VIDEOVIGILÂNCIA
REGULAMENTO GERAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (RGPD)
DEVER DE INFORMAÇÃO
PROIBIÇÃO DE PROVA
Sumário

I – À luz do regime jurídico em vigor antes da aplicação na ordem jurídica interna do RGPD, havia algum consenso no sentido de que a utilização de meios de vigilância no local de trabalho é lícita se cumprir os requisitos de fim e publicidade previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho e for obtida a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados e, também, no sentido de que, estando em causa uma das finalidades legalmente previstas no n.º 2 desse artigo, concretamente a protecção e segurança de pessoas e bens, as actuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens podem ser licitamente verificadas como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, tanto quanto o podem ser idênticas condutas de terceiros, admitindo-se   que os dados obtidos sirvam de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar.
II – O RGPD em vigor desde 25 de Maio de 2018 não prevê a necessidade de autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, concretamente a que era dada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
III – De acordo com o RGPD, é o responsável pelo tratamento que deve analisar previamente se o tratamento de dados pessoais, decorrente da utilização de um sistema de videovigilância, cumpre os requisitos do Regulamento (artigos 24.º, 25.º e 28.º do RGPD) e de outra legislação nacional que seja aplicável, vg. o Código do Trabalho.
IV – Se relativamente a imagens captadas em Janeiro e Fevereiro de 2022, na vigência do RGPD o empregador não alega e prova o cumprimento do dever de informação e da obrigação de afixação prescritas no n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho, deve ter-se por ilícita a instalação do sistema de vigilância e, igualmente, ilícito o meio de prova em causa, sendo inadmissível a sua produção.
(sumário da autoria da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                                               II
1. Relatório
1.1. No Juízo do Trabalho de Lisboa, Comarca de Lisboa Oeste, AA intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento efectuado em 12 de Julho de 2022 por BB, EPE.
Realizada a audiência de partes em 18 de Agosto de 2022, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar.
No seu articulado, que apresentou em 31 de Agosto de 2022, a R alegou, em síntese, que o A. foi despedido com processo disciplinar e justa causa, sendo o despedimento motivado e adequado e proporcional à gravidade de ambas as condutas do trabalhador que descreve. No final afirmou que “junta: o processo disciplinar e 2 documentos (videogramas em suporte DVD)”.
Os referidos videogramas foram entregues fisicamente na Secretaria em 6 de Setembro de 2022 (fls. 87), invocando a R, que não foi possível enviá-los a juízo por via electrónica.
O A. apresentou contestação e deduziu reconvenção, terminando o seu articulado do seguinte modo:
“Termos em que atento o alegado e tal como no demais tido por adequado por V.ª Ex.ª e julgado conforme o Direito, deverá reconhecer-se que:
- A R. não procedeu, no prazo de 15 dias (perentório), à junção integral sequencial e cronológica do procedimento disciplinar, composto por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher as peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar, produziu-se o efeito cominatório pleno previsto no Art.º 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do CPT.
- A R. incumpriu o dever de motivação do despedimento, mormente por omissão de invocação de factos e fundamentos na nota de culpa e na decisão de despedimento.
- A R. preteriu o prazo de prolação da decisão v.s. caducidade do direito de aplicar a sanção. Cfr. n.º 1 do artigo 357º do CT.
- A R. violou o dever procedimental de, suspenso o trabalhador, ser mantido o pagamento da retribuição. Cfr. n.º 1 do artigo 357º do CT
Termos em que o despedimento é inválido e consequente é ilícito o despedimento e, sem prejuízo do exposto, devem ainda reconhecer-se as excepções peremptórias invocadas, absolvendo-se (in casu) o A. do pedido.
Em função da ilicitude do despedimento, deverá ser determinada a imediata reintegração do A. na R., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, determinando-se o pagamento de todas as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento.
A R. tem de pagar ao A. as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o momento da sua suspensão preventiva, a saber, 2.420,50€ (dois mil, quatrocentos e vinte euros e cinquenta cêntimos) e uma indemnização a título de danos morais, em montante global não inferior a 12.261,50€, tudo acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Sem conceder e sem prejuízo do exposto,
Deverão dar-se como não provados quaisquer fundamentos alegados pela R. como constitutivos de justa causa de despedimento, reconhecendo-se a respectiva ilicitude e a correspondente manutenção do vínculo laboral pré-existente e como consequência o A. deverá ser indemnizado (pela R.) por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, nos termos supra identificados. Cfr. artigo 389º, n.º 1, al. a) do CT.”
A R. apresentou resposta à contestação, defendendo a improcedência das excepções e a inadmissibilidade da reconvenção (fls. 125 e ss.).
Em 06 de Janeiro de 2023, a Mma. Juiz proferiu o despacho que a seguir se transcreve:
«Por legal e tempestiva admito a reconvenção deduzida pelo Autor, no âmbito do estabelecido no art.º 98L nº 3 do CPT em conjugação como art.º 266 nº 2 do CPC.
Finda a fase dos articulados, constata-se não permite o actual estado dos autos conhecer de imediato o pedido, dependendo o conhecimento da factualidade alegada e da subsequente subsunção jurídica da prova a produzir em sede de audiência final.
Na senda do exposto, face à clareza e simplicidade no modo como as partes alegaram a factualidade em discussão, não se justificando a convocação de audiência prévia no contexto plasmado no art.º 62 nº 1 do CPT, em estrito cumprimento do disposto no art.º 98M nº 1 do CPT passo de imediato a proferir despacho saneador.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é próprio. Inexistem nulidades totais.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias. Autora e Ré são dotados de legitimidade.
Não se registam outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer nesta sede.
(…)
Por legal e tempestiva, admito a prova documental carreada para os autos pelas partes, em obediência ao ditado no art.º 63 nº 1 do CPT.
 […]»
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes “conclusões”: 
“1. O sistema de recolha de imagens vídeo é um meio de prova inadmissível por nulidade, decorrente da sua invalidade enquanto mecanismo desprovido de autorização, válida, idónea e bastante para os fins preconizados nos presentes autos; Cfr. al. a) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (que revogou a Lei n.º 99/2003, de 27.08), artigo 26º, n.º 1 da CRP, als. b) e d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, com os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do mesmo diploma legal e n.º 1 do artigo 21º do CT a contrario sensu.
2. Aquele meio de prova é igualmente inadmissível por não ter sido junto tempestivamente e de modo processualmente admissível. Cfr. artigo 10º, n.º 4 da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.
