CONDOMÍNIO
PARTE COMUM
NÃO USO DA PARTE COMUM
RECOLHA DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Sumário

I.–A par do inquestionável direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção, ao carácter instável e precário da compropriedade das partes comuns contrapõe-se, cada vez mais, no condomínio, uma afectação estável e essencial das coisas comum.

II.–Desde que a coisa comum esteja afecta a uma determinada finalidade e que cada um dos condóminos possa dela usufruir directamente (ex. sala de condomínio, ginásio ou piscina privativos do condomínio, etc), qualquer acto que tenha a susceptibilidade de perturbar ou retirar esse direito a cada um dos condóminos só pode validamente ser realizado com o acordo de todos os condóminos, mas sendo determinada parte comum nenhum condómino pode legitimamente considerar que não lhe é devida a despesa que tal parte possa acarretar, nomeadamene invocando o seu não uso.

III.–No que concerne à recolha dos resíduos sólidos domésticos de cada condómino, haverá que considerar no âmbito do Município de Lisboa, onde se situa o condomínio em causa, o Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, aplicável a todos os utentes, não podendo os condóminos invocar o não pagamento do serviço exigido por tal regulamento com a invocação do seu não uso pessoal.

(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.Relatório:


R… e esposa, E… e M…, todos devidamente identificados nos autos,  intentaram a presente acção declarativa sob a forma comum contra a Administração do Condomínio do prédio sito na rua …, M… e A…, J…, M… e P… e L… e C…, peticionando que sejam anuladas as deliberações da Assembleia de Condóminos do Condomínio do prédio sito na Rua …, em Lisboa, realizada no dia 11/02/2021, vertidas nos pontos 1, 2 e 3 da acta da referida Assembleia.
Citados os réus foi pelos mesmos contestada a acção, quer por excepção, quer por impugnação.
No saneador o Tribunal julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva dos Réus M… e A…, J…, M… e P… e L… e C… e, em consequência, absolveu os mesmos da instância. Mais julgou improcedente a invocada excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e julgou ainda improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção dos Autores.
Foi fixado como objecto do litígio “apurar se as deliberações constantes dos pontos n.º 1, 2 e 3 da Acta n.º 36, aprovadas em Assembleia de Condóminos realizada em 11/02/2021 são inválidas por falta de fundamento legal e convencional e ainda apreciar da litigância de má fé dos Autores”.
No saneador foi a acção julgada totalmente improcedente e, em consequência, foi o Condomínio do prédio sito na rua … Lisboa absolvido de todos os pedidos formulados. Foi ainda julgada não verificada a litigância de má fé dos Autores, pelo que foram os mesmos absolvidos do pedido de pagamento de indemnização.

