa.(...), e (...) Emita-se nota de culpa, onde devem constar os factos vertidos na presente comunicação e comunique-se ao trabalhador a intenção desta empresa de proceder ao seu despedimento[2].” Ou seja, existe aqui uma delegação de poderes no sentido de comunicar a intenção de despedir.
No concernente aos Ac. do STJ de 01/13/2010, Processo 1321/06.4TTLSB.L1.S1 e 05/05/2004, Processo 03S1887, citados na decisão recorrida, salientamos que a questão em apreciação não constituiu objeto de tais decisões. Ponderou-se ali algo distinto - A intenção do empregador proceder ao despedimento não tem de constar de comunicação autónoma, podendo ser expressa na nota de culpa.
Isto posto, voltemos ao caso sub-júdice.
Conforme deixámos antever, não podemos deixar de concluir pela falta de poderes do instrutor para realizar a comunicação da intenção de despedir, comunicação essa que a lei exige seja feita pelo empregador. Daqui emerge a necessidade de delegação de poderes também para este efeito específico e não só para a tramitação do processo disciplinar.
Donde se conclui que a comunicação efetuada pelo instrutor se traduziu num ato jurídico para o qual o mesmo não estava mandatado.
Porém, não numa nulidade, por não ser tal ato contrário à lei, mas apenas realizado sem dependência dos necessários poderes, e, por isso, ineficaz em relação à Empregadora (Art.º 268º/1 do CC).

A decisão recorrida ponderou ainda, com apoio no Ac. da RG de 20/04/2017, Proc.º 2535/14.9T8GMR que “sempre se teria de concluir que com a deliberação final do despedimento proferida pela Ré e comunicada à Autora (que a juntou com o formulário que deu início aos autos), teria ficado ratificada a tramitação do processo disciplinar e suprida a alegada falta de poderes do instrutor.
Tendemos a concordar com este modo de ver as coisas.
Na verdade, o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for ratificado (Art.º 268º/1 do CC, aplicável ex vi Art.º 295º). A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração (nº 2) e pode ser tácita[3].
No caso, a lei não exige forma especial para a delegação dos poderes em causa.
Ora, com a prolação da decisão de despedir, datada de 7/07/2022, subscrita pela gerência da Apelada, aquela falta de poderes para o ato de comunicação da intenção de despedir tem que considerar-se ratificada e assumida pela mesma. Donde o processo disciplinar não se considera eivado de alguma nulidade[4].
Termos em que improcede a questão em análise.

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Tendo ficado vencida na apelação, a Apelante suportará as respetivas custas nos termos do disposto no Art.º 527º do CPC.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar os despachos recorridos.
Custas pela Apelante.
Notifique.

Lisboa, 14/12/2023
MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
SÉRGIO ALMEIDA
"Não acompanho a fundamentação no que toca a saber se a comunicação da intenção de despedimento tem de ser feita pelo empregador.
Com efeito, se este pode delegar o exercício do poder disciplinar (art.º 98, 329/4, 356/1) e se para o despedimento poder ter lugar tem de ser comunicada tal intenção ao trabalhador nos alvores do procedimento disciplinar (art.º 353/1 e 382/2/a), então por maioria de razão o instrutor há-de poder fazer a comunicação de tal intenção, que não reveste natureza decisória. E a isto não obsta a letra do art.º 353/1, que se refere ao empregador por antonomásia (assim como o n.º 4 do art.º 329 ao referir-se ao superior hierárquico não obsta a que outros instruam o procedimento, vg advogados)."

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[1] Já o Ac. do STJ de 21/03/2012, Proc.º 161/09.3TTVLG, também citado pelo Ministério Público, incide sobre questão algo distinta - invalidade do procedimento disciplinar, com o fundamento de que a decisão final não foi proferida diretamente pela R./empregadora
[2] Sublinhado nosso
[3] Neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, nota 2, no Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora Limitada, 248
[4] Situação distinta seria a falta de comunicação da intenção de despedir anexa à nota de culpa (Artº 382º/2-b) do CT