3. O referido meio de prova é ainda inadmissível por não ter sido tido em consideração, nem ter sido junto, em sede disciplinar. Cfr. n.º 2 do artigo 98º-J do CPT (com substrato geral no n.º 3 do artigo 398º do CT), n.º 4 do artigo 357º do CT (invalidando o despedimento, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 382º do CT, tornando-o ilícito. Cfr. n.º 1 do artigo 382º do CT).
4. Segundo o teor do 2º parágrafo da autorização n.º 3007/2009 (Cfr. Fls. 74 e ss do articulado de motivação), da CNPD proferida no âmbito do Proc. n.º 08/09 (datada de 17.07.2009) o pedido de autorização foi formulado no ano de 2008, i.e., quando ainda não vigorava a Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (CT2009).
5. A autorização existente (remetidapelaCNPD) foi assim conferida com base no CT2003 (Lei n.º 99/2003, de 27.08, revogada pela al. a) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro).
6. Aquela autorização (da CNPD)foi assim conferida em resposta a um requerimento feito ao abrigo de um diploma entretanto revogado da ordem jurídica.
7. Aquela autorização da CNPD não foi conferida nos termos do CT2009, ou seja, está desconforme com a lei vigente e aplicável à data dos factos (CT2009) e bem assim com o próprio pedido formulado, concretizado no âmbito de vigência de um diploma que não vigorava à data do procedimento disciplinar aqui em causa.
8. É assim legalmente inadmissível o aproveitamento daquele acto administrativo, por nulidade, já que tem actualmente (tendo sido unicamente conferido ao abrigo do CT2003, sem ter sido renovado ou emitido ao abrigo do CT2009) um objecto e conteúdo impossível e desse modo ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental: imagem. Cfr. artigo 26º, n.º 1 da CRP). Cfr. als. b) e d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, com os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do mesmo diploma legal.
9. Foi assim violado, pela R., o n.º 1 do artigo 21º do CT, sendo a videovigilância em causa impassível de quaisquer efeitos, mormente de âmbito disciplinar, devendo – desde logo por esse motivo – ordenar-se o desentranhamento dos suportes de DVD juntos pela R. (sem prejuízo da sua intempestividade e invalidade)
10. Acresce que, o próprio ponto 6. das Conclusões da mencionada autorização prevê, expressamente, que:
6. As imagens não podem servir para controlo do desempenho profissional dos trabalhadores nem as câmaras estar dirigidas regularmente sobre estes durante a actividade laboral segundo o art.º 20.º do Código do Trabalho.
11. Face a esta previsão, aquele meio de prova é nulo (o que foi absoluta e indevidamente ignorado pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia no despacho saneador, pese embora a correspondente invocação na contestação), com base no qual se encontra sustentada toda a nota de culpa, os autos de declarações e a decisão (quer quanto ao alegado evento de 12.01.2022, quer quanto ao legado evento de 17.02.2022, datas em que, alegadamente, ocorreram os factos presentemente ilícitos em apreço).
12. Pelo exposto, o Tribunal a quo admitiu no despacho saneador um meio de prova inadmissível e nulo: sistema de recolha de imagens vídeo pela CNPD, sendo assim recorrível a referida decisão (Cfr. al. d) do n.º 2 do art.º 79º-A do CPT) impondo-se deste modo que o Tribunal ad quem reconheça a inadmissibilidade daquele meio de prova.
13. Acresce que, a R. não procedeu no prazo de 15 dias (perentório), à junção integral sequencial e cronológica do procedimento disciplinar, composto por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher as peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar, produziu-se o efeito cominatório pleno previsto no art.º 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do CPT.
14. Esta formalidade procedimental obrigatória não se destina apenas a dar conhecimento ao trabalhador da prova recolhida, das diligências efetuadas e demais atos processuais, sendo sobretudo é um elemento de prova do Tribunal no sentido aferir se foram cumpridos, ou não, todos os requisitos legais com vista à decisão tomada.
15. Assim sendo, a alegação dos factos que consubstanciam o procedimento disciplinar – auto de denúncia, nota de culpa, resposta, inquirição e decisão – no articulado motivador do despedimento não dispensa o empregador da junção do procedimento disciplinar.
16. Sem conceder, caso a R. (o que nem sequer foi invocado) não tivesse junto o procedimento disciplinar na sua totalidade, por exemplo «porque o seu volume não pode ser inserido na plataforma Citius», o mesmo teria de ser junto no prazo de 5 dias após a entrega da peça processual, juntamente com o respetivo comprovativo de entrega disponibilizado pelo Citius (o que não ocorreu). Cfr. artigo 10º, n.º 4 da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.
17. Identificada a referida exceção perentória (expressamente identificada na contestação) o despacho saneador não se pronunciou conforme impõe o disposto no art.º 595º, n.º 1, al. b) do CPC, sendo assim nulo (Cfr. art.º 615º, n.º 1, al. d) e art.º 613º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1 do CPT), na parte em que deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, i.e., a referida excepção peremptória, impondo-se agora que o Tribunal ad quem reconheça a referida nulidade do despacho saneador, pronunciando-se sobre aquela excepção peremptória.
18. O despacho saneador proferido é igualmente nulo (Cfr. art.º 615º, n.º 1, al. d) e art.º 613º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1 do CPT), na parte em que deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, in casu, a seguinte excepção peremptória invocada na contestação (Cfr. art.º 595º, n.º 1, al. b) do CPC).
19. A saber, resulta do auto de declarações constante de Fls. 58 do “PD” (junto a págªs. 94 do articulado de motivação) que a última diligência de instrução ocorreu, pelas 15h00, do dia 25.05.2022, enquanto que a notificação da decisão ao A. foi concretizada pela R. em 13.07.2022. Cfr. pág.ª 120 do articulado de motivação.
20. Deste modo, entre a última diligência de instrução e o conhecimento da decisão mediaram mais de 30 dias, isto quando n.º 1 do artigo 357º do CT fixa em 30 dias o prazo que o empregador dispõe para proferir a decisão de despedimento (sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção).
21. O prazo de 30 dias fixado no n.º 1 do artigo 357º do CT tem cariz receptício, compreendendo e pressupondo a cognoscibilidade da decisão por parte do trabalhador, seu destinatário.
22. A própria data da decisão manuscritamente aposta na 16ª pág.ª da decisão (vide pág.ª 114 do articulado de motivação) é particularmente dúbia, já que aquela folha nem sequer está numerada de modo sequencial (no “PD”) tal como supra salientado, o que descredibiliza totalmente a sua veracidade.