Inconformados vieram os AA. recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1.Foi suscitado pelos Apelantes, tanto na acção declarativa que se encontra pendente em juízo (P.º n.º 16156/20.3T8LSB - Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 12), como nos referidos procedimentos de Embargos de Executado [cfr. Factos assentes n.ºs 11 e 12 da Sentença Recorrida], a ilegalidade de estar a ser imputado aos Autores o pagamento de honorários de advogado que se encontra a representar não só a Administração, como também os demais condóminos que votaram favoravelmente as deliberações objecto de impugnação nesses processos;
2.O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (2.ª Secção), já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo n.º 15187/19.0T8LSB.L1 (Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 13), instaurado pelos Apelantes contra o Réu, confirmou que as despesas de contencioso elencadas no relatório e contas de 2020 e orçamento das contas de 2021, não são exigíveis aos Apelados (cfr. ponto 10) do acórdão[páginas 61 a 61] – doc. n.º 1 junto com o Requerimento Probatório dos Autores apresentado em 28/03/2022 - referência citius n.º 41772487).;
3.–Do referido Aresto resulta sumariado: “É ilegal, por violação do n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, a deliberação da assembleia de condóminos que aprova a comparticipação no pagamento de honorários de advogado de condóminos em acção judicial em que a parte contrária é constituída por outros condóminos, ainda que apelide os condóminos beneficiados como defensores de interesse comum.”;
4.– Tal acórdão também considerou ilegal a aprovação de despesa estranha aos interesses do condomínio (orçamento de diagnóstico aos problemas de construção do prédio a realizar pela empresa H… – Consultores e Engenharia, Lda, pelo valor de € 9 225,00, aprovado na assembleia de condóminos de 27/03/2019) e cuja proporção, imputada aos Apelantes, constitui parte significativa das quantias exequendas peticionadas pelo Condomínio no âmbito dos processos executivos aos quais os recorrentes deduziram embargos identificados nestes autos;
5.–O Tribunal Recorrido andou mal, uma vez que admite a consignação de despesas que não podem ser incluídas nas contas do condomínio, sob pena das mesmas serem passíveis de imputação aos condóminos/Apelantes;
6.–Tratando-se de despesas com taxas de justiça e honorários de advogado em acções judiciais instauradas contra os Apelantes, não estamos no âmbito de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10;
7.–As aludidas despesas com taxa de justiça e honorários de advogado, no âmbito de processos judiciais pendentes, deverão ser suportadas/compensadas ao abrigo do mecanismo da reclamação de custas de parte, por via da apresentação da respectiva nota, valor que somente pode ser apurado e reclamado após o trânsito em julgado da sentença que incida sobre tais processos;
8.–Aliás essas despesas estão a ser imputadas nas quotas dos condóminos/apelantes, conforme resulta de deliberação da Assembleia de Condóminos de 03/02/2022;
9.–Não tem justificação legal incluir as referidas despesas nas contas de 2020, não sendo, aliás, as mesmas alusivas a encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio ou relativas a pagamentos de serviços de interesse comum;
10.–A Sentença Recorrida devia ter declarado a nulidade da aprovação das contas no que concerne às despesas respeitantes à rubrica “Contencioso” do relatório e contas de 2020 - Ponto 1. da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021;
11.–Por via de tal decisão, o Tribunal “A Quo” violou o disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil, assim como o estatuído no artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10;
12.–Contrariamente ao sufragado na Sentença Recorrida, as despesas de limpeza e recolha de lixo, aludem a actividades inseridas na administração das partes comuns do edifício;
13.–A administração das partes comuns do prédio incumbe à Assembleia de condóminos, conforme resulta estatuído no artigo 1430, n.º 1 do Código Civil;
14.–O Tribunal Recorrido, reconhece que o valor orçamentado respeitante à limpeza das partes comuns do prédio e recolha do lixo, que se encontra a ser cobrado e incluso nas contas de 2020, não foi sujeito a votação e aprovação pelos condóminos;
15.–O Serviço de recolha e utilização do caixote do lixo não é utilizado pelos Apelantes;
16.–Cabia à Assembleia de Condóminos aprovar as despesas referentes a tais actividades, inseridas na administração das partes comuns do prédio, não podendo o Administrador, à revelia da aludida Assembleia, negociar os termos e condições da realização desses serviços, por força do disposto no artigo 1430.º, n.º 1 do Código Civil;
17.–Tendo o valor de tais despesas sido apresentado nas contas sem o prévio conhecimento dos Apelantes, ocorreu uma clara violação do artigo 5.º, n.ºs 2 e 4 do Regulamento do Condomínio;
18.–A deliberação que incide sobre a aprovação de tal despesa (Ponto 1. da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021) devia, por conseguinte, ter sido declarada inválida pelo Tribunal “A Quo”, tendo, Sentença Recorrida violado o disposto no artigo 1430.º, n.º 1 do Código Civil e artigo 5.º, n.ºs 2 e 4 do Regulamento de Condomínio;
19.–Os serviços incluídos na rubrica das contas de 2020: “serviços de inspeção dos elevadores, serviços de inspeção e manutenção de gás e serviços de manutenção do portão da garagem” - Ponto 1. da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021, não foram realizados;
20.–É apodítico que esses serviços não foram pagos, não tendo aliás, o Apelado apresentado qualquer prova de pagamento;
21.–Não constituía ónus a cargo dos Apelantes alegar o não pagamento dos referidos serviços;
22.–Resulta demonstrado que as referidas despesas não podem ser incluídas nas contas de 2020, uma vez que os serviços não foram realizados e assim sendo, a sua orçamentação é passível de gerar prejuízo para os condóminos, com a agravante de tais despesas resultarem imputadas nas quotizações destes;
23.–A despesa relacionada sob a epigrafe “manutenção do portão da garagem” (página 5 – nota de lançamento 56 – doc. 5), no valor de € 59,66, alusiva à substituição de um comando do portão da garagem, deve ser somente imputada aos condóminos que fazem uso desse comando, por força do estatuído no artigo 1424.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil;
24.–A despesa com a substituição do comando da garagem não tem natureza comum, uma vez que os Apelantes tem os seus próprios comandos e o comando danificado é utilizado pelos demais condóminos;
25.–Não é aceitável, portanto, a posição do Tribunal “a quo” no que a esta matéria respeita, tendo o aresto recorrido violado o disposto nos artigos 1424.º, n.ºs 2 e 3 e 1431.º, n.º 1 todos do Código Civil;
26.–Em relação ao proprietário da fracção “B”, o mesmo não pode ficar eximido do dever do pagamento de quotas ordinárias do condomínio, como dever consagrado no artigo 1424.º do Código Civil, com base numa suposta cessão de crédito;
27.–O crédito favorável ao proprietário da fracção “B” incluso no relatório e contas de 2020 nem sequer resultou legalmente formalizado, nem tão pouco foi sujeito à apreciação dos condóminos em sede de Assembleia de Condomínio;
28.–Ainda que se admita que a cessão de créditos não carece do consentimento do devedor, a verdade é que tal acto, conforme resulta assente, nunca foi comunicado aos condóminos Apelantes, pelo que a ter ocorrido a sua aceitação, conforme o Tribunal “A quo” reconhece, foi somente por parte dos condóminos das fracções “A”, “C”, “D” “E”, “F” e “G”;
29.–Não dispondo o condomínio de personalidade jurídica, a referida cessão de créditos devia ter sido comunicada a todos os condóminos e não o tendo sido, tal acto padece de ineficácia em relação ao devedor, não tendo sido cumprido o disposto no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil;
30.–Não pode o proprietário da fracção “B” arrogar-se de qualquer direito de crédito sobre o condomínio que legitime o não pagamento das quotas e despesas devidas por essa fracção;
31.–A omissão de tal dever deste condómino constitui violação ao estatuído nos artigos 1424.º e 1436.º, alínea e) do Código Civil e artigos 14.º e 27.º, n.º 5 do Regulamento do Condomínio, disposições que resultaram também violadas pelo Tribunal Recorrido, assim como resultou desrespeitada a norma prevista no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil;