23. Não será por acaso que a mesma pág.ª (fls. 114 do articulado de motivação) não está numerada, nem rubricada, contendo a data datilografada de 21.07.2022 (correspondente ao suposto momento da emissão da proposta de decisão), a data manuscrita de 23.06.2022 (alegadamente alusiva ao momento da decisão propriamente dita) e a data de 04.07.2022 (pretensamente referente ao regresso daquele documento ao serviço de apoio jurídico).
24. Apesar do exposto, só em 12.07.2022 [i.e. 19 (dezanove) dias depois da suposta data da decisão. Cfr. Fls. 114 do articulado de motivação v.s. fls. 118 do mesmo] é que o Digníssimo Instrutor se apressou a informar a alegada tempestividade do desfecho decisório, curiosamente (destaque-se) unicamente depois de em 06.07.2022 (Cfr. Fls. 118 e 119 do articulado de motivação) ter sido invocado o decurso do prazo de decisão.
25. Ou seja, em 06.07.2022, a R. foi confrontada pelo A. com a caducidade fixada no artigo 357º, n.º 1 do CT, tendo então implementado um procedimento interno visando (a todo o custo) ultrapassar aquela vicissitude processual.
26. Apesar de em 06.07.2022 a R. ter ficado ciente daquela preterição ainda demorou mais 7 (sete) dias a notificar a decisão ao A. Cfr. Fls. 120 do articulado de motivação.
27. Assim sendo, se fosse minimamente verosímil (e não é) que em 06.07.2022 a R. já tivesse proferido (como pretende sustentar através da documentação por si junta) a decisão, alegadamente datada de 23.06.2022 (que havia “dado entrada” nos seus Serviços de Apoio Jurídico, em 04.07.2022, tal como se encontra aposto a Fls. 114 do articulado de motivação), então não haveria qualquer motivo para o e-mail de 12.07.2022 (Cfr. Fls. 118 do articulado de motivação) não ser, desde logo, acompanhado da decisão (supostamente proferida a 23.06.2022).
28. O que sucedeu, lapidarmente, foi o seguinte: em 06.07.2022 (face ao então alegado pelo A.) a R. – percebendo que havia deixado passar o prazo ordenador e taxativo do n.º 1 do artigo 357º do CT – apressou-se a construir a aparência de uma decisão, de modo que ela pudesse vir a ostentar ter sido proferida em tempo.
29. Porém, na tentativa de disfarçar o sucedido, o certo é que a R. só remeteu a sua decisão por correio no dia 08.07.2022. Cfr. Fls. 116 do articulado de motivação.
30. Antevê-se que caso o A. não tivesse invocado a aludida caducidade (ainda no decurso do procedimento disciplinar), a R. ainda nem sequer o havia notificado, já que o mesmo se mostrava irrelevante para aquela, de tal modo que não lhe pagava a sua retribuição desde o momento em que o havia suspendido preventivamente, conforme infra exposto.
31. É manifesto, mormente em função do disposto no artigo 224º, n.º 1 do CC, que a declaração (de despedimento em causa) tinha um destinatário (A.) mas só se tornou eficaz quando chegou ao seu poder e foi por ele conhecida, ou seja, em 13.07.2022 (data em que já havia sido ultrapassado o prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do artigo 357º do CC). Cfr. pág.ª 120 do articulado de motivação.
32. Findo aquele prazo de 30 dias caduca o direito de aplicar a sanção em causa e o despedimento é assim ilícito, mas ainda que assim não se entenda, sem conceder, a caducidade do direito da R. aplicar a sanção promovida ao A. (Cfr. n.º 1 do artigo 357º do CT) é uma exceção perentória que importa a absolvição do A. do pedido feito pela R. no seu articulado motivador. Cfr. n.º 3 do artigo 576º do CPC.
33. Identificada a referida exceção perentória (expressamente identificada na contestação) o despacho saneador não se pronunciou conforme o disposto no art.º 595º, n.º 1, al. b) do CPC, sendo assim nulo (Cfr. art.º 615º, n.º 1, al. d) e art.º 613º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1 do CPT), na parte em que deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, i.e., a referida excepção peremptória, impondo-se agora que o Tribunal ad quem o faça.
Termos em que se deverá reconhecer que o Tribunal a quo:
a. Não podia admitir um meio de prova inadmissível (DVD´s):
i. por nulidade, decorrente da sua invalidade enquanto mecanismo desprovido de autorização, válida, idónea e bastante para os fins preconizados nos presentes autos; Cfr. al. a) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (que revogou a Lei n.º 99/2003, de 27.08), artigo 26º, n.º 1 da CRP, als. b) e d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, com os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do mesmo diploma legal e n.º 1 do artigo 21º do CT a contrario sensu.
ii. por ter sido junto intempestivamente e de modo processualmente admissível. Cfr. artigo 10º, n.º 4 da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.
iii. por não ter sido tido em consideração, nem ter sido junto, em sede disciplinar. Cfr. n.º 2 do artigo 98º-J do CPT (com substrato geral no n.º 3 do artigo 398º do CT), n.º 4 do artigo 357º do CT (invalidando o despedimento, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 382º do CT, tornando-o ilícito. Cfr. n.º 1 do artigo 382º do CT).
iv. em virtudo do teor do 2º parágrafo da autorização n.º 3007/2009 (Cfr. Fls. 74 e ss do articulado de motivação), da CNPD, no âmbito do Proc. n.º 08/09 (datada de 17.07.2009) revelar que o pedido de autorização foi formulado no ano de 2008, i.e., quando ainda não vigorava a Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (CT2009), tendo valido unicamente ao abrigo do CT2003.
b. Proferiu um despacho nulo (Cfr. art.º 615º, n.º 1, al. d) e art.º 613º, n.º 3, ambos do CPC, ex vi al. a) do n.º 2 do art.º 1 do CPT), na parte em que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, in casu, as excepções peremptórias invocadas na contestação (Cfr. art.º 595º, n.º 1, al. b) do CPC), devendo as mesmas ser reconhecidas, absolvendo-se o Recorrente do pedido, julgando-se ilícito o despedimento, determinando-se a sua imediata reintegração na Recorrida, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, determinando-se o pagamento de todas as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, assim se fazendo Justiça!”
1.3. Não consta que a R. tenha apresentado contra-alegações.
1.4. Em 9 de Maio de 2023 foi proferido, em conformidade com o artigo 641.º do CPC, o seguinte despacho judicial:
“Admite-se o recurso do despacho saneador, na parte em que admitiu meios de prova, interposto pelo autor, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A, n.º 1, alínea d), do Código de Processo de Trabalho.
O autor arguiu ainda a nulidade do despacho saneador, na parte em que não conheceu das exceções deduzidas.
Quanto a esta questão considera-se que não tendo tais questões sido apreciadas e decididas no despacho saneador, sê-lo-ão a final. Tal foi o entendimento do Tribunal no momento em que proferiu despacho saneador.
Nessa medida, improcede a arguida nulidade. Notifique.
O autor pretende a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, requerendo a prestação de caução no valor de €100,00.
Notifique o autor para explicitar o fundamento legal de tal pretensão quanto ao valor da caução.
Veio a ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, atenta a caução prestada pelo trabalhador.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi determinada a sua descida pela ora relatora, a fim de ser fixado o valor da causa em 1.ª instância (artigos 306.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 98.º-P, do Código de Processo do Trabalho).
1.6. Por despacho de fls. 165, a Mma. Juiz a quo fixou à acção, na 1.ª instância, o valor de € 14.682,00. vindo os autos a ser devolvidos à 2.ª instância após o trânsito em julgado do indicado despacho.
1.7.  A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, no qual opinou pela manutenção da decisão recorrida.
Foi cumprido o contraditório, tendo-se pronunciado apenas o A. sobre o indicado Parecer, concluindo como no recurso interposto.
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Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.                                                                  
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2. Objecto do recurso
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Vistas as conclusões, coloca-se à apreciação deste tribunal a questão de aferir da validade e admissibilidade do meio de prova em que se consubstanciam as gravações da videovigilância efetuada nas instalações da recorrida e que terão registado as condutas imputadas ao recorrente.
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Deve esclarecer-se que não se incluiu no objecto da apelação a alegação de omissão de pronúncia do despacho saneador de 06 de Janeiro de 2023, igualmente versada no recurso interposto, na medida em que o despacho proferido em 09 de Maio de 2023 nos termos do artigo 641.º do CPC, que o admitiu, foi preciso na delimitação da sua decisão : “[a]dmite-se o recurso do despacho saneador, na parte em que admitiu meios de prova, interposto pelo autor, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-A, n.º 1, alínea d)”. O recorrente não deduziu reclamação no que concerne à parte da apelação em que alegara a omissão de pronúncia do despacho saneador, que não foi incluída na admissão do recurso, quer na perspectiva de refutar uma decisão implícita de não admissão do recurso quanto à omissão de pronúncia do despacho saneador (da qual seria dedutível reclamação nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil), quer na perspectiva de arguir uma omissão de pronúncia do despacho de 09 de Maio de 2023 sobre essa vertente do recurso (omissão que, a considerar-se ter ocorrido, deveria ser arguida nos termos do artigo 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Seja como for, uma vez que na resposta ao douto Parecer do Ministério Público o recorrente reitera o alegado na apelação, sem qualquer restrição, cabe salientar que, por falta de reacção atempada da parte, o despacho de 09 de Maio de 2023 se reveste de força de caso julgado formal (artigo 620.º do CPC), devendo este Tribunal da Relação de Lisboa apreciar o recurso aí admitido nossa termos em que o foi.
Deve dizer-se, contudo, que não é admissível recurso imediato da decisão que não procede à aplicação do disposto no artigo 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho. Sendo indiscutível que tal decisão não encontra guarida no n.º 1, do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho, igualmente não a encontra na alínea g) do n.º 2 do preceito que possibilita a recorribilidade imediata “[d]a decisão prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º-J”. Com efeito, este preceito reposta-se à decisão que “[c]ondena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho”, pois não há dúvida de que a decisão sob recurso, acima transcrita, não condenou o empregador nos termos da alínea a), do n.º 3, do artigo 98.º-J do CPT.
Quanto às demais excepções suscitadas na contestação, resulta da decisão sob recurso que a mesma relegou para momento posterior o seu conhecimento por depender da factualidade alegada e da subsequente subsunção jurídica “da prova a produzir em sede de audiência final”.  É o que se infere do despacho saneador e, depois, vem a ser esclarecido pelo despacho de admissão do recurso. Não se enquadra, pois, na hipótese da alínea b), do n.º 1 do referido art.º 79º-A, do Código de Processo do Trabalho que estabelece caber recurso de apelação do despacho saneador que, “sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos", sendo certo que o n.º 4 do art.º 595.º do CPC dispõe expressamente que "”[n]ão cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer". Pelo que, ainda que reconhecendo ser francamente lacónico o despacho saneador sob recurso no que concerne à possibilidade de conhecimento da referenciada matéria, é de considerar que o mesmo é, de facto, insusceptível de apelação autónoma no que a ela diz respeito, restando apenas para apreciar a questão da admissibilidade da valoração, como meio de prova, das imagens captadas através do sistema de videovigilância documentadas nos DVD’s juntos aos autos (fls. 88 e 89).
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3. Fundamentação de facto
Os factos com relevo para a decisão da questão colocada no recurso emergem do relatório a que se procedeu.
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4. Fundamentação de direito
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Alega o apelante no recurso que o tribunal a quo não podia admitir um meio de prova inadmissível (DVD´s), em síntese, por nulidade decorrente da sua invalidade enquanto mecanismo desprovido de autorização, válida, idónea e bastante para os fins preconizados nos presentes autos, mostrando-se violado o artigo, 21.º do CT (pontos i. e iv. da alínea a. das conclusões), por ter sido junto intempestivamente e do modo processualmente inadmissível (ponto ii. da alínea a. das conclusões) e por não ser tido em consideração no procedimento disciplinar e não ter sido ao mesmo junto (ponto iii. da alínea a. das conclusões).
Cabe pois aferir se, no caso em análise, as imagens captadas pelo sistema de videovigilância no dia 12 de Janeiro de 2022 no Hospital X e no dia 17 de Fevereiro de 2022 no Hospital de Y, estabelecimentos hospitalares em que o ora recorrente exercia funções ao serviço da recorrida, poderão ser ponderadas como meio de prova susceptível de fundar a decisão de facto a proferir nestes autos.
Ou seja, está em causa a validade e admissibilidade deste meio de prova.
4.1. Desde já adiantamos que a circunstância de o indicado meio de prova não ser tido em consideração no procedimento disciplinar e não ter sido ao mesmo junto não colide com a sua admissibilidade nesta acção judicial, nem tão pouco invalida o despedimento nos termos dos artigos 357.º, n.º 4 e 382.º, n.º 2, alínea d) do Código do Trabalho e 98.º-J, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. Com efeito, a vinculação temática determinada nestes preceitos respeita aos factos imputados ao trabalhador na nota de culpa e na decisão de despedimento em fundamento desta decisão extintiva do vínculo laboral e não aos meios de prova de que o empregador lançou mão para considerar provados tais factos. Há que distinguir bem os factos que devem ser relatados na nota de culpa e na decisão final do procedimento disciplinar, dos meios de prova que permitiram ao empregador alcançar a convicção de que o comportamento que imputa ao trabalhador se verificou, ou seja, de que se verificaram aqueles factos[1]. Quanto aos meios de prova não há qualquer vinculação do empregador, nada lhe impondo que produza no processo judicial apenas os meios de prova que produziu no procedimento disciplinar (sem prejuízo de se afirmar a sua imprestabilidade, vg. por se tratar de meios de prova ilícitos) nem se lhe impondo, sequer, que no procedimento disciplinar produza meios de prova (com excepção, naturalmente, das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e que o empregador, nos termos do art.º 356º, nº 1, do CT/2009, deverá levar a cabo a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, caso em que o deverá alegar fundamentadamente, por escrito).