32.–O Tribunal “A Quo” devia ter ordenado o dever de passar a constar, nas contas de 2020, como dívida do proprietário da fracção “B”, as quantias respeitantes às quotas não pagas desde a data da aquisição de tal fracção a favor deste;
33.–Em relação à deliberação de nomeação da administração para o ano de 2021(Ponto 2. da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021) resulta demonstrado que em 2017, os condóminos, em Assembleia realizada em 18/04/2017, aprovaram que anualmente e alternadamente, haveria uma comissão de acompanhamento da administração do condomínio.
34.–Está assente que em 2018, a Apelante M… foi impedida de fazer parte dessa comissão.
35.–No ano de 2019, voltou a haver uma comissão de acompanhamento, composta pela Condómina L… (que já repetiu a presença na Comissão de Acompanhamento) e pelo anterior proprietário da fracção “D” e em 2020, sucederam as Condóminas L… e M….
36.–Atendendo à deliberação da Assembleia de 18/04/2017, que não resultou impugnada ou revogada, devia fazer parte da comissão de acompanhamento à administração e movimentadora da conta a Apelante M..., uma vez que não exerceu tal cargo em 2018 e tão pouco o exerceu em 2020, conforme havia sido estipulado pelo condomínio.
37.–Resulta demonstrado que não resultou respeitado o sistema de alternância no que concerne à composição da comissão de acompanhamento da administração, tendo a Apelante M… sido impedida de integrar essa comissão, tanto no ano de 2018, como nos anos seguintes.
38.–A deliberação que resulta impugnada nestes autos é inválida, uma vez que não faz cumprir uma outra deliberação, que, no que a esta matéria respeita, resultou aprovada através de Assembleia realizada no dia 18/04/2017.
39.–Neste segmento decisório, andou mal o Tribunal “A Quo”, tendo a Sentença Recorrido violado o disposto no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento do Condomínio.
40.–Relativamente à rubrica orçamentada para fazer face a despesas de contencioso (ponto 3 da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021), os Autores reiteram o invocado nas presentes alegações [alínea A) – i], insurgindo-se em relação à posição do tribunal Recorrido, considerando a sentença recorrida violadora do disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do Código Civil;
41.–O valor da despesa respeitante a “contencioso” ficar de fora do orçamento do condomínio para o ano de 2021;
42.–Relativamente à rubrica respeitante às despesas orçamentadas com a “Limpeza” e “Recolha do Lixo” (ponto 3 da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021). reiteram, outrossim, os Apelantes o já invocado na alínea A) – ii destas alegações, resultando violado, pelo Tribunal “a quo” o disposto no artigo 1430.º, n.º 1 do Código Civil e artigo 5.º, n.ºs 2 e 4 do Regulamento de Condomínio;
43.–O Tribunal Recorrido não pode afastar a obrigação dos condóminos das fracções “A”, “B” e “C”, no que respeita ao pagamento das despesas com a manutenção da garagem do prédio;
44.–Os Apelantes alegam factos que permitem concluir como ilegal o afastamento do dever desses condóminos em contribuir para a regularização das despesas de administração dessa parte do prédio;
45.–Resulta demonstrado que tal espaço comum tem afectos os contadores da água e constitui serventia ao saguão do prédio, cuja manutenção é feita através da garagem;
46.–Trata-se de espaço cuja fruição é comum a todos os condóminos;
47.–Por conseguinte todos os condóminos devem contribuir para o pagamento das despesas de manutenção da garagem;
48.–O orçamento de 2021 devia aludir a essa obrigação dos condóminos proprietários das aludidas fracções e afectar aos mesmos as despesas respeitantes à manutenção da garagem do prédio;
49.–O tribunal Recorrido ao ter afastado esse dever, que também é legalmente imputável aos proprietários das fracções “A”, “B” e “C”, violou, manifestamente, o disposto no artigo 1424.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.».
Concluem pedindo o provimento ao recurso e, em consequência que sejam anuladas as deliberações da Assembleia de Condomínio do prédio em causa realizada no dia 11/02/2021. No recurso vieram ainda requerer “a junção aos presentes autos de recurso o documento identificado sob o n.º 1, fundamentando-se a presente junção, ao abrigo dos artigos 651.º, n.º 1 e 423.º do Código de Processo Civil, com base na obtenção por parte dos Apelantes de elementos de prova relevantes, em data posterior ao encerramento da produção de prova nos presentes autos, e considerando ainda a decisão que, sob a matéria de facto impugnada, foi proferida em primeira instância.”.
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão prévia- Da junção de documento com as alegações de recurso:
Os apelantes nas suas alegações de recurso requerem a junção de um documento, justificando apenas que “a junção aos presentes autos de recurso o documento identificado sob o n.º 1, fundamentando-se a presente junção, ao abrigo dos artigos 651.º, n.º 1 e 423.º do Código de Processo Civil, com base na obtenção por parte dos Apelantes de elementos de prova relevantes, em data posterior ao encerramento da produção de prova nos presentes autos, e considerando ainda a decisão que, sob a matéria de facto impugnada, foi proferida em primeira instância”.
O documento em causa constitui a acta nº 37 do condomínio em causa, datada de 3/02/2022.  
Os presentes autos deram entrada em tribunal a 4/06/2021, mas o Tribunal de 1ª instância, com data de 14/09/2022, convidou os AA. a aperfeiçoar a petição inicial. Os AA. responderam a tal convite por requerimento de 29/09/2022, tendo junto com o mesmo a Acta nº 32. Acresce que o Tribunal a quo a 6/03/2023, anunciou a possibilidade de conhecer do mérito da acção dando a possibilidade às partes de alegarem, o que os AA. fizeram por requerimento de 20/03/2023.
Importa ainda presente que os presentes autos visam a anulação das deliberações da Assembleia de Condóminos de 11/02/2021, sendo que os apelantes não impugnam a factualidade que deva ser considerada.
Dispõe o nº1 do art. 651º do CPC que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância».
Por seu lado, preceitua o art. 425º do CPC que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».
Abrantes Geraldes refere, a propósito da junção de documentos na fase do recurso, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pp. 203-204, o seguinte: «Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa ao resultado».
Como se decidiu no Ac. da Rel. do Porto de 26-09-2016 Proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1, publicado em www.dgsi.pt:«I–Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II–Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III–Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV–Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V–Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.».
Donde, a junção de documentos com as alegações de recurso é, na verdade, excepcional, desde logo porque, ainda que se impugne a matéria de facto, não visa esta provocar um segundo julgamento pelo Tribunal da Relação, nem os julgamentos podem ser prolongados ad infinitum, nem o contraditório pode assumir na fase de recurso a mesma dimensão que tem numa audiência de discussão e julgamento, com a imediação que esta proporciona e com todas as virtualidades que a discussão que, no seu âmbito, se desenrola, permite.
Ora, no caso dos autos nem resulta das alegações de recurso qualquer impugnação factual qua tale, nem sequer se verifica que o documento seja posterior aos articulados juntos na acção pelos apelantes, nomeadamente considerando a petição inicial aperfeiçoada, a qual tem data posterior à Acta ora junta.
Por outro lado, visando os AA. a anulação das deliberações tomadas a 11/02/2021, em nada releva a junção da Acta nº 37 a qual contém outras deliberações as quais não estão em causa nos autos.
É certo que os apelantes indicam uma determinada deliberação contida em tal acta na sua conclusão 8ª, porém, não se discute a mesma nesta acção, nem o alegado pode ser apreciado nesta sede, por não ter sido alegado ou apreciado no Tribunal recorrido, não visando os recursos apreciar questões novas. Logo, a apreciação da eventual legalidade de uma deliberação apenas pode ter na sua base o já alegado e constante nos autos e não uma deliberação posterior, a qual não se discute nestes autos.
Assim, há que indeferir a requerida junção do documento apresentado com a alegação de recurso.
Com o desentranhamento ou eliminação electrónica do documento deverão ainda os recorrentes serem condenados nas custas do incidente a que deram azo com tal conduta processual, o que se decide a final.