Com efeito, como vem dito no Acórdão da Relação do Porto de 14 de Março de 2016[2], “o Código do Trabalho não impõe ao empregador a realização, no âmbito do procedimento disciplinar, de diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador”, o que bem, se compreende na medida em que o procedimento disciplinar é um processo de parte, que está na disponibilidade e sob tutela do empregador e que é por ele, e por sua conta e risco, conduzido. Por isso, continua o aresto, “no âmbito da impugnação judicial do despedimento, não cabe ao tribunal apreciar se a decisão do despedimento é, ou não, sustentada e justificada perante a prova que foi (ou não foi) produzida no procedimento disciplinar” sendo o juízo quanto à existência ou não de justa causa para o despedimento feito pelo Tribunal apenas “perante e de acordo com a prova que seja oferecida e efetuada no âmbito do processo judicial e de acordo com as normas processuais próprias deste”.
Concorda-se com a Exma. Procuradora-Geral Adjunta quando a mesma afirma que a visualização de imagens gravadas (admissíveis ou não) não corresponde a um fundamento da decisão de despedimento, não corresponde aos factos que legitimam ou justificam o despedimento. Obviamente que não. Corresponde, sim, a um meio de prova susceptível de, na óptica do empregador, revelar aqueles factos praticados pelo trabalhador e que justificam o respectivo despedimento – cfr. o artigo 341.º do Código Civil.
O facto de o empregador não produzir no procedimento disciplinar meios de prova que depois vem a requerer em juízo, em nada contende com a admissibilidade destes meios de prova ou com a validade do procedimento disciplinar.
4.2. Igualmente se nos afigura que a alegação de a prova documental em causa não ter sido junta tempestivamente e de modo processualmente admissível não implica a sua inadmissibilidade, nem obsta definitivamente à sua produção enquanto meio de prova.
Na verdade, no articulado de motivação do despedimento apresentado em juízo a 2022.08.31, o R. disse que juntava “Processo disciplinar e 2 documentos (videogramas em suporte DVD)” mas apenas em 2022.09.06, por requerimento apresentado na secretaria judicial, juntou 2 DVD´s, alegando “...a junção aos autos de dois DVD´s, mencionados no requerimento de motivação do despedimento e que não foi possível enviar a juízo por via electrónica”.
Segundo alega o recorrente, para além de não ter junto aqueles documentos com a sua peça processual  e de não ter alegado que os juntaria a posteriori mormente porque o seu volume não pode ser inserido na plataforma citius, a R. poderia unicamente proceder à sua junção física, no prazo de 5 dias após a entrega da peça processual, juntamente com o respetivo comprovativo de entrega disponibilizado pelo citius. Invoca o artigo 10º, n.º 4 da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro como norma incumprida.
Desde logo cabe notar que o recorrente não pretenderá referir-se ao artigo 10.º, n.º 4, da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro, mas ao artigo 6.º, n.º 6, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, uma vez que a primeira portaria foi revogada pela segunda. Segundo o n.º 5 deste artigo 6.º, podem ser entregues em suporte físico os documentos “a) Cujo suporte físico não seja em papel ou cujo papel tenha uma espessura superior a 127 g/m2 ou inferior a 50 g/m2; b) Em formatos superiores a A4”, estabelecendo o n.º 6 que “[a] entrega dos documentos referidos no número anterior deve ser efetuada no prazo de cinco dias após o envio dos formulários e ficheiros através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais”.
Embora não da forma mais ortodoxa (pois que o deveria ter anunciado no articulado motivador), cremos que deste modo o R. invocou a impossibilidade de enviar os indicados DVD’s por via electrónica na ocasião em que os apresentou em juízo (vide fls. 87), mostrando-se preenchida a hipótese da alínea  a), do artigo 10.º, n.º 5 da Portaria n.º 280/2013 pois o suporte físico dos DVD’s não é em papel.
Além disso, justificou na acção a razão de ter entregue a indicada prova documental dois dias depois dos 5 dias previstos no indicado n.º 6, do artigo 10.º, pois que alegou expressamente que o prazo para apresentar o requerimento motivador terminou a 2 de Setembro e juntou o suporte físico na primeira oportunidade disponível - 6 de setembro - uma vez que nos dias 1 e 2 de Setembro os oficiais de justiça estiveram em período de greve, pelo que o prazo de apresentação em juízo de 5 dias foi respeitado, uma vez que terminou somente a dia 7 de Setembro (artigos 19.º a 23.º da resposta), justificação esta que o recorrente não refuta na apelação.
Deve acrescentar-se que, independentemente da eventual justificação da junção tardia e da opção pelo meio utilizado, sempre poderia o juiz, no âmbito do seu poder dever de indagação oficiosa, ainda que conjugado com o princípio do dispositivo, determinar a visualização dos registos de imagens caso considerasse que a diligência tem interesse e é necessária para a decisão da causa. Na verdade, tal como consagra o artigo 6.º do CPC, “cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Além disso, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, conforme estabelece o artigo 411.º do mesmo Código.
Ou seja, não é por força da junção tardia ou por modo processual impróprio que o meio de prova se reveste de invalidade determinativa da inadmissibilidade da sua produção.
4.3. Analisemos, então, se o meio de prova em que se consubstanciam as imagens obtidas pelos sistemas de videovigilância que o recorrido tinha instalados nos locais onde o recorrente desenvolvia o seu trabalho nos dias 12 de Janeiro e 17 de Fevereiro de 2022, data em que alegadamente se verificaram os factos que imputou ao trabalhador no procedimento disciplinar é inadmissível e nulo.
Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Acrescenta-se no n.º 2 do mesmo artigo que a utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Não desconhecemos a controvérsia que envolve a questão de saber se é possível usar como meio de prova, quer no processo disciplinar, quer no processo judicial, as imagens captadas por câmaras de vigilância que, embora sem essa específica finalidade, possam ter registado alguma conduta ilícita do trabalhador.
Segundo alguma doutrina e jurisprudência, é totalmente vedado usar as imagens com tal objectivo, entendendo-se que a autorização para o recurso à videovigilância admitida para a prossecução de um certo, concreto e determinado fim, a protecção de pessoas e bens, apenas poderá ser usada para esse mesmo fim e não para efeitos de punir disciplinarmente o trabalhador[3].
Um outro entendimento surgiu, contudo, no sentido de que é legítimo o uso das imagens captadas por câmaras de observação genérica, considerando-se que a limitação constante do nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho deve ser adequadamente interpretada quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender[4]. Cremos que esta tese colheu uma larga adesão na jurisprudência, podendo dizer-se que, à luz do regime jurídico em vigor antes da aplicação na ordem jurídica interna do RGPD, havia algum consenso no sentido de que a utilização de meios de vigilância no local de trabalho é lícita se cumprir os requisitos de fim e publicidade previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho e for obtida a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados e, também, no sentido de que, estando em causa uma das finalidades legalmente previstas no n.º 2 desse artigo, concretamente a protecção e segurança de pessoas e bens, as actuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens podem ser licitamente verificadas como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, tanto quanto o podem ser idênticas condutas de terceiros, admitindo-se que os dados obtidos sirvam de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar[5].
Desenhou-se ainda um último entendimento que, coincidindo na essência com o entendimento anterior, coloca ainda as exigências de a infracção disciplinar relacionada com a finalidade da utilização de meios de vigilância à distância ser de particular gravidade, constituindo crime, e de a imagem não poder constituir a única prova do facto ilícito imputado ao trabalhador[6]. Segundo Teresa Coelho Moreira, “em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo” Citando Goñi Sein, diz a autora que o princípio da finalidade “não deve amparar a impunidade dos que nele se refugiam para cometer ilícitos, nem lesar o direito do empregador a proteger-se do prejuízo ou da responsabilidade que poderá derivar das acções lícitas dos seus trabalhadores como seria o caso, inter alia, de agressões, roubos e furto”[7]. Em estudo anterior, esta autora colocava ainda uma exigência adicional para admitir a utilização para fins disciplinares das imagens obtidas quando através das gravações obtidas se visualiza a prática de ilícitos penais de relevo que consubstanciem infracções disciplinares graves: a de, nos termos do art.º 18º, nº 1, alínea a), da Lei se Segurança Privada [Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro],se ter “comunicado de imediato à autoridade judiciária ou policial competente a prática deste crime "[8]
Perfilhamos a segunda tese[9] que, aliás, é conforme com a actual solução legislativa prescrita no artigo 28.º, da Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, de acordo com o qual “[a]s imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal” (n.º 4) e “[n]os casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal” (n.º 5)[10].
Com efeito, está em causa conciliar direitos consagrados na lei constitucional e ordinária.
Por um lado, os direitos à imagem, à liberdade de movimentos e à reserva ou não ingerência na esfera privada por meios de vigilância à distância, previstos como direitos fundamentais no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa e consagrados nos artigos 79.º e 80.º do Código Civil e, especialmente, como direitos de personalidade do trabalhador no artigo 20.º do Código do Trabalho. Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos contempla no artigo 8.º o direito que qualquer pessoa tem ao respeito da sua vida privada[11].
Por outro lado, os direitos à vida e integridade pessoal e os direitos de propriedade, de constituição de empresa, bem como, na medida em que o registo das imagens visa nestes casos prevenir actos ilícitos atentatórios dos bens jurídicos da vida, integridade pessoal e propriedade, por um lado, e comprovar, por outro, a sua prática, os próprios princípios da manutenção do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efectiva, que integra o direito à prova – artigos 20.º 24.º, 25.º 61.º e 62.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
Este segundo grupo de direitos pode colidir com o primeiro, no campo da sua afirmação com a necessária consistência efectiva, mediante a utilização como meio de prova no procedimento disciplinar e subsequente processo judicial das imagens obtidas fortuitamente por meios de vigilância à distância.
O artigo 20.º do Código do Trabalho veio estabelecer especificamente quanto aos meios de vigilância à distância, as condições em que estes meios podem ser utilizados no local de trabalho, dispondo nos seguintes termos:
«1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.»
Deste preceito decorre que o legislador, estatuindo nesta matéria em conformidade com o que estabelece o n.º 2 do art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa, considerou ilegítima a utilização dos sistemas de videovigilância no local de trabalho quando esta tenha a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador e proibiu-a expressamente (n.º 1 do art.º 20.º do CT).
E decorre, também, que considerou legítima a utilização da vigilância à distância no local de trabalho sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem (n.º 2 do art.º 20.º), estabelecendo nestes casos a obrigação do empregador de informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dessa utilização (n.º 3 do art.º 20.º).
Ou seja, fazendo um juízo de concordância prática entre os vários direitos e interesses constitucionalmente protegidos em presença, a lei ordinária admitiu a restrição aos direitos à imagem e privacidade (art.º 26.º da CRP) através de meios de vigilância electrónica no local de trabalho, sempre que o uso destes meios tenha por finalidade a “protecção de pessoas e bens”, assim salvaguardando os direitos igualmente protegidos na Lei Fundamental da propriedade e, também, da vida e integridade física das pessoas, bem como (na medida em que o registo das imagens visa nestes casos prevenir, por um lado, e comprovar, por outro, a prática de atentatórios das finalidades enunciadas no n.º 2) os princípios da manutenção do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efectiva (art.ºs 24.º, 25.º, 62.º e 2.º da CRP).
Nesta linha, afirmou-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Fevereiro de 2015 que «[a] ponderação da espessura dos direitos e dos interesses na sua efectivação prática deve ser a medida da restrição de cada um ou da sua concordância, ideia que é juridicamente sustentada desde logo pelo art.º 335.º do Código Civil (“Colisão de direitos”). Se bem analisarmos, o art.º 20.º n.º 1 do Código do Trabalho apenas proíbe o controlo dedicado e permanente das acções do trabalhador, mediante os meios de vigilância à distância. Mas o seu n.º 2 já permite (“é lícita”) a utilização desse equipamento quando o tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens. Ou seja, a nosso ver, é a própria norma que sugere a concordância prática e proporcionada dos direitos em questão. Quando esteja em causa a protecção e segurança de pessoas e bens, já é possível, ainda que de forma fortuita ou incidental, verificar uma conduta lesiva e ilícita dos próprios trabalhadores. E verificada esta, não pode sustentadamente defender-se que as imagens ou os dados obtidos não podem servir como meio de prova num despedimento ou sancionamento disciplinar. Na verdade, se assim sucedesse estaria a maior parte das vezes enfraquecida ou anulada a finalidade da vigilância lícita e que é a de garantir a protecção e segurança de pessoas e bens – numa via a protecção e segurança seriam aparentemente concedidas, noutra via seriam real e contraditoriamente retiradas.»