        
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto é de considerar a anulação das deliberações da Assembleia de Condomínio do prédio em causa realizada no dia 11/02/2021, sob os pontos 1, 2 e 3, a saber:
- Ilegalidade das despesas com contencioso, limpeza e recolha de lixo, diagnóstico de problemas de construção, manutenção do portão da garagem e inspecção dos elevadores (alegando que tal serviço não foi realizado);
- Cessão de crédito do anterior proprietário da fracção “B” para o actual proprietário;
- Nomeação da administração, que não respeitou a alternância estabelecida na Assembleia realizada a 18/04/2017;
- Imputação das despesas da manutenção da garagem com exclusão das lojas do edifício.
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II.–FUNDAMENTAÇÃO:

No Tribunal recorrido foram considerados provados, por acordo, os seguintes Factos:
1.–R… e E… são proprietários da fração identificada pela letra “H”, do imóvel sito na Rua ….
2.–M… é proprietária da fração identificada pela letra “I”, do imóvel sito na Rua ..... ....., n.ºs ... a ....
3.–A primeira Ré foi indigitada administradora do Condomínio do Prédio Urbano ora identificado, através de deliberação aprovada por maioria simples em assembleia de condóminos realizada no dia 04/06/2020.
4.–Os segundos Réus são proprietários da fração “B” do aludido prédio urbano, enquanto a segunda Ré A… é proprietária das frações identificadas pelas letras “C e “E”.
5.–A terceira, quartos e quintos Réus, são proprietários, respectivamente, das fracções identificadas pelas letras “D”, “F” e “G” do mesmo prédio urbano.
6.–O identificado prédio encontra-se constituído em propriedade horizontal, estando as respectivas permilagens das diversas frações definidas em tal título constitutivo.
7.–No dia 11/02/2021, realizou-se a Assembleia-Geral de condóminos, devidamente convocada, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Apresentação e aprovação de contas de 2020;
2 – Nomeação de administração para 2021;
3 – Apresentação e aprovação de orçamento para 2021;
4 – Análise e decisão de obras necessárias no Condomínio;
5 – Outros assuntos de interesse geral do Condomínio.”
8.–Nessa Assembleia Geral de Condóminos foi deliberado aprovar as contas de 2020 conforme relatório e contas de 2020, por maioria, com 58,33% de votos a favor, e 41,67% de votos contra.
9.–Os votos contra foram apresentados pelos Autores.
10.–As despesas indicadas na rubrica “Contencioso” com os números de lançamento 35, 36, 33, 34, 28, 29, 30 e 31, são alusivas a taxas de justiça, honorários de agente de execução e honorários de advogado são emergentes dos processos executivos n.ºs 18425/20.3T8LSB (Juiz de Execução de Lisboa – Juiz 9) e 18428/20.8T8LSB (Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 3).
11.–Tais processos foram instaurados contra os aqui Autores tendo como título executivo acta deliberativa de Assembleia de Condóminos de 04/06/2020, que foi judicialmente impugnada pelos Autores através do processo n.º 16156/20.3T8LSB que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 12.
12.–Foram deduzidos embargos no âmbito das referidas execuções com fundamento na impugnação judicial das referidas deliberações.
13.–No âmbito desses embargos não foi, até à presente data, proferida qualquer sentença que incida sobre tal matéria.
14.–Tanto na supra referida acção declarativa, como no âmbito dos aludidos embargos de executado, os Autores suscitam a ilegalidade de lhe estar a ser imputado o pagamento de honorários de advogado que se encontra a representar não só a Administração, como também os demais condóminos que votaram favoravelmente as deliberações objecto de impugnação.
15.–Na Assembleia de Condóminos realizada no dia 4/06/2020 foi deliberado:
A Assembleia, por unanimidade deliberou nomear como administração externa do Condomínio empresa C… - Administração de Condomínios e Propriedades… com as regras de representatividade constantes da sua certidão comercial ou em procuração específica com poderes conjuntos com M…, L… para abrir, movimentar e encerrar contas bancárias em nome do Condomínio, sendo as regras de movimentação de duas assinaturas, bem como representá-lo perante autoridades terceiras. A nomeação é válida até à realização da Assembleia Geral Ordinária de 2021.
A Administração fica desde já mandatada para interpelar os condóminos com dívidas a efectuar o pagamento voluntariamente no prazo oito dias. Caso os condóminos com dívidas não efectuem o pagamento no prazo indicado, a Administração fica desde já mandatada para no prazo máximo de 15 dias contratar o Advogado dando início aos processos judiciais de cobrança.
Todos os condóminos que derem causa as acções judiciais de cobrança de quotas serão responsáveis pelo pagamento dos respectivos custos a adiantar pelo Condomínio conforme se descrimina, 25,50 Euros Taxa de Justiça, 94,10 Euros (fase 1 do Agente de Execução). Honorários iniciais do Advogado para dar entrada da acção, 350 Euros + IVA. Sem prejuízo de outros custos que sejam pedidos pelo Agente de Execução e pelo Advogado ao longo do processo e a final Foi deliberado por unanimidade, instaurar acções judiciais às fracções “H” e “I”com vista a recuperação das seguintes quotas em dívida:
Fracção “H” – 3.º direito
Quotas de Condomínio de Agosto de 2019 a Dezembro de 2019, no valor de Euros 602,25, quando o valor mensal é de Euros 120,45.
Quotas extraordinárias relativas a estudo Arqº …, no total de 1845,00
Fracção “I” — 3.º Esquerdo
Quotas de Dezembro de 2017 valor de Euros 19,68.
Quotas de Condomínio de Novembro e Dezembro de 2018 no valor de Euros 263,10 quando o valor mensal de Euros 131,55.
Quota extra obras de 2015 (reparação do telhado e tubos de queda) valor Euros 600,32.
Quotas de Condomínio de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2019, valor total de Euros 1445,40, quando o valor mensal é de Euros 120.45.
Quotas extraordinárias relativas a estudo do Arqº ... No total de 1.845 ,00.”
16.–Os valores respeitantes aos n.º de lançamento 24 e 25, respeitam a despesas de natureza administrativa, que ocorreram no âmbito da instrução de processos judiciais ainda pendentes, designadamente a emissão de certidões das frações “H” e “I”.
17.–Na listagem das despesas consta a rubrica “Gás – Reparação/Inspecção” no valor de €145,83
18.–A despesa relacionada sob a epigrafe “manutenção do portão da garagem” com o n.º de lançamento 56, no valor de € 59,66, respeita à substituição de um comando do portão da garagem.
19.–O relatório e contas respeitante a 2020 não inclui a dívida do condómino proprietário da fração “B”, algo que vem sucedendo relativamente às contas dos anos anteriores.
20.–Este condómino adquiriu tal fracção em 06/11/2018.
21.–E, desde essa data, que não pagou qualquer quotização ao Condomínio relativamente a essa fração com fundamento na existência de um direito a um crédito titulado pelo anterior proprietário da fração, que, na sequência de infiltrações resultantes de uma rotura nas tubagens das águas pluviais do prédio, terá despendido em obras na fração a quantia de € 2 376,54 no ano de 2016.
22.–Do teor da acta da Assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021, resulta, em relação ao ponto 2 da ordem de trabalhos o seguinte: “(...) nomeia para o período de 2021 até 2022, por maioria com 58,33% de votos a favor e 41,67% de votos contra (...) como administradora externa a sociedade “C… – Administração de Condomínios e Propriedades (...)”
23.–Consta a designação das Rés M… e L… como administradoras internas e movimentadoras das contas do Condomínio.
24.–Em 2017, os condóminos, em Assembleia realizada em 18/04/2017, aprovaram que anualmente e alternadamente, haveria uma comissão de acompanhamento da Administração do Condomínio, tendo sido deliberado que no ano de 2021, essa comissão
de acompanhamento seria exercida pelo condómino da fração “D”.
25.–O caixote do lixo localizado na garagem do prédio, destina-se ao depósito de lixo doméstico e foi solicitado à Câmara Municipal de Lisboa pelos condóminos do primeiro e do segundo andares do prédio.
26.–Tal caixote deve ser colocado à noite no exterior do prédio, para que o seu conteúdo seja recolhido pelos serviços municipalizados de recolha de lixo.
27.–Os Autores não usam o caixote do lixo, tendo prestado tal informação aos demais condóminos.
28.–Em data que os Autores não podem precisar, mas entre 2017 e 2018, por iniciativa do condómino M…, proprietário da fração “B”, foi elaborada, espontaneamente por este, uma escala de recolha de lixo que foi enviada por e-mail para os demais condóminos.
29.–Tal escala consistia em colocar o caixote à noite no exterior do prédio e recolhê-lo na parte da manhã.
30.–À data, os Autores E… e R…, que já não colocavam o lixo no referido caixote, informaram que não colocavam aí o lixo da sua fracção, razão pela qual não tinham a obrigação de participar na aludida escala.
31.–Alguns meses depois, a Autora M... também informou os demais condóminos que, pela mesma razão indicada pelos Autores E… e R…, não iria intervir na escala.
32.–Na Assembleia de Condóminos de 27/06/2019, foi vertido na respectiva acta sob o ponto 11, uma deliberação acerca da escala do lixo, à qual os Autores votaram contra, tendo os mesmos apresentado à Assembleia e em anexo à referida acta o seguinte voto de protesto: “Em relação ao ponto11 da ordem de trabalhos, o que diz na acta é falso e deve ser corrigido!!!Não houve qualquer votação! Houve uma discussão sobre o assunto e ficou decidido que os condóminos não eram obrigados a colocar o lixo no caixote e a participar na escala. Por isso, a condómina E...informou que não ia participar nessa escala mas que também não colocava o lixo no caixote, como já vem fazendo há quase 2 anos. Aliás, de acordo com o que ficou decidido, ninguém colocou nenhuma escala na entrada do prédio e, continuam a ser os condóminos que colocam o lixo no caixote a participar na escala. Faça o favor de corrigir isto!!!”.
*

III.–O DIREITO:

A questão essencial a decidir prende-se com a eventual anulação das deliberações, sem que os apelantes impugnem os factos a considerar pelo tribunal, pelo que haverá que subsumir os mesmos ao direito.
Da análise do regime jurídico da propriedade horizontal resulta claramente que o que a caracteriza é a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectados ao serviço do todo.
Como bem referem Pires de Lima e Antunes Varela “O que há de específico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas, em confronto com o regime geral do domínio, é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal da propriedade, mas que a lei prevê em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos. (...) Assim se justifica que a propriedade de cada um sofra aqui novas restrições, restrições derivadas directamente da lei (cfr. art° 1422°) ou até decorrente da deliberação dos condóminos (cfr. art° 1428°)” (in Código Civil Anotado, vol III  pág. 352 ).
Logo, é primeiramente o Código Civil que nos seus art°s 1414° a 1438°-A desenha o regime jurídico da propriedade horizontal e que, concretamente, estabelece quais os direitos ou obrigações dos condóminos.
Sobra a natureza jurídica da propriedade horizontal ensina José Oliveira Ascensão tratar-se de “um novo direito real, caracterizado por resultar de um complexo incindível de propriedade e compropriedade das partes comuns”. E caracteriza a propriedade horizontal como uma propriedade especial: “Entre a propriedade e a compropriedade, a propriedade é o fundamental, sendo a compropriedade meramente instrumental. Escopo da propriedade horizontal não é criar situação de comunhão: é permitir propriedades separadas, embora em prédios coletivos. Sendo assim, há nuclearmente uma propriedade, mas que é especializada pelo facto de recair sobre parte da coisa e de envolver acessoriamente uma comunhão sobre outras partes do prédio” (in “Direitos Reais”, 4.a Edição, pág. 408).
Daí extrair as seguintes consequências deste regime jurídico : 1)- O conjunto dos dois direitos é incindível e nenhum deles pode ser alienado separadamente (art.° 1420.°/2); 2)- O abandono liberatório é excluído; não é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição (art.° 1420º/2); 3)- Os condóminos não podem exigir a divisão das coisas comuns (art.° 1423.°).
A par do inquestionável direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção, ao carácter instável e precário da compropriedade das partes comuns contrapõe-se, cada vez mais, no condomínio, uma afectação estável e essencial das coisas comum. Desde que a coisa comum esteja afecta a uma determinada finalidade e que cada um dos condóminos possa dela usufruir directamente (ex. sala de condomínio, ginásio ou piscina privativos do condomínio, etc), qualquer acto que tenha a susceptibilidade de perturbar ou retirar esse direito a cada um dos condóminos só pode validamente ser realizado com o acordo de todos os condóminos, mas sendo  determinada parte comum nenhum condómino pode legitimamente considerar que não lhe é devida a despesa que tal parte possa acarretar, nomeadamene invocando o seu não uso. Basta pensar no condómino que por uma questão pessoal decide não utilizar o elevador, ou nunca entrar em determinado saguão comum, pretendendo que a despesa com a manutenção ou limpeza de tais espaços não lhe seja imputável, o que estará manifestamente arredado como argumento liberatório, ainda que tal possa ocorrer relativamente a determinadas fracções mas pelas características das mesmas e não tendo por base o condómino concretamente considerado. Podem estar neste campo fracções que não têm garagem e não usufruem das mesmas, ou fracções que dada a sua localização não usufruem de elevador ( cfr. Artº 1424º nº 3 e 4 do CC).
Tecidas estas considerações gerais haverá que apreciar as questões suscitadas pelos apelante as quais alegadamente determinariam a anulação das deliberações tomadas na Assembleia dos Condóminos da ré a 11/02/2021, por, no entender dos apelantes, serem contrárias ou à lei ou relativamente a deliberações anteriores.
No que concerne à questão das deliberações tomadas e da sua impugnação, importa ainda ter presente que, conforme resulta do artigo 1430.º do CC, o condomínio dispõe de dois órgãos administrativos que se destinam à administração das partes comuns do edifício – cfr. artigo 1429.º do CC: A assembleia de condóminos (órgão deliberativo) e o administrador do condomínio (órgão executivo e representativo), que tem como principal função executar as deliberações tomadas pela assembleia.
Como bem se alude no Acórdão desta Relação, datado de 24/09/2020 (proc. nº12703/18.9T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt) “ A propriedade horizontal caracteriza-se pela existência de uma coletividade, uma comunidade de condóminos com um interesse comum, relativo às partes comuns, aqui se estabelecendo relações que importa regular, porquanto se trata de uma realidade em que a liberdade de um termina onde começa a dos outros.”.
Quanto à competência do órgão deliberativo esta está limitada às “relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino” (cfr. Abílio Neto; Manual da Propriedade Horizontal, 4.ª ed., reimp., Ediforum, Lisboa, 2017, p. 642).
À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarregar o administrador de executar as suas deliberações (art. 1436.º, al. h) do CC), bem como controlar a sua atividade, seja através da aprovação das suas contas (art. 1431.º do CC), seja revogando os seus actos por via de recurso (art. 1438.º do CC).
O n.º 1 do artigo 1433.º do CC estatui que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. Ao elenco da lei parece de aditar o próprio título constitutivo, enquanto fontes reguladoras do condomínio.
Todavia, como adverte José Alberto Vieira (Direitos Reais; 3.ª ed., Almedina, 2020, pp. 696-697), “O art. 1433.º, n.º 1 abrange apenas as deliberações tomadas sobre as matérias para as quais a assembleia tenha competência, ou seja, a administração das partes comuns (art. 1430.º, n.º 1). Qualquer deliberação tomada fora do âmbito da competência da assembleia é juridicamente nula e não apenas anulável. O condómino afectado não tem, pois, de lhe dar cumprimento, uma vez que ela não o vincula”.
Vejamos cada uma das questões, tendo por base as conclusões de recurso correspondentes.
Nas suas conclusões 1ª a 3ª, 5ª a 7ª, 9ª a 11ª, bem como 40ª e 41ª insurgem-se os apelantes com a aprovação das contas do ano de 2020 (ou seja,  a indicada na Acta objecto do pedido de anulação na acção) especificamente quanto à rubrica despesas de contencioso.
Convocam para tanto, o decidido no âmbito de outros processos pendentes ou que correram termos entre os apelantes e o apelado.
Foi assim suscitado pelos Apelantes, acções nas quais está “a ser imputado aos Autores o pagamento de honorários de advogado que se encontra a representar não só a Administração, como também os demais condóminos que votaram favoravelmente as deliberações”. Faz ainda apelo ao decidido no acórdão deste Tribunal (mas da 2.ª Secção), proferido no âmbito do processo n.º 15187/19.0T8LSB.L1 (Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 13), dizendo que foi o mesmo instaurado pelos Apelantes contra o Réu, e no qual se confirmou que as despesas de contencioso elencadas no relatório e contas de 2020 e orçamento das contas de 2021, não são exigíveis aos Apelados.
Ora percorrido tal Acórdão (junto aos autos) não resulta do mesmo que todas as despesas de contencioso não possam ser imputadas aos condóminos, pois, por um lado, a abordagem feita foi tendo por base a matéria factual em análise em tal decisão, objecto de impugnação e decisão no recurso, por outro lado, discute-se a questão do mandato ter sido conferido pelos condóminos demandados. Ora, a fls. 63, 1º parágrafo, de tal aresto o que se conclui é que a mandatária constituída já o havia sido por alguns condóminos “no âmbito de processos judiciais em que eram partes os condóminos e não o condomínio”, e é com base nessa dialéctica e na circunstância de representar alguns condóminos contra outros que se faz apelo quer ao Estatuto da Ordem dos Advogados, quer ainda à violação do artº 280º e ainda os limites impostos pela boa fé, concluindo pela ilegalidade da deliberação.
No caso em apreço, tal circunstancialismo em momento algum foi invocado constituindo as despesas em causa relativas a acções executivas intentadas tendo em vista obter o pagamento devido ao condomínio.
Deste modo, somos em confirmar o juízo da 1ª instância quando expõe que: «Neste segmento, os Autores insurgem-se contra as despesas indicadas na rubrica “Contencioso” com os números de lançamento 35, 36, 33, 34, 28, 29, 30 e 31.
Resulta assente que tais despesas respeitam a taxas de justiça, honorários de agente de execução e honorários de advogado emergentes dos processos executivos n.ºs 18425/20.3T8LSB (Juiz de Execução de Lisboa – Juiz 9) e 18428/20.8T8LSB (Juízo de Execução de Lisboa – Juiz 3), os quais foram instaurados contra os aqui Autores tendo como título executivo a acta deliberativa de Assembleia de Condóminos de 04/06/2020, que foi judicialmente impugnada pelos Autores através do processo n.º 16156/20.3T8LSB que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 12.
Também resultou assente que foram deduzidos embargos no âmbito das referidas execuções com fundamento na impugnação judicial das referidas deliberações, não tendo sido proferida até ao momento qualquer sentença que incida sobre tal matéria.
Assim, concluem os Autores que não se pode invocar qualquer dívida vencida e exigível suscetível de, no âmbito das contas respeitantes ao ano 2020, ser imputada aos condóminos, ora Autores.
De igual modo, se insurgem os contra as despesas aos n.º de lançamento 24 e 25, respeitam a despesas de natureza administrativa, tendo resultado demonstrado essas despesas ocorreram no âmbito da instrução de processos judiciais ainda pendentes, designadamente a emissão de certidões das frações “H” e “I”
Da factualidade assente nos autos, extrai-se que as despesas de contencioso aqui em causa existiram e a sua inclusão no relatório de contas mostra-se justificada na medida em que é sustentada por uma deliberação válida que, até ao momento, não foi anulada, nem declarada nula ou sequer suspensa provisoriamente.
Cumpre salientar que a aprovação de contas em nada interfere quanto à decisão das despesas serem do interesse comum dos condóminos ou deverem ser imputadas aos aqui Autores, dado que essa matéria foi objeto de deliberação anterior, já impugnada judicialmente, não sendo essa deliberando objecto desta acção.
Em face do exposto, é manifesto concluir que a deliberação de aprovação destas despesas não viola qualquer preceito legal, nem constitui um abuso de direito.».