Quando foram captadas as imagens em causa no caso sub judice – Janeiro e Fevereiro de 2022 – encontrava-se já em vigor na ordem jurídica interna, desde 25 de Maio de 2018, o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Directiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados - RGPD).
O RGPD é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados Membros nos termos do artigo 288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), ainda que no seu artigo 88.º, que contempla o tratamento em contexto laboral, remeta para o ordenamento jurídico dos Estados Membros a definição de “normas mais específicas para garantir a defesa dos direitos e liberdades no que respeita ao tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto laboral”, no sentido de “desenvolver, densificar, concretizar, as regras gerais previstas no RGPD atendendo às especificidades da relação laboral[12].
Este RGPD não prevê a necessidade de autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, concretamente a que era dada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD). De acordo com o RGPD, é o responsável pelo tratamento que deve analisar previamente se o tratamento de dados pessoais, decorrente da utilização de um sistema de videovigilância, cumpre os requisitos do Regulamento (artigos 24.º, 25.º e 28.º do RGPD) e de outra legislação nacional que seja aplicável, vg. o Código do Trabalho.
Deixou pois a CNPD, a partir de 25 de Maio de 2018, de emitir autorizações para instalação de meios de vigilância à distância com captação de imagens nos locais de trabalho,  afastando efectivamente o princípio da intervenção prévia da Comissão de Protecção de Dados, que deixou de ter competência para autorizar a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, e atribuindo às próprias entidades responsáveis pelo tratamento a obrigação de verificação do cumprimento dos diversos requisitos e de adopção de medidas que salvaguardem a protecção dos dados, pelo que a autorização administrativa deixou de constituir um pressuposto formal a ser observado.
Esta constatação afasta desde logo a argumentação do recorrente quando o mesmo alega que, por o pedido de autorização ter sido formulado no ano de 2008, quando ainda não vigorava a Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (Código do Trabalho de 2009), e a autorização existente ter sido conferida com base no Código do Trabalho de 2003, já revogado (artigo 12º da Lei n.º 07/2009), está a mesma desconforme com a lei vigente à data do procedimento disciplinar e aplicável (Código do Trabalho de 2009), daqui retirando que não é possível o aproveitamento daquele acto administrativo, com invocação dos artigos 26º, n.º 1 da CRP, artigo 161º, n.º 2, als. b) e d) e 162.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Procedimento Administrativo.
Sendo desnecessária a autorização da CNPD, irreleva a circunstância de já não estar em vigor a lei substantiva laboral ao abrigo da qual a mesma foi emitida (além de que, diga-se, o regime dos meios de vigilância à distância no local de trabalho foi mantido no seu essencial nos dois Códigos do Trabalho sucessivos).
O regime previsto no Regulamento UE nº 2016/679, de 27 de Abril, em vigor desde 25 de Maio de 2018, de acordo com o qual se dispensa a autorização administrativa para a captação de imagens de videovigilância, não está em sintonia com o disposto no art.º 21º, nº 1, do Código do Trabalho (norma que continua em vigor na sua redacção primitiva, acima reproduzida), afastando o princípio da intervenção prévia da Comissão de Protecção de Dados, mas atribui às próprias entidades responsáveis pelo tratamento a obrigação de verificação do cumprimento dos diversos requisitos e de adopção de medidas que salvaguardem a protecção dos dados, o que torna mais exigente a verificação do efectivo cumprimento dos requisitos, apesar de a autorização administrativa já não constituir um pressuposto formal a ser observado.
Ou seja, a desnecessidade actual da autorização da CNPD não significa que os demais pressupostos previstos no Código do Trabalho e no RGPD possam ser postergados, continuando a entidade responsável pelo tratamento a dever comprovar o efectivo cumprimento desses pressupostos, ficando a admissibilidade da valoração das correspondentes imagens como meio de prova dependente da alegação e prova do cumprimento de tais requisitos por parte da entidade responsável.
E quando exista tal autorização administrativa, produzidas ao abrigo da lei anterior, não deve a mesma deixar de ser ponderada porque a sua concessão revela que houve uma entidade pública independente, e com poderes de autoridade, a analisar as concretas condições em que foram instaladas as câmaras de vigilância que captaram as imagens que a R. pretende usar como meio de prova no caso sub judice, bem como a indicar a finalidade da instalação e a aferir se o meio usado era necessário, adequado e proporcional aos objectivos a atingir, como prescreve o n.º 2, do artigo 21.º do Código do Trabalho.
No caso vertente, resulta das autorizações concedidas que a finalidade da utilização do sistema de videovigilância consiste na “protecção de pessoas e bens” para ambos os locais em causa (fls. 63 e 64 verso), que constituem locais em que o recorrente desenvolve o seu trabalho como motorista que recolhe medicamentos da farmácia do estabelecimento hospitalar e os distribui, entre polos do recorrido (artigos 5.º do articulado motivador e 221.º, 223.º, 225.º, 235.º, 238.º da contestação), estando observado o princípio da finalidade.
Nada mais foi alegado e resulta dos autos, designadamente quanto à imprescindível informação aos trabalhadores e afixação de um aviso informativo que esclareça os titulares dos dados sobre a utilização do sistema de videovigilância, o qual se destina a cumprir o dever de informação prescrito no n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho e deve respeitar o previsto no artigo 31.º, n.ºs 5 e 6, da Lei 34/2013, de 16 de Maio[13] e respectiva portaria regulamentar (Portaria n.º 277/2013, de 20 de Agosto – artigo 155.º), por força do que estabelece o artigo 19.º da Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto.
O empregador ora recorrido, enquanto entidade responsável pelo tratamento das imagens que tinha o ónus de demonstrar o cabal cumprimento dos requisitos da licitude da recolha das imagens de videovigilância, limitou-se a alegar no articulado motivador do despedimento que o “autor foi filmado e é a sua imagem que aparece nas gravações que se juntam e cujo visionamento se requer para efeitos de prova dos factos e identificação do autor” (artigo 9.º do articulado) e que o R. “está autorizado a recolher imagens de vídeo pela CNPD” (artigo 10.º do mesmo articulado), remetendo para as autorizações constantes do procedimento disciplinar e juntando posteriormente aos autos um suporte com tais imagens, o que é manifestamente insuficiente.