Acresce que em nada releva discutir nesta sede o que poderá ou não constituir título executivo tal como se encontra definido no artigo 6.º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10, pois estamos apenas perante a prestação de contas e tudo o que com a mesma se relaciona.
Além disso, também nos parece evidente que a eventual consideração de tal despesa no âmbito das custas de parte, não colhe, pois, a possibilidade de reaver tais montantes pelo mecanismo das custas de parte, apenas pode ser apurado e reclamado após o trânsito em julgado da sentença que incida sobre tais processos, não deixando de existir como despesa até lá.
Ora, compete à administração representar o condomínio em juízo (cf. artº 1437º do CC), pelo que as despesas que tal representatividade importa são serviços do interesse comum, independentemente de as acções judicias correrem termos também contra condóminos (estes a título individual) ou em defesa de acções  intentadas por condóminos contra a Administração do Condomínio. Aliás, defender neste caso que tal não constitui uma despesa do condomínio iria implicar que a Administração não pudesse defender-se ou intentar acções contra condóminos, pois não poderia imputar tal despesa no âmbito de um serviço de interesse comum, sendo este em nosso entender manifesto, inexistindo a violação do artº 1424º do CC.
É certo que pode a final a Administração, que actua em representação do condomínio como ré ou Autora, reaver parte de tais despesas pelo mecanismo das custas de parte, mas tal reflectir-se-á nas contas como crédito na data do mesmo, mas não deixa de constituir uma despesa de um serviço de interesse comum na data do seu pagamento.
Importa ainda referir que na deliberação de aprovação das contas não se aprecia o mérito ou bondade das decisões subjacentes às despesas e receitas tomadas pela Administração de Condomínio, limitando-se os Condóminos a deliberar sobre a verificação ou não das despesas e receitas apresentadas.
O eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso das suas obrigações por parte da Administração de Condomínios não pode ser apreciado em sede de aprovação de contas, cuja deliberação não compreende a apreciação dessa matéria. Pelo que o que consta da deliberação em causa e factos que a sustentam é que os honorários foram pagos, a despesa verificou-se e como tal deve constar das contas, razão pela qual se entende que a sua aprovação não consubstancia qualquer abuso de direito.
Improcedem assim, as conclusões aludidas.
Nas suas conclusões 12ª a 18ª, reiterado ainda na conclusão 42ª vieram os apelantes arguir a anulação da aprovação da conta relativa a despesas de limpeza e recolha do lixo.
Os argumentos dos apelantes quanto a tal rubrica assentam no essencial em dois pontos: 1)- Que o valor orçamentado respeitante à limpeza das partes comuns do prédio e recolha do lixo, que se encontra a ser cobrado e incluso nas contas de 2020, não foi sujeito a votação e aprovação pelos condóminos e; 2)- Que o serviço de recolha e utilização do caixote do lixo não é utilizado pelos Apelantes.
Importa aludir ao decidido neste ponto pela Juiz a quo: «Os Autores insurgem-se contra a aprovação das despesas atinentes aos serviços de limpeza e de recolha do lixo, alegando para tanto que os valores incluídos nas contas de 2020 respeitante a esses serviços, não foram sujeitos a votação e aprovação pelos condóminos.
Contudo, os Autores não alegam que as despesas não se verificaram, nem alegam, como lhes competia, qualquer disposição ou convenção que exija uma deliberação da Assembleia de Condóminos quanto ao valor a pagar pela prestação dos serviços de limpeza e recolha do lixo.
Na ausência de disposição ou convenção nesse sentido, é imperioso concluir que os valores das retribuições a pagar como contrapartida pela prestação de serviços de limpeza e recolha do lixo não têm de ser previamente aprovados pela Assembleia de Condóminos, cabendo nos poderes do Administrador de Condomínio a celebração desses contratos e a negociação dos respectivos termos e condições.
Por outro lado, alegam os Autores que a despesa da recolha do lixo não é uma despesa de interesse comum de todos os condóminos, na medida em que os Autores, não utilizam o caixote do lixo aqui em causa. Todavia, resultou demonstrado que esse caixote de lixo se encontra colocado numa parte comum do prédio, mais concretamente, na garagem e que se destina ao depósito do lixo doméstico.
Por outro lado, mostra-se assente por acordo das partes que esse caixote do lixo, fornecido pela Câmara Municipal de Lisboa, foi colocado por alguns dos condóminos, para servir o interesse de todos os condóminos, tendo sido objecto de deliberação tomada na Assembleia de Condóminos de 27/06/2019, à qual os Autores votaram contra. E pese embora os Autores tenham lavrado um protesto nessa Assembleia, a verdade é que não alegaram que a mesma tenha sido objecto de qualquer impugnação judicial, pelo que inexiste razão para se concluir pela sua invalidade ou ineficácia.
Assim sendo, é manifesto que os serviços de limpeza e recolha do caixote de lixo servem o interesse de todos os condóminos, sendo manifesta a inexistência de fundamento que justifique a exclusão dessas verbas ou que sustente que a aprovação dessas despesas constitui abuso de direito

Manifestamente a limpeza e recolha de lixo e todos os custos inerentes a tal constitui o pagamento de um serviço de interesse comum, inserindo-se assim quer no artº 1424º do CC, quer ainda nas funções do administrador – cfr. Artº 1436º alíneas b), d) e h) do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10/01).
No âmbito do Município de Lisboa, onde se situa o condomínio em causa, haverá inclusive que considerar o Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa (Deliberação nº 523/CM/2004), nos quais se incluem os resíduos sólidos domésticos ( cf. artº 4º a) do Regulamento), sendo que nos termos do artº 7º do mesmo Regulamento  são abrangidos pelo mesmo todos os utentes do Município de Lisboa devendo estes “cumprir todas as instruções de operação e manutenção do serviço de remoção emanadas” pela Câmara Municipal de Lisboa. Tanto mais que se prevê a obrigatoriedade nos projectos e construção, reconstrução, ampliação, remodelação e reabilitação dos edifícios a colocação de um dos sistemas de deposição de tais resíduos, ou seja, as infraestruturas necessárias para o efeito.
Acresce que nos termos do artº 14º alínea c) de tal Regulamento são responsáveis pelo cumprimento do mesmo e pela colocação e retirada dos equipamentos de deposição da via pública dos equipamentos de deposição da via pública, pela limpeza e conservação e pela manutenção dos sistemas e deposição dos resíduos sólidos o condomínio, representado pela administração, nos casos dos edifícios em regime de propriedade horizontal. Estando previamente estipulados os recipientes que devem ser utilizados, sendo estes distribuídos ou indicados pela CML, em função do sistema de recolha definido para cada área (artº 15º do Regulamento). Estabelecendo-se um horário de deposição de tais recipientes na via pública no que se designa de recolha “porta a porta” e, logo, permanecendo fora desse horário apenas acessível dentro do edifício, salvo excepções, devidamente comprovadas, nomeadamente de incapacidade física do seu utilizador.
Ora, é manifesto que a rubrica “limpeza e recolha do lixo” ora em discussão visa o cumprimento de tal regulamento, sendo que a escala estabelecida entre os condóminos para a colocação na via pública serve o mesmo propósito, sendo que a alternativa a tal escala será o pagamento a terceiros para a execução de tal desiderato, com custos imputáveis ao condomínio.
Logo, não se exige deliberação no sentido de ser cumprido tal Regulamento e eventuais despesas que tal acarreta, competindo tais funções ao administrador – c. artº 1436º nº 1 m) do CC- nem sequer se vislumbra o alegado pelos apelantes no sentido de não utilizarem tais caixotes do lixo, pois a não utilização dos mesmos implicará que a recolha e armazenamento seja feita ou em incumprimento de tal Regulamento, ou pela utilização de recipientes fornecidos por outros edifícios. Por outro lado, o argumento do “não uso” utilizados pelos apelantes em nada releva, pois não há dúvidas que tal serviço é de interesse comum, devido por todos, não tendo sido alegada a ausência de tal imputação especifica permitida nos termos do artº 1424º nº 2 e 3  do CC.
Do exposto, resulta a improcedência das conclusões em apreço.
Os apelantes assacam ainda a anulação da aprovação das contas relativa à rubrica das despesas atinentes ao pagamento dos serviços de inspeção dos elevadores, serviços de inspeção e manutenção de gás e serviços de manutenção do portão da garagem. Argumentando tal invalidade nas suas conclusões 19ª a 22ª e 23ª a 25ª.
Em sede de recurso vêm aludir ao não pagamento de tais serviços, questão arredada do conhecimento deste Tribunal, dado que não constituía argumento utilizado anteriormente.
Quanto ao facto de aludirem que tais despesas não podem ser incluídas nas contas de 2020, uma vez que os serviços não foram realizados, bem como à circunstância de  apontarem que a despesa relacionada sob a epigrafe “manutenção do portão da garagem” (página 5 – nota de lançamento 56 – doc. 5), no valor de € 59,66, alusiva à substituição de um comando do portão da garagem, deve ser somente imputada aos condóminos que fazem uso desse comando, por força do estatuído no artigo 1424.º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, importa ter presente igualmente o decidido.

Ora, como bem se alude na decisão:«(…) mais uma vez os Autores não alegam que o pagamento desses serviços não tenham sido efectuados por parte da Administração de Condomínio, limitando-se a alegar que os serviços em causa não foram prestados. Aliás, da sua alegação resulta inclusivamente que até aceitam que a despesa foi suportada por parte da Administração de Condomínio, porquanto admitem que havia uma mensalidade fixa que o Condomínio estava obrigado a pagar como contrapartida, o que se nos apresenta como suficiente para se concluir que a aprovação dessa despesa não constitui qualquer abuso de direito ou violação de qualquer preceito legal.
Repise-se que o eventual incumprimento das obrigações contratuais assumidas pelas empresas prestadoras desses serviços não pode ser apreciado no âmbito da aprovação de contas e muito menos agora em sede de impugnação judicial da deliberação que aprovou tais despesas. Na verdade, ainda que se admitisse que o eventual incumprimento dessas obrigações contratuais poderia justificar a recusa do pagamento da contrapartida mensal devida por parte da Administração de Condomínio, a título de excepção de não cumprimento - o que não se admite por não se nos afigurar suficiente a factualidade alegada pelos Autores –o facto da Administração do Condomínio não ter exercido tal faculdade, nunca poderia justificar a exclusão das verbas do relatório de contas tal matéria, podendo quanto muito ser apreciada no âmbito da responsabilidade civil.
Alegam ainda os Autores que o comando do portão da garagem não é parte comum e como tal, a despesa com esse comando deve ser suportada exclusivamente pelo condómino que utilizará.
Podemos, desde já, adiantar que não concordamos com o entendimento dos Autores. Com efeito, na ausência de qualquer disposição ou convenção estipulada pelos condóminos em sentido contrário - que, saliente-se, não foi sequer alegada pelos Autores- sendo o portão da garagem uma parte comum do prédio, torna-se inevitável concluir que o comando, que integra o mecanismo eléctrico que permite a sua abertura à distância, é uma peça acessória do portão da garagem e, como tal, também assume natureza de parte comum do prédio, devendo todos os condóminos suportar as despesas com a sua substituição ou reparação de todos os comandos

Com efeito, ao contrário do pugnado pelos apelantes a substituição do comando da garagem tem manifestamente natureza comum, pois a forma de abertura do portão da garagem faz parte integrante deste pelo que, verificando-se a avaria de tal mecanismo, a sua substituição constitui uma despesa do condomínio. Aliás, nem se vislumbra o invocado quanto ao artº 1424.º, n.ºs 2 e 3 e 1431.º, n.º 1 todos do Código Civil, pois salvo danificação do comando por dolo ou negligência do seu utilizador (que não foi invocado) o comando de abertura do portão faz parte integrante deste.
Daqui resulta igualmente a improcedência de tais conclusões de recurso.
Neste recurso também se insurgem os recorrentes quanto à decisão de não considerar inválida a deliberação que omitiu o alegado débito da fração B.
Convocam para tanto, o dever consagrado no artigo 1424.º do Código Civil, e ainda a ausência de aprovação de uma suposta cessão de crédito. Mais dizendo que o crédito favorável ao proprietário da fracção “B” incluso no relatório e contas de 2020 nem sequer resultou legalmente formalizado, nem tão pouco foi sujeito à apreciação dos condóminos em sede de Assembleia de Condomínio. Também aludem que ainda que se admita que a cessão de créditos não carece do consentimento do devedor, a verdade é que tal acto nunca foi comunicado aos condóminos Apelantes, pelo que a ter ocorrido a sua aceitação, conforme o Tribunal a quo reconhece, foi somente por parte dos condóminos das fracções “A”, “C”, “D” “E”, “F” e “G”;
Discorrem ainda sobre a ausência pelo condomínio de personalidade jurídica, pelo que sempre a cessão de créditos devia ter sido comunicada a todos os condóminos e não o tendo sido, tal acto padece de ineficácia em relação ao devedor, não tendo sido cumprido o disposto no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil. Concluem que a omissão do dever deste condómino constitui violação ao estatuído nos artigos 1424.º e 1436.º, alínea e) do Código Civil e artigos 14.º e 27.º, n.º 5 do Regulamento do Condomínio, assim como entendem que resultou desrespeitada a norma prevista no artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, pelo que deveria ter sido ordenado o dever de passar a constar, nas contas de 2020, como dívida do proprietário da fracção “B”, as quantias respeitantes às quotas não pagas desde a data da aquisição de tal fracção a favor deste.
O equívoco dos apelantes ocorre desde logo pela pretensão formulada ao Tribunal, pois o que se visa é aferir da anulação de determinada deliberação e não a imposição concreta de uma deliberação não tomada. Logo, importa apreciar é se a deliberação em causa é anulável nos termos defendidos pelos apelantes.