Apesar da autorização administrativa, que não era necessária à data dos factos, e de as infracções disciplinares imputadas ao recorrente poderem consubstanciar infracções de natureza criminal[14], circunstâncias que permitiriam em princípio a utilização das imagens gravadas no apuramento da responsabilidade disciplinar, era exigida ao empregador que ofereceu o indicado meio de prova a demonstração do cumprimento dos demais requisitos do tratamento de dados, o que, manifestamente, não sucedeu, vg. no que concerne ao cumprimento da obrigação de informação ao trabalhador e do dever de afixação, previstos nos artigos 20.º, n.º 3 do Código do Trabalho e 31.º, n.ºs 5 e 6, da Lei 34/2013 e respectiva portaria regulamentar, por força do que estabelece o artigo 19.º da Lei n.º 58/2019.
Não pode, pois, afirmar-se que o empregador ora recorrido podia utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico.
O que torna ilícito o meio de prova em causa – visionamento das imagens da videovigilância – e impede que o tribunal nele funde ulteriormente a sua convicção probatória ao decidir do apuramento dos factos que o recorrido imputou ao recorrente, sem prejuízo da produção de outros meios de prova lícitos e susceptíveis de os revelar.
Cabe, assim, revogar o despacho sob recurso que admitiu tal meio de prova.
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4.4. As custas do recurso deverão ser suportadas pelo recorrido, que ficou vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Ter-se-á, contudo, em consideração que não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou (artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais). Não havendo lugar a encargos no recurso, a sua condenação é restrita às custas de parte que haja.
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5. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e revogar a decisão da 1.ª instância que admitiu como meio de prova os registos de videovigilância juntos aos autos.
Condena-se o recorrido nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2023
Maria José Costa Pinto
Celina Nóbrega
Leopoldo Soares

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[1] É patente que não é imputado ao trabalhador o facto de ter sido filmado pois tal resulta de um acto do empregador e não de uma conduta sua.
[2] Proferido no processo nº 1097/15.4T8VLG-A.P1, que a ora relatora subscreveu como adjunta, in www.dgsi.pt.
[3] Vide Miguel Basto, Da (I)Legalidade da Utilização de Meios de Vigilância Electrónica (Para Controlo do Desempenho Profissional do Trabalhador), p. 15, in www.verbojuridico.com, e na jurisprudência o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2006.05.03, processo 872/2006-4, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2011.05.09, processo 379/10.6TTBCL-A.P1, ambos in www.dgsi.pt.
[4] Vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 2010.11.09, processo 292/09.0TTSTB.E1, e de 2012.12.07, processo 292/09.0TTSTB, do Tribunal da Relação de Lisboa de 2011.11.16, processo 17/10.7TTBRR.L1-4, de 2012.06.06, processo 18/09.8TTALM.L1-4, e de 2014.10.08, processo 149/14.2TTCSC.L1-4, todos in www.dgsi.pt, e David de Oliveira Festas, O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho, in ROA, ano 64, vol. I/II, Nov, 2004.
[5] Vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2013.02.04, Processo n.º 229/11.6TTLMG.P1, o Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.02.06, Processo 359/13.0TTFIG-A.C1, o Acórdão da Relação de Guimarães de 2015.06.25, Processo n.º 522/14.6TTGMR-A.G1, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2019.09.09, Processo n.º 1437/18.4T8VFR.P1, todos in www.dgsi.pt. Na doutrina, Pedro Furtado Martins, As limitações aos modos de exercício dos poderes de fiscalização e controle do empregador decorrentes das regras que tutelam a privacidade dos trabalhadores e a articulação da responsabilidade disciplinar com a responsabilidade criminal, Conferência proferida no VIII Colóquio sobre Direito do Trabalho do Supremo Tribunal de Justiça, in www.stj.pt.
[6] Vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2015.10.19, Processo nº 402/14.5TTVNG.P1, in www.dgsi.pt.
[7] Teresa Alexandra Coelho Moreira, in Estudos de Direito do Trabalho, Volume II, Coimbra, 2016,  p. 150.
[8] Teresa Alexandra Coelho Moreira, "Os ilícitos disciplinares dos Trabalhadores Detectados através de Sistemas de Videovigilância e a sua admissibilidade como prova: Comentários aos Acórdãos da Relação de Évora, de 9 de Novembro de 2010 e da Relação do Porto, de 09 de Maio de 2011", in Estudos de Direito do Trabalho, Volume II, Coimbra, 2011,  p. 289.
[9] Assim o fizemos já no Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Novembro de 2019, processo n.º 2656/18.9T8PDL.L1 (com relato da ora relatora).
[10] Esta norma clarifica que apenas é possível a utilização das imagens captadas através de videovigilância quando estiverem em causa infracções disciplinares que constituam também ilícitos penais. Mas coloca também o problema de saber se a utilização no procedimento disciplinar tem que ser precedida da utilização no processo criminal, atenta a equivocidade da redacção do seu n.º 5. Cremos ser esta a posição da CNPD, pois fez constar do respectivo sítio na internet a seguinte informação: “As imagens só podem ser utilizadas no âmbito de processo penal e, apenas posteriormente, ser utilizadas para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar (artigo 28.º, n.ºs 4 e 5 da Lei 58/2019)” – in https://www.cnpd.pt/organizacoes/areas-tematicas/videovigilancia/.
[11] O conceito de “vida privada” tutelado no artigo 8.º da CEDH, de acordo com a jurisprudência do TEDH, tem uma grande amplitude, no sentido do direito a viver uma “vida privada social”, desenvolvendo a sua identidade social sem interferência de terceiros – vide o Acórdão da Grande Câmara Bãrbulesco versus Roménia de 12 de Janeiro de 2016 (n.º 61496/08) e o comentário ao mesmo feito por J. Zenha Martins, em estudo intitulado “Comentário ao Acórdão do TEDH Bãrbulesco versus Roménia de 12 de Janeiro de 2016”, in Revista do Ministério Público, n.º 145, pp. 177 e ss. 
[12] Vide Bruno Mestre, no seu artigo “O RGPD, o TEDH e as relações laborais: um equilíbrio complexo”, in PDT, 2018-II, p 171.
[13] Nos termos do qual nos locais objeto de vigilância com recurso a câmaras de vídeo é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre matérias ali elencadas – a menção «Para sua proteção, este local é objeto de videovigilância», a entidade de segurança privada autorizada a operar o sistema, pela menção do nome e alvará ou licença, o responsável pelo tratamento dos dados recolhidos perante quem os direitos de acesso e retificação podem ser exercidos – a qual deve ser acompanhada de simbologia adequada, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.
[14] Crimes de dano e de ofensa à integridade física (artigos 212.º e 153.º e ss. do Código Penal).