Na decisão fundamenta-se o seguinte quanto a esta questão: «Resulta assente que este condómino adquiriu tal fração em 06/11/2018 e que, desde essa data, não pagou qualquer quotização ao condomínio relativamente a essa fração.
Contudo, os próprios Autores admitem que essa omissão de pagamento resulta dum acordo entre os aqui Réus e a Administração de Condomínio para compensação de um crédito titulado pelo anterior proprietário da fração que, na sequência de infiltrações resultantes de uma rutura nas tubagens das águas pluviais do prédio, terá despendido em obras na fração a quantia de € 2 376,54 no ano de 2016, alegação que só por si é suficiente para afastar o instituto de abuso de direito.
Entendem os Autores que os créditos ou débitos dos anteriores proprietários não se transmitem aos adquirentes do imóvel. Sucede que, inexiste qualquer impedimento legal à cessão de créditos sobre o Condomínio entre o anterior proprietário da fração e o actual proprietário, principalmente, se atentarmos ao facto dos próprios Autores admitirem que os demais condóminos e a Administração de Condomínio, aceitaram essa cessão, razão pela qual não consta do relatório de contas a referência à omissão de pagamento das quotas por parte dos segundos Réus.
Ora, a cessão de créditos ou qualquer acordo verbal sobre esta matéria em nada prejudica o Condomínio, na medida em que ficará desonerado do pagamento do crédito, razão pela qual não constitui esta omissão a violação de qualquer preceito ou abuso de direito

A discussão jurídica a levar a cabo sobre esta questão teria de ter sido feita aquando da aprovação de tal crédito a favor do condómino da fracção “B”, e não no âmbito desta acção em que não se visa qualquer deliberação, mas sim a continuidade de uma outra deliberação já tomada anteriormente. Logo, em nada releva para efeito de “anulação” de deliberação o invocado pelos apelantes, pois é a “montante” que tal deliberação ocorre e deveria ter sido objecto de impugnação.
Improcedem assim, as conclusões 26ª a 32ª.

Nas suas conclusões 33ª a 39ª impugnam assacando a anulação da deliberação de nomeação da administração para o ano de 2021 (Ponto 2. da acta da assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2021), dizendo que resulta demonstrado que em 2017, os condóminos, em Assembleia realizada em 18/04/2017, aprovaram que anualmente e alternadamente, haveria uma comissão de acompanhamento da administração do condomínio.
Defendem que estando assente que em 2018, a Apelante M... foi impedida de fazer parte dessa comissão e que no ano de 2019, voltou a haver uma comissão de acompanhamento, composta pela Condómina L… (que já repetiu a presença na Comissão de Acompanhamento) e pelo anterior proprietário da fracção “D” e em 2020, sucederam as Condóminas L… e M…, devia fazer parte da comissão de acompanhamento à administração e movimentadora da conta a Apelante M..., uma vez que não exerceu tal cargo em 2018 e tão pouco o exerceu em 2020.
Concluem que não foi respeitado o sistema de alternância no que concerne à composição da comissão de acompanhamento da administração, tendo a Apelante M… sido impedida de integrar essa comissão, tanto no ano de 2018, como nos anos seguintes, violando-se o disposto no artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento do Condomínio.
Importa ter presente que a alternância preconizada pelos apelantes não figura do Regulamento, nem da lei. Além disso, cumpre salientar que a nomeação desta Administração foi aprovada por maioria com 58,33% de votos a favor.
Ora, o que resulta é que em 2018, cabia à Autora M... fazer parte dessa comissão, mas tal não foi aceite pelos condóminos. Logo, o que resultou provado é que nessa Assembleia foi deliberado que a comissão de acompanhamento no ano de 2021 caberia ao condómino da fração D e não à Autora M..., sendo certo que a deliberação que viola o direito desta Apelante, nos termos dos fundamentos invocados pelos Autores, é a deliberação que aprovou a nomeação da comissão de acompanhamento para o ano de 2018 e que não é objecto desta acção.
A nomeação do administrador é conforme ao previsto no artº 1435º do CC, quanto à comissão de acompanhamento a deliberação invocada como sendo lesiva da apelante é a anteriormente tomada, sendo que nesta foram nomeados condóminos diferenciados dos anteriores, mantendo a pretendida alternância.
Resultam, assim, improcedentes tais conclusões.
Resta aferir das conclusões 43ª a 49ª no sentido de declarar anuláveis as deliberações que afastam a obrigação dos condóminos das fracções “A”, “B” e “C” no que respeita ao orçamento relativo ao pagamento das despesas com a manutenção da garagem do prédio.
Aludem os apelantes que é ilegal o afastamento do dever desses condóminos em contribuir para a regularização das despesas de administração dessa parte do prédio, arguindo que tal espaço comum tem afectos os contadores da água e constitui serventia ao saguão do prédio, cuja manutenção é feita através da garagem, sendo um espaço cuja fruição é comum a todos os condóminos. Concluem que o orçamento de 2021 devia aludir a essa obrigação dos condóminos proprietários das aludidas fracções e afectar aos mesmos as despesas respeitantes à manutenção da garagem do prédio, violando o disposto no artigo 1424.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Na decisão recorrida, quanto a este ponto, fundamenta-se o seguinte: «Os Autores argumentam ainda que a deliberação que aprovou o orçamento de 2021 viola o disposto no artigo 1424.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, por não imputar às frações A, B e C (Lojas) as despesas com a manutenção da garagem do prédio quando esse espaço comum tem afectos os contadores da água e constitui serventia ao saguão do prédio, cuja manutenção é feita através da garagem.
Ora, também neste segmento, a pretensão dos Autores é manifestamente improcedente na medida em que não alegam quaisquer factos que permitam concluir pela violação do citado preceito. Com efeito, a disposição normativa em causa, pode ser afastada em determinadas circunstâncias, como aliás resulta da própria letra do artigo, cabendo aos Autores alegar a inexistência dessas circunstâncias, enquanto factos constitutivos do seu direito (artigo 5.º do Código de Processo Civil), o que não se verificou.».

Com efeito, das regras especiais dos nº2 e 3 do Artigo 1424º, resulta que: «(…) que se extraia dele uma regra mais ampla, segundo a qual as despesas inerentes à utilização das partes comuns que só sirvam alguns condóminos são suportadas apenas por eles – com a ênfase de que as despesas em causa são só as “correntes”» (Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, p. 260).
No caso concreto os AA. na sua petição inicial quanto a este ponto referem apenas o seguinte: 92.º Os Autores reclamam ainda, em relação ao orçamento para o ano 2021, a imputação às fracções A, B e C (Lojas) as despesas com a manutenção da garagem do prédio, uma vez que tal espaço comum tem afectos os contadores da água e constitui serventia ao saguão do prédio, cuja manutenção é feita através da garagem.
93.º O orçamento de 2021 devia aludir a essa obrigação dos condóminos proprietários das aludidas farcções e afectar aos mesmos as despesas respeitantes à manutenção da garagem do prédio, constituindo tal omissão, violação ao disposto no artigo 1424.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Nos factos a considerar nada se alude quanto ao aprovado ou não no âmbito da Acta em causa e suas deliberações especificamente sobre este assunto. Porém, neste recurso também os apelantes não alegam sequer a omissão de pronúncia na decisão, ou eventualmente o aditamento de tais factos, nomeadamente em que termos se podem considerar ou não assentes, pois sobre tal questão existiu impugnação genérica da ré no artº 23º da contestação. Não compete a este tribunal colmatar tal falha ou determinar a nulidade quando não invocada pelos apelantes. Assim, sem necessidade de maior análise improcede igualmente o recurso neste ponto.
Improcede assim, in totum a apelação.
*

IV.Decisão:

Por todo o exposto, Acorda-se em:
a)-Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos;
b)-Não admitir a apresentação do documento junto pelos recorrentes com as suas alegações, ordenando, em consequência, o seu desentranhamento ou eliminação electrónica.
Determino a condenação dos recorrentes em custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC’s.
Custas da apelação pelos apelantes.
Registe e notifique.


Lisboa, 14 de Dezembro de 2023


Gabriela de Fátima Marques
João Brasão
Nuno Lopes Ribeiro